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ÍNDICE INTRODUÇÃO ..................................................................1 A democratização do setor financeiro ..........................2 Os desafios das novas empresas do mercado financeiro ........................................................ 7 Como é trabalhar em fintechs brasileiras .....................12 Onde estão as oportunidades, segundo grandes empreendedores do setor financeiro ......................... 19 O que investidores procuram? ....................................23 As máquinas estão chegando: como se preparar para um novo mercado financeiro ................28 INTRODUÇÃO 1 Voltar para o índice O Brasil é um país enorme: são mais de 200 milhões de pessoas em 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Dentro dessa imensidão, há um mundo de contrastes. Um terço de sua população adulta não tem conta bancária e há quem ainda envie dinheiro pelo correio. Do outro lado, o oposto: mais da metade das transações bancárias feitas no país em 2015 aconteceram via internet e mobile banking. Uma palavra é capaz de unir essas duas pontas: oportunidade. Especificamente, oportunidade para empreendedores no setor financeiro. Quando uma inovação tecnológica está envolvida num negócio nesse mercado, seja ela uma solução de pagamento, uma moeda encriptografada, uma plataforma de crédito online ou app de educação financeira, essa startup pode ser considerada uma fintech. É um setor em crescimento pelo mundo: em 2016, foram cerca de US$ 17 bilhões em investimentos, principalmente nos EUA, Europa e na região Ásia-Pacífico. O Brasil não ficou para trás. Segundo o relatório de 2017 do hub FintechLab sobre o país, há cerca 244 empreendimentos do tipo hoje, em sua maioria já com clientes pagantes. As categorias são diversas, como pagamentos (pense na Stone), empréstimos (como Creditas e Biva), serviços bancários (Banco Neon), crédito, (Nubank), gestão financeira (GuiaBolso) e seguros (TôGarantido). Muitos desses empreendimentos, inclusive, têm crescido exponencialmente para além do tamanho do que se costuma considerar a “fase startup”, e hoje são empresas consolidadas disputando com os big players - caso, por exemplo, do Nubank, concorrendo com bancos tradicionais que estão há décadas no mercado, e da Stone, que compete em um setor por anos dominado por duas grandes empresas. Todas as empresas citadas acima aparecem neste especial, que trata de inovações no mercado financeiro, marcadas em grande parte pela democratização do setor e pelo apoio que proporcionado aos empreendedores brasileiros. Buscamos trazer aqui os seus desafios e oportunidades, ambientes de trabalho, perfis profissionais e um panorama de a quantas anda a automação do mercado financeiro como um todo. Num setor altamente regulado e que exige bastante capital, não há como escapar da questão dos investidores, que injetaram cerca de R$ 1 bilhão no segmento ao longo de 2016. E para entender melhor o que buscam, entrevistamos três deles. Para quem se pergunta se esta não é uma bolha prestes a estourar, a reflexão é rápida: quem nunca desejou que sua vida financeira fosse pelo menos um pouquinho mais fácil? A DEMOCRATIZAÇÃO DO SETOR FINANCEIRO Como startups, fintechs e novas empresas estão mudando um campo tradicionalmente concentrado e oferecendo novas opções aos brasileiros É um dia qualquer de 2016. Quantas vezes você usou seu celular hoje? Seu computador? Seu cartão do banco? Aplicativos e soluções digitais seguem transformando setores como mobilidade urbana, saúde, segurança e gestão pública, integrando funções e ferramentas que facilitam o dia a dia dos usuários. Era questão de tempo, então, até que surgisse algo no setor de serviços financeiros. O movimento é encabeçado por empresas de diversas propostas de atuação e que são muitas vezes chamadas de fintechs, termo que vem do inglês financial technology e está em franca ascensão no Brasil. Segundo relatório publicado pelo FintechLab, um hub de conhecimento especializado no setor, o país já registra 244 empresas do tipo. É um começo notável, especialmente quando se leva em conta que, em agosto de 2015, havia apenas 54 fintechs no Brasil. Extremamente inovadoras, as startups que desbravam o campo no país também têm despertado interesse e curiosidade dos consumidores. De crowdfunding a empréstimos, passando por pagamentos com cartão, investimentos, abertura de contas e educação financeira, essas empresas formam uma indústria repleta de subdivisões. A ideia por trás costuma ser tornar as transações mais eficientes, principalmente através da redução de intermediários e custos e da automação de análises, empoderando assim o consumidor, seja ele uma pessoa física ou um empreendedor. O foco nas necessidades reais do usuário é fundamental: afinal, startups que não encontram clientes não sobrevivem. 2 Aproveitando oportunidades Muitas das oportunidades aproveitadas hoje são novas e surgiram tanto do avanço da tecnologia quanto de mudanças legislativas. A Stone, que apareceu em 2012 e já é a quarta maior adquirente do mercado de pagamentos, é fruto de ambas. No caso, são essas as empresas que permitem que transações com cartões sejam realizadas, tanto no mundo físico, por meio das máquinas, quanto no mundo digital dos e-commerces, cada vez mais populares – é a empresa, por exemplo, que permite que usuários paguem mensalmente aplicativos de streaming de música, séries e filmes. Dois anos antes da criação da Stone, o governo havia suspendido o exclusividade das operações em máquinas de cartão, que eram dominadas pela Mastercard (através da Redecard) e pela Visa (através da Visanet, que depois da medida mudou seu nome para Cielo). Até então, um empreendedor que quisesse passar cartões dessas ou outras bandeiras precisava adquirir ou alugar equipamentos específicos para cada uma, o que encarecia o custo do negócio. A partir daquele momento, uma só máquina poderia passar todas as bandeiras, o que representava uma economia para lojistas e abertura para a competição. “Quando olhamos o mercado, vimos que havia basicamente dois participantes grandes e uma mudança digital acontecendo”, explicou Augusto Lins, diretor da Stone, durante o evento Innovation Pay, em São Paulo. E-commerce e mobile também estavam se espalhando rapidamente pelo país, lembrou, o que delineava uma grande oportunidade no mercado de pagamentos brasileiro e que tendia a crescer Após a mudança na regulação do Banco Central, outros players também surgiram, como a GetNet. Havia também outro aspecto do segmento apto para receber inovações e que poderia ser uma vantagem competitiva em relação aos players tradicionais: o foco no relacionamento com o cliente, acostumado a lidar com empresas burocráticas e serviços pouco convidativos. “Vimos onde ajudar nossos clientes inclusive através de um atendimento mais cordial e próximo”, disse Augusto. “É um estímulo para buscarmos alternativas que vão trazer conveniência, economia e melhorar a experiência do cliente num espaço que está muito visível no mercado.” “Percebemos uma dor de um cliente que é o empreendedor ou lojista e que só podia contratar duas empresas que tinham um serviço e atendimento que deixavam a desejar e um preço muito caro”, explica André Street, um dos líderes e cofundadores da Stone. A sacada foi perceber que era possível oferecer um serviço melhor, mais moderno – e mais barato. “Descobrimos que esse é um mercado enorme e um impacto muito grande no Brasil. Vimos que, com pessoas jovens fantásticas e com intenso uso de tecnologia, poderíamos transformar a realidade dessa indústria.” Para Bernardo Piquet, responsável pelas relações institucionais da empresa e um dos jovens a que Street se refere, a missãoé transformar a indústria como um todo, equilibrando as forças entre lojistas e instituições financeiras e tornando o mercado de pagamentos mais acessível. “Isso se reflete na forma como atendemos nossos clientes – e mesmo aqueles que não são. Vamos além de apenas apresentar serviços ou solucionarmos um problema: estamos comprometidos em muni-los com conhecimento e informações.” 