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Capítulo 10 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema Miguel Carlos Riella, Maria Aparecida Pachaly e Leonardo Vidal Riella INTRODUÇÃO Balanço do sódio RESPOSTA DO RIM ÀS ALTERAÇÕES NA INGESTA DE SÓDIO QUEM PERCEBE E REGULA AS ALTERAÇÕES DO VOLUME EXTRACELULAR? REGULAÇÃO INTRA-RENAL DA EXCREÇÃO DE SÓDIO Auto-regulação renal Filtração glomerular — balanço glomérulo-tubular Reabsorção e propriedades físicas no capilar peritubular Pressão oncótica peritubular Pressão hidrostática no capilar peritubular Balanço glomérulo-tubular e fatores humorais intra-renais Reabsorção dependente da velocidade do fluxo de líquido tubular Reabsorção dependente do volume do túbulo proximal TIPOS DE TRANSPORTE DE SÓDIO REABSORÇÃO NOS DIFERENTES SEGMENTOS DO NEFRO Túbulo contornado proximal (TCP) Segmentos delgados da alça de Henle Segmento ascendente espesso da alça de Henle (segmento diluidor) Túbulo contornado distal (TCD) Ducto coletor OUTROS FATORES QUE REGULAM A EXCREÇÃO DE SÓDIO Redistribuição do filtrado glomerular Angiotensina II Aldosterona Fatores físicos e volume do espaço extracelular Hormônio natriurético Fator natriurético atrial (FNA) Fatores derivados do endotélio Prostaglandinas Sistema nervoso simpático Diurese pressórica DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO DO SÓDIO Depleção de sódio ou do volume extracelular Dados laboratoriais Conseqüências da depleção do volume extracelular Tratamento da depleção Tipo de solução Velocidade de administração Volume a ser infundido (grau de depleção) Monitorização do tratamento EXCESSO DE VOLUME EXTRACELULAR—EDEMA Fisiopatologia do edema Edema localizado Edema generalizado Fisiopatologia do edema em situações clínicas específicas Insuficiência cardíaca congestiva (ICC) Cirrose hepática Síndrome nefrótica Glomerulonefrite aguda Edema observado em mulheres Causas diversas de edema Princípios gerais no tratamento do edema Tratamento da doença básica Adequação da ingesta de sal e água Mobilização do edema Indução de balanço negativo de sódio EXERCÍCIOS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS capítulo 10 133 INTRODUÇÃO O sódio é o íon mais abundante do compartimento ex- tracelular, e a quantidade de sódio neste compartimento é que determina o seu volume. O sódio e seus dois princi- pais ânions, o cloro e o bicarbonato, constituem 90% ou mais da quantidade de soluto no líquido extracelular. Por outro lado, a quantidade de sódio no líquido intracelular é pequena, devido a mecanismos que ativamente eliminam o sódio das células. A concentração de solutos é a mesma nos compartimen- tos intra e extracelular devido à livre movimentação da água pelas membranas celulares, em resposta a um gradi- ente osmótico. Portanto, se há retenção de sódio no líqui- do extracelular, a pressão osmótica deste compartimento aumenta e a água intracelular move-se para o comparti- mento extracelular até que haja equilíbrio osmótico. A hi- perosmolalidade do líquido extracelular também pode estimular a sede e a liberação do hormônio antidiurético, ambos determinando um balanço positivo de água. Então, o resultado final de um aumento de sódio no líquido ex- tracelular é um aumento do volume extracelular. Da mes- ma forma, uma diminuição da quantidade de sódio no lí- quido extracelular determina uma redução do volume ex- tracelular. Tudo indica, portanto, que o sistema que con- trola o balanço de sódio faz parte integrante do sistema que controla o volume extracelular. Tendo em vista que a maior parte do volume líquido extracelular corresponde à água, seria legítimo supor que a regulação daquele volume fosse realizada por intermé- dio dos mecanismos que controlam o balanço de água.1 No entanto, as alterações na liberação de HAD e na excreção de água são mediadas principalmente pela tonicidade dos líquidos no organismo, a qual é controlada pelo sistema osmorregulador e não pelo sistema de controle do volu- me extracelular. Desde que o balanço de sódio é preserva- do, o controle da tonicidade serve para manter o volume de líquido extracelular constante. Contudo, em algumas situações, a excreção de água é regulada primariamente pelo volume e não pela tonicida- de. Isto ocorre, por exemplo, quando há uma intensa con- tração