Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
0 EVARISTO V. FERNANDES CÉREBRO RACIONAL E CÉREBRO SÓCIO-EMOCIONAL NAS APRENDIZAGENS, NOS COMPORTAMENTOS E NA SAÚDE 1 ÍNDICE CAPÍTULO I DINÂMICA DA INTERIORIDADE NOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM E DE ACÇÃO COMPORTAMENTAL 3 I – O MECANISMO CEREBRAL NA ELABORAÇÃO DE AGNOSIAS 7 II – O CÉREBRO EM SEUS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM 13 III – CORPO E EMOÇÃO NO DESENVOLVER DO PENSAMENTO 20 CAPÍTULO II ENIGMAS DO BIO-EMOCIONAL DO APARELHO NEUROPSÍQUICO 41 I – DINAMISMOS DAS EMOÇÕES E DO INCONSCIENTE NAS ACÇÕES COMPORTAMENTAIS E COGNITIVAS DOS INDIVÍDUOS 45 II – INTERACTIVIDADES EMOCIONAIS E PROPEDÊUTICO— PSÍQUICAS NOS DINAMISMOS DOS DESENVOLVIMENTOS BIONEUROPSICOLÓGICOS 55 CAPÍTULO III O CÉREBRO HUMANO EM SEUS INTERACTIVOS PROCESSOS E DINAMISMOS DE APRENDIZAGEM 78 I – INTERACTIVIDADES: CÉREBRO EMOCIONAL-CÉREBRO RACIONAL 85 II – INTERACTIVIDADES FUNCIONAIS DAS ÁREAS CEREBRAIS 93 III – COMPORTAMENTOS DO SER HUMANO COM LESÕES CEREBRAIS 99 IV – BIOFFEEDBACK COMO PROCESSO MOBILIZADOR DA TOTALIDADE DO EDUCANDO 109 V – O APARELHO NEUROPSÍQUICO COMO CRIADOR DE IMAGENS E MAPAS MENTAIS 113 CAPÍTULO IV PROCESSOS E DINAMISMOS DE COGNIÇÃO DO SER HUMANO 123 I – DINAMISMOS ONTOGENÉTICOS E COGNITIVOS DAS APRENDIZAGENS HUMANAS 135 II – DINAMISMOS NEUROPSÍQUICOS DO COMPORTAMENTO E DAS AQUISIÇÕES DO SABER 140 III – DIMENSÕES COGNITIVO-EMOCIONAIS DO APARELHO NEUROPSÍQUICO 149 CAPÍTULO V 2 O RACIONAL E O SÓCIO-EMOCIONAL NOS DINAMISMOS E NAS ORGANIZAÇÕES DOS CONHECIMENTOS E DOS EQUILÍBRIOS PESSOAIS 160 I – BIOSSOCIOPSÍQUICO NOS MECANISMOS DAS MUDANÇAS COMPORTAMENTAIS 165 II – DINÂMICAS SOCIAIS NO COMPORTAMENTO CEREBRAL 172 III – SISTEMAS COMUNICACIONAIS DA CITADELA CEREBRAL 177 IV – O CÉREBRO NA CONSTRUTIVIDADE DA PESSOA 185 V – AS EMOÇÕES NOS DINAMISMOS DO CÉREBRO RACIONAL 194 VI – ACÇÃO DAS IDEOLOGIAS SOBRE O CÉREBRO EMOTIVO-RACIONAL 197 VII – EFEITOS DAS INTERACÇÕES: SISTEMA EMOCIONAL-SISTEMA IMUNOLÓGICO 202 ANEXO I REGIÕES ANATÓMICAS DOS HEMISFÉRIOS CEREBRAIS ANEXO II ÁREAS DO CÉREBRO SEGUNDO BRODMAN ANEXO III MAPEAMENTO DA NEUROFISIOLOGIA DAS AGNOSIAS ANEXO IV SISTEMAS E INSTÂNCIAS DO APARELHO PSÍQUICO SEGUNDO A PSICANÁLISE ANEXO V FUNCIONALIDADE DO CÉREBRO ANEXO VI ACTIVAÇÃO DE ÁREAS CEREBRAIS ANEXO VII MAPAS MENTAIS COMO AGENTES DA EFICIÊNCIA COGNITIVA 210 211 212 217 218 219 220 BIBLIOGRAFIA 221 CAPÍTULO I DINÂMICA DA INTERIORIDADE NOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM E DA ACÇÃO COMPORTAMENTAL 3 Crianças e adolescentes com dificuldades na aprendizagem escolar, sem concentração difusa nem retenção específica, integram uma elevada percentagem dos 27-30%, até ao 9º ano de escolaridade, sócio-pedagogicamente etiquetadas como crianças com necessidades educativas especiais e, psicologicamente, diagnosticadas como crianças ou adolescentes com dificuldades de aprendizagem. São crianças e adolescentes que, a nível neuro-anatómico e neuro-fisiológico não apresentam malformações nem acentuadas lesões de qualquer espécie ou natureza e, no entanto, manifestam dificuldades de aprendizagem e necessidades educativas especiais, de várias formas, a vários níveis e dimensões. São crianças e adolescentes agnósicos, isto é, com dificuldades nos processos de aquisição dos conhecimentos ou de reconhecimentos comparativamente ao grupo maioritário que não apresenta tais dificuldades. Um tal conjunto de dificuldades, sem acentuadas causalidades reveladas a nível das sofisticadas técnicas de imagiologia cerebral, encontra sua razão de ser a nível da comunicação neuro-orgânica, neuro-psíquica, neuro-emocional, neuro-afectiva e intra- sistémica do próprio indivíduo. São dificuldades a nível das activações das funções integrativas, das capacidades, habilidades e destrezas perceptivas, geradoras de dificuldades, incapacidades, alterações ou distorções a nível de identificações das formas e de certos objectos. São dificuldades a nível de associações, de interpretações e codificações dos necessários estímulos, circunstâncias e meios para conhecimento ou reconhecimento do próprio real. Um tal conjunto de défices, carências ou ausências estimulares possui sua origem em múltiplas e complexas dimensões sensório-corporais, psico-orgânicas, neuro-funcionais, bio- emocionais e afectivo-cognitivas, encontrando-se um tal conjunto de causalidades caracterizado por seu denominador comum, isto é, pela maior ou menor ausência de interconectividade entre os subsistemas do indivíduo, pelo conjunto de alterações ou disfunções psico-sensoriais dificultadoras das comunicações interiores e com origem nos sentidos e nos órgãos dos sentidos, nas percepções e nas intercomunicações efectuadas ou a efectuar entre sistema nervoso periférico, sistema nervoso central e sistema autónomo, originando-se, então, vários tipos de agnosias, de entre as quais podemos citar agnosias de movimento, motoras, práxicas, tácteis, auditivas, visuais, perceptivas, associativas, simbólicas, temporais, espaciais, gráficas, lexicais, objectais, relacionais, psíquicas, intelectuais, etc.. Embora as recentes investigações em neurociências orientem as causalidades das somatoagnosias para a existência de lesões corticais situadas essencialmente a nível dos lobos parietais, causadores de perturbações ou de alterações a nível do esquema corporal, a existência de lesões a nível dos lobos temporais para a existência de agnosias auditivas e lesões a nível dos occipitais (áreas associativas) para as agnosias visuais, aparece evidente, a nível das técnicas de imagiologia cerebral, que elevado número de sujeitos, psico- diagnosticados como agnósicos, não apresentam lesões detectáveis em qualquer zona das áreas cerebrais, mas sim ausência de efeitos das acções dos estímulos, maiores ou menores cargas ou descargas bioenergéticas, mais ou menos difusões das energias, maiores ou menores expansões das forças ou energias bioneurocerebrais, envolvedoras, tantoem quantidade como em qualidade, de maiores ou menores áreas do aparelho neuropsíquico do indivíduo, o que faz com que as intercomunicações das energias de uns sejam mais expansivas que a de outros, que as de uns permaneçam mais localizadas e as de outras sejam mais difusas, o que gera, à partida, diferenças com efeitos de natureza acumulativa, tanto nos processos como nos dinamismos de cognição e codificação, de interiorização e de exteriorização, de simbolização e aferência, de organização e de reorganização dos estímulos, 4 das vitalidades e das comunicações interiores, bem como de suas projecções verso o exterior, processos que originam diferentes formas de vivências perceptivas, de captação