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1 QUADRO VIII Socialismo Prof.: Euclides Guimarães 2 Ambiências de seu surgimento � Um dos pontos nevrálgicos da primeira revolução industrial foram as precárias condições de trabalho do novo operário, marcadas pela insalubridade, a promiscuidade, o desamparo e a ausência de recursos na vila operária. � Enquanto surgem lideranças entre os trabalhadores capazes de mobilizar grandes levantes e quebra-quebras, intelectuais adotam as dores dos trabalhadores na efervescência da cena boêmia (Quadro VI) � A cena cultural torna-se essencialmente inconformista. Seja pelo questionamento estético, seja pelo ético, começa-se a perceber as defasagens gritantes que separam a teoria da prática nas revoluções burguesas. � Na mesma cena em que brota o romantismo, surge o socialismo como crise e como crítica às novas estruturas que então, se perfilam. 3 Socialistas utópicos � O Movimento Cartista (pautado pela reivindicação do voto dos operários e do direito de colocar representantes na câmara dos comuns) já tinha provocado alguns efeitos surpreendentes na Inglaterra, quando um intelectual francês, de nome Saint-Simon, constrói uma nova utopia a que denomina “socialismo”. � Para Saint-Simon era necessário lutar por uma sociedade mais justa, onde “a cada um, conforme sua necessidade e de cada um, conforme sua capacidade”. � Logo o nome e seus defensores se multiplicaram e os socialistas ocuparam parte substancial da cena cultural, produzindo obras contundentes e argumentos poderosos. Proudhon, Fourier e Owen são alguns dos autores dessa linha. � Em 1846 chega a Paris, exilado de sua terra natal, a Prússia, um jovem que iria mudar os rumos do socialismo e projetá-lo a uma consagração definitiva: Karl Marx. 4 Fundamentos do socialismo I: A pergunta fundamental � Para Marx, assim como para os liberais, a base do social está na vida material. O lado espiritual da vida, incluindo o saber teórico e as crenças, vêem em conseqüência dos arranjos próprios da produção material da existência � Diferente dos liberais, Marx acha que o mergulho nas bases materiais revela uma natureza humana solidária e não interesseira. � O argumento da solidariedade em Marx é bem mais simples do que em Durkheim: 5 Fundamentos do socialismo I: A pergunta fundamental � O homem é o único animal que produz excedente. Se o excedente, fruto do trabalho de alguém, por ser excedente, não serve a esse alguém, então ele só pode servir a outrem. Logo o homem é, por natureza, solidário. � O homem é o único animal que produz excedente e isso o torna universal, enquanto os demais são particulares em sua produção. O único ente solidário é, portanto, o homem. 6 Propriedade e classes sociais � Marx concebe uma sociedade solidária fundamental, à qual denomina “comuna primitiva”. Os homens cercam sua comuna, criando o espaço interno da sociedade/ solidariedade e o espaço externo da natureza/interesse. Alguém sai da tribo para buscar alimento na natureza e o traz para ser compartilhado. � Todos os que estão dentro da cerca são semelhantes/sujeitos, e tudo o que está fora é objeto, portanto natureza que precisa ser domesticada. � Um dia se descobre que há outra tribo de homens, mas que, estando fora de minha cerca, são vistos como natureza e não como semelhantes. 7 Propriedade e classes sociais � Da guerra entre essas duas comunas resulta o fim da solidariedade, pois haverá um vencedor e um perdedor. O vencedor se apropria dos bens do perdedor e dele próprio, escravizando-o. � Surgem assim ao mesmo tempo, a propriedade privada e as classes sociais. � Enquanto os homens permanecerem divididos em classes, uns estarão a expropriar os outros e o interesse prevalecerá sobre a solidariedade. E o homem estará bestializado. 8 Sociedade de classe e modo de produção escravagista � À primeira sociedade de classes Marx denominou “modo-de- produção escravagista”. Nela as classes são o senhor e o escravo, sendo que o senhor se apropria do excedente produzido pelo escravo, usando-o em seu benefício. � Sem necessitar executar o trabalho manual, que é cobrado do escravo, o senhor se dedica ao trabalho intelectual. A conquista do ócio de que falávamos no início do curso é então acessível apenas à classe dominante. 9 Sociedade de classe e modo de produção escravagista � Conscientemente ou não, o interesse do senhor é perpetuar essa ordem em que ele é o senhor, e o do escravo é revolucioná-la. Portanto, uma sociedade de classes é movida pelo confronto desses interesses sempre contraditórios entre as classes (Luta de classes) � Mas, como vimos em Maquiavel, existem duas maneiras de se fazer política: pela violência e pela persuasão. A segunda é bem menos dispendiosa para o senhor. 