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3 - Contextualização existencial e historico-social do sagrado

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1
 C u l t u r a R e l i g i o s a 
 
Unidade 3 
 
Contextualização existencial 
e histórico-social 
do Sagrado 
 
 A alma 
 é essa coisa 
 que nos pergunta 
 se a alma existe. 
 (Mario Quintana) 
 
 
 Prof. Camilo de Lelis, teólogo. 
 Departamento de Ciências da Religião – PUC Minas 
 
 
 Da Experiência Humana à Experiência de Deus 
 
 
 
 Neste momento precisamos contextualizar a questão religiosa no seu 
aspecto existencial, ou seja, naquilo que se refere à nossa existência. Caso 
contrario a religião não teria “pega” na realidade e não poderia acrescentar 
nada ao ser humano. Vamos entrar agora no nascedouro da experiência 
religiosa, nas verdadeiras origens do sagrado. 
 
 
 
 I Experiência Humana 
 
 
 Muitos fazem da vida 
 uma existência, 
 como se existir 
 fosse viver! 
 
 A palavra existência mostra o sentido e direção de toda vida presente 
em nosso planeta. Ex-istir significa “sair para fora” revela o movimento de toda 
a natureza que é de sair, desabrochar, crescer e ser. Uma planta está saindo 
assim como um gavião e uma pessoa em processo de maturidade. A vida 
 2
movimenta-se de dentro para fora em uma grande dança de revelação e 
transparência. 
 A partir da existência precisamos refletir sobre a aventura do ser 
humano de experimentar a Deus e a sua própria existência. Nossa reflexão 
começa a partir da experiência humana, que consideramos ser a experiência 
de base para toda realidade da experiência de Deus. 
 
 
• Experiência 
 
 
Nossa primeira ocupação será entender o significado da palavra 
experiência: 
 Ex – peri – ência 
 
poderia ser entendido como “sair para aprender fora”, ou seja, seria a 
maneira ou forma própria do ser humano de sair (existência) com a 
finalidade de aprendizado. A expressão “sair” aponta para um movimento ou 
trabalho que exige esforço e luta. Esse movimento demarca um novo 
perímetro ou período que está “fora” daquilo que conheço. 
Assim podemos dizer que a experiência é um movimento de 
aprendizado “fora” daquela área que domino. 
Essa saída, ao mesmo tempo em que apresenta um perigo ou risco (pois a 
experiência pode dar errado ou não se concluir), se torna também uma 
oportunidade de especialização e aprofundamento em uma área antes 
desconhecida. 
 A pergunta que surge agora é: qual é o “jeito humano” de sair para 
aprender fora? Um cachorro pode “dar cabeçadas” na rua e voltar mais 
esperto para seu reduto. Mas o ser humano tem um jeito próprio de 
aprender que marca profundamente sua existência na história. Destacamos, 
então, as duas dimensões do “jeito” humano de fazer experiência, ou seja, 
de aprender. 
 
 
 
 Dimensão relacional 
 
A dimensão relacional é o primeiro jeito do ser humano de fazer 
experiência. É a dimensão de relação com o mundo, com o grupo e com o 
indivíduo. 
Na relação com o mundo acontece o contato com a natureza e com 
todos os seus elementos. Pode ser a relação com a água ao ser ingerida ou 
ao percorrer o corpo numa ducha refrescante, como ato de comer ou 
contemplar um lindo pôr do sol, como o simples ato de respirar. 
A relação com o grupo vai se dar nas diversas interações que 
demonstram um sentido de pertença ao mesmo. Assim é muito importante a 
pertença a um grupo de voluntários, a uma família, a um grupo de pessoas 
que gostam da poesia de Fernando Pessoa, a uma torcida de futebol ou até 
mesmo ser contado como habitante de uma determinada cidade. Essa 
 3
relação com grupos é muito importante para o ser humano e leva a vários 
aprendizados. Há até mesmo uma necessidade desse tipo de relação. 
Já a relação com o indivíduo acontece de forma específica e unitária. 
A pessoa se relaciona com um determinado membro de uma família ou com 
um dos seus colegas em uma grande sala de aula. Essa relação acontece 
de forma individual e é muito importante para o desenvolvimento social das 
pessoas. 
 