das informações e de organização das comunicações. O presente conjunto de tais diferenças, devido à análise de seus efeitos, leva-nos, de uma forma geral, a diagnosticar cinco tipologias essenciais de agnosias, isto é: 1) agnosias tácteis, 2) agnosias integrativas, 3) agnosias associativas, 4) agnosias de representações interiores, bem como a dita, 5) agnosia musical. Sendo a agnosia táctil resultante da incapacidade que um indivíduo possui em reconhecer um objecto através da apalpação, em descrever as características ou qualidades dos objectos, a sua forma, peso ou resistência, a sua matéria ou contornos, não há dúvidas que um tal indivíduo possui défices, carências ou disfunções a nível de sentidos e de seus respectivos processos de sensorização, bem como a nível de sua sensibilidade perceptiva elementar. O conjunto de tais défices gera no indivíduo dificuldades de reconhecimento não só das intensidades dos estímulos mas também de suas variações e modalidades. Das investigações de Semmes (1965) e de Renzii Scotti (1969) resultou o facto de tais indivíduos possuírem também défices em sua orientação espacial. Da investigação sistemática de Corkin e colaboradores (1970), efectuada com mais de sessenta sujeitos, possuíam todos eles défices em suas sensibilidades elementares. Caselli (1991) analisando as funções sensoriais elementares de indivíduos, diagnosticados de agnósicos, com défices no reconhecimento de objectos, constatou a existência de sete indivíduos com lesões corticais à esquerda e quatro com lesões corticais à direita. Encontram-se, no entanto, na parca literatura científica, agnosias tácteis não explicáveis através de défices de sensibilidades perceptíveis. Hécaen (1945) encontrou na sua paciente uma lesão na região fronto-parietal esquerda. Endo e colaboradores (1992), descrevem um caso de agnosia táctil originada por lesão do giro angular e desconexão das áreas somatossensoriais da esquerda. Reed e Caselli (1994) descrevem outro caso de agnosia táctil atribuindo a sua causa à existência de uma desordem perceptiva de nível superior manifestada através da incapacidade de efectuar representações tácteis integradas nas formações sensoriais de base. Endo e colaboradores (1992), descrevem agnosias (afásicas) com causas situadas no couro caloso do indivíduo, visto as suas fibras transcalosas interromperem ou distorcerem a comunicação entre os hemisférios cerebrais. Do anteriormente analisado emerge, com clara evidencia, que as agnosias tácteis são factuais, mas as suas causas continuam discutíveis, apesar de se tornar evidente que a sua causalidade imediata emana de perturbações a nível das sensibilidades perceptíveis e estas interdependem das áreas sensoriais e dos processos de sensorização do indivíduo, facto que origina subcategorias de agnosias tácteis como, por exemplo, agnosias ópticas, apráxicas, afásicas, disléxicas, etc. . Por sua vez, denominando-se agnosias integrativas o conjunto de défices que levam um indivíduo a possuir dificuldades de identificar a forma, os contornos e os pormenores de um objecto e a integrá-lo numa unidade perceptiva, o que sucede, por exemplo, quando o indivíduo copia uma figura ou um objecto nas suas diversas perspectivas, mas esquece uma dimensão visível ou um pormenor significativo, como sucede, não raras vezes, na reprodução das figuras ou das imagens de fundo, na reprodução de formas geométricas ou de letras com lenta e prolongada demora, com reconhecimento de figuras ou imagens irreais em que, não raras vezes, os indivíduos percepcionam formas sobrepostas sendo, então, constatável que certos indivíduos distinguem melhor pormenores de imagens ou de figuras irreais que de figuras reais, e, isto tanto a nível das dimensões dos objectos, das formas, como das imagens ou das côres. Esta agnosia de ausência das permanências das integridades perceptivas reside, fundamentalmente, na dificuldade de reconhecer a identidade estrutural de um objecto, coisa, figura, imagem ou pessoa e, se por um lado, Warrington e Taylor (1978) encontraram os 5 défices da constância perceptiva na sequência de lesões parietais do hemisfério direito, o primeiro autor, em 1988, descreveu como exemplos de agnosias perceptivas o caso de três dos seus pacientes com lesões nos lobos occipitais, parietais e temporo-parietais direitos, os quais superavam os testes elementares da forma e fracassavam nas provas de categorização perceptiva, factos que, segundo o autor, interrompem a elaboração perceptiva das informações sensoriais. As dificuldades na elaboração das percepções das informações sensoriais ou a incapacidade de organizar os inputs sensoriais de uma forma constante e impregnante originam agnosias da forma, isto é, das figuras e das imagens de fundo, tornando-se incapaz de desenhar ou de copiar um desenho elementar ou de seguir com um lápis os contornos de uma figura, sentindo dificuldades, por exemplo, em discriminar um quadrado de um rectângulo, em copiar figuras iguais, em discriminar figuras com pormenores diferentes ou em identificar figuras sobrepostas ou figuras incompletas, o que leva os autores a diagnosticar que tais incapacidades emanam dos centros cerebrais que analisam direcções e formas. Outros indivíduos, porém, apresentam dificuldades de reconhecimento visíveis, apesar de poderem possuir integridade em seus próprios processos perceptivos bem como representações interiores da própria forma do estímulo ou estímulos. A ausência de uma ou várias componentes caracterizadoras das capacidades associativas ou de algumas destas, conjugadas com défices perceptivos, constituem a denominada agnosia associativa, facto evidenciador, na maioria dos casos de um tal tipo de agnosia, visto a experiência revelar, ao observador clínico, que desordens, perturbações ou distúrbios nos processos de associação apresentam, em simultâneo, também, problemas a nível de percepção, e, dificuldades a nível perceptivo manifestam também incapacidades a nível associativo, como sucede, por exemplo, quando um sujeito possui dificuldades em pronunciar o nome de um estímulo ou estímulos, pode-se, então, com toda a legitimidade, suspeitar da presença de uma agnosia associativa. Elevada percentagem de tais dificuldades ou erros são de natureza semântica, de dificuldades de percepcionar as formas dos objectos, de categorização dos objectos e das palavras, de discriminação das funções e dos contextos, de reconhecimento dos gestos e dos movimentos ou dos próprios rostos das pessoas (prosapagnosia). A presente tipologia de agnosias (agnosia associativa), segundo os estudos de neurofisiologia, possui suas causas elementares na existência de lesões ou disfunções