do volume extracelular. Neste caso, a água é conti- nuamente reabsorvida (apesar da hipotonicidade que se estabelece), na tentativa de restaurar o volume extracelu- lar. Nesta situação, a regulação do volume tem preferên- cia sobre a osmorregulação. Num indivíduo normal, o volume de líquido extracelu- lar e o balanço de sódio variam dentro de limites estreitos, mesmo em face de grandes variações na ingesta e excre- ção renal de água e sal. E é o rim que mantém o volume extracelular constante, modulando a excreção de sódio. Assim, qualquer distúrbio que reduza o volume do com- partimento extracelular é acompanhado por uma redução da excreção de sódio, enquanto um aumento de volume do compartimento extracelular determina aumento na excreção de sódio. Se determinarmos a osmolalidade plasmática ou sérica, teremos a relação da soma dos solutos osmoticamente ati- vos (intra e extracelulares) com o volume de água nestes compartimentos. Como o sódio é o principal soluto no lí- quido extracelular, a concentração do sódio no plasma ou soro indica a relação existente entre a quantidade total de soluto e água no organismo. Normalmente, a excreção de sódio na urina não depen- de da concentração plasmática de sódio, e vários experi- mentos demonstram isto. Por exemplo, quando se expan- de o volume extracelular com solução salina isotônica, a excreção urinária de sódio aumenta. Da mesma forma, a ingestão de água, combinada à administração de vasopres- sina, causa retenção de água que, eventualmente, acarreta expansão do volume extracelular. Com o volume extrace- lular expandido, há aumento na excreção urinária de só- dio, apesar da hiponatremia causada pela administração simultânea de água e vasopressina. Um outro exemplo é a situação em que o organismo só perde água, o que causa diminuição do volume extracelular e, conseqüentemente, diminuição da excreção urinária de sódio, apesar da hiper- natremia. Balanço do Sódio A ingestão média de cloreto de sódio em um adulto normal é de 7 g ou 150 mEq por dia.1 Para manter o equi- líbrio, a mesma quantidade deve ser excretada.2 Ao con- trário da água, cuja ingestão é controlada pela sede, não existe no ser humano um apetite específico para sódio. Uma vez absorvido, o íon sódio distribui-se no orga- nismo da seguinte maneira: 45% para o líquido extrace- lular, 7% para o líquido intracelular e 48% para o esque- leto. O sódio do esqueleto se apresenta sob duas formas: permutável (50%) e não-permutável (50%). Esta divisão é baseada na maior ou menor facilidade com que o sódio se liberta do osso para a circulação. O sódio não-permu- tável integra áreas firmemente mineralizadas, sendo menos acessível à circulação e, portanto, dificilmente se liberta do esqueleto. O sódio permutável pode libertar- se do osso em condições especiais como a acidose meta- bólica, onde o carbonato de sódio dos cristais deposita- dos na matriz óssea neutraliza o íon H�, trocando-o pelo sódio.1 A concentração plasmática de sódio está entre 135 e 145 mEq/L, sendo a concentração intracelular em torno de 10% da concentração plasmática. O sódio é eliminado do orga- nismo na urina, fezes e suor. Para efeito de balanço, o que importa é a excreção urinária de sódio. A eliminação pelo suor adquire importância somente em casos de sudorese profusa, pois a concentração de sódio no suor é baixa. Da mesma forma, diarréias graves podem determinar perdas consideráveis de sódio nas fezes. 134 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema RESPOSTA DO RIM ÀS ALTERAÇÕES NA INGESTA DE SÓDIO Quandose altera a ingesta de sódio, a adaptação na excreção renal de sódio é lenta, podendo levar muitos dias para que se iguale à ingesta.3 Observem na Fig. 10.1 que, quando a ingestão de NaCl aumenta, apenas uma parte deste incremento é eliminada no primeiro dia. O restante é retido, juntamente com água, resultando numa expansão do volume extracelular. A expansão do volume extracelu- lar estimula progressivamente um aumento na excreção de sódio, até que a quantidade excretada se iguale à ingerida. Por outro lado, se a ingesta de sódio for reduzida abrupta- mente, levará muitos dias para que a excreção de sódio seja reduzida a uma quantidade igual à ingesta. O mecanismo pelo qual alterações no volume extrace- lular modificam a excreção