3 Voltar para o índice A DEMOCRATIZAÇÃO DO SETOR FINANCEIRO Quando Bernardo chegou pela primeira vez, em idos de 2012, montou a área de Relações Institucionais da empresa para lidar com os diversos stakeholders envolvidos. Ao retornar três anos depois, o ambiente já tinha evoluído bastante, dentro e fora da Stone, trazendo novas camadas de complexidade ao dinâmico universo das fintechs. “Se pensarmos que, há cinco anos, grandes empresas globais não existiam ou estavam em alguma ‘garagem’ ao redor do mundo, não resta dúvida de que é preciso estudar para acompanhar todas as evoluções – ou, preferencialmente, liderá-las.” Um caminho para a inclusão Num país dominado por poucas instituições financeiras, as soluções das fintechs e demais empresas inovadoras de serviços financeiros acabam tendo a democratização do setor como um importante efeito secundário. Renan da Costa Rego, gerente de aceleração da Artemísia, que seleciona fintechs com potencial de impacto social, destaca que cerca de um terço dos brasileiros não têm acesso a serviços financeiros em geral. “Os dois pilares principais para fintechs terem impacto no Brasil são a diminuição do custo de transação e o acesso à informação, já que não adianta ter acesso ao serviço sem educação financeira agregada”, explica. “Há diversos modelos de negócios que diminuem a condição de vulnerabilidade, como uma fintech de microsseguros para população de baixa renda, por exemplo.” A TôGarantido se enquadra nessa categoria. “Queria algo que fizesse sentido no final. Diante disso, passei a estudar alguns modelos de negócios de impacto social e de microfinanças. Dentro deles, a gente encontrou nos microsseguros um grande potencial de negócio em um mercado ainda com muito por atingir no Brasil”, explica o fundador Felipe Cunha. Não é só uma questão de oportunidade, mas de estratégia: hoje ele vende seguros que começam com um valor mensal inferior a R$ 10, indo na contramão da política de precificação promovida pelas grandes seguradoras. O potencial, segundo Felipe, é realmente gigantesco: estima-se que mais de 100 milhões de pessoas no Brasil nunca tenham tido uma apólice de seguros. Novas opções de crédito Ao oferecer novas ferramentas para pequenos empreendedores, o setor também potencializa o desenvolvimento de novos negócios no país. Além do caso da Stone e suas soluções de pagamento, já mencionado acima, essa possibilidade também está clara diariamente na atuação da plataforma de empréstimos Biva. Acelerada pela Artemísia, a Biva fez sua primeira operação em abril de 2015 e já soma 37 mil pedidos de empréstimo. Após uma triagem inicial automatizada, os pedidos passam por uma nova análise. O processo inteiro acaba em dois dias. O diferencial da empresa é uma modalidade diferente de empréstimo, chamada de ponto a ponto, ou peer-to-peer lending (P2P). É um termo crucial para entender as inovações trazidas por fintechs como essa. “Peers”, no caso, são pessoas. E P2P é a relação comercial intermediada por plataformas digitais e que acontece, exatamente, entre pessoas. 4 Voltar para o índice A DEMOCRATIZAÇÃO DO SETOR FINANCEIRO É a lógica que permite que você alugue o apartamento de alguém pelo Airbnb, contrate serviços de um indivíduo pelo GetNinjas ou pegue uma carona pelo BlaBlaCar – e também que você ofereça ou pegue empréstimos pela Biva. Realizar um empréstimo pela Biva é tratado pela empresa como um investimento, uma aplicação do seu dinheiro. Para investir nessa lógica, qualquer um pode se cadastrar e responder um questionário de adequação de perfil de risco. Em seguida, escolhe um valor para investir. Hoje, há mais de 10 mil investidores individuais ativos na plataforma. Como as fintechs processam quase tudo online, podem oferecer o serviço final por um preço mais barato que as instituições financeiras tradicionais, já que são bem menores (ou até inexistentes) os gastos com intermediários. Assim, os credores da Biva podem ter retornos mais elevados do que teriam ao simplesmente investir o dinheiro na poupança. Até hoje, mais de 1000 créditos já foram liberados pela plataforma para estudantes e empresas de porte micro, pequeno e médio porte. Só em agosto de 2017, foram mais de R$ 7 milhões. “O que mais ouvimos de quem toma o empréstimo é: ‘Qual é a pegadinha aqui?’”, ri Paulo David, cofundador e diretor de operações da empresa. “Esse cara é maltratado pelo que há no mercado hoje, tem pouca flexibilidade de acesso a crédito e, quando tem, as taxas são muito altas. Ao tratar o empreendedor de maneira justa e transparente, com taxas baixas e uma boa user experience, nós o deixamos super contente.” Para quem toma o empréstimo, as taxas de juros também são mais baixas – algo muito bem vindo no Brasil, que tem a maior taxa de juros entre as 20 maiores economias do mundo. Esse foi o ponto de partida da Creditas, uma plataforma digital de crédito com garantia fundada em 2012 pelo espanhol Sergio Furio. “Os brasileiros têm casas e carros e 70% desses bens estão quitados e não têm dívidas. Mas as pessoas estão pagando juros de 200% pelo cartão de crédito”, explica o CEO. “Nossa sacada foi muito simples: usarmos essa propriedades para diminuir o custo da dívida e incrementar o prazo de pagamento e o orçamento familiar.” Após dois anos agindo como intermediária entre clientes e instituições financeiras em várias vertentes, a Creditas (que surgiu como BankFacil) decidiu focar no crédito e desenvolveu um processo de verticalização que hoje cuida do processo de ponta a ponta. O dinheiro para a emissão de crédito vem do funding da startup, em sua maioria investidores institucionais, family offices e fundos de pensão brasileiros e internacionais, mais uma parte da própria Creditas. “É um tipo de crédito de prazo longo, taxa de juros razoáveis e garantias que fazem com que a inadimplência seja baixa”, diz, explicando a atratibilidade do negócio. Uma vontade de Furio é mudar a percepção nacional de endividamento, visto como algo negativo no Brasil. “Sempre falam que o endividamento do brasileiro é um problema, mas não acreditamos que seja isso”, explica. “Acontece que ele se endivida do jeito errado, com cartão de crédito e cheque especial. É a combinação de curto prazo e juros muito altos cria uma pressão no orçamento familiar.” Tomar um empréstimo de milhares de reais e precisar pagá-lo em quatro meses, por exemplo, é uma situação familiar no Brasil, danosa e capaz de quebrar uma família, que pode entrar num redemoinho de empréstimos sem perspectiva de saída. 5 Voltar para o índice A DEMOCRATIZAÇÃO DO SETOR FINANCEIRO Já tomar crédito barato, para Furio (e pessoas de diversos outros países, como os EUA, onde é um acontecimento natural) significa alavancar suas oportunidades – de reformar e valorizar um imóvel, investir num negócio ou em educação, por exemplo. A ideia dele é implementar esse conceito positivo de crédito no país. Sergio se lembra perfeitamente do primeiro crédito emitido pela Creditas com balanço próprio: foi para uma médica, mãe de uma criança, que emprestou R$ 30 mil reais. “Ela está pagando direitinho até hoje”, sorri. Ponto sem volta É comum, no mundo das fintechs, que grandes inovações surjam da experiência ruim dos próprios fundadorescom os bancos tradicionais ou demais players financeiros já consolidados no mercado. Um exemplo é o caso do americano Louis Beryl, que tentou sem sucesso conseguir um empréstimo para ajudar a pagar a mensalidade de seu MBA em empreendedorismo na Universidade de Harvard. A resposta negativa, no entanto, lhe rendeu o insight para um novo modelo de negócios. Com um diploma em Engenharia Financeira pela Universidade de Princeton e prestes a entrar em uma das mais prestigiadas escolas de negócios norteamericanas, Louis sabia que seu currículo lhe garantia uma alta probabilidade de devolver o dinheiro que estava pedindo. Os bancos, porém, não estavam muito interessados em seu perfil no LinkedIn. A experiência o levou a criar a Earnest, startup que oferece pequenos empréstimos individuais com base em fatores de mérito e apostas no potencial profissional dos jovens que precisam do dinheiro. A Earnest não pode ser considerada propriamente um banco e em nada se parece com um. O escritório abriga uma equipe pequena e segue uma combinação de arquitetura e design casuais, típicos de startups, bastante diferente das grandes instituições em que Louis havia trabalhado antes de empreender, como Morgan Stanley, Deutsche Bank e o hoje inexistente Lehman Brothers. É um alerta para instituições tradicionais como essas, que agora reagem mundo afora investindo em setores de inovação para aprimorar seus serviços. Não deixa de ser uma estratégia de sobrevivência. Afinal, depois de tanto tempo sem alternativas, um número cada vez maior de clientes sabe que é possível interagir com o setor financeiro de outra maneira – e ninguém vai voltar atrás. 6 Voltar para o índice A DEMOCRATIZAÇÃO DO SETOR FINANCEIRO OS DESAFIOS DAS NOVAS EMPRESAS DO MERCADO FINANCEIRO No setor financeiro, não basta inovar: é preciso sobreviver e continuar crescendo. Saiba quais são os maiores obstáculos. Baseado em sua experiência como gerente de aceleração da Artemísia, Renan da Costa explica que um ponto crucial na trajetória das fintechs é delinear a estratégia de entrada no mercado. “Todo mundo é relativamente novo e forte, mas precisa atrair o usuário, ter um modelo que pare em pé e que possa escalar”, diz. “É preciso gerar uma proposta de valor muito clara e isso é difícil.” David Vélez, cofundador e CEO do Nubank, concorda. “A grande dificuldade é fazer o salto de algumas centenas de clientes para milhões. É a parte mais difícil para qualquer fintech do mundo.” A regulamentação e burocracia brasileiras também são citadas como ponto de atenção. É preciso estar de acordo com as regras promulgadas pelo Banco Central e, não raro, ir lá explicar seu negócio para evitar problemas futuros. “Você está ‘preso’ a algumas regras e precisa passar por elas para dar segurança ao cliente final”, explica Alan Chusid, à frente da área de business do Banco Neon, uma joint venture entre o Banco Pottencial e a fintech Contro.ly, que surgiu em 2014. Hoje, o banco digital – liderado por Pedro Conrade, que tem 25 anos – atende 250 mil clientes e tem cerca de 150 funcionários. Através de um cartão de débito, são oferecidos muitos dos mesmos serviços de um banco tradicional, exceto crédito: é possível fazer saques, transferências, pagamentos de contas e compras nacionais e internacionais na função débito. A responsabilidade é levada a sério. “Não é uma brincadeira. Se por acaso nós quebrarmos, o dinheiro não pode desaparecer”, resume Alan. O governo, que vê com bons olhos a competição no setor financeiro, faz mais que só demandar garantias e explicações. 