nas áreas das radiações ópticas, provocando, segundo tais estudos, cegueira cortical. Muitas de tais manifestações, no entanto, causadas por défices de percepção, revelam-se através de comportamentos amnésicos, por desorientações espaciais, temporais ou por estados de confusãomental. As agnosias causadas por desordens de percepções de movimento, segundo estudos efectuados por Zihl e colaboradores (1991); Shipp e colaboradores (1994) possuem sua origem na existência de lesões nas superfícies laterais dos hemisférios, mais concretamente nas áreas 19 e 37, bem como na substância branca que se encontra por baixo de tais áreas. No entanto, outras áreas cerebrais como a área D3, o lobo parietal superior, a área occipital e temporal inferior, correspondente ao giro fusiforme, participam activamente na visão do movimento. Os efeitos de tais lesões, desordens ou disfunções de percepções do movimento apresentam-se, normalmente, como défices ou desordens a nível de percepções das formas, de dificuldades ou incapacidades no reconhecimento dos objectos e dos rostos das pessoas, da distância dos objectos e da velocidade do movimento destes; da distância e do movimento das pessoas, bem como do direccionamento tanto dos objectos como das pessoas. Constata-se, no entanto, a existência de outros seres humanos que possuem desordens de percepção em relação às côres (discromatopsias), isto é, a existência de indivíduos com 6 défices, perturbações ou alterações no reconhecimento das côres e, segundo a neurofisiologia, tais défices interdependem dos três tipos de cones existentes na retina humana, visto o primeiro tipo contribuir para a percepção do azul, o segundo do verde e o terceiro do vermelho, e, a percepção das côres interdepende da interacção efectuada entre estes três tipos de cones, os quais, efectuando funções de receptores, analisam também a mensagem de uma parte dos neurónios corticais, e, a existência de lesões ou disfunções em tais áreas cerebrais pode comprometer o reconhecimento das côres, tanto a nível da sua percepção como da selecção, tornando-se o indivíduo incapaz de invocar o nome das côres (anomia) ou incapaz de representar a côr das coisas (amnésia das côres). As agnosias das côres ou acromatopsias podem apresentar-se de várias formas e com várias dimensões. Agnosias provocadas pela intensidade da luminosidade, pela saturação da côr base ou fundamental dos objectos ou pelos efeitos da luz que reflecte sobre o estímulo, o que, em interacção com as perturbações perceptivas do indivíduo, podem gerar neste uma espécie de filme desvirtuado da realidade exterior. O conjunto de perturbações causadoras de agnosias associativas das côres podem, segundo a deficiência manifestada, receber epítetos de, por exemplo, anomia, amnésia, afasia ou , simplesmente, agnosia das côres. E isto segundo a análise que se efectua em consonância com a origem de tais perturbações. É que, na realidade, a génese de tais perturbações continua problemática. Neadows, por exemplo, atribui a causalidade de uma tal deficiência à existência de lesões nas áreas sub- calcarinas do córtex occipital. Rizzo e colaboradores, (1992) ensaiam a demonstração de que uma completa acromatopsia pode ser ocasionada por uma sensibilidade espacial e pela visão do movimento. Lueck e colaboradores (1989) colocam em evidência a existência de um aumento da circulação cerebral correspondente ao giro fusiforme. Outros, por exemplo, Damásio e colaboradores (1980b) falam-nos da existência de acromatopsias aquando da existência de lesões em occipitais superiores unilaterais. Scotti Spinnler (1970) descreve-nos a existência de discromatopsias ocasionadas pela existência de lesões unilaterais não nos occipitais, mas provocadas pela existência de lesões a nível do hemisfério esquerdo, apesar de reconhecer a superioridade do hemisfério direito na discriminação cromática e, por conseguinte, no reconhecimento das côres, o qual, projecta-as para o hemisfério esquerdo. Por sua vez, Geschwind e Fusillo (1966) descrevem-nos um caso de anomia das côres devido à existência de disconexões visuo-verbais, isto é, devido à existência de disconexões existentes entre os centros da visão direita, que percepcionam as côres, e os centros de visão da linguagem esquerdos, que devem atribuir o nome às côres. E isto apesar de, segundo os autores, a descodificação do nome das côres poder ser efectuada através do hemisfério direito, o qual possui a capacidade de compreensão verbal. A existência de multivariadas e hipercomplexas causalidades, difusas e incertas, gera inúmeros problemas, não só a nível de capacidades de aprendizagem mas também da sua respectiva eficiência, visto a existência de tais défices gerar problemas ou dificuldades a nível de elaboração e de desenvolvimento de imagens mentais, pois tais deficiências ou perturbações criam dificuldades ou incapacidades na evocação de associações, na sua consolidação e na formação, no desenvolvimento e na criação de novas, o que gera, simultaneamente, dificuldades a nível de desenvolvimento da linguagem expontânea, impedindo os sujeitos, umas vezes de tomarem consciência das suas limitações e, outras, de reconhecerem as suas deficiências ou erros, aparecendo, não raras vezes, tais défices como sendo sintomas de assimbolias, de degradação da memória semântica, de défices do pensamento conceptual ou de perda de atitudes abstractas. Um outro tipo de agnosias pode ser denominado, apropriadamente, de agnosias de representações internas. Um tal tipo de agnosias resulta da dissociação ou disconexão efectuada entre o processo perceptivo e o processo associativo da realidade envolvente. E isto 7 porque, em tais situações, a descrição das coisas, dos objectos e da realidade entra em dissonância ou em conflito com as representações interiores que o indivíduo possui em relação a tais factos, como sucede, por exemplo, com a integridade das representações da visão quando estas não se integram nas representações interiores do indivíduo, visto estas possuírem dificuldades em seus processos de adaptação à realidade exterior ou, simplesmente, aos objectos do mundo real, visto este ser captado pelo sujeito como algo privado de estímulos significativos e, por isso, tanto os esquemas mentais do sujeito como a descrição das formas da realidade dificilmente se adaptarem à coisificação da realidade exterior, pois esta, não desencadeia, no indivíduo estímulos suficientes para a apreensão do seu significado, e é essência e característica essencial das representações internas que as imagens interiores do indivíduo correspondam à essência da realidade exterior. Existem, no entanto, situações em que as representações