de sódio não está totalmente esclarecido e será abordado a seguir. Normalmente, a quantidade de sódio excretado na urina está em torno de 0,5% da quantidade filtrada pelo rim. Na Fig. 10.2, um único nefro representa a função total de ambos os rins. Considerando uma filtração glomerular de 125 ml/min e um sódio plasmático de 140 mEq/L, o sódio total filtrado por dia será de 25.200 mEq. Aproximadamente 67% do sódio filtrado são reabsorvidos no túbulo contornado pro- ximal e 10% na parte reta do túbulo proximal. Isto signifi- ca que a reabsorção proximal de sódio está em torno de 80% da carga filtrada, enquanto 20% do sódio filtrado são reab- sorvidos em segmentos distais ao túbulo proximal. Considerando-se um fluxo urinário normal de 1 ml por minuto (1.440 minutos em 24 horas), o volume urinário es- tará em torno de 1.500 ml. Se a concentração urinária de sódio for de 100 mEq/L, a excreção urinária diária de sódio será em torno de 150 mEq ou 0,6% do sódio total filtrado. Fig. 10.1 Balanço de sódio no homem. Observe que, quando a ingesta de sódio é subitamente elevada, apenas cerca da metade do incremento aparece na urina no primeiro dia. O restante do incremento fica retido no organismo e aumenta o volume de líquido extracelular, que se traduz por um aumento do peso. Nos dias subseqüentes, uma fração menor de sódio é retida, e a excreção de sódio aumenta progressivamente, até que em três a cinco dias a excreção se iguala à ingestão. O estímulo para o aumento na excre- ção de sódio se deve à expansão do volume extracelular. Observe também que, quando se reduz abruptamente a ingesta, a diminui- ção na excreção de sódio é também gradual e os mesmos mecanismos operam, só que de maneira inversa. (Obtido de Earley, L.E.3) Fig. 10.2 Filtração e excreção diária de sódio num adulto normal. No diagrama, o nefro representa toda a população de nefros de ambos os rins. Observe que cerca de 80% do sódio filtrado são re- absorvidos no nefro proximal e que no final apenas 0,6% da carga filtrada aparece na urina. Observe, também, que a quantidade ex- cretada é mais ou menos igual à quantidade ingerida, o que indica que há um balanço. (Baseado na concepção de Valtin, H. 53) RFG � 125 ml/min = 180 L/DIA PNa� � 140 mEq/L UNa� � 100 mEq/L capítulo 10 135 Pelo exposto, poderíamos deduzir que uma alteração da filtração glomerular ou da reabsorção tubular de sódio pode comprometer o balanço de sódio e, conseqüentemen- te, o volume dos compartimentos líquidos do organismo. Pontos-chave: • A concentração plasmática de sódio é de 135-145 mEq/L • A adaptação renal às variações na ingesta de sódio é lenta • A excreção urinária diária de sódio deve equilibrar-se com a ingesta • Apenas 0,6% de todo o sódio filtrado é eliminado na urina QUEM PERCEBE E REGULA AS ALTERAÇÕES DO VOLUME EXTRACELULAR? A homeostase dos fluidos é essencial para a manuten- ção da estabilidade circulatória. Pequenas modificações no volume extracelular devem ser prontamente identificadas e corrigidas, para que o equilíbrio seja mantido.4 Existem estruturas no organismo que agem como receptores de volume, e, através de mecanismos nervosos, humorais e hormonais, provocam adaptações funcionais em vários órgãos e fornecem aos rins os elementos para correção dos desvios no volume extracelular1 (Quadro 10.1). Por exem- plo, a expansão de volume ativa uma seqüência de sinais provenientes de vários destes receptores, aumentando a excreção de sódio. Ao contrário, a resposta à depleção de volume é a conservação renal de sal e água.4 A redistribuição interna do volume intravascular, mes- mo sem mudança no volume circulante, provoca alteração na excreção de sódio. Por exemplo, quando um indivíduo se deita, a excreção de sódio aumenta, e, quando fica de pé, a excreção de sódio diminui.3 Isto significa que a pos- tura influi sobre a excreção de sódio. Epstein e cols. verifi- caram que, quando se comprimia externamente uma fís- tula arteriovenosa grande, a excreção de sódio na urina aumentava.5 No caso da fístula arteriovenosa, a compres- são externa impede a passagem do sangue arterial para o sistema venoso, causando aumento do volume arterial efe- tivo. Isto sugere que o volume arterial efetivo exerce con- trole sobre o volume extracelular. Há receptores de volume no leito vascular venoso