Buscar

O atendimento Infantil na Ótica Fenomenológica Existencial

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 9, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

Capítulo 2
Temas em
Psicoterapia Infantil
Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo
2.1 Apresentação
N este capítulo, pretende-se descrever parte de um processo psicoterápico que
trata do encontro do psicoterapeuta com os pais e a própria criança. A apre-
sentação traz preocupações por parte dos pais muito freqüentes na atualidade:
medo de que a criança não responda às solicitações do mundo moderno, preo-
cupação da mãe em agir conforme recomendam os manuais de psicologia,
modos diferentes com que os pais entendem a educação dos filhos etc.
•
2.2 Sobre a Psicoterapia
A procura de psicoterapia em crianças, freqüentem ente, ocorre a pedido dos
'pais. Algumas vezes, são eles próprios que concluem sobre a necessidade de
que os filhos se submetam à psicoterapia infantil. Em geral, o pedido parte
da escola: ou pelo fraco desempenho escolar ou pela perturbação que a cri-
ança vem provocando na escola. Dificilmente ocorre por timidez, já que
nestes casos a criança não perturba. No entanto, via de regra o desejo é de
51
52 • o Atendimento Infantil na Ótica Fenomenológico-Existencial
que ela se adapte às exigências da cultura moderna. Espera-se que seja estu-
diosa, alegre, comunicativa e esperta. Este é o modelo da criança-padrão.
Aquelas que não satisfizerem tais critérios recebem o rótulo de criança-pro-
blema. E os pais, conseqüentemente, também são rotulados como incapa-
zes, em uma cultura onde se tem de encontrar um culpado: cultura da
culpabilização, nada melhor do que denunciar a família, a qual, neste con-
texto cultural, acaba por buscar na psicoterapia respostas, critérios, referenciais
de como lidar com os filhos.
Coimbra (1995) refere-se a esta tendência da psicologia no Brasil com
o seguinte subtítulo ''A psicologização e os especialistas PSI". Afirma que se
rejeitam os movimentos políticos e sociais para assumir um projeto indivi-
dual de ascensão social, sucesso profissional, equilíbrio familiar. A psicolo-
gia, com seus especialistas, "fornece uma legitimação científica à tecnologia
do ajustamento". esta perspectiva, o filho que não quiser estudar ou que
não se insere neste modelo de ascensão, o casal que não se insere no modelo
de e<casal20" devem recorrer aos conselheiros psicólogos, que dispõem de
técnicas eficientes para tornar estas famílias adaptadas ao sistema de perfei-
ção, que, aliás, se constitui na promessa da modernidade.
o entanto, pensar eT uma psicoterapia não estruturada a partir de
estratégias científicas pode levar as pessoas à desconfiança, ao cepticismo.
Na medida em que o diálogo se apresenta de forma natural e as questões e
mudanças se dão de modo sutil, pode ocorrer a não-aceitação de que os
filhos se submetam ao processo psicoterapêutico. Abre-se, assim, espaço
para muitos preconceitos a respeito e também descrenças sobre a eficácia do
tratamento.
Questões acerca do que é psicologia clínica, mais especificamente do
que é psicoterapia, acontecem com muita freqüência, especialmente se não
oferecem respostas imediatas a respeito das atitudes que devem ser toma-
das, das causas do problema ou de quem é o culpado. A psicoterapia que não
interpreta a partir de uma teoria subjacente acaba por suscitar algumas ques-
tões como estas:
2. Pagar só para conversar?
1. Serve para quê?
3. Você acredita no que faz?
Capítulo 2 - Temas em Psicoterapla Infantil e 53
4. Dinheiro fácil ficar conversando no ar-condicionado o dia todo. É
isso, não é?
Longe de se deixar irritar por estas questões, deve-se considerar que
aquele que faz tais considerações, ao fazê-Ias se revela. Mostra a sua descon-
fiança, descrença, enfim avalia o modo de ser do outro -de acordo com as
suas possibilidades de ação no mundo.
Fora tais considerações, podemos perceber que suas interpretações do
mundo estão carregadas dos modos de subjetivação da modernidade: cultura
da utilidade, da produtividade em série, da lei da vantagem - onde é permitido
enganar o outro para obter benefícios próprios, da cultura dos resultados.
O modo de pensar: da eficácia e da eficiência, da previsão de resulta-
dos favoráveis, da produção em série, do acúmulo e do consumo são legados
da ciência moderna para a humanidade. É natural, então, que é isto que se
espera dos profissionais de saúde para com a população. Que ele aplique
técnicas comprovadas cientificamente para obter os resultados desejados.
Nesta perspectiva, toda a natureza, inclusive a humana, se constitui
corno reserva e como tal deve se dar de modo a poder explorar todos os
recursos de que dispõe. O bom técnico é aquele que sabe preparar e buscár
esses recursos para poder explorá-Ia em todo o seu potencial. Ainda, seguin-
do tal linha de pensamento, tão logo nada mais se tenha a explorar, esse
elemento natural deve ser descartado, já que não mais produz.