internas correspondem à realidade, mas, uma tal realidade, não é integrada, devido a problemas de agnosias ou cegueira de visão cortical, a qual gera problemas de incapacidade, de instabilidade ou conflito entre os mecanismos perceptivos de entrada das informações e das representações interiores, o que não só dificulta mas também degrada os próprios mecanismos da generatividade e de desenvolvimento das imagens mentais. No seio de uma tal hipercomplexa problemática acerca das origens e dos desenvolvimentos das agnosias não há dúvida que os problemas da motricidade, da relação psicocorporal, do eu corporal e dos processos de somatossensorização estão sempre em causa. É que, quando as agnosias são analisadas pelos neurofisiologistas ou homens das neurociências as suas causas são relegadas para dimensões neurofisiológicas do indivíduo. Quando analisadas pelos psicólogos cognitivistas é por falta de alicerçarem a interiorização do psiquismo no corpo e quando analisadas por psicanalistas por ausência de uma funcional homeostasia entre cérebro e corpo, psiquismo e mente. Porém, no interior da dinâmica de um tal conjunto de problemáticas, uma coisa é certa: existem agnosias, disfasias, dislexias, anartrias ou discalculias devido ao facto de que um ou váriosdos processos de cognição do indivíduo se desenvolveram de maneira anormal ou insuficiente, o que fez com que os processos cerebrais utilizassem, desenvolvessem ou compensassem certas áreas cerebrais em vez de outras e, por isso, a actividade cerebral mostra um padrão de actividade fora da norma, facto que pode ser identificado pela relativa comparação efectuada entre a actividade do cérebro de um indivíduo letrado e a de um indivíduo iletrado, pois o cérebro do indivíduo letrado, graças aos processos de aprendizagem e aos exercícios intensivos de suas capacidades, revela alterações da actividade cerebral, e isto tanto a nível de suas dimensões anatómicas como cognitivas, funcionais como sociais. I – O MECANISMO CEREBRAL NA ELABORAÇÃO DE AGNOSIAS O conjunto de alterações, de incapacidades ou de insuficiências a nível da actividade cerebral pode gerar não só a anterior nomenclatura de agnosias cognitivas mas também outros transtornos não só em relação ao próprio eu corporal mas também em relação à necessária comunicação a efectuar, nomeadamente devido a problemas ou transtornos da linguagem, das articulações das palavras, das alterações fisiológicas dos órgãos articulatórios, da produção fonológica, etc., ou mesmo dificuldades de conhecimento ou reconhecimento de pessoas, coisas ou objectos; formas, côres e movimentos; traços, letras, sons ou fonemas, sem existência alguma de patologias, de lesões ou mesmo de distorções neurocerebrais. 8 É facto assente, no entanto, que existe um complexo conjunto de disfunções, tanto a nível de dinâmica interna do indivíduo como das relações deste com os seus meios, contextos e circunstâncias. É que, seguindo de perto proeminentes investigadores de Paulo Alto, Gregori e Dateson, a aprendizagem, no seu primeiro nível, implica a existência de um potencial de modificabilidade, e, a noção de mudança, isto é, pelo menos, a existência de determinada reacção a um determinado estímulo é necessária, mesmo sem a existência de evolução, facto que o autor denomina de nível de aprendizagem zero. Um segundo nível de aprendizagem opera-se quando, ao mesmo estímulo, o sujeito dá uma resposta diferente, facto que implica mudança na aprendizagem zero, existência de relações objectais, comunicações interior-exterior e existência de atitudes e de comportamentos que, umas vezes, funcionam como estímulos, outras como reforços e outras como respostas. A operacional capacidade do sujeito é de transpôr as anteriores aprendizagens para outros, novos ou diferenciados contextos, generalizando, unificando ou mudando contextos aparentemente distintos, gerando, no indivíduo, consciência da capacidade de ―aprender a aprender‖, isto é, de ser capaz de aplicar a outras situações conhecimentos previamente adquiridos. Uma tal operacionalidade constitui o terceiro nível de aprendizagem. O quarto nível de aprendizagem proposto pelos investigadores da Escola de Paulo Alto assenta, essencialmente, no aprender como se aprende a aprender, isto é, através de uma tomada de consciência da sua própria individualidade, dos modelos comportamentais que a regem e de suas potencialidades ou capacidades de os modificar, modificações difíceis de efectuar, não só pela existência de padrões neurocerebrais que o indivíduo, que em tal estado de desenvolvimento já possui, mas também pela existência de esquemas emocionais, psicológicos e culturais já desenvolvidos, e, mais ou menos, estruturados no sujeito humano. Segundo os autores da Escola de Paulo Alto, os três primeiros níveis de aprendizagem são ―largamente inconscientes‖ a nível individual e, ao quarto nível de aprendizagem, não é, de forma alguma, alheia a acção do inconsciente colectivo. É que, de facto, o inconsciente individual não é só resultado dos efeitos das acções de recalcamento, das fixações infantis, da sumula dos instintos ou o representante das pulsões individuais, mas também o elaborador da maior parte dos processos de habituação, de desenvolvimento das percepções e de organização, de dinamização e reorganização das estruturações das experiências. De facto, inúmeras observações, constatações, análises e diagnósticos revelam acentuada sintomatologia de agnosias sem confirmação da existência de lesões, distúrbios ou perturbações a nível de visão, de tacto, de côres ou sons. Tais constatações evidenciam o facto de que as causas de agnosias não se encontram única e exclusivamente na dinâmica organizativa ou desorganizativa anátomo-fisiológica de seu portador. Frah (1990 b), um dos maiores investigadores nas áreas das organizações cerebrais dos processos de reconhecimento, constatou que, até uma tal data, os casos de agnosia de visão publicados não ultrapassavam uma centena e que os casos de agnosia táctil eram excepcionais, constatações confirmadoras do facto que as causas de agnosias não são de natureza unicamente neurofisiológica, mas, sobretudo, de natureza neuropsíquica, psicoemocional, sociocognitiva e psicomental, constituintes essenciais das dinâmicas organizadoras não só dos processos neurocerebrais do conhecimento mas também do reconhecimento, de envolvimento e de acção, processos que implicam tanto a existência de integrabilidades cognitivas como associativas. O próprio António Damásio no seu livro ― O Sentimento de Si ‖ (1999, página 197- 198), afirma que «as lesões bilaterais dos córtices auditivos conduzem aos mesmos resultados que as lesões