e pulmonar (intratorácicos),6 capazes de perceber reduções no retorno venoso e ativar uma diminuição na excreção urinária de sal. Isto ocorre, por exemplo, quando o indiví- duo fica muito tempo em pé, quando se aplicam tornique- tes nas pernas ou em indivíduos em ventilação com pres- são positiva. De modo inverso, o aumento do retorno ve- noso torácico aumenta a excreção urinária de sódio, como se observa em indivíduos em decúbito dorsal. O tônus simpático e a secreção de adrenalina e noradre- nalina são ativados quando existe queda no débito cardía- co ou queda de pressão arterial. Esta redução na pressão ativa os receptores cardíacos e arteriais, aumentando as descargas em tronco cerebral que aumentam o tônus sim- pático, iniciando eventos que levam à normalização da perfusão, entre eles um aumento da reabsorção tubular de sódio.7 Talvez a demonstração mais convincente da influência da volemia intratorácica e receptores cardiopulmonares na natriurese derive de estudos com indivíduos normais imer- sos em água até o pescoço. A pressão hidrostática do líqui- do de imersão ocasiona a redistribuição do fluido intravas- cular e do interstício dos membros inferiores para o tórax. O conseqüente aumento no volume circulante central pro- voca natriurese e aumento da diurese. Resposta similar é obtida em pacientes cirróticos, que excretam pouco sódio em condições basais.7 Foram identificados receptores de volume localizados nos átrios, seio carotídeo e arco aórtico. Quando existe queda na pressão arterial ou débito cardíaco, o tônus simpático e a secreção de adrenalina e noradrenalina são ativados por estes receptores, iniciando eventos que levam à normaliza- ção da perfusão, entre eles aumento da reabsorção tubular de sódio.7 Além disso, estes receptores estão associados ao controle da liberação de HAD (v. Cap. 9). A liberação de HAD e a sede, mecanismos de restaura- ção do déficit de água, podem também ser estimulados por aumento da osmolalidade plasmática e pela contração isos- mótica do volume extracelular (através do sistema renina- angiotensina). O rim percebe alterações no volume e na pressão intra- vascular através de um sistema barorreceptor localizado no aparelho justaglomerular da arteríola aferente e célu- las da mácula densa no túbulo distal (v. Cap. 7). Estes re- ceptores influenciam a atividade do sistema renina-angi- otensina-aldosterona, endotelina e óxido nítrico.7 Uma re- Quadro 10.1 Receptores mecânicos sensíveis a alterações regionais da volemia Receptores de volume intratorácicos Aurículas Ventrículo direito Capilares pulmonares Receptores de volume no sistema arterial Artérias carótidas Arco aórtico Receptores de volume no rim Receptores de volume no sistema nervoso central Receptores de volume no fígado 136 Metabolismo do Sódio eFisiopatologia do Edema dução na pressão de perfusão renal promove liberação de renina do aparelho justaglomerular, com formação de an- giotensina II, liberação de aldosterona e retenção de sódio. A administração de soluções distintas causa diferentes taxas de excreção de sódio. Uma expansão do comparti- mento intravascular com a administração de plasma ou sangue, por exemplo, causa natriurese menos significati- va do que a obtida com quantidades equivalentes de solu- ção salina isotônica. Todavia, a administração de uma so- lução hipertônica de albumina expande o intravascular e contrai o compartimento intersticial, podendo não modi- ficar a excreção de sódio. Isto indica que outros estímulos, além da expansão absoluta do volume extracelular, são importantes na excreção de sódio.3 Há sugestões de que o fígado também possua recepto- res especiais e participe da regulação da excreção de água e sal. Estudos demonstraram que a infusão de solução sa- lina isotônica ou hipertônica no sistema porta causa uma natriurese mais significativa do que se a mesma solução fosse infundida numa veia sistêmica.8 Pontos-chave: • O sódio é o principal cátion do extracelular • A quantidade de sódio no organismo determina o volume do espaço extracelular • Para manter a estabilidade circulatória, o volume extracelular deve ser adequadamente controlado • Os sensores de volume e pressão desencadeiam mecanismos de regulação do extracelular, aumentando ou diminuindo a excreção de sódio REGULAÇÃO