A psicologia, mais especificamente a clínica, despendeu todo o esfor-
ço para corresponder às expectativas da modernidade. A partir de então, a
psicologia como uma técnica moderna inicia a provocação da natureza, para
dela extrair os seus recursos, inclusive os da própria natureza humana. Não
cuida, descuida. Não deixa que as coisas surjam a seu modo na natureza,
explora-a. A provocação da natureza, por parte do homem, que utiliza a
técnica, consiste em consumir, acumular e comutar.
O sentido da técnica moderna pautou-se no objetivo da ciência que
consistia em buscar a segurança universal, um caminho certo e seguro. A
partir de um discurso exato, em que predomina o princípio de identidade e a
idealização matemática, o método torna-se mais importante em toda e qual-
quer investigação do que o tema a ser investigado.
E, assim, a sociedade passa a organizar toda a educação de seus filhos.
Inteligentes eram aqueles que sabiam bem matemática. A vocação para a
arte, a filosofia enfim eram aqueles que chamávamos de "vagabundos", uma
54 • O Atendimento Infantil na Ótica Fenomenológico-Existencial
vez que não produziam no sentido moderno. Os filhos também se consti-
tuem como recurso natural, dos quais devemos extrair todos os seus recur-
sos para a PRODU çÃo.
Hoje parece que muitos de nós compartilhamos com a crença de que o
valor não está mais no saber pensar. O valor reside no ganhar dinheiro de
maneira "fácil". Os sonhos de realização dos filhos mudaram, quem sabe se
o melhor é que sejam jogadores de futebol, modelos.
E como é difícil não se deixar levar, esquecer-se de si próprio e se con-
duzir pelo modismo, consumismo, enfim pelo que a mundanidade determina.
Vive-se em uma sociedade estética, onde o valor maior consiste em
viver sob o signo do prazer, do belo, do socialmente valorizado. O esteta é
aquele que segue pela vida sem refletir sobre si mesmo. Escolhe para si o que
o mundo determina, esforça-se no sentido de se tornar aquilo que a moda
determina. Escolhe a profissão mais valorizada no mundo dos estetas. É
igual a todos os outros. Sem capacidade de discernir o si próprio do si do
outro, a família torna-se um barco à deriva. É o mundo que determina o que
deve ser. Nas palavras do filósofo, assim o homem torna-se mais-uma ovelha
eJll um rebanho. No lugar de pessoas singulares vê-se um eterno zero: todos
iguais, como soldados em uma batalha, esquecem o seu nome e se identifi-
cam por um número.
A psicologia, tal como pensada na modernidade, dá ênfase ao desen-
volvimento intrapsiquico. seguindo o modelo médico, pauta-se na mo-
dernidade e, portanto, se fecha no indivíduo e no ideal de individuação a ser
conquistado.
Assim valoriza-se a perfeição e o progresso como fim último a ser atin-
gido pela família, em um mundo competitivo, onde o lema é "O mundo per-
tence aos melhores". Sob o domínio da vontade: o homem torna-se o todo-
poderoso do Universo. E poder é querer. Tudo depende da vontade e da deter-
minação. Aquele que não ascende está paralisado pela sua baixa auto-estima,
sentimentos de inferioridade e pela sua inadequação àsdemandas do mundo.
Se não vence é porque prefere manter-se assim, quem sabe há um ganho se-
cundário. Desse modo, cria-se a categoria do culpado. Fabrica-se o indivíduo.
A ênfase recai sobre o potencial humano. O homem como recurso que
deve dar tudo de si para o crescimento de uma nação passa a ser visto como
potencial a ser desenvolvido.
Capitulo 2 - Temas em Psicoterapia Infantil e 55
Acredita-se que é este equilibrio familiar que vai garantir o equilibrio
social. O cotidiano e o social saem da categoria do politico e passam a per-
tencer à do psicológico. A saída para todos os problemas sociais está na
liberação das repressões individuais, na autenticidade e no calor humano.
A entrevista com os pais e a sessão livre com a criança têm aqui
como objetivo ilustrar a preocupação com a perfeição da família para pro-
duzir filhos bem-sucedidos. Aspectos como culpabilização e angústia es-
tão presentes no relato da mãe. Uma leitura carregada de "psicologismos"
pode acabar por designar rótulos a cada um dos pais e o próprio psicólogo,
ao se precipitar, pode encontrar um culpado. Alguns, ao interpretarem o
diálogo, classificam o pai como ausente, outros o rotulam como compreen-
sivo, há os que acreditam ter descoberto a questão, por julgarem a mãe
dominadora e exigente e há aqueles que ainda dizem que se trata de uma
mãe insegura.
'r Provavelmente, tais interpretações não se originam de psicoterapeutas
existencialistas. Estes, pautados na herrnenêutica, não compreenderiam a par-
tir de critérios "psicologizados". A base da sua escuta seria a compreensão.
A hermenêutica como interpretação é pensada aqui como instrumen-
to na psicologia clínica. Feijoo (2000) estabelece um paralelo entre a inter-
pretação do psicoterapeuta e o mensageiro Hermes:
"Da mesma forma que Hermes, o psicoterapeuta não vai ocupar a
casa do outro, morada do ser, mas vai habitá-Ia, para então poder entender o
que o outro entende. Acompanha aquilo que o cliente revela na sua fala,
mesmo quando silencia. Direciona-se de acordo com aquilo que lhe é dado,
agindo num espaço de expressão livre. O psicoterapeuta compreende o ou-
tro, e isto consiste em captar a interpretação de mundo que o outro é. Abre,
então, possibilidades para se questionar em seu ser mais próprio". (p. 103)
O psicoterapeuta, tal como Hermes, ouve o não-dito, facilita o des-
vendar de mistérios e segredos, esforça-se no sentido de tornar compreensí-
velo que a princípio parece obscuro.