dos córtices visuais, isto é, não comprometem a consciência nuclear do indivíduo; que os doentes com lesões de certas áreas auditivas corticais perdem a capacidade de invocar memórias específicas relativas, por exemplo, uma melodia familiar ou 9 a voz de uma certa pessoa; que as lesões em córtices de associação ou nos córtices sensoriais também não comprometem tal nível de consciência». No caso da existência de prosapagnosias, os estudos empíricos de Damásio demonstraram que estas se devem à existência de lesões bilaterais dos córtices visuais e de associação visual, localizados nos lobos occipital e temporal, nas áreas 19 e 37, situadas na região conhecida como circunvolução fusiforme. Apesar da existência de tais lesões, a consciência nuclear do indivíduo encontra-se presente e, simultaneamente, disponível para continuar a produzir padrões neurais de acção, interacção e retroacção com o cognoscível. O mesmo não acontece, porém, no caso da existência de perturbações perceptivas ou na ausência de sinais sensoriais, como os da visão, do tacto ou da audição, visto tais perturbações ou ausência de sinais poderem impedir a formação da representação sensorial deste ou daquele objecto, como sucede, por exemplo, nos casos de cegueira adquirida ou de surdez, visto os objectos, devendo ser representados por determinados canais sensoriais, deixarem de o poder ser e, por isso, o organismo não se envolve em tal relação com o objecto, como se envolvia anteriormente, o que faz com que a consciência dos novos objectos deixe de ser a mesma. É que, sendo as agnosias, na sua expressão mais básica e elementar, estudadas pela neurofisiologia como efeitos das incapacidades de evocar os necessários tipos de conhecimento pertinentes a um dado objecto, enquanto esse objecto está a ser percebido, este encontra-se, pelo sujeito, despido do seu significado normal. Por isso, embora a neurologia continue a falar de agnosias tácteis, auditivas e visuais, as suas causas, de um modo geral, resultam de défices associativos emanados, directamente, não só de perturbações perceptíveis mas também de inibições das funções, de bloqueamentos ou de distorções das emoções e de conflitos intrapsíquicos. Na base elementar de uma tal problemática, anível do ser humano, encontra-se a hipercomplexa actividade de suas próprias percepções. Porém, as percepções, ao contrário de outras actividades biológicas, interdependem da excitação dos receptores sensoriais, os quais, por sua própria natureza, activam o funcionamento de atracção ou rejeição dos objectos, isto é, geram a actividade cognitiva e, simultaneamente, informacional, necessária não só a novos reconhecimentos e desenvolvimentos sensoriais e cognitivos mas também imprescindíveis à aquisição de novos dados, conhecimentos e reconhecimentos tanto de objectos como de modalidades sensório-perceptivas, visto o conhecer não ser unicamente adquirir dados mas também transferi-los e modificá-los. Por isso, percepcionar não é apenas o resultado das informações captadas pelos sentidos e seus respectivos órgãos, mas sim efeito da totalidade das informações anteriormente adquiridas, do envolvimento do organismo humano nos seus meios físicos, ambientais, sociais e culturais; da acção das suas pulsões , emoções e associações, dos níveis de desenvolvimento, que interdependem não só da natureza e da actividade do genoma individual de cada um, mas também dos níveis de suas interacções com a maior ou menor riqueza dos meios, com sua acção psicomotora, verbal, sensitiva e emocional, actividades geradoras de cognições, memorizações, simbolizações, representações e imagens, factos e fenómenos que, por sua vez, desenvolvem níveis de sensibilidade a nível de receptores e, por conseguinte, também a nível de recepção sensorial e perceptiva, fundamentos essenciais à generatividade de graus e de estilos de conhecimento e de reconhecimento diferenciado entre os indivíduos e, por conseguinte, também, geradoras de diferenciados estilos de apreensão e de cognição do real pelos indivíduos, o que, em termos neurológicos, constitui padrões de conhecimento, apesar destes serem modificáveis pela acção do emocional, do social, do cognitivo, do experiencial e do intelectual, graças à acção do potencial das associações, da conectividade dos subsistemas neurais e das recíprocas e interactivas comunicações intercelulares que organizam, desorganizam e reorganizam, estruturam, destruturam e 10 reestruturam as percepções, redimensionam, alargam ou encurtecem o seu universo, as suas dimensões, formas e níveis. É que, por detrás de todo o universo de desenvolvimento encontra-se não só o biológico e o sensorial mas também o psíquico-físico, a motricidade, o intrapsíquico, o representacional, o cognitivo e o mental que, de formas mais ou menos conjugadas e harmoniosas e, interactivamente mais ou menos equilibradas, constituem associações positivas, abertas à integração de novas associações, disponíveis à sua mudança ou modificações, em consonância com os níveis de encontro ou de reencontro com a realidade tanto interior como exterior, ambiental como social, cognitiva como cultural. A elaboração de associações desarmoniosas e desequilibradas, perturbadoras e negativas geram no indivíduo mecanismos de fuga a si mesmo, aos meios, à realidade, às mudanças, às inovações e às modificabilidades e, por conseguinte, também retracções, inibições ou medos dos processos de desenvolvimento, da cognição, das assimilações e das interiorizações. Um tal conjunto de factos comportamentais demostra, sobejamente, que estímulos positivos, concretos, reais e operacionais, geradores de prazer, de bem-estar e de auto- satisfação motivam e desenvolvem os universos das percepções e, bem pelo contrário, estímulos negativos, de desprazer e de mal-estar desestimulam, inibem, desorganizam ou destruturam a natureza das percepções, de suas associações e combinações, recombinações, inovações ou adaptações. No entanto, é da maior ou menor riqueza das propriedades perceptivas de um indivíduo, de suas combinações e recombinações positivas ou negativas que interdepende a elaboração das primeiras categorias elementares de cognição do ser humano, atractoras ou rejeitadoras de novas realidades, filtradoras ou bloqueadoras de novas informações e interpretadoras tanto do positivo como do negativo em função da estrutura positiva ou negativa de tais categorias perceptivas, fenómenos que, psicofisiologicamente, geram activação e desenvolvimentos interactivos não só entre os neurónios, as dendrites e os axónios mas também funcionais e activas interactividades entre o sistema nervoso periférico, o sistema nervoso central e o sistema