 
 
 Dimensão pessoal e subjetiva 
 
 
Essa segunda dimensão é a expressão máxima da interioridade 
humana. É a dimensão dos desejos, da utopia e dos projetos individuais 
que cada um trás dentro de si. Essa dimensão é intra, ou seja, é um 
movimento interior que faz de cada pessoa um ser único e indecifrável. 
Esse mistério da interioridade humana se expressa em um movimento 
pendular entre a subjetividade e a intersubjetividade. Existe portanto um 
movimento da pessoa consigo mesma e também com a interioridade de 
outra pessoa. A relação entre subjetividades se coloca como uma das mais 
profundas da vida humana. Ela marca toda a existência e pode levar a 
experiências determinantes para a felicidade humana. Embora esse nível 
de relação aconteça de forma sutil e menos explícita, sua importância é 
fundamental no aprendizado humano. 
 
Resumindo 
 
É assim que o ser humano faz experiência: na dimensão relacional com 
o mundo, o grupo e o indivíduo; e também na dimensão pessoal de sua 
interioridade. Chamamos isso de dimensão ad’extra e ad’intra do ser 
humano. Dimensão para fora da pessoa (ad’extra) e para dentro (ad’intra). 
Esse é o “jeito” humano de “sair para aprender fora” e de alcançar a 
maturidade. 
 
 
Conseqüências da Experiência Humana 
 
Essa grande experiência humana vai gerar uma nova consciência na 
pessoa humana. Vai gerar uma maturidade e levar a uma grande tomada 
de consciência na existência humana. Ao fazer uma boa experiência 
humana surge a consciência das necessidades básicas e da tríplice 
limitação, que é próprio de todos, a saber: 
 
 
Necessidades básicas 
 
 O ser humano tem necessidades básicas que são fundamentais para a 
maturidade humana. Podem ser as necessidades físicas de comer bem, 
 4
hidratar, exercitar o corpo, etc. Podem ser as necessidades psíquicas de sentir-
se bem e de conseguir lidar com os desafios da vida. Podem ser as 
necessidades sócio-culturais de organização e cidadania. Podem ser, 
finalmente, as necessidades espirituais e religiosas de esperança e valores que 
norteia a existência humana. Todas essas necessidades são fundamentais 
para uma existência madura e feliz. A Experiência humana ajuda a tomar 
consciência disso e leva a um maior cuidado consigo mesmo e com os outros. 
Depois vem a consciência da nossa Tríplice limitação. 
 
 
Tríplice Limitação 
 
 A consciência dessa tríplice limitação é resultado de um trabalho intenso 
de experiências que humanizam e deixam as pessoas conscientes de seu 
papel na existência humana. 
 
 
Finitude 
 
 A consciência da finitude humana surge a partir de uma boa experiência 
humana, ou seja, quando se vive profundamente a dimensão relacional e a 
dimensão pessoal. Essa consciência é importante por que ajuda a perceber 
que não somos perfeitos, ajudando assim a ter um maior equilíbrio. É 
importante saber que as coisas têm um fim e que essa limitação deve ser 
trabalhada. 
 
 
Fragmentação 
 
 Depois temos a consciência da fragmentação que deixa o ser humano 
sempre com asensação de não estar completo. Nunca pode estar 
totalmente em algum lugar ou atividade. Sempre será um ser que busca a 
totalidade. 
 
 
Falta de Sentido 
 
Finalmente vem a consciência da falta de sentido e que é próprio do ser 
humano. O único animal que precisa de sentido é o homem. Nos animais 
basta ter o que comer e beber, mas com o ser humano é diferente: mesmo 
que não lhe falte dinheiro, emprego, família, amigos e tudo mais, ele vai 
precisar de um sentido para lidar com tudo isso. A partir da experiência 
humana essa consciência vem à tona e inicia-se a busca do sentido. 
 
Resumindo 
 Definimos então a Experiência Humana como um jeito próprio de sair 
para aprender fora, ou seja, na dimensão relacional e pessoal. Entendemos 
ainda que essa saída leva a pessoa à tomada de consciência de sua tríplice 
limitação e conseqüentemente inicia-se o processo da maturidade humana. 
Visto isso precisamos entender o que é Experiência de Deus. 
 5
 
 
 II Experiência de Deus 
 
 
 Quem é Deus 
 na sua última profundidade, 
 só podemos aprendê-lo 
 a partir da experiência do amor! 
 (Leonardo Boff) 
 
 Se Experiência humana é o jeito próprio da pessoa sair para aprender 
fora, experiência de Deus seria o jeito do ser humano de sair para aprender 
com o mistério, que em última instância é Deus mesmo. 
Vamos ver o que é uma verdadeira Experiência de Deus e como fazê-la. 
Para isso vamos enumerar suas principais características e ver as 
implicações das mesmas na vida humana. 
 