A hermenêutica filosófica, com suas considerações sobre pré-com-
preensão, compreensão, interpretação e círculo hermenêutico, vai ser de suma
importância para dar um fundamento rnetateórico à psicologia clínica.
A entrevista inicial com os pais visa explorar a queixa. A preocupação
dos pais com relação à criança.
56 • o Atendimento Infantil na Ótica Fenomenológico-Existencial
I. Dados de identificação
a) Do sujeito:
Nome: João
Sexo: Masculino
Data de nascimento: 16 de março de 1995
Idade: 5 anos e 8 meses
Escolaridade: Pré- Primário
b) Familiares:
- Pai
Nome: Jair
Idade: 31 anos
Escolaridade: Superior
Profissão: Veterinário
- Mãe
Nome: Xaiane
Idade: 33 anos
Escolaridade: Superior
Profissão: Veterinária
- Irmãos:
Nome: Joana
Sexo: Feminino
Idade: 1 ano e 6 meses
2. Motivo da Consulta
Mudança de comportamento de João nos últimos meses. Vem se mostrando
muito agitado. O que se agravou ao ingressar na escola.
3. História Pessoal
E - Qual foi o motivo que levou vocês a procurarem um psicólogo para João?
Capítulo 2 - Temas em Psicoterania Infantil _ 57
M - João, no início do ano, pareceu-me um pouco agitado. Acho que foi
devido à sua entrada no colégio, pois antes freqüentava só a creche e se
ausentava de casa apenas meio turno. Agora, o horário é integral. Não estava
acostumado a ficar o dia inteiro fora de casa. Mas já está mais calmo, a
agitação acabou ao se habituar com a escola nova. Mas fico preocupada,
acho melhor prevenir do que remediar.
E - Como ele agia quando manifestava esse comportamento agitado?
M - Chorava, dava "pits", ficava um pouco agressivo e dizia que não queria
ir para a escola ... Nos primeiros dias; agora ele diz que já tem amiguinhos e já
pede até para ir.
E - Qual era a atitude de vocês perante esse tipo de comportamento dele?
M - Conversava com calma e explicava a ele o quanto era importante ir-à
escola, dizendo que lá encontraria os amiguinhos da creche e poderia fazer
novas amizades, além de brincar e aprender coisas novas.
P - Eu deixava que a mãe resolvesse.
E - E corno ele reagia ao que você falava?
M - Só ouvia, não dizia nada.
E - Eu vou fazer uma pergunta um tanto diferente das habituais para vocês
dois: por que dentre tantas pessoas no mundo vocês escolheram um ao outro?
M - (ri) Nós nos conhecemos em uma festa de amigos, houve o interesse,
achei ele simpático, me interessei ...
P - Olhei para ela e gostei, quis iniciar um relacionamento.
E - E o namoro como foi?
M - Foi legal, tínhamos um bom relacionamento, não brigávamos.
58 • O Atendimenlo Infantil na Ótica Fenomenológico-Exislencial
P - Achei melhor casarmos, estava na hora, eu gostava de Xaiane e queria
constituir família com ela.
E - Como foi a concepção de João?
M - Foi mais ou menos programada.
E - Como assim?
P - Pelo fato de ter completado dois anos e meio de casados, desejamos
muito este filho, mas tinha o problema de horário de trabalho, que, na época,
era para ela período integral.
E - E como foi a gestação?
M - Foi excelente em termos de gravidez! O parto foi normal e até rápido.
Trabalhei até sexta-feira e João nasceu de sábado para domingo. Foi super-
tranqüilo. Ia ao médico todo mês fazer o acompanhamento do desenvolvi-
mento do bebê.
E - E como é o sono dele?
M - Antigamente, era mais agitado. Se debatia, rodava na cama e chegava a
. cair. Tinha de colocar a gradezinha na sua cama. Agora, ainda roda na cama,
mas não cai.
P - Ele se mexe e roda na cama independente do dia ser calmo ou agitado.
Essas coisas acabam sendo com Xaiane; durante a semana trabalho muito e
essas coisas das crianças acabam sendo mais dela.
E - Ele dormia no quarto de vocês quando bebê?
M - Até uns três meses. A partir do quarto, não. Dormia no berço sozinho
sem nenhum problema.
E - Como foi a adaptação de João com relação a esta mudança?
Capítulo 2 - Temas em Psicoterapia Infantil _ 59
M - Como ele era muito pequenininho, não sentiu a separação, tendo um
sono tranqüilo. E qualquer problema que surgisse eu estava atenta, pois sen-
ti que meu sono já não era tão profundo. Muitas vezes, dormimos com a
porta do quarto fechada e o ar-condicionado ligado; caso ele chorasse ou
tossisse eu acordava e ia até lá.
E - Ele utiliza algum recurso para dormir?