7 Em 2010, por exemplo, o Banco Central eliminou a exclusividade das máquinas de cartão de crédito, até então um duopólio, e passou a permitir que um único aparelho passasse todas as bandeiras. Perguntar se um estabelecimento aceitava Mastercard ou Visa (ou, em raríssimos casos, American Express) parece coisa de um passado distante, mas não é – e nenhum cliente ou lojista, seja num restaurante de luxo ou ao lado de um isopor com bebidas geladas na praia, sente falta disso. Como já explicamos acima, foi essa nova porta aberta que a Stone aproveitou para entrar no mercado de adquirentes de meios de pagamento. Conseguir a certificação para usar as bandeiras Visa e Mastercard no país foi um processo complexo, mas rápido. Em poucos meses, a empresa já estava credenciando lojistas e processando e autorizando transações. Hoje a quarta maior empresa de seu segmento – posição que passou a ocupar após a aquisição da operação brasileira da Elavon do Brasil, em 2016, que movimentava mais de R$ 1 trilhão por ano –, consegue suportar 10 mil transações por segundo. É um feito que exige muito esforço, capital tecnológico e talento humano. “O primeiro desafio foi o regulatório. Tivemos que fazer diversos estudos para mostrar que destravar a agenda competitiva e quebrar alguns contratos de exclusividade entre os agentes desse mercado era fundamental para criar um ambiente mais justo para o comércio”, lembra André Street. É um ponto importante para ele que, mesmo depois do sucesso, os empreendedores se mantenham atento à regulação de bancos e instituições financeiras para garantir que esse ambiente competitivo se mantenha. Assim, outros empreendedores também terão chances de criar soluções mais modernas e impulsionarão o segmento. “O segundo foi concatenar – como em qualquer empreendimento de grande porte – as melhores pessoas, melhores investidores e efetivamente construir uma tecnologia e um produto úteis e que sejam escaláveis para o Brasil inteiro”, continua. E se no papel parece que a progressão é simples, André faz questão de lembrar que não acontece do dia para a noite: é preciso ter foco e paciência. Os veteranos da companhia gostam de lembrar do primeiro escritório, uma pequena sala em São Paulo com cadeiras de plástico, um ar-condicionado que pingava água no chão e lâmpadas que pendiam do teto. No começo, eram sete pessoas. Atualmente, são mais de 1600 entre escritórios no Rio de Janeiro e São Paulo e em diversas cidades brasileiras. Os planos são de expansão para outras regiões, tanto dentro quanto fora do Brasil. “Os desafios são muitos e das mais variadas naturezas, mas seu denominador comum certamente é embarcar gente boa e comprometida com o propósito”, resume Bernardo Piquet, que trabalha na área de Relações Institucionais da Stone. Quem entra em uma startup, por sua natureza horizontal e dinâmica, encontra oportunidades constantes para assumir novas responsabilidades. Aproveitar tais chances é um traço que une quem tem uma carreira bem-sucedida no setor, que exige adaptação rápida e está sempre aberto a novos talentos. “Falando em termos genérico, o mercado é naturalmente capaz de acolher diferentes habilidades e competências”, fala Bernardo, destacando os diferentes backgrounds atualmente representados na equipe nas mais diversas funções. 8 Voltar para o índice OS DESAFIOS DAS NOVAS EMPRESAS DO MERCADO FINANCEIRO Manter o ambiente de uma startup numa empresa em expansão é algo que André Street cita entre os próximos desafios da Stone, assim como manter-se fiel à cultura corporativa mesmo com uma equipe de milhares de pessoas – “Não adianta pendurar na parede um quadro de princípios e não ser o exemplo” – e uma abertura para que se sintam à vontade para criar novidades internamente. “Nós temos que nos tornar uma plataforma em que jovens empreendam aqui dentro e criem as soluções do futuro para nosso clientes”, encerra. Ou seja, quem quiser trabalhar nessas novas empresas do setor financeiro não precisa, necessariamente, ser um economista ou desenvolvedor – mas precisa estar disposto a se desafiarcom frequência e sair da zona de conforto para se destacar. A questão do funding De maneira geral, o governo parece caminhar para facilitar o caminho das fintechs, e os investidores já perceberam esse quadro positivo. “Funding não é problema, porque está todo mundo querendo investir nelas”, brinca Renan. O FintechLab estima que, em 2016, as fintechs brasileiras tenham captado cerca de R$ 1 bilhão. Das 177 entrevistadas pela organização, cerca de 120 disseram que já tinham conseguido captar recursos – e 24 delas captaram mais de R$ 20 milhões. “Quando conversávamos com investidores, nosso pitch era só o seguinte: somos a primeira fintech de peer-2-peer lending do Brasil”, diz Paulo David, da Biva, cujo modelo de negócios já explicamos acima. O resumo bastou para conquistar David Vélez, fundador do Nubank, que se tornou sócio da empresa e foi seu primeiro investidor-anjo. Como já tinha experiência no meio, ajudou a abrir as portas para os jovens da nova fintech e auxiliou na formação do produto e do time. Quando a Biva já estava de pé, os fundos Vox Capital, Kaszek Ventures e Mipey Ventures também investiram na empreitada. A nacionalidade de cada fundo – brasileiro, argentino e suíço/alemão, respectivamente – demonstra o potencial do negócio no país. “A oportunidade de peer-2-peer lending é bem grande no Brasil”, explica Vélez, que seleciona uma ou duas fintechs por ano para investir como forma de fortalecer o setor. “Gosto de participar da criação desse ecossistema no país.” Quando o próprio David começou o Nubank, em idos de 2013, o cenário era outro. Ele lembra que, quando apresentou sua ideia de uma nova emissora de cartão de crédito a investidores brasileiros, não conseguiu nada. Precisou buscar capital em fundos de investimento no Vale do Silício. “Eles estão muito mais acostumados com isso por lá, então estudaram o mercado e decidiram investir”, explica. O mercado era mesmo propício. “Fiquei impressionado com a quantidade de tarifas e juros pagos pelos clientes brasileiros. Não há outro país no mundo com taxas tão altas”, lembra ele, que nasceu na Colômbia e se formou na Stanford University, nos EUA. Outro ponto importante na hora de decidir pela área foi o crescimento do acesso à internet e das compras online, que frequentemente exigem um cartão de crédito. O empresário vislumbrou então a oportunidade de criar uma das primeiras fintechs do Brasil: uma nova instituição financeira, que utilizasse canais 100% digitais e focasse em oferecer a melhor experiência possível para o cliente. 9 Voltar para o índice OS DESAFIOS DAS NOVAS EMPRESAS DO MERCADO FINANCEIRO Obviamente, deu certo. Embora números exatos não sejam divulgados, hoje há centenas de milhares de usuários pelo Brasil – e três milhões de outros estão na fila de espera. Construindo do zero Quando basta um clique para obter um produto ou serviço impecável, inovar parece fácil. Mas por trás de tantas plataformas, aplicativos, soluções de pagamento, modelos de análise de crédito e de relacionamento com clientes e infindáveis séries de algoritmos complexos, estão muitas tecnologias e estruturas novas, frequentemente construídas do zero. Por isso, atrair talentos é fundamental. “O primeiro desafio foi superar a percepção de que seria impossível e que os bancos aqui iriam me matar”, lembra Sergio Furio, CEO da Creditas. “O segundo, logo no começo, foi encontrar talento. Éramos apenas um gringo e quatro amigos numa salinha tentando fazer uma plataforma.” Até hoje, este é um dos principais gargalos da startup, que dobrou de tamanho desde o início de 2017. “Queremos ter as melhores pessoas”, resume. Furio também destaca a importância de equilibrar a equipe de uma fintech com indivíduos que tenham experiência na indústria e saibam como as coisas funcionam no país e jovens que trazem um olhar novo e desafiam crenças passadas – que representam desafios diferentes de recrutamento. Há também a questão das diferentes especialidades necessárias num negócio de tecnologia. Para David, que acabou recrutando uma parcela de estrangeiros para o Nubank, encontrar bons desenvolvedores e cientistas de dados ainda é um grande desafio no Brasil. A equipe heterogênea que montou, no entanto, é motivo de orgulho pessoal. “Temos uma cultura de pouco ego e poucos títulos, em que não importa se a melhor ideia é do vice- presidente ou do analista”, diz ele. “As pessoas trabalham duro e querem fazer parte de um projeto que, como alternativa viável no setor financeiro, tem grande potencial na sociedade brasileira.” Começar do zero também tem suas vantagens. “Uma startup não tem medo de ser disruptiva”, resume ele. “É como uma página em branco. Especialmente numa fintech, em que a tecnologia tem um papel muito importante, podemos ver o que existe no mundo para montar nosso produto enquanto bancos utilizam tecnologia dos anos 1970.” Na Stone, gente (e, consequentemente, recrutamento) também é assunto prioritário. Hoje, a empresa realiza um programa análogo aos trainees chamado Recruta Stone, realizado inteiramente dentro de casa e sob medida para as necessidades de perfil da empresa. Para se inscrever, por exemplo, basta ser maior de idade. Não há pré-requisitos de experiência ou cursos de graduação. O processo seletivo, porém, tem etapas inimagináveis em outros programas e busca inclusive referências no mundo militar. O que há é um foco intenso nos valores e na cultura da empresa, o que torna o fit cultural o aspecto mais fundamental. Futuro do mercado Não é só a boa recepção do mercado que impressiona: a idade média dos funcionários de fintechs, na faixa dos 26 anos, é marcante. “Quando paramos para ver, é até um pouco difícil acreditar que estamos construindo um banco”, confessa Alan Chusid, do Neon. “Mas é tanta coisa para fazer que não nos damos ao luxo de ficar olhando.” Para Paulo David, da Biva, o resultado do trabalho também é uma motivação forte. 