 
 
Características da Experiência de Deus 
 
 
1º característica 
 
Dá-se na Experiência Humana 
 
Toda Experiência de Deus vai ter como base e sustentação a 
Experiência Humana. Isso quer dizer que se uma pessoa tem uma 
Experiência Humana desequilibrada, também sua experiência com 
Deus vai ter algo de desequilíbrio. Isso por que quem faz a 
Experiência de Deus são pessoas com suas realidades humanas e 
existenciais. Se um engenheiro, por exemplo, faz o alicerce de um 
prédio de forma desajustada, podemos certamente esperar 
problemas com a segurança e estabilidade dos apartamentos. “Mas 
não é Deus que toca o ser humano e Ele não é perfeito e poderoso?” 
poderia você argumentar. Sim, Deus é poderoso, mas Ele não anula 
o que fez no ser humano, ou seja, não violenta a natureza e a 
liberdade de cada um. A dimensão do crescimento e da maturidade 
pertence à esfera humana, pertence à responsabilidade do indivíduo. 
Assim, na experiência judeu-cristã, a ordem dada à humanidade é: 
“crescei e multiplicai!” 
 Portanto uma boa Experiência Humana já prepara a pessoa para 
a Experiência de Deus. A duas realidades estão inter-ligada e são 
co-dependentes. Percebemos então, que por trás de muitos erros e 
exageros religiosos está uma Experiência Humana fraca e também 
imatura. 
 
 
 6
 
2º característica 
 
Sacia as necessidades básicas 
 
A Experiência de Deus vai de encontro com nossas necessidades 
mais básicas. Ela ajuda a saciar as necessidades humanas e deixam 
a pessoa mais inteira e realizada. Até mesmo as necessidades 
físicas e biológicas podem ser afetadas pela Experiência de Deus. 
Pessoas que possuem uma fé sentem um reforço na sua defesa 
imunológica e até mesmo se recuperam mais rápido de cirurgias e 
doenças. As pesquisas que comprovam essa realidade são muitas e 
revelam essa ligação profunda entre a religiosidade e o corpo. 
Também nas outras áreas existe essa relação profunda, ou seja a 
Experiência de Deus vai de encontro ao que existe de mais básico na 
pessoa. 
 
3º característica 
 
Sacia a Tríplice Limitação 
 
A Experiência de Deus vai também saciar nossa tríplice limitação 
indo de encontro a cada uma delas.. 
Na finitude nos deparamos com nosso limite e com o fim ou 
inconstância de tudo. Deus se apresenta como o Infinito e faz 
propostas de eternidade, ou seja,mostra um amor e uma promessa 
de vida que rompe todos os limites. Nessa experiência a pessoa se 
sente consolada e “bebe do infinito” alargando assim seus 
horizontes. 
Na fragmentação o ser humano se depara com a inteireza e 
completude de Deus. Então a Experiência de Deus vai preencher 
(sem eliminar) a fragmentação e a falta de inteireza da pessoa. Por 
essa experiência é possível ir além de nossa dispersão interior e 
buscar a completude de vida. 
Na falta de sentido a Experiência de Deus vai colocar a pessoa 
em contato com uma esperança e um sentido que só pode vir de 
Deus. Nessa experiência a pessoa se torna capaz de dar sentido a 
toda e qualquer realidade, até mesmo na morte. 
 
 
4º característica 
 
É um processo contínuo 
 
A é um processo que não deve terminar nunca, ou seja, deve 
durar enquanto a pessoa viver. A vida humana precisa dessa 
experiência para ser mais intensa e chegar na felicidade. 
Poderíamos chamá-la de conversão contínua, uma vez que seu 
processo leva à maturidade ou à “santidade”. 
 7
 
 
5º característica 
 
É uma aventura 
 
Aventura como é uma experiência de amor e de relacionamento. 
Também a Experiência de Deus é um caminho que tem surpresas, 
adaptações, planejamentos, conseqüências e até mesmo perigos. 
Como qualquer aventura é preciso se preparar e contar com a ajuda 
de pessoas mais experientes. Esse aprendizado que vem pela 
Experiência de Deus esta memorizada nas histórias e nas 
espiritualidades das religiões e dos grandes místicos. 
 