M - Utilizava. A "dona chupeta". Mas, com o tempo a chupeta se perdeu.
Ele me perguntava sobre ela e eu dizia que deveria estar no meio de seus
brinquedos ou no carro do pai. E daí se esqueceu da chupeta. Ele tem um
cachorro que o padrinho lhe deu e, às vezes, dorme com ele. Se o animal (de.
pelúcia) não estiver à vista, dorme sem nenhum problema.
E - E como é a alimentação de João?
•
M - Durante a semana, almoça e janta normalmente, pois a alimentação é
feita na creche. Mas quando chega o fim de semana, recusa-se a comer e só
quer saber de iogurtes, biscoitos e chocolates. É preciso, então, distrair a sua
atenção, e quando percebe, já comeu tudo.
E - Como distraíam a atenção dele para que comesse?
M - Mostro o céu, converso, brinco e troco de prato com ele, dizendo que
vou comer toda a sua comida e ele vai ficar com o meu prato vazio.
E - E o desenvolvimento motor?
M - É muito bom.
E - Quando começou a andar?
M - Sozinho, após um ano. Antes dessa idade, já dava seus passinhos, mas
era preciso acompanhá-lo.
E - Como foi para vocês quando ele começou a andar sozinho?
60 • O AtendimentoInfantil na Ótica Fenomenológico-Existencial
M - Foi ótimo! Apesar de João mexer em tudo e eu ter uma certa preocupa-
ção de que ele se machucasse.
P - Foi aí que comecei a participar mais, a sair com ele e a brincar mais no fim
de semana.
E - Como vocês agiam quando o viam próximo a um objeto que pudesse vir
a machucá-lo?
M - Eu deixava e ficava olhando, pois se eu ficasse próxima iria despertar a
sua atenção para o objeto. Mesmo quando começou a engatinhar e batia com
a cabeça em alguma coisa, só ia verificar se machucou quando ele chorava.
Caso continuasse a engatinhar, deixava pra lá.
P - É, nós nãõ ficamos estressados.
E - E a fala?
M - Por estar na creche, desenvolveu-se bem. Quando queria alguma coisa,
falava. E se ficasse apontando para mim não significava nada.
E - Como foi a manipulação dos objetos?
M - Desde cedo dávamos vários objetos de borracha para manipular. Até
mesmo no banho, que era em uma banheira grande, colocávamos brinque-
dos e ele ficava mais tempo que o necessário manipulando os mesmos. -
E - Como agiam quando ele mexia em algum objeto de uso pessoal seu? .
M - As coisas que nós não queríamos que ele mexesse eram colocadas no
alto. As que não tinham problema ou não ofereciam perigo não eram retira-
das. Na mesinha da sala, até hoje, permanecem os mesmos objetos de antes,
pois estamos por perto para alertá-lo do que pode ou não mexer.
E - Como se deu o controle dos esfíncteres?
M - Por volta de um ano e oito meses iniciou-se com o controle das fezes.
Capítulo 2 - Temas em Psicoterapia Infantil - 61
Com dois anos já controlava a urina e as fezes, porém utilizava fraldas ao
dormir, uma vez que ainda urinava na cama. Quando a irmã nasceu, ele
estava com dois anos e meio e então voltou a fazer cocô na roupa como se
quisesse dizer que estava ali querendo chamar atenção.
E - Como foi o ingresso dele na escola?
E - Como vocês reagiram a e a mudança de comportamento dele?
M - Conversava dizendo que ele já sabia pedir e que sua irmã ainda era bebê.
Ele me respondia dizendo que ele também era. Então, eu falava que já que
ele também era eu o trataria igual à irmã, fazendo coisas que ele não gostava
tais como: dar mama no peito colocar fraldas durante o dia e dar banho em
uma banheirinha. Com isso, deixou logo de sujar a roupa e voltou ao normal.
P - Quando estávamos junto i to não acontecia, eu acabava brincando mais
e aí as coisas ficavam mai fáceis.
M - João já estava na creche e alguns de seus amiguinhos foram para a mes-
ma escola, o que facilitou o eu entrosamento na escola. Ele colabora com a
professora fazendo todos os trabalhos solicitados. Na verdade, só tem pro-
blemas relacionados aos limites impostos pelos adultos.
E - Como se dá o seu relacionamento com a irmã?
E - Quais seriam estes limites?
M - Na troca de atividades, respeitar seu lugar na fila e nas próprias brinca-
deiras com os demais colegas.
E - Como foi a adaptação com a professora?
M - Foi muito boa, uma vez que a professora é muito meiga e boazinha. Faz
os trabalhos e pesquisas solicitados procurando sempre agradá-Ia.
M - É uma boa relação, apesar da situação de ciúme que existe por parte dele
e, mais ainda, por parte dela. Às vezes, ocorrem brigas, eles se batem ... Por
62 • o Atendimento Infantil na Ótica Fenomenológico-Existencial
vezes, deixo a briga rolar até se entenderem e em outras ocasiões interfiro e
acabo, até mesmo, batendo em ambos. Quando dou um brinquedo para um
dou também para o outro, respeitando as idades.
E - E depois das brigas. Qual é a atitude de vocês?