10 Ideologia � O trabalho intelectual da classe dominante consiste em produzir teorias e explicações que fazem as coisas como “estão” parecerem ser como “são”. Assim, a ordem forjada pelo senhor deve parecer ser natural ao escravo. � A divisão do trabalho aparece assim em sua primeira forma cruel: divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual. � Para Marx a religião é uma clara evidência desse tipo de discurso da classe dominante para manter a docilidade dos dominados, ou seja, ideologia. � Mas não só a religião, também o mito, e a metafísica idealista e, é claro, no caso da modernidade, o liberalismo. � O que vimos no primeiro texto (É preciso pensar em Adão) como os conhecimentos oficiais de cada época, pode ser visto por uma ótica marxista como ideologia oficial de cada época. 11 Alienação � ALIENAÇÃO: a ação se torna estranha ao próprio ator, que não se reconhece no que ele mesmo faz. � Expropriado do excedente de sua produção, o escravo perde o controle sobre o produto, o processo de produção e a própria natureza humana (solidária), agindo pelo particular e não pelo universal. � Na alienação o homem encontra-se bestializado, reduzido a uma condição mais próxima do animal, que é particular e não do verdadeiro ser humano, que é universal. � Não só a classe dominada se aliena, numa sociedade onde todos agem pelo interesse, todos se alienam. E é preciso registrar que o senhor tende a acreditar no seu próprio discurso ideológico reacionário. 12 Sucessão de modos-de-produção � Para manter uma ordem estabelecida, o senhor se vale dos recursos da violência e da ideologia. Se a ideologia não está surtindo o efeito, recrudesce a violência, mas a natureza humana subvertida será sempre um germen revolucionário e, numa sociedade de classes, o dominado mais cedo ou mais tarde, promoverá uma revolução. � Contudo não está assegurado o retorno à sociedade sem classes, pois novas ideologias emergem (último ítem da página 7) e assim, sempre por iniciativa revolucionária da classe dominada, novos modos-de-produção se sucedem. 13 Sucessão de modos-de-produção � Uma revolução tem também a marca de inovações tecnológicas, seja nos meios de produção (como a terra e a indústria), seja nas forças produtivas e nas relações de produção (como na estrutura de meeiros do feudalismo e a mercantilização da mão-de-obra do capitalismo) � Assim, a revolução do modo-de-produção escravagista gerou o modo-de-produção feudal e este, mil anos depois, gerou o modo-de-produção capitalista e este último vai gerar o socialismo. 14 Feudalismo e acumulação primitiva de capital � O fim da ordem escravagista coincide com o nascimento do feudalismo. As novas classes são o senhor feudal e o servo. A servidão não é tão precária quanto a escravidão. � O servo é proprietário de si mesmo, podendo mudar de senhor ou sair da fazenda em busca de outras oportunidades. Trabalha na fazenda dosenhor, mas detém parte do produto de seu trabalho. � Comercializando a parte que lhe cabe da produção, ou se lançando na aventura de produzir artesanalmente, parte dos servos inventa o burgo (pequena cidade medieval) e começa a acumular capital. É o burguês. � Com o passar dos séculos burgueses vão se tornando cada vez mais ricos e se vêem em condições de revolucionar a ordem feudal. Assim nasce o modo-de-produção capitalista. 15 Capitalismo I: Classes � O modo-de-produção capitalista se estabelece com as revoluções burguesas, com o aporte ideológico do liberalismo e com o aparato tecnológico da revolução industrial. � As classes fundamentais são a burguesia, agora tornada classe dominante e o proletariado, nome que Marx forjou para falar da prole das novas relações de produção, pautadas pela redução de tudo, natureza, força de trabalho e até sentimentos à condição de mercadorias (reificação do homem). 16 Capitalismo I: Classes � É claro que, numa sociedade tão complexa, muitos setores intermediários e mesmo os resquícios de situações anteriores permanecerão presentes. Assim, Marx fala dos camponeses subsumidos, herdeiros do feudalismo; da pequena burguesia que engrossa as fileiras da classe média urbana; do lumpem proletariado, massa de desempregados (também chamada exército industrial de reserva) e não creio que sua análise possa esgotar essa diversidade. 17 Capitalismo II: Ideologia � Marx morreu antes do capitalismo apresentar suas principais armas ideológicas (1883), como os meios de comunicação que industrializam a cultura e a publicidade, que seduz ao consumo, condicionando o próprio prazer ao mercado, de forma que seus leitores e seguidores puderam falar muito mais que ele sobre a ideologia na sociedade industrial. � Mas Marx já havia denunciado as armadilhas da sociedade de mercado em sua crítica à economia política, vendo o liberalismo, o idealismo e mesmo certos socialismos como perigosas manifestações ideológicas, ainda que muitas vezes disfarçadas de libertárias e modernas. 