autónomo. Pelo contrário, categorias de percepções negativas geram inibições, descoordenações e desregulações, não só no aparelho neurofisiológico, nos seus sistemas nervosos e no seu organismo mas também nos seus processos de cognição, tanto de reconhecimento dos objectos como de desenvolvimento e de aquisição dos conhecimentos, processos que implicam a existência de múltiplas e recíprocas inter e retroacções com as categorias das percepções, das emoções, dos estímulos e das motivações; das conexões e das associações; das configurações, dos símbolos e das imagens; das representações pessoais e interpessoais, das acções e envolvências individuais. Apesar de uma tal complexidade, a percepção e suas derivadas categorias, tanto a primeira como as segundas são resultantes dos processos através dos quais o organismo toma conhecimento do mundo e de seu próprio meio através de informações elaboradas através dos sentidos, é de tais conhecimentos que emerge a elaboração de categorias perceptivas, as quais tendem a desenvolverem-se, expandirem-se ou combinarem-se em função da natureza e origem do desenvolvimento de suas propriedades, capacidades e aptidões. No entanto, o conjunto de propriedades e capacidades das percepções emerge não só do inato do indivíduo mas também do seu adquirido, das suas experiências e vivências, dos seus símbolos e representações, das suas aprendizagens não só pessoais mas também sociais, culturais e ambientais, as quais, por sua vez, consoante a sua natureza, activam ou desactivam, estimulam ou inibem os processos de activação e desenvolvimento sensorial, perceptivo, emocional, representativo e cognitivo através da activação de suas funcionalidades ou gestação de disfuncionalidades, inibições ou de rupturas não só com o princípio da realidade e da envolvência, mas também com o princípio do prazer e da continuidade, comportamentos que não só inibem e se afastam das necessárias respostas, 11 estímulos e motivações às necessidades de desenvolvimento de integrados e harmoniosos universos cognitivos mas também mentais, afectivos e emocionais. De facto, sendo o ser humano uma realidade concreta, as suas necessidades elementares e básicas também são concretas, reais e operacionais, e é a partir da satisfação de tais necessidades que o real do ser humano tem necessidade de se desenvolver, construir e assumir, visto ser a partir daí que as percepções se desenvolvem, a motricidade actua, as mensagens veiculam, o psíquico-emocional reunifica e o cognitivo se torna flexível e adaptável. A funcionalidade de uma tal dinâmica emerge, por isso, dos efeitos das acções, das interacções e retroacções do organismo com os meios circundantes e, de tais processos, emergem mecanismos de desenvolvimento perceptivo e motor, de acomodação e de assimilação, de interiorização e de vivência, de estimulações e de envolvimentos tanto a nível de comunicações interiores como de captações de mensagens vindas do exterior. O conjunto de tais mecanismos, oriundos dos processos do organismo humano, constitui o epicentro essencial das actividades cognitivas-elementares, visto estas emanarem das informações sensoriais do sujeito. Ora, sendo o conhecimento resultado das acções dos sujeitos sobreos objectos, tais relações implicam envolvências relacionais dos primeiros sobre os segundos, e, aquelas são efectuadas por suas multifuncionais capacidades de adesão e envolvência diversificadas tanto por seus modos de actuar como por níveis de competências, por potencialidades de acção como de bioenergia individual, por seus potenciais de discriminação como de selecção, interdependentes não só da natureza bioneurocerebral do sujeito mas também da acção dos meios sobre este, inter e retroacções que gerem, no indivíduo, níveis de sensações, de percepções, de estímulos, de emoções e de cognições diferentes não só de indivíduo para indivíduo, mas, também, diferenciados individualmente em consonância com os estados individuais e a positividade ou negatividade das acções dos meios. Conhecer implica, em resumo, não só envolvimento bioneurocerebral, emocional e psíquico do indivíduo, mas, também, estimulações e dinamismos dos próprios meios. Uma tal complexa actividade do ser humano emerge, fundamentalmente, de suas aptidões biopsíquicas e orgânico-cerebrais, resultando a actividade cognitiva, em seu primeiro nível, e mesmo antes da existência da própria consciência, das recíprocas interacções de tais aptidões e capacidades, as quais são, essencialmente, de natureza sensitiva e instintiva, perceptiva e emocional, e estimulam não só a actividade dos neurónios do indivíduo mas criam também canais de comunicação entre eles. Por isso o corpo individual apresenta-se como instrumento de aprendizagem, visto ser nele, e, através dele, que as sensações, as pulsões, as emoções e o próprio pensamento actuam, graças à acção dos órgãos dos sentidos, estruturadores e dinamizadores dos centros proprioceptivos, construtores da base do conhecimento. Um tal desenvolvimento e processamento da actividade cognitiva apresenta-se, então, como efeito da actividade bioneurossocial do indivíduo, isto é, como resultado das hipercomplexas interacções efectuadas entre o biocerebral e o social, o histórico e o cultural, o linguístico e o lógico, o psíquico e o ambiental, isto é, como efeito das impregnâncias dos meios e de suas atitudes e das acções do bioneurocerebral sobre esses próprios meios. Por isso, embora a própria cognição individual possa transcender a acção dos meios, ela permanece, embora inconscientemente, orientada, condicionada ou mesmo mutilada por eles. A nível biológico é irrefutável a existência de um programa genético inscrito na estrutura molecular do ADN, facilitador ou inibidor da organização, da acção e dinâmica intercelular que, de per si, já possui, em si mesma, uma dimensão cognitiva e, por isso, o maior ou menor enraizamento vital de um indivíduo em seu próprio meio, e tanto um como 12 outro, são factores constituintes dos processos vitais do conhecimento e da posterior organização da vida. Por isso, código genético, activação intercelular e acções ecossistémicas constituem os pontos de partida de compreensão dos processos de cognição ou, por outras palavras, a actividade cognitiva interdependerá das virtualidades interactivas do bioneurocerebral com o social, paradigma em permanentes reanelamentos e conjugações de ascendências e de descendências, de horizontalidades e verticalidades, que possuem seus denominadores comuns na estrutura e dinâmica do bioneurocerebral do sujeito e na força activadora do seu próprio meio circundante, o qual, estando repleto de lícitos e ilícitos, de proibitivos