M - Às vezes, chego a dizer que sou uma mãe neurótica, pois eles brigam por
coisas que considero uma bobagem, mas para eles é algo sério. Depois das
brigas, do choro e, por vezes, do castigo, quando já estamos todos mais cal-
mos, converso com eles e pergunto se o que fizeram estava certo, se era
necessário brigar. Digo que os amo e fico triste diante das brigas. Eles me
abraçam e dizem que também gostam de mim.
P - Às vezes, nem participo, pois trabalho durante todo o dia. Estou mais
presente nos fins de semana quando vamos à praia e brinco com eles.
M - Nestas ocasiões geralmente não há brigas.
E - Quat é a sua atitude (pai) quando presencia uma briga?
P - Tento apaziguar calmamente, isso é coisa de criança .
.;
M - Por vezes, ele os separa agarrando um ou o outro. E em outras situações
ele ri. Digo para ele parar de rir, pois isso interferirá na educação das crianças.
E - Como é o relacionamento de João com você (pai)?
M - É ótimo! Às vezes, acho que ele gosta mais do pai do que de mim.
Quando seu pai vai fazer alguma coisa, ele quer acompanhá-lo.
P - Não é isso, é porque a mãe fica com a parte mais difícil, com o dia-a-dia.
E - E você diante desta "preferência"?
M - Eu gosto, pois ele é o seu pai. Não é que eu não goste do João, mas com
um só em casa é mais fácil para se lidar e organizar as coisas da casa. Não há
brigas nem muito barulho. Sua irmã é muito carinhosa comigo.
Capítulo 2 - Temas em Psicoterapia Infantil e 63
E - Como é a adaptação dele a novos ambientes?
M - É muito boa. Logo que ele chega fica meio quieto, mas em seguida já
está brincando com as outras crianças e já nem sei onde ele está. Procuro
sempre verificar se ele não está fazendo algo de mais perigoso. Em ambien-
tes só de adultos ele chega, fica um pouco retraído, mas se conhece alguém
vai conversar e brincar com essa pessoa. Acho que esse comportamento se
deve ao fato de estar na creche. Logo no inicio, quando coloquei-o na cre-
che, houve uma resistência por parte de seu avô. Mas hoje ele mesmo reco-
nhece que foi a melhor atitude a ser tomada.
E - Como é o brincar de João? •
M - Gosta muito de desenhar, jogar bola, andar de bicicleta, adora ir à praia
e à piscina, não sai da água. Na creche também brinca muito com as outras
crianças e adora fazer malabarismo. Eu sou uma pessoa que o incentiva.
P - Quando nós vamos para o Parque da Cidade, ele sobe em árvores, corre,
pula corda ... Em casa, costumamos brincar de escrever; com joguinhos de
encaixe e ele sempre me chama para jogar memória. Adora ganhar nesse jogo.
E - Vocês facilitam a vitória dele neste jogo?
M - Não. Cada hora um ganha. Às vezes, estou com a cabeça no mundo da
lua e como ele presta mais atenção, ganha o jogo. Mas quando ganho e digo
para ele, não há problemas.
P - Aceita perder numa boa.
E - Ele pratica algum esporte?
M - Natação, além de se interessar pelo judô e karatê. Às vezes, em casa,
brinco de luta com ele. Na creche, não brinca de lutar porque as estagiárias
têm medo que as crianças se machuquem.
E - De onde vem este seu interesse pelo judô e karatê?
64 • o Atendimento Infantil na Ótica Fenomenológico-Existencial
M - Acho que dos desenhos e filmes que ele assiste. Além do Jornal dos
Esportes, que ele assiste e gosta.
E - Como João expressa as suas emoções?
M - Quando está feliz, ri e os olhos chegam a brilhar. Mas quando está com
raiva, chora e briga. É terrível, nem precisa dizer nada.
E - Como vocês agem quando ele faz algo que não corresponde às suas
expectativas?
M - Depende do que seja. Às vezes, converso e, em alguns casos, brigo. Eu
gosto que eles falem a verdade e converso sobre o que é certo ou errado.
P - Comigo estas coisas não acontecem.
E - E as situações de castigo?
M - Fica de castigo e, por maior que seja a raiva que ele sinta, me obedece.
P - É, ele é obediente.
E - Em quais situações vocês o colocam de castigo?
M - Alguma coisa que ele faça de terrível em nível de bagunça, ou me agrida
fisicamente, coisa que normalmente não acontece.
E - Há situações de promessas para ele?
M - Às vezes. Só prometo o que posso cumprir, pois se não cumprir, eles não
irão mais acreditar em mim. Isso ocorre até mesmo nas situações de amea-
ças. Quando ameaço, faço. Certa vez, discuti com João e ameacei jogar forauma pacote de pirulitos. Ele duvidou dizendo que eu não faria isso. Pensei
duas vezes e, como os pirulitos estavam no saquinho, joguei longe. Ele me
olhou assustado, não falou nada e não duvidou mais de mim.
E - E você (pai) como reage diante das ameaças?
Capítulo 2 - Temas em Psicoterapia Infantil e 65
M - Normalmente, não estou presente. E quando presencio, digo para res-
peitar o que a mãe diz.
E - Quando as crianças se afastam quais os comentários de vocês?