 
6º característica 
 
É uma experiência comprometida 
 
A Experiência de Deus é diferente de “vivência de Deus”. A 
Experiência de Deus, segundo Jung Mo Sung, tem que modificar 
nossa vida. 
 
É importante que estes aspectos esteja presentes para que a 
experiência seja real e altere significativamente a nossa existência. E 
o que seria então “vivência de Deus”? É quando somos “tocados” por 
Deus e sentimos algo de diferente acontecendo. Este toque pode se 
dar em uma celebração religiosa, em um passeio pela natureza, em 
meio a uma oração ou diante de uma situação dramática na vida. A 
pessoa se dá conta de que recebeu uma graça ou foi iluminada pela 
presença de Deus. Isso não é uma Experiência de Deus, mas uma 
vivência de Deus. Todos podem ter “vivências de Deus”, até mesmo 
no nível inconsciente como é o caso do ateu, mas a Experiência de 
Deus supõe aqueles três aspectos nomeados por Jung Mo Sung e 
um comprometimento com a fé. 
Vamos dar um exemplo: um dia você sentiu vontade de fazer este 
curso de contábeis, foi “tocado” pelo testemunho de um profissional 
da área ou desenvolveu aos poucos uma paixão pelo curso. Então 
você foi à luta. Estudou, fez vestibular e se matriculou. Hoje você que 
está no quinto período de Ciências Contábeis já está fazendo uma 
“experiência de contábeis”, está envolvido e investe no curso, faz 
trabalhos e dedica tempo, está presente nas provas presenciais e 
sem dúvida tudo isso modificou sua vida. Isso equivale, 
analogicamente, à Experiência de Deus. Mas existem pessoas que 
ficaram apenas com aquele primeiro desejo de fazer o curso. Muitos 
podem até passar a vida sentido vontade de fazer contábeis, mas 
nunca efetivam esse desejo ou pagam o “preço” para alcançá-lo. Isso 
é uma “vivência de contábeis”. 
 8
 Assim a Experiência de Deus supõe um itinerário, um caminho 
religioso e de fé que leva à maturidade espiritual. 
 
 Concluindo podemos dizer que a Experiência de Deus é 
profundamente humana e mostra que o relacionamento com o 
sagrado é essencial. A Experiência Humana e a Experiência de Deus 
mostram que ofenômeno religioso está contextualizado na existência 
humana concreta e por isso não deve ser menosprezada ou 
banalizada como uma invenção das religiões. 
 
 
 
 
 Da subjetividade à coletividade: o histórico-social. 
 
 
 O ser humano é um animal que tem sede do infinito. Sua fome não é só 
de pão e ciência. Ele consome símbolos, dança seus anseios, constrói templos 
e organiza grupos religiosos. A sociologia nunca encontrou, desde os períodos 
pré-históricos, um povo ou nação sem religião. Encontrou povos que não 
tinham uma filosofia, um exército organizado e nem mesmo uma escrita 
estabelecida. Mas todos tiveram manifestações religiosas das mais simples as 
mais complexas possíveis. Por isso, entre os símbolos, a religião tem ocupado 
na história da humanidade posição de relevância. Desde as tribos humanas 
mais simples nas suas estruturas sociais até as sociedades super modernas os 
humanos vêm tecendo redes maravilhosas de símbolos religiosos. 
 O ser humano é como um espelho que reflete a luz infinita que é todo 
mistério. A fonte da luz permanece sempre potente e irradiante. Mas o espelho 
humano que a reflete, passa por constantes fundições com as complexas 
situações sócio-culturais e antropológicas. Assim, toda manifestação vem 
marcada pelo seu contexto histórico-social e com uma certa dose de mutação. 
 A busca do sagrado sofre, além do contexto cultural, mutações de ordem 
temporal e de momentos existenciais da humanidade. Um olhar atento pode 
nos revelar que a busca do sagrado passou por fases ligadas ao seu contexto 
histórico e à mentalidade de cada época. Analisar o sagrado nestes momentos 
históricos ajuda a pensar as experiências humanas e o caminho pelo qual ruma 
a humanidade. Já observamos na reflexão sobre a experiência humana e a 
experiência de Deus que a dimensão religiosa faz parte da estrutura profunda 
do ser humano. Assim, a negação ou repressão dessa dimensão religiosa 
ultrapassou o nível simplesmente individual e atingiu toda a coletividade. De 
alguma forma toda uma nação ou civilização podem sentir os efeitos desses 
processos de busca ou rejeição do sagrado. 
 Vamos analisar alguns períodos da história da busca do sagrado para 
entendermos melhor os acontecimentos de hoje. Seria ingenuidade pensar o 
fenômeno religioso e a busca do sagrado hoje sem compreendermos seu 
contexto histórico-social e sua memória antropológica. Como método didático 
e simbólico usaremos as mudanças das estações do tempo como metáfora das 
mudanças na busca pelo sagrado. Verão, inverno e primavera são imagens 
ricas e carregadas de meta-linguagem, possibilitando uma melhor 
compreensão do complexo movimento de busca do sagrado no Ocidente. 
 9
 