10 Voltar para o índice OS DESAFIOS DAS NOVAS EMPRESAS DO MERCADO FINANCEIRO “Adoramos as histórias dos empreendedores e, vira e mexe, somos convidados a conhecer os negócios”, conta. “Emprestamos para uma escola para crianças superdotadas, por exemplo, e fizemos uma visita no dia da feira de robótica financiada pelo empréstimo. Gostamos muito dessa proximidade.” Para Alexandre Neuding, que começou como estagiário no início da Stone e hoje é sócio, esse orgulho tem inclusive endereço. Trata-se do primeiro escritório da empresa, um pequeno espaço na Avenida Faria Lima onde cabiam menos de dez pessoas trabalhando e que ele visitou recentemente com parte do time. “Mesmo sendo um grupo pequeno, não havia espaço para todos se sentarem”, diverte-se. “Para aquelas pessoas, fez toda a diferença estar fisicamente ali: elas conseguiram entender a dimensão do esforço que empregamos para trazer a companhia ao patamar em que ela está atualmente.” Além do setor em que atuam, as fintechs contatadas pelo Na Prática têm outra coisa em comum: todas estão em expansão – e aceitando currículos. 11 Voltar para o índice OS DESAFIOS DAS NOVAS EMPRESAS DO MERCADO FINANCEIRO COMO É TRABALHAR EM FINTECHS BRASILEIRAS Ambientes oferecem estrutura horizontal, alto grau de autonomia e responsabilidade. Saiba que perfil startups como Stone, Biva, Neon, F(x), Nubank, Creditas e GuiaBolso procuram. De acordo com dados do FintechLab, que entrevistou 177 fintechs, as operações ainda são enxutas: 10% delas têm mais de 50 funcionários e apenas 7% têm mais de 100 colaboradores. No caso da Stone, que começou com 7 pessoas e já planeja adicionar outras mil à equipe atual de 1600, o crescimento veio atrelado ao fortefoco no comprometimento com os valores e cultura da empresa. Foi essa afinidade que rendeu a Gustavo Botelho, jovem de 23 anos que trabalha como vendedor externo, seu primeiro emprego formal. Apesar de apresentar um currículo com apenas quatro linhas – “O Pacote Office intermediário era o atributo de maior destaque”, diverte-se –, foi escolhido para participar do programa Recruta Stone. Começou na empresa em janeiro de 2015 e se apaixonou pela área de vendas e de atendimento ao cliente. Ao longo do tempo, também foi angariando novas responsabilidades e desafios. No primeiro ano, Gustavo ajudou a equipe de vendas carioca a entregar resultados e formar novos líderes. No seguinte, já tocava a operação estadual do Rio de Janeiro e parte da operação mineira. E em agosto de 2017, fez as malas e se mudou para outra região para ajudar na expansão da Stone pelo país. “Aqui, pela grande autonomia, responsabilidade e estrutura horizontal, todos são empreendedores”, afirma. 12 “Aqui, pela grande autonomia, responsabilidade e estrutura horizontal, todos são empreendedores”, afirma. Gustavo Botelho, recruta Stone É um traço comum entre startups e que permite um crescimento acelerado de carreira, além de mobilidade interna e muitas oportunidades de experimentação profissional. Alexandre Neuding, que é sócio da Stone aos 27 anos, também começou bastante novo, como estagiário, em idos de 2012, quando estudava Administração na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Hoje, olhando em retrospecto, ele entende porque oferecer desafios aos jovens é tão importantes em empresas inovadoras: eles trazem uma imensa vontade de fazer diferente. “Acreditamos no jovem como motivador de grandes mudanças”, fala, citando que na companhia não há apego a definições de área ou títulos, o que permite que colaboradores assumam novos desafios constantemente. “Damos muita liberdade aos novos talentos e confiamos neles para que façam acontecer.” Naturalmente, com tanta liberdade vem uma série de aprendizados, especialmente quando o negócio escala e a quantidade de tarefas também. “O início da Stone foi marcado por uma fase onde alguns poucos ‘heróis’ faziam entregas excepcionais. Mas conforme a empresa cresce, fica claro que eles não conseguem dar conta de tudo e falham repetidamente sem trabalho em equipe”, lembra o sócio. “Falhei algumas vezes ao tentar abraçar desafios sozinho até aprender essa lição simples”, continua. “O papel do líder passa então a ser encontrar e atrair pessoas melhores que você e conseguir fazer com que todos busquem um propósito comum.” É aí, na hora de recrutar novos talentos para não perder o momentum do crescimento, que muitas fintechs enfrentam seu maior desafio: encontrar as pessoas certas, que compartilhem sua mentalidade e seu objetivo. Para quem entra, também é muito importante estar alinhado com o perfil e os valores da empresa. Numa startup nascente ou que já está escalando, trabalho no fim de semana ou responsabilidades repentinas não são raros e todos usam muitos chapéus diferentes. Nesses momentos, estar realmente motivado para trabalhar faz toda a diferença. Estrutura horizontal Eduardo Duarte e Araújo, que trabalha como analista de experiência do cliente do Nubank, chegou ao mundo das fintechs por acaso. Formado em Relações Públicas, ele já tinha seu cartão de crédito roxo quando visitou a empresa, viajando desde a cidade mineira de Salinas até São Paulo, onde fica o escritório. O motivo da visita? Ele atuava como facilitador do então Imersão Marketing, curso de carreira do Na Prática que hoje se chama Carreira Na Prática Gestão Empresarial, e cuja turma tinha uma visita agendada no Nubank. Ao mesmo tempo, buscava um novo emprego que o inspirasse. Gostou tanto do que ouviu durante a visita que, em janeiro de 2016, se mudou para São Paulo para trabalhar no local. O ambiente é típico de uma startup: informal, horizontalizado, com foco na entrega de resultados e em instigar o sentimento de dono em cada um. “Não temos as divisões tradicionais de departamentos e até evitamos ter”, continua. “Tem engenheiro fazendo o mesmo serviço que eu, físico trabalhando com design. O mais importante é ser bom naquilo que você faz, não necessariamente sua formação.” 14 Voltar para o índice COMO É TRABALHAR EM FINTECHS BRASILEIRAS “Tem engenheiro fazendo o mesmo serviço que eu, físico trabalhando com design. O mais importante é ser bom naquilo que você faz, não necessariamente sua formação.” Eduardo Duarte e Araújo, analista do Nubank “Numa startup, tudo é diferente”, fala Alan Chusid, do Banco Neon. “Nas outras empresas em que trabalhei, você fica muito no seu quadrado. Aqui, tem suas obrigações e também precisa pensar no que pode fazer para melhorar resultados, diminuir custos, ter vantagem competitiva. É uma vida intensa de aprendizado holístico. Se você não prestar atenção no todo, não vai dar certo.” Para ele, as fintechs já provaram que suas estruturas funcionam. “É possível baratear os custos de qualquer transação financeira e deixar tudo mais rápido”, explica. “Pelo celular, você pode tomar crédito na Biva, pedir seu cartão de crédito no Nubank ou abrir sua conta corrente no Neon ao responder três perguntas. Isso gera muito valor que, atrelado aos benefícios que cada uma busca entregar, é a receita para o sucesso.” O tamanho reduzido das equipes intensifica a jornada de trabalho. Faz tempo que sábado virou dia útil no Banco Neon, que fica na região de Pinheiros, em São Paulo, e não emprega horário de entrada ou saída. “O que existe é comprometimento e pressão, então é preciso estar tranquilo com isso”, esclarece Alan. A reunião semanal que reúne os funcionários é quando a horizontalidade se faz mais presente. “Todos ouvem, dão opiniões e sabem de tudo. Às vezes a solução de marketing sai da cabeça do programador, por exemplo. É um processo totalmente aberto”, diz Alan. “São muito motivados e esse é o grande ponto.” Perfil profissional A horizontalidade também é igualmente importante para Paulo David, que trabalha com outras 27 pessoas na Biva. “No fim do dia, gostamos muito do que fazemos e temos bastante liberdade e autonomia”, explica. Ele aponta dois perfis de funcionários: o nerd de computador e o apaixonado por mercado financeiro. Em comum, ambos têm a vontade de romper com o que existe. “Temos três princípios na hora de contratar: a pessoa precisa ser boa tecnicamente, transparente e estar alinhada com nossa cultura”, explica. “Como compramos brigas com muitos caras grandes e oferecemos palco aos colegas, não dá para ser alguém conformado.” Para Thiago Alvarez, cofundador e presidente do GuiaBolso, uma fintech de controle financeiro pessoal criada em 2012 e que já tem mais de 3 milhões de usuários pelo país, não há perfil específico entre seus 130 funcionários. “Mas sempre buscamos alguns pontos em comum, como funcionários empreendedores e que se sintam donos dos projetos que estão tocando”, fala ele. “É muito importante que todos aqui entendam o impacto do nosso trabalho e tomem decisões para sempre melhorar a vida do usuário.” Dan Cohen, que começou sozinho, pensa de maneira similar. Ele trouxe seus mais de 15 anos de vivência como investidor e criou seu próprio algoritmo de match, que atesta a compatibilidade entre cliente e linha de crédito, para criar a F(x) – lê-se éfe de xis –, uma plataforma que busca democratizar e estruturar o acesso ao crédito para pequenas e médias empresas. A visão da F(x) é mostrar ao empreendedor qual é o melhor empréstimo que poderia fazer e com os juros mais baixos. 