M - Ele diz que se não fizer o ameaçado perde o respeito. E quando eu falar
alguma coisa eles não irão acreditar.
P - Às vezes, acho que Xaiane fala e não cumpre, e isso não é bom. É melhor
não falar se não for cumprir, perde o respeito.
E - João se preocupa com a própria higiene?
M - Adora banho. Escova os dentes, mas é preciso mandar. Rói unha e não
sei se é da idade ou se vai continuar. Pede para limpar o ouvido e cortar as
unhas do pé. E quando ele mesmo limpa o ouvido, pede para eu verificar, O
papel higiênico é jogado na cestinha.
E - Ele tem conhecimento do status familiar?
M - Eu oriento e quando ele pede algum brinquedo pergunta se eu posso com-
prar. Não pede muitas coisas, pois sabe que não trabalhamos por hobby, mas
porque precisamos. Há limites e não liga para marcas de roupas, tênis etc.
E - Demonstra curiosidade sexual?
M - Tem algumas fases em que essa curiosidade aumenta e em outras dimi-
nui. Por enquanto, não perguntou como nasceu. Quando pergunta alguma
coisa, respondo normalmente.
E - Já o presenciou manipulando o próprio corpo?
M - Às vezes, ele está coçando e digo para ele que vai ficar duro. Ele me
responde que já está. Pergunto se não está com vontade de fazer xixi, brinco
e não reprimo. Ele mexe no próprio corpo e quando acha que se machucou
me diz e pede para passar remédio. Toma banho com a irmã e não há preocu-
pação em ver o corpo do outro. Toma banho comigo e pergunta se quando
66 • O Atendimento Infantil na Ótica Fenomenológico-Existencial
crescer vai ficar igual ao pai. Digo que sim, explicando que ele está crescen-
do e tudo cresce, os braços, a cabeça ...
E - Qual é a sua atitude (pai) quando presencia o filho manipulando o pró-
prio corpo?
P - Olho, não digo nada e, às vezes, rio apenas. Evito tomar banho com a
filha. Mas, se estiver tomando banho e ela entrar no banheiro por alguma
razão, continuo no banho naturalmente e não me escondo. É uma coisa
normal.
E - A família se interessa por alguma religião?
M - João freqüenta um colégio Batista apesar de eu ser católica. Eu os
levo na Igreja e quando eles perguntam sobre alguma coisa ou imagens
respondo normalmente, dizendo quem é o "papai do céu" ou explicando
o que é a história .
.
E - João sofreu alguma doença grave?
M - Não. Quando pequenininho teve hidrocele, além da catapora. Se machu-
cou, mas não foi nada grave.
E - E acidentes?
M - Não. Nenhum tipo de acidente.
E - Há alguma personalidade dominante na família?
M - O meu pai.
E - Qual é a relação de João com ele?
M - Como meu pai já bateu nele, ele fica meio receoso. Quando diz para João
não fazer algo, ele não faz, mas discute e brinca normalmente com o avô.
E - Qual foi a reação de vocês diante da atitude do seu pai para com o seu filho?
Capítulo 2 - Temas em Psicoterapia Infantil e 67
M - Fiquei chateada e achei que não tinha necessidade de ele ter batido
no João. Depois, vi que era uma pessoa mais velha, de geração diferen-
te ... Compreendi.
P - Eu não concordo com essa atitude, já falei.
E - Descreva para mim um dia comum na vida de vocês.
M - Pela manhã João vai para o colégio e depois levo Joana para a creche. Busco
por volta das 18 horas e à noite todo mundo assiste ao jornal antes de dormir.
E - E aos domingos?
M - Vamos para o sítio de uns amigos e eles adoram ver bichos e cavalos.
Vamos ao Barra Shopping, na casa dos tios, jantamos fora, enfim, um fim de
semana nunca é igual ao outro.
E - Se uma fada aparecesse e concedesse três pedidos a João o que vocês
acham que ele pediria?
M - Pedidos para o futuro. Gostaria que ele fosse um grande homem, que
fosse muito instruído e uma boa pessoa.
E - Esses pedidos seriam os dele?
M - Eu não saberia. Talvez se você lhe perguntasse, ele diria quais são.
P - Ele com certeza pediria um canivete, já anda pedindo isso há algum
tempo. Pediria coisas materiais, gosta de brinquedos.
A entrevista com os pais tinha, a princípio, como objetivo explorar o
motivo da consulta. No entanto, percebe-se logo na primeira declaração da
mãe que a situação de queixa já não existia mais. Prosseguiu-se, então, com
uma entrevista de anamnese, a fim de investigar a história de desenvolvi-
mento de João, depois se investigou o relacionamento dos pais e, por fim, os
hábitos de rotina e de convívio social da família.
68 • o Atendimento Infantil na Ótica Fenomenológico-Existencial
Do relato dos pais pode-se perceber como a mãe se encontra afetada
pelas apelações do mundo moderno de família perfeita. Sua fala mostra toda
a preocupação em agir como recomendam os manuais de psicologia. Sua
atitude consiste em buscar rapidamente um especialista psi para ter certeza
de que nenhum problema de comportamento se instaure no modo de ser do
filho. Parece que já teme a culpabilização.