INTRA-RENAL DA EXCREÇÃO DE SÓDIO Num indivíduo sadio a quantidade reabsorvida de só- dio é superior a 99% da quantidade filtrada. Como a quan- tidade filtrada excede em muito a excretada, torna-se cla- ro que o rim deve possuir um sistema de conservação de sódio altamente desenvolvido. Auto-regulação Renal Vários mecanismos mantêm a quantidade de sódio fil- trada relativamente constante. Os rins são capazes de man- ter a taxa de filtração glomerular constante, mesmo que haja amplas variações da pressão de perfusão renal. Este fenômeno é chamado auto-regulação renal. Respostas na musculatura lisa das arteríolas aferentes ocorrem em di- reta proporção com mudanças na pressão de perfusão re- nal, mantendo estáveis o fluxo sanguíneo renal, TFG e só- dio filtrado.9 Porém, somente modificações na TFG não são suficien- tes para explicar os ajustes na excreção de sódio.4 Filtração Glomerular — Balanço Glomérulo-tubular Observou-se que uma diminuição da filtração glomeru- lar, causada por hemorragia ou constrição da artéria renal, diminuía a excreção de sódio. Já um aumento na filtração glomerular causado pela administração de solução salina era acompanhada por aumento na excreção de sódio. Por- tanto, estes estudos demonstravam um paralelo entre fil- tração glomerular e excreção de sódio. Entretanto, De Wardener10 e outros investigadores de- monstraram que o aumento na excreção de sódio que ocorre com a expansão do volume extracelular permane- ce mesmo quando se reduz a filtração glomerular e con- seqüentemente a quantidade de sódio filtrada. Por outro lado, ao se produzir um aumento na filtração glomeru- lar, mas sem expandir o volume extracelular, a excreção de sódio permanece inalterada ou aumenta muito pou- co. Isto tudo indica que as alterações na filtração glome- rular não são essenciais para o rim regular o volume ex- tracelular.6 O ponto principal na regulação do equilíbrio de sódio é o controle de sua reabsorção,2 como veremos a seguir. Numerosas investigações demonstraram que alterações na filtração glomerular são acompanhadas por alterações proporcionais na reabsorção de líquido no túbulo proxi- mal, de modo que a fração do volume filtrado que é reab- sorvida pelo túbulo proximal permanece mais ou menos constante.1 Normalmente, 80% do filtrado glomerular são reabsorvidos pelo túbulo proximal. O fenômeno pelo qual alterações na taxa de filtração glomerular se acompanham de modificações correspon- dentes na reabsorção tubular de sódio é chamado de ba- lanço glomérulo-tubular (v. Quadro 10.2).1,2 Este balanço evita alterações excessivas na excreção de sódio quando a filtração é abruptamente aumentada ou diminuída. Os principais mecanismos responsáveis pelo balanço glomé- rulo-tubular são: pressão oncótica e hidrostática peritubu- Quadro 10.2 Balanço glomérulo-tubular Filtração Reabsorção Fração de Volume não Glomerular Proximal Reabsorção Reabsorvido (ml/min) (ml/min) (%) (ml/min) 150 120 80 30 100 80 80 20 50 40 80 10 Obtido de Malnic, G. e Marcondes, M.1 capítulo 10 137 lares, fatores humorais intra-renais, velocidade do fluxo tubular e volume do túbulo proximal.11 Estes mecanismos são descritos a seguir. Reabsorção e Propriedades Físicas no Capilar Peritubular PRESSÃO ONCÓTICA PERITUBULAR Alterações na concentração de albumina e pressão on- cótica nos capilares peritubulares afetam o movimento transtubular de sódio. A concentração de albumina no ca- pilar peritubular é determinada pela concentração plasmá- tica de albumina na arteríola eferente e pela fração de fil- tração (porção do fluxo plasmático renal que é filtrada). Portanto, um aumento no ritmo de filtração glomerular aumenta a fração de filtração, formando o ultrafiltrado (plasma sem proteínas), retirando água e eletrólitos do capilar glomerular e aumentando a concentração relativa de albumina no capilar peritubular. Este aumento da pres- são oncótica favorece a reabsorção de sal e água. A dimi- nuição da filtração glomerular tem efeito oposto. Brenner e cols. demonstraram que a diminuição da reab- sorção de sódio no túbulo proximal, que ocorre durante a expansão do volume extracelular com solução salina iso- tônica, é decorrente da diminuição da pressão oncótica do capilar peritubular. Quando os autores perfundiam o ca- pilar peritubular com uma solução