16 Voltar para o índice COMO É TRABALHAREM FINTECHS BRASILEIRAS Para isso, reúne em uma só plataforma as ofertas de todo tipo de crédito de diferentes bancos – principalmente os de médio porte, que muita gente nem conhece –, organizando-as de maneira que cliente e credor possam se encontrar. A ideia veio de observação natural. “Reparei que todas as empresas trabalhavam com quatro ou cinco bancos e essa falta de acesso tornava o crédito curto, caro e pouco otimizável”, explica. Dan foi afinando seu próprio algoritmo, que hoje está na versão 371, e a proposta de construir “uma espécie de Amazon” para ofertar crédito no país. A ideia era ter um sistema que faria o trabalho bruto de analisar as informações financeiras do futuro tomador e encaminhá-lo para a instituição mais adequada. Assim, os bancos economizam tempo e dinheiro na prospecção de clientes e o empreendedor resolve seu problema com mais agilidade, além de ter a garantia de estar fazendo o melhor negócio. Aqui vale notar, novamente, como as inovações que têm surgido no mundo financeiro são capazes de dar novo fôlego ao empreendedorismo brasileiro. Com menos de um ano de funcionamento, a startup acumula mais de R$ 500 milhões em ofertas de créditos e já tem mais de 100 instituições participantes. “Os bancos me diziam: ‘Se eu puder substituir um gerente pela sua plataforma, quero participar’”, lembra ele. “E a aderência dos clientes acontece porque resolvemos um problema gigantesco. Afinal, você prefere falar com cinco instituições ou com 65? É o tipo de inovação que resolve um problema.” Dan lidera uma equipe enxuta – são 20 funcionários –, que compensa com motivação e autonomia o número pequeno. A razão está na natureza inovadora do próprio universo das startups. “Quem quer ver inovação no mercado financeiro acaba migrando para fintechs”, diz. “E aqui não tem muita gente para supervisionar, então a pessoa precisa saber como tocar um projeto sozinho. Por isso gosto de gente que corre atrás e pensa fora da caixa. Caso contrário, você acaba repetindo o modelo tradicional.” Escritórios As novas startups do setor financeiro também costumam se distanciar do modelo tradicional no que diz respeito à ambiente de trabalho. Embora a carga horária também seja pesada, como é comum em bancos e fundos de investimento, a estrutura física do escritório das fintechs costuma ser bem menos formal, refletindo também o próprio estilo de trabalho. “Poderíamos ser engravatados na Avenida Faria Lima, mas estamos no Brooklin numa casa com piscina”, comenta Paulo David, da Biva, fazendo referência ao bairro paulista marcado por casas e com poucos prédios. Ternos e roupas sociais completas também costumam ser dispensáveis, e, em muitos casos, quem dá o tom dá (in)formalidade da vestimenta é o próprio funcionário. O Nubank, por exemplo, mudou recentemente sua sede para um prédio na região de Pinheiros, em São Paulo, que tem cachorros, videogame e biblioteca. O primeiro escritório da empresa, assim como a Biva, ficava em uma casinha no bairro do Brooklin. Os escritórios da Stone também são marcados por espaços integrados, que estimulam a interação entre os funcionários, além de salas nomeadas de acordo com valores e empreendedores significativos para a empresa e paredes estampadas com frases que mostram a cultura de trabalho que se quer construir lá. Ao entrar nesses prédios, fica claro que a proposta é fazer diferente. A nova aparência, no entanto, é reflexo de uma mudança mais profunda na própria forma de se encarar carreira. 17 Voltar para o índice COMO É TRABALHAR EM FINTECHS BRASILEIRAS “E aqui não tem muita gente para supervisionar, então a pessoa precisa saber como tocar um projeto sozinho. Por isso gosto de gente que corre atrás e pensa fora da caixa. Caso contrário, você acaba repetindo o modelo tradicional.” “Poderíamos ser engravatados na Avenida Faria Lima, mas estamos no Brooklin numa casa com piscina”, Paulo David, da Biva Dan Cohen, criador da F(x) ONDE ESTÃO AS OPORTUNIDADES, SEGUNDO GRANDES EMPREENDEDORES DO SETOR FINANCEIRO André Street (da Stone Pagamentos), Cristina Junqueira (Nubank), Sergio Furio (Creditas) e Thiago Alvarez (GuiaBolso) dão seus conselhos Se por um lado uma crise econômica não é boa para ninguém, por outro costuma ser terreno fértil para ideias inovadoras. Conforme os problemas se intensificam e há menos recursos disponíveis no mercado, as soluções demandam mais criatividade e empreendedores dispostos a arriscar têm espaço. Foi o que aconteceu nos EUA em idos de 2008. Na esteira da pior crise da história, as instituições financeiras subiram as taxas de juros e reduziram a taxa de aprovação de empréstimos. Sentindo uma oportunidade, as primeiras plataformas digitais de crédito surgiram no país para atender as demandas de quem estava endividado e dava de cara com a porta do banco. Foi uma sacada parecida que teve Sergio Furio, o CEO e fundador da Creditas, a plataforma digital de crédito criada em 2012, que já mencionamos nesse material e tem uma carteira ativa de R$ 200 milhões. “Havia muita gente com boa qualidade de crédito no mercado e que não tinha resposta justa por parte das instituições tradicionais”, explica. “Nascemos e crescemos com a crise: criar empresas nessa época é a melhor receita para o sucesso.” No caso da GuiaBolso, a fintech que oferece um app gratuito de controle financeiro pessoal para três milhões de brasileiros, o saldo também está sendo positivo. A ideia surgiu exatamente da observação do cenário brasileiro. Para os empreendedores Benjamin Gleason e Thiago Alvarez, que já tinham experiência no mercado financeiro, estava claro que havia muito espaço para melhorar os serviços financeiros no país. 19 Além disso, a população de um país acostumado com crises e histórico de hiperinflação precisava (e queria) ter maior controle sobre suas finanças, mas não estava interessada em criar suas próprias planilhas ou algo do tipo – um trabalho que o app, capaz de se conectar à conta bancária e às faturas de cartão, por exemplo, faz sozinho. Até hoje, a GuiaBolso já captou mais de R$ 90 milhões em investimentos e se manteve de olho no comportamento do brasileiro. A atenção valeu a pena e já rendeu outro negócio, mais recente: a plataforma de crédito pessoal online Just, de 2016, que recentemente captou R$ 120 milhões para expandir sua oferta de crédito. Ao identificar que havia um problema recorrente entre usuários em relação ao uso de cartões de crédito e cheques especiais, a empresa decidiu lançar um serviço para atendê-los, que funciona dentro e fora do app. O que essas ideias têm em comum? Todas tratam de problemas reais dos brasileiros. É a “dor” do cliente, no jargão de empreendedores e investidores. É um consenso entre quem atua no setor: há muito espaço no mercado para aqueles que se dispõem a consertar um problema que existe de verdade. E é durante épocas de crises, como a atual, que esses problemas se fazem sentir mais. “O tamanho do sistema financeiro brasileiro e as ineficiências do modelo tornam o mercado brasileiro naturalmente muito promissor para fintechs”, resume Thiago Alvarez. “Há muito espaço para criar e melhorar experiências.” Também é preciso estar atento para ocupar um novo espaço assim que ele surgir. A Stone aproveitou a deixa que surgiu quando terminou a exclusividade das máquinas de cartão de crédito, dominadas pela Mastercard ou pela Visa até 2010. Para a equipe do empreendedor André Street, aquele era o momento certo para pensar no mercado de adquirentes e oferecer sua própria máquina, que aceita diversas bandeiras, diretamente aos clientes. Não era só uma oportunidade no papel, masa já famosa dor do cliente que se fazia clara. Nesse caso, eram os empreendedores e lojistas que se viam presos entre empresas que não ofereciam as melhores soluções possíveis e tinham um atendimento aquém do esperado. Munidos de uma missão clara – equilibrar a relação entre lojistas e bancos, historicamente desequilibrada para o lado dos grandes bancos –, a equipe criou um produto aliando alta tecnologia, preço acessível e foco no relacionamento com cliente. Os primeiros meses foram de estudo e batalha regulatória. Hoje, cerca de cinco anos depois dos primeiros passos, a importância de entender e manter o terreno evoluindo no país – o que é bom para todos – ainda está muito presente. “O que mais me surpreende é a real abertura no ambiente regulatório para a criação de novas fintechs, o que é muito positivo”, fala Street. “Um bom ecossistema depende de um cenário regulatório favorável para competição e, naturalmente, de bons exemplos de novas empresas que deram e dão certo. Isso atrai investidores que retroalimentam o sistema.” Para André, empreendimentos de qualquer porte precisam encontrar um jeito de unir as melhores pessoas e os melhores investidores para impulsionar um produto ou tecnologia realmente útil e que tenha capacidade de escalar. “Isso não se faz do dia para noite”, garante. “É preciso ter um pouco de paciência, uma dose grande de paranóia e um monte de gente melhor que você para fazer essa obra faraônica acontecer.” 