e imperativos, de crenças e de estereótipos, de esquemas e de ideias, tanto estimulam ou motivam a actividade cognitiva como a inibem ou proíbem, gerando-se, assim, maiores ou menores iniciativas e criatividades, bloqueamentos ou desinibições, flexibilidades ou inflexibilidades, ambições ou proibições a nível de cognição, de sua actividade e interdimensionalidades, o que faz com que tanto a actividade dos indivíduos cognoscentes como a natureza e a dinâmica de seus próprios conhecimentos estejam interdependentes dos princípios de autonomia-dependência. Estes princípios, subjacentes à organização de todo o conhecimento humano, permitem a construção e dinâmica da subjectividade da própria objectividade, postulando-se, a partir daí, tanto o subjectivo como objectivo e as respectivas inter-relações humanas como um conjunto de inter-subjectividades activantes, o que faz com que o dito «conhecimento» resulte da interacção da actividade cognitiva com o real e do sujeito com o objecto, interacções efectuadas a partir dos níveis de sensibilidades, de percepções e de emoções do próprio sujeito-indivíduo que, por sua vez, organizam e reorganizam não só as próprias vias do conhecimento mas também dão maiores ou menores tonalidades aos factos e fenómenos do exterior. Daí o facto de aparecer como algo de evidente que a acção e a actividade cognitiva de um indivíduo resultam das anteriormente descritas interacções e que o desenvolvimento do conhecimento interdepende das experiências adquiridas e vividas ao longo da vida, visto o psiquismo interdepender não só de princípios de natureza bioneurocerebral mas também sócio-psíquica. Por isso, encontrando-se a génese da acção psíquica e da actividade cognitiva na natureza bioneurocerebral do indivíduo e nas relações desta com o exterior tanto este como aquela podem exercer efeitos de autoregulação ou de desregulação, de organização ou de desorganização, de estímulos ou de inibições, de motivações ou de desinteresses, visto o fazer interagir interior com exterior, imaterial com material, subjectivo com objectivo ser extremamente hipercomplexo. A Neuropsicologia moderna, no entanto, não separa natureza ou substrato de suas funções, e a neurofisiologia possui alicerces bioquímicos, os quais, por sua vez, possuem substratos físicos, o que explica a unidade e unicidade do ser humano, a sua indissociabilidade bioneuropsíquica, bem como as suas potencialidades de autoconstrutividade e de desenvolvimento, de destrutividade e regressão, visto ser necessário, para que o desenvolvimento harmonioso se efectue e a auto-construção se opere, que as necessidades e exigências internas do sujeito-indivíduo não só se manifestem mas também obtenham adequadas respostas, o que nem sempre acontece, umas vezes por causa da adequação ou da adaptação do sujeito ao meio, e, outras vezes por ausência de motivações e de respostas dos meios às necessidades do indivíduo. II – O CÉREBRO EM SEUS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM 13 A actividade cognitiva como a sua eficiência interdependem, acentuadamente, do grau de imersão do sujeito no universo dos estímulos bioneuropsicológicos, das suas potencialidades adaptativas, de sua flexibilidade cognitiva, de sua integridade neurofisiológica, maturação cerebral, desenvolvimento emocional e maturidade psico- afectiva, características essenciais à expansão do potencial bioenergético do indivíduo e à mobilização de seus padrões ou esquemas motores, facilitadores de suas interacções com os meios exteriores. A ausência de vários ou de alguns destes factores não só pode enfraquecer ou fragilizar os potenciais das estruturas cognitivas de um indivíduo, mas, também, subdesenvolver, limitar ou distorcer o potencial de seu desenvolvimento cognitivo. Um tal enfraquecimento, distorção ou fragilidade não só diminui, pelo menos momentânea e transitoriamente, o desenvolvimento dos potenciais de interacções humanas, sociais e ambientais, mas, também, o potencial desenvolvimento das capacidades de impregnância, de absorção e de sócio-bio-diversidade, o que bloqueia ou inibe o desenvolvimento dos potenciais bio-genéticos, inter-relacionais, psíquicos, emocionais, afectivos e intelectuais, e faz comque tais sujeitos permaneçam aquém dos ditos padrões de normalização tanto cognitiva como relacional e integrativa, desmotivados em relação aos necessários intercâmbios sócio-relacionais, prejudicados em suas comunicações interiores e diminuídos em suas necessárias constelações de estímulos, fazendo com que as percepções de uns permaneçam mais subdesenvolvidas que as de outros, as aptidões mais subdesabrochadas e as organizações neurocerebrais não só inferiormente organizadas mas também unidimensionalmente desenvolvidas, o que limita as capacidades do conhecimento e, não raras vezes, sem consciência de tais limitações. Este conjunto de características constitui, a nível sócio-psicológico, síndroma de insuficiências cognitivas, o qual é, estatisticamente, muito superior ao síndroma de défices neuropsíquicos, apesar dos dois apresentarem-se, a nível de psico-diagnósticos, com características e efeitos muito comuns, e isto apesar dos efeitos ou resultados das activações neurocerebrais e das intervenções psicopedagógicas se revelarem mais eficientes e mais positivos no primeiro caso que no segundo, visto as causas das carências, das dificuldades de absorção e de captação de estímulos serem diferentes, e, daí, resultarem também as diferenças não só nas conservações dos efeitos das actividades cognitivas, mas, também, nos potenciais de comunicação tanto interna como externa. Com efeito, sendo a aquisição do conhecimento resultante das actividades neurocerebrais do sujeito, em interacção com os factores dos seus meios envolventes, isto é, efeito da acção e das interacções do seu todo biológico, neurocerebral e social, a eficiência da actividade cognitiva passa não só pela integridade dos órgãos e dos processos neurocerebrais do sujeito cognoscente, mas, também, pela activação e desenvolvimento de seus potenciais de activação, envolvência, percepção, captação, discriminação e selecção das características e qualidades dos universos materiais, afectivos, emocionais e psicológicos, processos de inter e de retroacções que não só reorganizam e estimulam os dinamismos neurocerebrais do indivíduo, mas, também, desenvolvem o seu potencial de cognição, de interacção, de linguagem, de socialização, de autoconsciência e de relação com os outros. Ora, sendo o conhecimento «aquilo» que se utiliza para conhecer os outros: pessoas, coisas, animais e objectos é, simultaneamente, o que é utilizado para se conhecer a si mesmo. Daí o facto da ciência da cognição ser hipercomplexa e encontrar-se, ainda, em seus primeiros patamares de desenvolvimento, de organização e institucionalização, visto os seus domínios expandirem-se, horizontal, vertical e longitudinalmente desde as estruturas elementares da célula viva aos efeitos das maiores organizações e complexos culturais. A nível de sujeito-indivíduo, o conhecimento apresenta-se não só como efeito de suas estruturas orgânico-bioneurocerebrais mas também interdependente da natureza, intensidade e da orientação de seus dinamismos e activações. 