O pai, por sua vez, não se preocupa em seguir os manuais, age com
naturalidade e sensibilidade, não se sente culpado e acredita que João não
tenha nenhum problema.
Em algumas situações, não há concordância dos pais, porém não ocorrem
conflitos. E parece que é da mãe que parte a última palavra nos desacordos.
A fim de dar continuidade ao processo, segue-se o encontro com João.
Dá-se início à sessão livre: assim que João chegou, apresentei-me e dei
início à entrevista.
E - João, você sabe o que veio fazer aqui? Seus pais lhe falaram alguma coisa?
J - (Não falou. Apenas sacudiu a cabeça de forma negativa.)
.
E - Eu estou aqui para conversar com você. Quer conversar comigo?
J - (Sacudiu a cabeça de forma a dizer "sim".)
E - Também temos brinquedos e jogos, se quiser podemos brincar.
J - (Sacudiu a cabeça em sinal de que preferia brincar.)
E - Nós temos uma hora para brincar. Então, vamos? Por qual brinquedo
vamos iniciar?
J - (Não falou. Apenas aponta para um jogo que era o Ligue 4.)
E - Sabe como se joga?
J - (Sacudiu os ombros como se falasse "não sei".)
E - É assim. Temos de colocar as fichas até completar uma coluna horizon-
Capítulo 2 - Temas em Psicoterapia Infantil e 69
tal ou vertical ou transversal, toda a coluna com as fichas da mesma cor. (As
fichas eram da cor preta ou laranja.) Ele escolheu as laranjas, mas a cada
nova partida trocava de fichas comigo (por sua própria iniciativa).
Na primeira partida, empatamos, olhou para mim e deu um sorriso tími-
do. Na segunda, perdeu. Não falou nada. Apenas sorriu. Na terceira, ganhou e
sorriu alegremente, sem nada comentar. Na quarta, ganhei, então ele falou:
J - Minhas fichas já acabaram e as suas não. Deu empate. (ele sorriu)
Neste jogo, João demonstrou tolerância à frustração, flexibilidade nas
relações, obediência às regras e controle sobre suas emoções.
Mostrou também sua timidez no início do contato e pouco a pouco foi
se soltando. Nisto consistia a preocupação de sua mãe, pois fora o que acon-
tecera no início das aulas com a mudança de esoola.
E - Bem, de que vamos brincar agora?
J - Com o jogo de montar.
Esse jogo era de madeira para encaixe, que depois de montado trans-
formava-se em um caminhão com carga e um avião.
João montou rapidamente todas as peças, demonstrando agilidade,
rapidez, flexibilidade e boa motricidade.
E - Tem um jogo destes?
J - Não.
E - Então este já está pronto.
J - Vamos brincar com os "homenzinhos"?
Havia vários homenzinhos e bichinhos de plástico, além de alguns bo-
necos da Lego. Ele colocou o chapéu do lego e os ordenou em fila.Depois
começou a separar os bichos que eram iguais colocando-os um ao lado do
outro. A psicóloga aproveitou a situação e perguntou:
70 • o Atendimento Infantil na Ótica Fenomenológico-;: S encial
E - Já foi ao zoológico?
J - Já, mas faz muito tempo.
E - Qual foi o animal que você mais gOStOu.
J - Do jacaré. Ele é verde. Eu sou o potrinho. A minha irmã também.
Mamãe um cavalo de corrida, papai, o gorila. Minha mãe trabalha com os
cavalos e eu vou lá às vezes. Gosto de bichinhos de pelúcia. Na minha
casa, tenho três estantes cheias deles. A minha irmã também gosta e tem
um monte.
E - Brinca com a sua irmã?
J - Brinco. Brigo com ela só quando ela estraga as coisas.
E - E com seu pai?
•
J - Meu pai? Ele ganhou medalhas e dois troféus. Ele caça. Meu pai me deu
uma espingarda de brinquedo, a de verdade ele não deixa eu usar. Vou com
ele, mas não caço.
E - E o que faz quando vai caçar com seu pai?
J - Eu subo em todas as árvores.
E - Tem amiguinhos?
E - Tem avós?
J - Tenho duas avós e dois avôs. O avô não brinca, ele leva para passear.
J - Tenho no colégio Batista. Também tenho três primos e uma prima. Eles
não vão na minha casa nem eu vou na deles. Eu brinco com eles na casa da
minha avó. Meu pai trabalha lá na fazenda. Ele cuida das galinhas e dos
pintinhos. Ele também é veterinário.
Capítulo 2 - Temas em Psicoterapia Infantil e. 71
E - Gosta dos animais?
J - Sim, adoro.
E - Tem algum animal em casa?
J - Não, tem lá no sítio.
Na brincadeira com os bonecos, João demonstrou adequação à reali-
dade. Durante o diálogo, revela facilidade de relacionamento, expressando
seus sentimentos e emoções.
J - Vamos brincar de fazer desenho?
Ele desenhou uma casa com árvore, avião, sol, nuvens, chão, bar, praia
e uma barraca de praia. Combinou, muito-bem, as cores.
E - Gosta de praia?
J - Gosto, mas na casa nova em Maricá vai ter piscina. Fica perto da casa da
minha avó. Eu nado na piscina da escola.
E - Costuma passear nos fins de semana? Onde você vai?