20 Voltar para o índice ONDE ESTÃO AS OPORTUNIDADES, SEGUNDO GRANDES EMPREENDEDORES DO SETOR FINANCEIRO E quando se trata de ter aquela sacada genial, Cristina Junqueira, cofundadora e VP de branding e business development do Nubank, resume a situação da seguinte maneira: “Sobra dinheiro para projeto bom. É questão de encontrar as possibilidades certas.” “Dói muito para alguém? Então resolva”, continua ela. “Lembre-se de trabalhar para seu cliente. Brasileiros são tão maltratados que há muitas oportunidades, então encontre uma e vá atrás.” Essas possibilidades, continuou, estão ao redor de todo cidadão brasileiro, todos os dias. Pense em suas próprias interações com o setor financeiro: o que é ruim e poderia melhorar? O Nubank surgiu das experiências ruins de seus fundadores com bancos e das tarifas e juros altíssimos cobrados por cartões de crédito no país. “Pensamos: não é possível que inteligência e design não consigam resolver esse problema”, ri Junqueira. Depois de investir em problemas que realmente existem, outra prioridade é deixar a proposta de valor muito clara para potenciais clientes. Um encontro recente provou de novo esse ponto para Sergio Furio. Num jantar em que apareceu com a camisa de sua startup, o Creditas, o empreendedor chamou a atenção de um garçom. Explicou o propósito do seu negócio – o pitch é rápido: “Reduzir a taxa de juros do brasileiro” – e o jovem logo pediu um cartão. “Nós investimos muito em educação de clientes. Se o brasileiro não entende como funciona um produto financeiro, é impossível que contrate um”, avisa Furio. Além disso, o espanhol sugere empregar uma estratégia de nicho: atacar segmentos específicos em mercados grandes. “Escolha um cluster de clientes e entregue exatamente o que ele está buscando. Se você for líder de seu segmento, tudo vai a seu favor.” Outro ponto em que todos concordam é uma característica fundamental para quem quer empreender de maneira geral, mas que ganha contornos ainda mais fortes no setor financeiro: resiliência. “São dez erros para cada acerto e isso vai acontecer o tempo todo”, reforça Furio. “Resiliência é a melhor qualidade que podemos ter.” 21 Voltar para o índice ONDE ESTÃO AS OPORTUNIDADES, SEGUNDO GRANDES EMPREENDEDORES DO SETOR FINANCEIRO “Dói muito para alguém? Então resolva”, continua ela. “Lembre-se de trabalhar para seu cliente. Brasileiros são tão maltratados que há muitas oportunidades, então encontre uma e vá atrás.” Cristina Junqueira, cofundadora e VP de branding e business development do Nubank O QUE INVESTIDORES PROCURAM? Rodrigo de Campos Vieira, head da seção no escritório Tozzini Freire, explica o que seu cotidiano exige e como a firma mudou ao ter contato com o empreendedorismo Fundo Estudar Alumni Partners Renato Toledo é sócio-fundador da RCB Investimentos, uma empresa especializada na gestão e aquisição de créditos e recebíveis na América Latina. É também membro da Líderes Estudar, rede de jovens de alto potencial da Fundação Estudar. Recentemente, a rede criou o Fundação Estudar Alumni Partners (FEAP), um fundo de investimento anjo tocado por Renato e cerca de 60 outros Líderes Estudar, para investir em empresas em fase inicial (early stage). O objetivo do fundo – um veículo de investimento com capital da própria comunidade – é triplo: engajar diversas gerações da rede Estudar, contribuir para alavancar novos projetos e investir em gente boa, revertendo parte dos ganhos para a organização. Seu comitê de Investimentos tem cinco integrantes: dois com larga experiência no mercado financeiro, um empresário e dois jovens empreendedores. “Na nossa visão, investimentos em early stage precisam ser baseados em dois grandes pontos: potencial do mercado e time de execução”, resume Renato. Já começaram a investir ou prospectar investimentos? RT: Atualmente o foco principal tem sido a estruturação do veículo. Acreditamos que a estrutura estará finalizada até o final do 3º trimestre de 2017. Porém, mesmo não colocando prioridade na prospecção neste momento, avaliamos algumas empresas e já detectamos um primeiro investimento. Como ainda não foi realizado, prefiro não divulgar. Mas é uma empresa com um time de primeira linha, focada em um dos principais setores da economia brasileira e baseada em muita tecnologia analítica. 23 O que buscam em uma startup nesse momento inicial? RT: Buscamos um time de primeira linha, com um projeto inserido num mercado grande e que consiga, através de tecnologia, inovação e execução, criar vantagens competitivas no longo prazo. Têm um perfil de empreendedor em mente? RT: Acho bastante difícil traçar um perfil específico, mas existem algumas competências que o empreendedor precisa ter. Na minha visão, as principais são resiliência (sempre será mais difícil do que o planejado), adaptabilidade (haverá momentos em que será necessário encontrar novas formas de chegar ao destino) e foco. Vale ressaltar que empreender não é para qualquer um e que vão se sobressair no longo prazo aqueles que “enjoy the ride” [curtirem a jornada] ao invés daqueles que acreditam que o prazer estará apenas em alcançar o objetivo. Pensando especificamente em fintechs, o que vocês avaliam? RT: Prefiro olhar a perspectiva de mercado. Com uma perspectiva macro, estamos falando de um mercado muito grande, com diversos nichos distintos e extremamente concentrado. Um exemplo: 80% do crédito para pessoa física está concentrado em 5 bancos. Porém, não podemos inferir que devido à alta concentração exista uma baixa competição. Os principais bancos têm investido um alto volume de recursos para se adequar às novas exigências dos consumidores e melhorando seus serviços. Dado este cenário, para avaliar um investimento em empresas no setor financeiro em estágio inicial precisamos ter claro alguns pontos: se aquele projeto possui um nicho específico mal atendido pelas grandes instituições; se a necessidade de capital do projeto pode inviabilizar o negócio; se a equipe de fato conseguirá entregar um serviço/ produto de melhor qualidade; e a viabilidade de ter e manter uma vantagem competitiva. Em que nichos novas startups, especialmente fintechs, têm maischance no Brasil? RT: Acredito que nichos mais voltados para oferta de serviços possam ser mais promissores do que oferta de capital. Por outro lado, vale lembrar que soluções mais integradas de serviço e capital (“one- stop-shop”), nais quais o cliente pode resolver todas as suas necessidades em um único ambiente, tem um atrativo bastante interessante. O que um empreendedor deve saber sobre como um investidor pensa? RT: Duas coisas bem simples: nem toda boa idéia é um bom investimento e compreender os riscos, ameaças e mapear bem o que pode dar errado muitas vezes é mais importante do que apresentar todas as oportunidades. Vox Capital Criada em 2009, a gestora de investimentos de impacto Vox Capital tem R$ 30 milhões para investir em negócios com tecnologia inovadora nos setores de saúde, educação e serviços financeiros. Onze empresas já receberam aportes, incluindo a Avante, uma startup de microcrédito em regiões brasileiras de baixa renda atualmente avaliada em mais de R$ 200 milhões. “Nossa filosofia de investimento é apoiar o empreendedor a melhorar significativamente a vida das pessoas. No Brasil, empreender é a coisa mais difícil e divertida do mundo”, diz Gabriela Chagas, que trabalha no fundo há dois anos. A equipe conversa com cerca de 500 empreendedores por ano, o que é apenas uma parcela dos que entram em contato – mas nem todo mundo atenta ao fato de que é um fundo de investimentos de impacto. 24 Voltar para o índice O QUE INVESTIDORES PROCURAM? “Buscamos quem vai mudar radicalmente a realidade brasileira e que pensam como nós e querem ser agentes de transformação social positiva”, resume. Como é o processo de prospecção de investimentos? GC: Vejo os e-mails do prospeccao@voxcapital. com.br – acredito que seja a caixa postal mais ativa do Brasil –, mas as indicações de outros são as que mais convertem. Também frequento eventos e faço buscas ativas no Google, que convertem pouco porque é difícil conseguir contato. Acredito que trabalho de prospecção de investimentos é um trabalho prospecção de sócios e, portanto, tem esse lado de tomar um café e conversar durante um evento. Antes de analisar o negócio, temos que analisar o empreendedor. O que avaliam em uma startup? GC: Fazemos análise de mercado para ver é suficientemente grande, qual é o ticket médio que clientes têm que pagar e quem são os concorrentes. Também fazemos uma análise de gestão de pessoas para entender o perfil de cada um, uma análise financeira e outra de impacto. É um material grande e que devolvemos para a startup, independente da decisão de investir ou não. Pensando especificamente em fintechs, algo muda na avaliação? GC: Há muito controle regulatório no setor, então é preciso ter certeza se o negócio pode existir ou não e verificar claramente se gera um impacto social. A Vox Capital tem um perfil de empreendedor em mente? GC: Pensamos em um empreendedor que vai abrir mão de participação para os funcionários através de stock options, que tenha um estilo de gestão pouco hierárquico e seja orientado a impacto. É alguém que entende profundamente a dor de seu cliente e vai pensar em todas formas de melhorar a vida dessa pessoa. Acredita que fintechs estejam vivendo um boom no Brasil? GC: A barreira regulatória dá um certo medo, mas quando você é o primeiro dá muito mais. Agora as pessoas tendem a arriscar mais e tem muita gente empreendendo. Mas para fazer uma fintech crescer é preciso ter bastante capital – e o mercado está sendo mais cauteloso. Que mudanças viu acontecer no ecossistema de startups brasileiro? GC: É um universo pequeno e todo mundo se conhece, mas tem mais gente de fora surgindo, incluindo grandes empresas que não pensavam em startups no passado. Também vejo muita gente do mercado tradicional empreendendo. Com a crise, há muita gente boa por aí com tempo e vontade de empreender, o que para nós tem sido um grande ganho. Em que nichos fintechs têm mais chance para atuar no Brasil? GC: Muitos brasileiros não têm conta bancária, a maioria das agências fica no Sudeste e metade das famílias está endividada. Alguns nem conseguem emprego porque têm nome sujo. A oportunidade real é quando você entende que precisa empreender para essas pessoas, que entendem o valor desse serviço e que têm essa dor. Que conselhos daria para um empreendedor no setor financeiro? GC: Não confunda a hora de captar investimento com a hora de conversar com investidores. Conheça-os e converse com eles sempre. Quando precisar captar, já conhecerá melhor o mercado e saberá com quem quer trabalhar. Então se você criou seu negócio, sente-se um dia e pesquise todos os fundos listados na Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), veja quem investe em seu setor e analise o portfólio de cada uma. Se investir em uma concorrente sua, esqueça. 