 a) A luminosa estação do verão 
 
“Já bate o sino, bate na catedral 
E o som penetra todos os portais 
A igreja está chamando seus fiéis 
Para rezar por seu Senhor 
Para cantar a ressurreição. 
... 
Já bate o sino, bate no coração 
E o povo põe de lado a sua dor 
Pelas ruas capistranas de toda cor 
Esquece a sua paixão 
Para viver a do Senhor.” 
 (Milton Nascimento) 
 
 A estação do verão é marcada pela luminosidade, pelo calor e por 
expressivas manifestações de festa e divertimento. No verão as pessoas ficam 
mais “extrovertidas”, animadas e buscam atividades mais explícitas. 
 A busca do sagrado, em um primeiro momento, mostra os seres 
humanos envoltos por uma abundante luminosidade. Deus estava tão presente 
e integrado na realidade social e pessoal que nada escapava a sua irradiação. 
Tudo era sagrado. O cosmo e a sociedade cantavam louvores à divindade que 
tudo habitava. 
 No mundo grego a função sagrada estava presente no exercício do pai 
de família, do rei no estado e do guerreiro na guerra. Assim na Grécia antiga 
“eram a religião e o estado não só intimamente ligados, como eram uma só 
coisa, teciam uma inseparável unidade, diante da qual uma religião individual 
dificilmente surgiria, mesmo se o estado não a atacasse diretamente... Apolo 
em Delfos, que estava em pleno acordo com a autoridade do estado, atribuía-
lhe autoridade divina.” (M. Nilson) 
Também o mundo romano era habitado pelo sagrado e pela religião. No 
império romano a religião permeava o Estado, a tal ponto que seus sacerdotes 
eram como funcionários dos atos cultuais, que fazem parte do mundo cívico no 
qual era exigido de todos a participação. È preciso lembrar ainda que toda esta 
estrutura romana havia sido inspirada nas monarquias absolutas e teocráticas 
do Egito, da Síria e da Ásia Menor. 
 Na Idade Média os imperadores eram sagrados pelos papas, pois o 
Estado estava submetido à esfera religiosa. A Bula “unam Sanctam” do papa 
Bonifácio VIII sintetiza isso dizendo que “Há duas espadas: a espiritual e a 
temporal... Ambas as espadas estão no poder da Igreja, a espiritual e a 
material. É necessário, na verdade, que a espada material esteja sob a espada 
espiritual e que a autoridade temporal se submeta à espiritual...” (DS 873). 
Até o pai da política moderna secular, Maquiavel, recomenda aos 
governantes de “conservar na sua pureza a religião e suas cerimônias e 
alimentar o respeito devido a sua santidade, porque não há sinal mais certo da 
ruína de um Estado que o desprezo do culto divino.” A própria ciência 
encontrava lugar para Deus em seus tratados científicos e nas suas mais 
novas descobertas. Não existia nem mesmo ateísmo nesse período. è assim 
que Pascal temeu pelo terrível silêncio dos céus, pois sua matemática fria não 
 10
conseguia apagar-lhes as pegadas de Deus. Desde o universo de Ptolomeu, 
que atingia a distância de 80 milhões de quilômetros de raio e já maravilhava 
os antigos até os tratados astronômicos da Escolástica da Idade Média se 
conservou a presença do mistério na criação. 
O sagrado era experimentado como algo tremendo e fascinante, deixando um 
ambiente de respeito por todo lugar. O homem abismava-se e dissolvia-se na 
sua pequenez diante do sagrado. O homem vivia fascinado por este mistério, 
algo que pode ser exemplificado em um dos sermões de M. Lutero: “Assim 
acontece com a veneração de um lugar santo. Está misturada de temor e, não 
obstante, longe de nos afugentar, aproximamo-nos ainda mais.” (citado por R. 
Otto). Um poeta de hoje diria: Diante D’ele, eu me arrepio; para Ele sou atraído! 
Agostinho de Hipona (conhecido como Santo Agostinho) experimenta isso em 
um sentimento que é um misto de medo e sedução: “Que é aquilo que me 
lampeja e me fere o coração sem lesioná-lo? Horrorizo-me e ardo. Horrorizo-
me, enquanto lhe sou dessemelhante. Ardo, enquanto lhe sou semelhante.” 
(Confissões IX, 9, 1) 
Percebe-se então que tudo que existia refletia esse clima encantado pelas 
forças divinas. O sagrado habitava as dimensões da macro-história da 
humanidade, bem como da micro-história da caminhada de cada pessoa. Toda 
a realidade era iluminada e aquecida pela presença incontestável de Deus. A 
visão da família era sagrada e tinha em Deus seu nascedouro. A educação 
privada respirava o sagrado e criava modelos para viver neste mundo de Deus. 
Desde a educação da criança nas camadas mais profundas da psique humana 
até as músicas e festas populares organizadas pelo povo e pelo Estado. Tudo 
era sagrado. No seu poema “noturno”, Carlos Drummond de Andrade nos dá 
uma amostra desse universo educacional: 
“Abença papai, abença mamãe. 
Deus te abençoe. Não vá esquecer de arrear os dentes 
e lavar os pés antes de deitar. 
Sim senhora. 
E não vá dormir sem rezar um padre-nosso, 
três ave-marias, uma salve-rainha. 
Rezo. 
... 
Dorme bem, meu filho. Não fique pensando 
bobagens no escuro. O mais é com Deus. 
Mas fico. 
Abença papai, abença mamãe.Já te dei abença. Vai dormir. 
 Não tenho sono bastante para cochilar. 
Espera quietinho que o sono vem. 
Vou contar estrela. Não. 
 Conto passarinho que já tive ou tenho ou terei um dia. 
Conto, reconto vistas de cigarros, minha coleção é fraca. 
Nomes de países. 27 só. Ai, essa geografia. 
Nomes de meninas. Todas Lurdes, 
Carmos, Rosários, faço confusão. 
 Dorme sem pensar bobagens. 
Mas estou pensando. Penso mulher nua. 
 