de albumina, normali- zando a pressão oncótica, a inibição da reabsorção de só- dio era corrigida.12,13 PRESSÃO HIDROSTÁTICA NO CAPILAR PERITUBULAR Earley e cols. sugeriram que alterações na pressão hidros- tática do capilar peritubular seriam responsáveis por mo- dificações na reabsorção de sal e água.14 Um aumento da pressão capilar peritubular causaria natriurese, e a diminui- ção da pressão capilar teria um efeito oposto. O mesmo gru- po de investigadores demonstrou que a natriurese induzi- da por aumento na pressão hidrostática do capilar peritu- bular poderia ser inibida por um aumento da pressão oncó- tica do plasma. Estas observações levaram o grupo a postu- lar que o ritmo de reabsorção de sódio pode ser influencia- do pelo balanço das forças de Starling (v. Cap. 8). Existem importantes diferenças no movimento transca- pilar de líquido entre os capilares periféricos, glomerula- res e peritubulares. As forças de Starling que norteiam a troca de líquido no capilar periférico já foram abordadas no Cap. 8, enquanto as forças que governam a filtração glomerular foram abordadas no Cap. 3. No capilar peritubular são muito distintas as forças res- ponsáveis pela troca de líquido. A arteríola eferente, fun- cionando como um vaso de resistência, contribui para a redução da pressão hidrostática entre o glomérulo e o ca- pilar peritubular. Além do mais, como o capilar peritubu- lar recebe sangue do glomérulo, a pressão oncótica plas- mática é alta no início do capilar devido ao ultrafiltrado glomerular (líquido sem proteína). Logo, quanto maior for o ritmo de filtração glomerular em relação ao fluxo plas- mático (fração de filtração), maior será a concentração pro- téica na arteríola eferente. Assim sendo, ao contrário do capilar periférico e glomerular, o capilar peritubular é ca- racterizado por valores elevados de pressão oncótica que em muito excedem a pressão hidrostática, resultando em absorção de líquido. Apesar de a pressão oncótica no ca- pilar peritubular diminuir ao longo do capilar,à medida que o líquido é reabsorvido, esta pressão permanece mai- or que a pressão hidráulica. BALANÇO GLOMÉRULO-TUBULAR E FATORES HUMORAIS INTRA-RENAIS A participação de um fator luminal na reabsorção de sódio foi sugerida por Leyssac.15 Segundo este autor, um aumento na reabsorção tubular proximal reduz a pressão intraluminal e, conseqüentemente, aumenta as forças que promovem a filtração glomerular. Um maior ritmo de fil- tração glomerular aumenta a quantidade de líquido ofertado ao túbulo proximal, restaurando o balanço glo- mérulo-tubular. Uma diminuição na reabsorção tubular aumentaria a pressão intraluminal, a qual diminuiria a fil- tração glomerular. Thuray e Schnermann, por sua vez, propuseram um mecanismo diferente para explicar a relação entre a filtra- ção glomerular e a reabsorção tubular de sódio.16 Segundo estes autores, a quantidade de sódio que atinge a mácula densa do nefro pode, por um mecanismo de feedback (con- trole retrógrado), controlar a filtração glomerular deste nefro, através da liberação local de renina e geração de angiotensina II, que é um potente constritor de músculo liso. Um aumento na filtração glomerular aumenta a quan- tidade de sal e água que chega à mácula densa. Isto pro- move a liberação de renina e formação de angiotensina II. A angiotensina II causa constrição da arteríola aferente, diminuindo a filtração glomerular e restaurando, assim, o balanço glomérulo-tubular. Uma redução da filtração glo- merular resulta em diminuição da quantidade de sal e água que atinge a mácula densa, havendo então redução na li- beração de renina. Com isso, menos angiotensina II é for- mada, resultando em vasodilatação da arteríola aferente, o que causa aumento na filtração glomerular. Posterior- mente, os mesmos autores concluíram que não era a con- centração de sódio intraluminal na mácula densa que da- ria o sinal para liberação de renina, e sim a quantidade de sódio transportada pelas células da mácula densa e que entraria em operação somente quando houvesse aumento no transporte de sódio a esse nível. No entanto, até o mo- mento esta teoria é conflitante e talvez não tenha partici- pação na regulação da filtração glomerular em condições fisiológicas.
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