25 Voltar para o índice O QUE INVESTIDORES PROCURAM? Selecione quatro ou cinco fundos, siga todos os principais gestores no Facebook e LinkedIn para acompanhá-los, frequente eventos, troque cartões e se apresente. Depois, você já terá um histórico com essas pessoas e vai poder mandar uma mensagem de WhatsApp ao invés de um e-mail que vai parar na caixa de entrada da Vox Capital. E saiba comunicar muito bem sua ideia! Tenha um pitch que até sua avó consegue entender. O que um empreendedor deve saber sobre como um investidor pensa? GC: Que é ele que está na posição de poder numa reunião, não eu. É ele que está abrindo mão de uma participação acionária no negócio para que um investidor entre. Então é preciso ter certeza que há sinergia entre as duas partes e que o investidor vai lhe agregar valor. É bom saber o que outras investidas acharam depois de cinco anos com eles ou como esse fundo trabalha, por exemplo. Um bom empreendedor escolhe o investidor que quiser e falo isso com a maior tranquilidade do mundo. Redpoint e.ventures Uma joint venture entre as gestoras de venture capital Redpoint e e.ventures, ambas grandes players do Vale do Silício, a Redpoint e.ventures tem sede em São Paulo e foca em startups de tecnologia em estágio inicial. Atualmente, a empresa tem US$ 130 milhões sob gestão e fez pouco mais de 30 investimentos no país, 25 deles ativos. Entre eles estão as fintechs Creditas, Nibo, Pismo, MinutoSeguros e Magnetis. “Procuramos empreendedores fantásticos resolvendo problemas grandes”, resume Rodrigo Baer, venture capitalist há sete anos. Como é o processo de prospecção de investimentos? RB: Olhamos 1500 empresas anualmente, em média, e nossa taxa de investimento é muito baixa: investimos em entre 3 e 11 empresas por ano. Normalmente, são investimentos que acompanham um relacionamento. Nesses casos, já conhecemos o empreendedor e acompanhamos sua evolução. É mais fácil investir em quem a gente já conhece. Como um empreendedor pode entrar no seu radar? RB: Conseguir alguém que recomende seu contato ajuda muito. Essa pessoa conhecerá nosso perfil, o que ajuda a filtrar as oportunidades. Vamos ouvir seu pitch e, se não estiver no estágio certo para nós, vamos acompanhando a evolução. Pensando especificamente em fintechs, algo muda na avaliação? RB: Quando se trata de fintechs, o componente de confiança e reputação [do empreendedor] é ainda mais forte. Como não sentamos no conselho de uma empresa como essa, temos que delegar e confiar muito na pessoa. A Redpoint e.ventures tem um perfil de empreendedor em mente? RB: Há coisas que gostamos, mas no fim do dia muda muito. Alguns traços importantes são conhecer seu mercado profundamente e conseguir atrair talentos e motivar um bom time. Resiliência também é fundamental, porque sabemos que haverá momentos difíceis.Além disso, tem que ser alguém com quem gostamos de trabalhar. Vou passar sete anos lidando com essa pessoa, precisa ser alguém agradável! Acredita que fintechs estejam vivendo um boom no Brasil ou não? RB: Com certeza. Temos um sistema super concentrado, com taxas altíssimas e que não é necessariamente eficiente. 26 Voltar para o índice O QUE INVESTIDORES PROCURAM? Há muita oportunidade para desenvolver soluções melhores e o pessoal acordou para isso. O mito de que não dava para criar um banco não existe mais, então o que vemos são pessoas tentando se especializar e criar soluções específicas. Que mudanças viu acontecer no ecossistema de startups brasileiro? RB: Foram várias ondas claramente demarcadas. A primeira foram os empreendedores estrangeiros criando soluções B2C e com parte dos investimentos de origem internacional. Depois, vimos empreendedores locais surgindo. Agora, vemos empreendedores locais e mais experientes, que vêm da indústria e trazem um shift para soluções B2B, porque eles têm a experiência da indústria e conhecem seus problemas. Fundamentalmente, a qualidade média do empreendedor melhorou muito e o ecossistema inteiro se desenvolveu. Em que nichos fintechs têm mais chance para atuar no Brasil? RB: Tem muitos temas não resolvidos, como recuperação de dívida (que ainda não passou por uma disrupção), investimentos (há várias promessas, mas nenhuma empresa cresceu ainda) e infraestrutura para a indústria financeira (há muita ineficiência no sistema e as pessoas ainda não olharam para essa oportunidade). Que conselhos daria para um empreendedor no setor financeiro? RB: Conheça muito bem o mercado. O setor financeiro é altamente regulado e em algum momento você vai precisar bater na porta do Banco Central. Então saiba qual é seu espaço, porque entrar de alegre e montar um banco vai ser impossível. Quem já conhece o setor, entende como ele funciona e tem relacionamentos, consegue. O que um empreendedor deve saber sobre como um investidor pensa? RB: Ele precisa entender porque um investidor investe e como ele investe. Vemos muita gente tentando ser criativa em formato de investimento. Mas seja criativo em seu negócio, não em cláusulas de contrato! E assim como conhece seus clientes, o empreendedor precisa conhecer muito bem os fundos. Não é um negócio que todo mundo entende, mas é preciso estudar para entender como venture deals são feitos lá fora. Vai ser muito parecido aqui. 27 Voltar para o índice O QUE INVESTIDORES PROCURAM? AS MÁQUINAS ESTÃO CHEGANDO: COMO SE PREPARAR PARA UM NOVO MERCADO FINANCEIRO A inteligência artificial é a grande aposta da indústria para trazer resultados mais rápidos, baratos e precisos; entenda o que já está acontecendo e o que você pode fazer. Imagine pagar uma conta pelo comando de voz do celular, receber opções de investimento certeiras e customizadas para seu momento financeiro em segundos ou sair do banco com a vida resolvida e sem ter falado com ninguém exceto uma inteligência artificial. Conseguiu? Então acostume-se, porque as máquinas estão chegando no mercado financeiro para trazer realidades como essas. O impacto dessas mudanças em quem pretende seguir carreira na área é incontestável. Se para os empreendedores essa mudança soa mais como oportunidade, para muitos jovens também é vista como uma assustadora substituição de mão de obra humana por robôs e que vai diminuir os empregos no setor. Ainda assim, essas mudanças não devem ser motivo de desistência – a ideia é mais se adaptar do que desanimar. A seguir apresentamos algumas das previsões sobre as mudanças que as tecnologias de automação trazem para a carreira no mercado financeiro, e o que jovens profissionais podem fazer para não perderem relevância. O que está por vir? Especialistas preveem que as máquinas assumam primeiro processos que envolvem análise de dados, como aprovação de linhas de crédito ou leituras volumosas – coisas que hoje levam dias e até meses ou exigem funcionários dedicados –, mas as mudanças não devem parar por aí. Espera-se também que inteligências artificiais comandem as interações primárias com clientes de bancos (possivelmente em três anos, de acordo com um relatório recente da Accenture) e algoritmos e modelos informados por machine learning passem a escolher, com cada vez mais frequência, as melhores ações para se comprar e vender. 