 11
Penso na morte. Se eu morrer agora? 
Sem ver mulher nua, só imaginado? 
Morro, vou pro inferno. Talvez não. 
Meu anjo me puxa de lá, leva ao purgatório. 
A cama rangendo. 
Que noite mais comprida desde que nasci. 
Viajando parado. 
O escuro me leva sem nunca chegar. 
Sem pedir abença como vou saber que não vou sozinho? 
Que o mundo está vivo? 
Abença papai abença mamãe. 
 Mas falta coragem e peço pra dentro. 
Mas dentro não responde. 
”(Carlos Drummond de Andrade) 
 
 Por isso a linguagem do dia-a-dia era impregnada de religiosidade. Um 
exemplo é a palavra “A deus” que significava uma saudação de acolhida para 
as pessoas que não se conhecia. Era uma saudação ao mistério da pessoa, 
como que para limpar o outro de todo o mal, ou seja, lhe “entrego a Deus” que 
o conhece por inteiro... Essa e tantas outras palavras usadas até hoje 
expressam esse universo religioso presente na comunicação familiar e social. 
 Portanto, no período que tudo era sagrado, no “verão” da manifestação 
do sagrado, toda a realidade respirava Deus. Esse período, com elementos 
positivos e outros negativos, marcou fortemente o Ocidente até o início do 
período moderno. A partir daí nuvens começam a se formar no horizonte 
mostrando a proximidade do “inverno”. O sol, aparentemente absoluto do 
sagrado, começa a ser irradiado e encoberto pela grande onda secularizante 
do moderno racionalista. 
 