J - Na praia, no sítio do meu tio, no Barra Shopping.
E - Qual destes lugares mais gosta de ir?
J - No parque aquático. Lá eu brinco bastante.
E - Gosta de futebol?
J - Gosto. O meu time é Flamengo.
E - Gosta de ver televisão?
J - Gosto, mas gosto mais de música (cantou algumas que gostava).
72 • o Atendimento Infantil na Ótica Fenomeno ó s!encial
No desenho, demonstrou agilidade criatividade e bom desenvolvi-
mento motor.
E - E agora? De que vamos brincar?
J - De argila.
E - O que é que você faz todos os dias?
J - Vou ao colégio, depois venho para a creche. Minha mãe vem buscar eu e
a minha irmã. Ela chega primeiro que eu. Depois vou pra casa, comemos e
vamos dormir.
E - Gosta da escola?
J - Gosto. Estudo no Batista.
E - E da professora?
J - É legal. •
E - O que faz no colégio?
J - Brinco, desenho e escrevo.
E - Vai à igreja?
J - Não no Batista. Vou em outra igreja perto da casa da minha avó. Mas só
vou eu, minha irmã e minha mãe. O padre nunca está lá.
E - Acredita em fadas?
J - Não, sei que fadas não existem. Só existe Papai Noel.
E - Se uma fadinha aparecesse, o que você pediria a ela? São três pedidos.
J - Um papa-ficha, uma massinha, já tenho a do canivete, mas quero
outra diferente.
Capítulo 2 - Temas em Psicoterapia Infantil e 73
E - Está faltando um pedido.
J - Um brinquedo da Lego.
Quando começou a brincar, João pegou a argila e um papel e formava
os desenhos em cima da folha. Fez um avião. Depois guardou a argila no
pote, dobrou o papel e limpou as mãos com ele.
Demonstrou criatividade e respeito aos limites nesta brincadeira.
J - Tem o jogo da memória? Eu jogo com a minha mãe. Às vezes, eu ganho
e ela também.
E - Olha, não tenhõ esse jogo, mas não quer escolher outro que tenha aqui?
J - Então este (apontou para o jogo de damas).
J - Eu sei jogar, mas me esqueci. Como é que se joga?
Expliquei e ele aprendeu rapidamente, indo até o final do jogo. Quan-
do fazia uma jogada errada eu corrigia falando, ele voltava atrás e jogava
corretamente. Ficou o jogo todo atento, só falando sobre as jogadas. Ganhou
e ficou feliz. Demonstrou insistência na execução das tarefas, flexibilidade e
obe-diência às regras e limites.
E - João, nosso tempo acabou.
J - Quero voltar outro dia, posso?
E - Pode. Vamos combinar com os seus pais.
J - Quero jogar mais do último jogo.
Augras (1981), ao se referir ao psicodiagnóstico na perspectiva
fenomenológica, afirma: "Normalidade também é uma categoria de dia-
gnóstico". Este relato deixa claro que esta criança está bem. A mãe en-
contra-se afetada pelas apelações da modernidade.
74 • o Atendimento Infantil na Ótica Fenomenológico-Existencial
Jurandir Freire' aponta para as questões da atualidade, provocando
surpresa ao jornalista que o entrevista, diz este:
"A situação está tão adversa para o amor que o psicanalista Jurandir
Freire Costa surpreende ao dizer que uma mãe amorosa e boa não é garantia
alguma de que o filho querido se tornará um adulto afetivamente satisfeito.
Esses registros afetivos da infância remota, que, segundo Freud e pós-
freudianos, estruturam emocionalmente o indivíduo, podem se apagar, se-
gundo Jurandir, em terrenos áridos como o da cultura das sensações, que
substitui aos poucos o culto aos sentimentos pelo culto ao corpo, à boa for-
ma, à juventude, à longevidade e à saúde. Mas não satisfazem a alma".
Pode-se arriscar dizer que esta mãe boa, carinhosa e, acima de tudo,
preocupada com a saúde mental do filho mantinha o culto à família perfeita
e, para tanto, não podia errar. Para evitar qualquer erro que pudesse estar
ocorrendo em sua conduta com relação ao filho, se apressa em buscar os
conselhos de um especialista.
Em uma psicologia com base na filosofia do existir humano, o esforço
do psicólogo implica uma tentativa de resgatar o sentido do existir, que se
perdeu nos critérios da modernidade: superação, perfeição, exatidão, consu-
mo, apropriação, valorização 00 ter: acumulação.
O trabalho com esta família deveria, então, se dar em uma tentativa
de, juntos, poderem refletir acerca das apelações do mundo moderno, para
que possam atuar com serenidade e, então, poderem djzer sim ou não às
solicitações da cultura.
Nota
1 Reportagem no Jornal da Família, de O Globo, em 6 mar. 2003.
Bibliografia
AUGRAS, Monique. o ser da compreensão. Petrópolis: Vozes, 1981.
AXLINE, Virgínia. Dibs: em busca de si mesmo. Rio de-Janeiro: Agir, 1989.
COIMBRA, C. M. Guardiães da ordem. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1995.
FEIJOO, A. M. A escuta e a fala em psicoterapia. São Paulo: Vetor, 2000.
.&
75

Outros materiais