28 A substituição do trabalho humano não é, por si só, uma coisa nova. O que é inédito no cenário atual é o alcance das mudanças: as máquinas estão mais e mais aptas a substituir também o trabalho intelectual, não só manual. Como boa parte do cotidiano no mercado financeiro trata do processamento de informações – cerca de 50% dele, segundo um estudo da consultoria McKinsey –, seu potencial de automação é grande. Como se preparar para fazer carreira num mercado como esse? Conheça os jogadores Para saber o que está em jogo, é útil entender as diferenças entre três termos muito utilizados por quem fala de futuro do trabalho: inteligência artificial (IA), machine learning e big data. “Inteligência artificial é um termo abrangente que inclui qualquer tipo de sistema de engenharia – normalmente um programa de computador – que exibe algum aspecto da inteligência humana”, explica Marcelo Mattar. Pesquisador do Instituto de Neurociência da Universidade Princeton, Marcelo faz parte da Líderes Estudar, rede que reúne jovens de alto impacto da Fundação Estudar. Atualmente, estuda os processos mentais envolvidos no ato de planejamento para seu pós-doutorado. Ao longo do caminho, interessou-se pelo tema de inteligência artificial. Ele conta que no começo do campo, nos anos 1950 e 60, o foco era simular o raciocínio humano, o que exigia programar cada passo das máquinas. Hoje, no entanto, o foco é criar máquinas capazes de simular a capacidade humana de aprender e alterar seus comportamentos através de experiência. É de onde vem o crescimento exponencial da tecnologia, feito pela própria máquina, que está sempre aprendendo a ser melhor. “Foi aí que nasceu o machine learning, que pode ser considerado um ramo, talvez o mais bem sucedido, da inteligência artificial”, continua Marcelo. “Sua grande vantagem é que o programador simplesmente especifica algumas regras de aprendizado básicas e deixa que o programa descubra por si só como atingir o objetivo, que muitas vezes não é sequer compreensível para o ser humano.” Já big data se refere a enormes bancos de dados, que precisam de técnicas especiais para serem analisados e interpretados, algumas delas usuárias de machine learning e outros ramos de inteligência artificial. A situação no mercado financeiro No BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, com mais de US$ 4 trilhões sob sua tutela, as mudanças balizadas por esse trio já começaram: cerca de 53 stock pickers, ou selecionadores de ações, foram demitidos numa estruturação recente. Outros tantos se transformaram em consultores que avaliam as decisões das máquinas. Ao invés de portfólios que tenham investimentos escolhidos por humanos, a nova aposta da firma são fundos automatizados, que fazem escolhas quantitativas através de algoritmos e modelos conhecidos. Além de mais baratos para os clientes – às vezes até metade do preço –, são capazes de tomar decisões com base em todo tipo de dado e indicador com rapidez e precisão impressionantes. “Aquele jeito antigo, com as pessoas sentadas em uma sala escolhendo ações e achando que são mais espertas que o vizinho, não funciona mais”, disse Mark Wiseman, um executivo de alto nível do fundo de pensões da firma, ao jornal The New York Times. 29 Voltar para o índice AS MÁQUINASESTÃO CHEGANDO: COMO SE PREPARAR PARA UM NOVO MERCADO FINANCEIRO A ideia por trás do raciocínio é que, já que todos têm acesso às mesmas informações e podem teoricamente chegar às mesmas conclusões, o melhor jeito de se manter à frente e atrair clientes é chegar mais rápido nesses resultados. Ou seja, ganha quem tem os modelos mais poderosos. É uma tendência crescente. Em 2013, 13,6% de todas as negociações de ações nos EUA foram feitas por empresas de análise quantitativa, conhecidas como quants, que utilizam algoritmos para fazer suas escolhas. Em 2016, o número subiu para 27,1%. Outra aposta da indústria é que IAs revolucionem o jeito que empresas angariam e aplicam as informações de seus clientes, interagindo de maneira cada vez mais precisa e oferecendo exatamente o que eles querem – ou podem vir a querer. “Por meio dos mecanismos de IA, poderemos realizar análises em uma escala que nenhum ser humano sozinho conseguiria fazer”, exemplifica Verônica Serra, sócia do fundo de investimentos Innova, que tem empresas de software no portfólio. “À medida que o sistema for aprendendo, vai poder fazer análises preditivas e dizer: ‘Qual cliente quer o que e como?’. A resposta será mais assertiva e haverá uma maior satisfação por parte do cliente.” Potencial de inovação Na equipe da Biva, uma fintech pioneira quando se trata de empréstimos peer-2-peer no Brasil, há pessoas com doutorados, mestrados e especializações diversas e não só relacionadas à Economia ou Administração – uma variedade que se repete em grandes instituições financeiras pelo mundo, que empregam de engenheiros a físicos teóricos e neurocientistas. “Isso sempre nos impulsiona a procurar soluções inovadoras para os serviços financeiros”, explica Jorge Vargas Neto, CEO da startup. A Biva, que já surgiu num ambiente altamente tecnológico, hoje usa 2 mil pontos de dados para analisar cada solicitação de crédito feita em sua plataforma, de interações em redes sociais a comportamentos financeiros. A velocidade do processo é muito superior a de outras instituições do tipo. Uma resposta que pode levar semanas ou mesmo meses num banco leva, aqui, cerca de quatro dias. “Tudo isso é analisado por um sistema com machine learning que vai reprocessando as informações semanalmente, de forma a ir sempre aprimorando a precisão de nossos modelos”, continua Jorge. Como novas ideias precisam de investimentos para sair do chão, investidores e empreendedores também precisam estar atentos às mudanças. “Na Innova, nos perguntamos quais segmentos possuem enormes ineficiências e onde a tecnologia pode gerar valor relevante”, fala Verônica, que também faz parte da rede Líderes Estudar. Essa também é uma boa medida para enxergar até onde a inteligência artificial pode chegar no mercado financeiro – e quais são as oportunidades que existem ali. O que está em risco para o jovem profissional? Nem tudo são flores, e o lado negativo da automação para muita gente é bastante óbvio: a perda de empregos. Quando se trata do que vai de fato acontecer no mercado financeiro, as expectativas variam. Uma pesquisa do banco Citi, por exemplo, estima que 1,7 milhões de empregos do setor pode desaparecer na Europa e nos EUA até 2025 como consequência da automação. 30 Voltar para o índice AS MÁQUINAS ESTÃO CHEGANDO: COMO SE PREPARAR PARA UM NOVO MERCADO FINANCEIRO Daniel Nadler, CEO da Kensho, um software de análise de dados empregado pelo Goldman Sachs, aposta ainda mais: em uma década, até metade dos funcionários do mercado financeiro podem perder seus empregos como consequência de tecnologias desse tipo. “Em dez anos, o Goldman Sachs será significativamente menor por cabeça do que é hoje”, afirmou. Funções que tenham rotinas repetitivas e previsíveis são facilmente automatizadas e seriam as primeiras a serem eliminadas, explica Marcelo, e isso inclui aquelas que precisam de memória, atenção e lógica – áreas em que um computador erra muito menos que um ser humano. “Em geral, a IA prospera em todo e qualquer tipo de atividade em que uma quantidade grande de dados, que represente as diferentes situações que podem ser encontradas, seja suficiente para descrever a execução ideal do trabalho”, continua o pesquisador. E se a tecnologia já é capaz de tanta coisa, pelo menos ainda perde quando se trata de usar a criatividade e oferecer contato humano – ambas características necessárias para o mercado financeiro. Além de insights criativos serem muito bem vindos nas empresas, a grande maioria dos clientes ainda prefere falar com outra pessoa. Tudo muda – mas em quanto tempo? É importante lembrar que o tempo necessário para essa transição também não é claro. Embora algumas novidades, como uma presença significativamente maior de IAs na interação com clientes, sejam uma tendência para o futuro próximo, outros aspectos da automação podem levar uma década ou mais. Os obstáculos no caminho são de diversas naturezas, como financeira, tecnológica e socioeconômica. No mesmo relatório da Accenture, os executivos citam problemas de privacidade e compatibilidade entre tecnologias entre seus grandes desafios. Outros especialistas lembram que países vão levar tempos diferentes para implementar processos automatizados, sempre comparando custos e benefícios locais. O que pode ser rápido na Inglaterra, por exemplo, pode ser mais lento num mercado emergente como o Brasil. Além disso, há a questão de como se destacar num mercado como esse, do ponto de vista corporativo, o que exige calma e reflexão na hora de traçar estratégias. “O desafio é o reposicionamento estratégico das empresas diante desse cenário. Afinal, se os trabalhos ‘core’ da indústria forem automatizados, qual será o novo diferencial oferecido por elas?”, indaga Marcelo. O uso dessas novas tecnologias, no entanto, não será opcional. “Será uma questão de sobrevivência estar preparado e ter um serviço, produto ou modelo de negócios alinhado com as novas tendências e evoluções tecnológicas”, afirma Jorge. Como se preparar Não há necessidade para pânico: o novo mercado financeiro será diferente, mas não impossível. E se ainda é muito cedo para dizer que novas profissões vão surgir ou que talentos estarão em alta, já é possível dar alguns conselhos. O primeiro é fundamental: aprenda a aprender continuamente. Em tempos de mudanças rápidas – é o que o século 21 promete –, a atualização precisará ser constante. E capacidade de aprendizado (rápido!) será um dos principais diferenciais competitivos. 31 Voltar para o índice AS MÁQUINAS ESTÃO CHEGANDO: COMO SE PREPARAR PARA UM NOVO MERCADO FINANCEIRO O segundo conselho é acompanhar cuidadosamente as mudanças no mercado, especialmente no começo da carreira, para identificar as habilidades que serão úteis e complementares em suas áreas de interesses. Assim, você já sabe o que incluir na próxima rodada de atualização. “É impossível saber a linguagem de programação que será a próxima grande tendência ou o novo edge em uma tecnologia que ainda não existe”, diz Jorge. “Cabe ao jovens estudar o mercado de interesse e construir um raciocínio aberto e criativo, direcionado para a resolução de problemas.” Para Verônica, a fluência em tecnologia – que significa tanto entender e saber usar o que existe quanto aprender a programar de maneira geral – está se tornando tão essencial quanto o inglês e já pode entrar na lista. Ela também indica manter-se atento ao mundo da inovação em geral para entender melhor as novidades e, quem sabe, fazer parte delas. “É importante estar próximo a pessoas que, através de mentorias e ou de conversas informais, possam dar acesso às empresas que estão fazendo
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