 
 
 b) A fria estação do inverno 
 
 
“O tempo em que se podia dizer tudo ao homem 
com simples palavras 
– quer sejam teológicas ou piedosas – já passou. 
Assim também já passou o tempo da interioridade e da consciência, 
o que podemos resumir nas palavras: 
passou o tempo da religião.” 
 (D. Bonhõffer) 
 
 
 As nuvens encobrem o céu e ofuscam o brilho do sagrado. O olhar não 
vê mais o sagrado, mas se fixa, pela curiosidade científica, na obra da técnica. 
O sagrado é deflorado pela insaciável voracidade analítica científica do 
homem. Pascal já se apavorava com a possibilidade da invasão da geometria 
para dentro do espaço-tempo sacralizado pelas religiões e pelos mitos. As 
ciências deixam espaços vazios que “apavoram”. Para Gusdorf “o mundo não 
fala mais ao homem, o céu não ressoa mais com esta harmonia das esferas 
 12
celestes... Os astros, outrora divinos, não passam de pedaços de matéria inerte 
em movimento na imensidão de um espaço sem limite, obrigados a seguir... o 
cálculo de Newton.” 
O olhar humano começa a secularizar os espaços sagrados dos céus 
com a matematização de suas distâncias. As ciências com seus gigantescos 
laboratórios e sua racionalização começam a decifrar toda a realidade e a 
expulsar o mistério da vida humana e social. Aos poucos as ciências vão 
ocupar todos os lugares possíveis. As pinturas sagradas e esculturas religiosas 
deixam o espaço das igrejas para se instalarem nos museus. 
A cidade sagrada começa a se tornar secular. A igreja já não é mais o 
centro das ruas e nem os sinos marcam mais o dia-a-dia das pessoas. A casa, 
recinto da intimidade e dos primeiros valores sagrados, é invadida pelo telefone 
e a tv que trazem o mundo para seu interior. Assim também a arquitetura, a 
comunicação, a música e tudo mais vão perdendo as características do 
sagrado. 
O “cogito ergo sun” – penso, logo existo – de Descartes coloca o 
pensamento e a racionalidade no altar principal da realidade humana e social. 
É verdadeiro somente o que pode ser medido e pesado. O mistério do sagrado 
é deixado de lado ou eliminado da vida social. Depois o ataque ao sagrado vai 
ganhar força e chega ao seu extremo com K. Marx, Freud e Nietzsche. Com 
eles o sagrado perde respectivamente espaço na sociedade, na consciência e 
na história. Para Marx a religião é o “ópio do povo”, para Freud é uma “doença 
ou infantilismo” e para Nietzsche já pode ser anunciada a “morte de Deus”. 
Também quase todos os antropólogos dessa época sustentavam ser a fé 
religiosa uma ilusão e que seria no futuro extinguida. 
 Todo esse processo de racionalismo e desencantamento com o 
religioso fez o sagrado eclipsar e quase se apagar. Parece haver uma 
declinação da religião e a ciência passa a explicar toda a realidade. Tudo isso 
desencadeia uma crise ética e de valores marcada pelo abandono do sagrado. 
Até o final dos anos 70 a dessacralização se manifestou de forma forte e 
bem racional. Parecia que o sagrado havia sido extinto ou havia perdido suas 
forças. O período moderno e a modernidade tentaram eliminar definitivamente, 
com a razão científica, o espaço sagrado de todas as dimensões da vida 
humana. Os “sinos da razão” anunciam a morte do sagrado. Mas o sagrado vai 
ressurgir das cinzas (para surpresa de muitos) e voltar com um novo vigor, 
como que em uma vingança tardia. O “inverno” perde as forças e já parece 
surgir a “primavera” com novos brotos e promessas de frutos mais maduros. 
Entramos assim na terceira fase do sagrado e em um momento de síntese do 
grande movimento do sagrado na história. 
 