18 Capitalismo II: Ideologia � Também a permanência da religiosidade funciona como uma força ideológica auxiliar importante aos propósitos da burguesia dominante. � Também o Estado Moderno e as academias por ele mantidas, incluindo a escola, a universidade e as artes, exercem seus papéis na ideologia, mas esses aparelhos podem ser revertidos em favor do proletariado, caso a revolução socialista faça deles o uso apropriado. � Para além da ideologia, o Estado funciona como um “comitê executivo dos negócios da burguesia”, incluindo os mecanismos repressivos, como a polícia, que são acionados quando a ideologia não é suficiente. 19 Capitalismo III: Alienação � A alienação no modo-de-produção capitalista é bastante sofisticada, pois envolve a participação do operário em uma ordem fragmentada, de forma que, mesmo depois de muito tempo trabalhando em uma indústria, ele ainda desconhece o processo de produção, isto é, não sabe fazer o produto de cuja produção participa. � A mercadoria assim se apresenta ao produtor/consumidor como se assim estivesse saído da natureza: a isso Marx denominou “fetichismo da mercadoria”. � A estrutura industrial, o trabalho assalariado, a ameaça do desemprego e as promessas de promoção individual colaboram para que se estabeleça uma concorrência entre os proletários, que é por si só uma arma poderosa da alienação na sociedade moderna. 20 Capitalismo x Socialismo � O socialismo é o caminho não apenas para a próxima revolução, mas para o reencontro do homem com sua natureza solidária, posto que se funda na eliminação das classes sociais. � A fé romântica de Marx no socialismo deve-se ao fato de o pensamento que o coordena não ser uma ideologia, mas o descortinamento da mesma. O reencontro com a natureza solidária do homem exigia a conscientização acerca dela própria, que só pode ser alcançada pela ciência. � Assim ciência e consciência no socialismo científico coincidem e agora, de posse da ciência que é o materialismo histórico de Marx, o proletariado se encontra em condições de livrar o homem de sua bestialização. � Citando Júlio Cortazar, para Marx, na atualidade, o “homem se encontra na véspera de si mesmo”. 21 Contribuições de Marx e do marxismo I: dimensão política � É difícil imaginar um pensamento que tenha gerado tantos frutos como o marxismo, embora muito do que tenha sido feito em seu nome nada tenha a ver com seu pensamento. � De qualquer forma o socialismo foi uma importante síntese de todo o inconformismo para com a selvageria e as mazelas da modernidade capitalista. � A mais deturpada forma de expressão do socialismo foi o chamado “socialismo real”, regime político e modelo econômico estatizado e burocratizado, que teve início com Lenin na Rússia e um apogeu trágico em Stalin, nos anos 30 e 40 do século XX. Paralelo mais bem sucedido na China pouco depois, mas também estatizado e repressivo. 22 Contribuições de Marx e do marxismo I: Dimensão política � Experiências associáveis ao “socialismo real” ocorreram em muitos países, quase sempre depois de conquistas sangrentas e muitas não ocorreram em face de derrotas mais sangrentas ainda. � Nas Américas destaca-se a experiência cubana, que embora não tenha conseguido tirar o povo da pobreza, dignificou-o e o libertou da miséria. 23 Contribuições de Marx e do marxismo II: Dimensão cultural � Outro caminho iluminado pelo marxismo foi o das artes engajadas, que nasceram com o Naturalismo no século XIX, passando pelas vanguardas modernas e pela contra-cultura dos anos 60, e chegando aos punks e aos padres do fim do século XX. � O caminho cultural mais amplo, do qual as artes são apenas uma forma de manifestação, foi imensuravelmente iluminado pelo pensamento dos socialistas e anarquistas (de uma forma ou de outra, inspirados em Marx). Cultos foram modificados, a moral tradicional abalada, mudou-se a função do corpo, os papéis mais arraigados como o do homem e o da mulher, da família, etc. 24 Contribuições de Marx e do marxismo II: Dimensão cultural � Mas quem mais se beneficiou foram as ditas “minorias”: movimentos relacionados às liberdades civis, movimento negro, feminista, orgulho gay e outros. O socialismo e seu antecedente, o iluminismo, são também co-responsáveis por tudo isso: dando suporte conceitual e ético para as causas emancipatórias. � Uma vigorosa influência do socialismo foi no humanitarismo dos clérigos da chamada “filosofia da libertação”: nesse pensamento a tradição cristã se encontra com a socialista com resultados edificantes para as relações humanas.
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