 
 
 c) A nova estação da primavera 
 
 
“Que somos nós 
sem o socorro 
daquilo que não existe?” 
 (Valéry) 
 
 13
 
 Em nível pessoal e social, o preço da repressão é a explosão. A 
racionalidade do período moderno julgou pode eliminar o espaço sagrado e 
preenchê-lo com seus cálculos frios e perfeitos. O sagrado, e com ele Deus, 
morreu na análise equivocada de filósofos e cientistas sociais. Por isso ele 
ressurge e com mais força ainda. Acontece o milagre da primavera! 
O sagrado, de alguma forma, permaneceu “travestido” na sociedade, pois 
todo ser humano tem fome do infinito e de transcendência. As manifestações 
religiosas foram confinadas em pequenos espaços ou emolduradas de forma a 
tirar toda a sua força sagrada. Mas a “pequena chama” permaneceu acessa 
aguardando a hora da “vingança”. O sagrado ressurge nos meios populares, 
mais intelectuais e até nas classes mais ricas. Ele vem em socorro do homem 
racional e frio diante de um mundo que a razão pura não conseguiu humanizar. 
Muitos defensores da razão absoluta foram sacudidos pelas guerras e 
atrocidades provocadas por sistemas organizados e racionais. Diante da 
“perversão” da razão de muitos, o sagrado volta com novos paradigmas e mais 
atento aos problemas do homem da pós-modernidade. São movimentos, 
igrejas, grupos e encontros específicos que atualizam os antigos ensinamentos 
religiosos. 
 Surge até mesmo um sagrado libertador e contestador da “ordem” 
capitalista que seduziria o próprio Marx. E assim em todas as áreas o sagrado 
parece ressurgir e fazer movimentar o mundo. Afinal de contas não existe algo 
no ser humano que não o deixa descansar? Os versos cantados por Chico 
Buarque serão simples paixão? 
“O que será que me dá 
Que me bole por dentro, será que me dá... 
O que não tem medida, nem nunca terá 
O que não tem remédio, nem nunca terá 
O que não tem receita 
... 
O que não tem descanso, nem nunca terá 
O que não tem cansaço, nem nunca terá 
O que não tem limite.” 
 A estrutura do ser humano é aberta ao sagrado e nunca poderá ser 
fechada por nenhum sistema ou conjunto de idéias e práticas. Essa dimensão 
sagrada pode atémesmo aflorar de situações angustiantes e dramáticas. 
De qualquer forma o sagrado ressurge, muitas das vezes, como resposta 
existencial de felicidade. Acontece então o encontro do sagrado com a 
felicidade. As novas flores marcam o terceiro período do sagrado na história e 
na vida de muitos. É a “primavera” que vem trazer novo alento e esperança. “O 
sagrado sempre será importante. Ele é, no fundo, “a presença de uma 
ausência”. Viver é con-viver com a perda. É isto que nos torna belos: o olhar de 
eternidade...”. (R.Alves). 
 È bonito que sejamos tocados pelo sagrado, pois é ele que nos impele à 
busca incessante de sentido para a nossa ação no mundo e na história. Como 
Fernando Pessoa ousamos perguntar: sem a “loucura” do sagrado... “que é o 
homem mais que besta sadia, cadáver adiado que procria.” O sagrado se torna 
 14
a referência última da nossa vida. Assim, não podemos negar a força que tem 
o sagrado na vida humana. Todas as tentativas de eliminar o sagrado 
revelaram-se impotentes ante a avassaladora sede de Deus que habita o 
coração humano. 
 São as experiências e a história nos ensinando a conhecer os mistérios 
da vida. 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS 
 
 
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 BOFF, Leonardo. Experimentar Deus hoje. Petrópolis, Vozes, 1974. 
230p. 
 
BONHÕFFER, D. Resistência e submissão. Rio de Janeiro: Paz e 
terra, 1968. p. 130s. 
 
FREIRE, Maia. Criação e evolução. Deus, o acaso e a necessidade. 
Petrópolis, Vozes, 1986. 
 
GUSDORF, G. A agonia da nossa civilização. São Paulo, Convívio, 
1978. p.33. 
 
JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião. Rio de Janeiro, Zahar, 1965. 
119 p. 
 
JUNG, Mo Sung. Deus: ilusão ou realidade?.São Paulo, Ática,1996. 98p. 
 
LIBÂNIO, João B., BINGEMER, Maria Clara L. Escatologia Cristã. 
Petrópolis: Vozes, 1985. 
 
PRITCHARD, Evans. A religião e os antropólogos, in: Religião e 
sociedade.1986. março. Nº13/I, p.11. 
 
RIBEIRO, Camilo de Lelis O. S. Jesus Cristo: quem é este homem?. 
Revista O Paráclito, Dracena-SP: Ed. J. Gráfica, 2002. 
 
______, Encontrar-se vitalmente com Deus: o cristianismo como 
companhia. Belo Horizonte: Centro de Formação - ASSOLUC, 2003.

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