14 Conhecer é, por isso, um processo de efectuação de operações de separação e de associação, com propriedades e características de diferenciação, de selecção e de exclusão; de implicação, de inclusão e de identificação, que fazem com que o conhecimento se traduza e transfira, se construa e organize em função da realidade. Por isso, indivíduo-concreto e realidade envolvente interpenetram-se, envolvem-se e autoreanelam-se numa dualidade de subjectividade-objectividade, emergindo de um tal processo o princípio cognitivo da auto- exo-referência, que origina não só o acto do conhecimento, mas, também, seu respectivo desenvolvimento, organização e dinâmica não só a nível bioquímico mas também psico- cognitivo e sociocultural. Daí o facto de serem imensos os factores, as causas e as atribuições que originam não só as insuficiências, as deficiências ou as dificuldades de aprendizagem, bem como as suas eficiências e dinâmicas positivas e envolventes. A nível do sujeito cognoscente, o acto de conhecer interdepende da sua acção e, embora conhecimento seja uma actividade distinta da acção, o sujeito possui intrínseca necessidade de recorrer às suas capacidades e potencialidades motóricas e sensoriais, neurocerebrais e relacionais para desenvolvimento das suas sensibilidades, percepções, emoções, pulsões, afectos e potenciais de cognição para que, íntegra e harmoniosamente, possa associar ou dissociar, discriminar e seleccionar, interiorizar ou rejeitar as características dos outros, das coisas ou dos objectos bem como de si mesmo. Conhecer é, por consequência, não só adquirir saber ou saber fazer mas, também, saber adquirir o saber, facto que implica não só disponibilidade mas também maleabilidade ou plasticidade bioneurocerebral, bem como implicação e envolvimento nos estímulos do meio, da acção e dos comportamentos para que o desconhecido se una, reunifique, integre e se reorganize no conhecido. Sentidos e órgãos dos sentidos tornam-se, por isso, não só estruturas dinamizadoras de estímulos interiores, mas, também, factores de desenvolvimento e de acção envolvente, tanto das percepções que daí emergem como dos fluxos bioenergéticos da relação consigo mesmo e com os outros, com o universo interior e exterior, com o próprio psiquismo e a própria corporeidade. A flexibilidade dos neurotransmissores do indivíduo interdepende, em grande parte, de tais dinamismos, e, tanto a natureza como a dinâmica destes, orientam, de forma acentuada, o comportamento do indivíduo para se envolver no seu todo, isto é, na sua génese, história, evolução e desenvolvimento, o que origina e activa não só novos níveis quantitativos de percepções mas também qualitativos, processos geradores de símbolos, organizadores de imagens e reorganizadores de novas atitudes e comportamentos, nomeadamente a nível de esquemas e de vivência corporal, pilar referencial e epicentro de atracções-rejeições, introjecções-projecções, características essenciais não só dos desenvolvimentos mas também das orientações dos desenvolvimentos do aparelho neuropsíquico do indivíduo. Estas recíprocas, intrínsecas, retro e interactivas multidimensões constituem partes integrantes da indissociável unidade psico-corporal do sujeito humano. Por isso, para o bem ou para o mal, o psiquismo opera sempre no corpo e o corpo opera sempre no psiquismo. Tudo o que existe ou está dentro ou fora do indivíduo e torna-se, então, agente activo ou passivo de acção, de atracção ou rejeição, de positividade ou negatividade para o sujeito, consoante suas hierarquias de valores, de desenvolvimentos e de formações; de interpretações ou de solicitações, de flexibilidades adaptativas ou de quadros referenciais. Em tal contexto, é óbvio que as experiências e vivências do passado, as hierarquias de estímulos interiores e os níveis de percepção influenciam, acentuadamente, não só a dinâmica e a acção do eu corporal do sujeito mas também suas necessárias expansões verso o relacional, verso as relações interpessoais, bem como objectais, o que não só interajuda, mas, também, facilita, de forma acentuada e expansiva, novos e diferenciados interdesenvolvimentos sensoriais, perceptivos, emocionais, sentimentais, afectivos, psíquicos 15 e intelectuais tanto em suas dimensões empíricas como processuais, concretas como abstractas. Os efeitos dos presentes movimentos e processos empíricos, e, conaturais à natureza do indivíduo, geram consciência de capacidades de maiores e melhores acções, de hierarquias de mais positivas atitudes e de mais positivos conceitos, não só em relação a si mesmo como em relação aos outros e ao mundo exterior, o que, por sua vez, influencia,reforça e dinamiza as estruturas e dinâmicas dos estímulos interiores do indivíduo, das suas percepções, sensibilidades, emoções e afectos envolventes, tanto em relação a si mesmo como em relação aos outros ou ao mundo exterior, factores essenciais não só à própria dinamização psicocorporal do indivíduo, mas, também, às suas inter-relações pessoais, sociais, cognitivas, culturais e intelectuais, o que não só activa e dinamiza a consciência elementar do indivíduo, mas, também, facilita os seus processos de ascensão a níveis superiores, bem como os de interacções e retroacções reanelantes não só entre os vários níveis de consciência, mas, também, entre todas as dimensões sensoriais e perceptivas, emocionais, afectivas, psicológicas, cognitivas e intelectuais, não só estimuladoras da acção do corpo, mas, também, do desenvolvimento e da acção do espírito, graças à acção da dimensão pensante do ser humano emanada da hipercomplexa dinâmica estrutural do corpo-cérebro humano. Parece óbvio, por isso, que tanto uma lesão como uma distorção no cérebro, uma insuficiência, fragilidade ou deficiência, tanto no sistema nervoso central como no periférico ou no autónomo podem prejudicar, desta ou daquela forma ou maneira, não só as funções da cognição ou da mente, mas, também, não só os processos básicos como os processos superiores de aprendizagem humana. É o que acontece, por exemplo, com as denominadas agnosias que, consoante a relação, a deficiência de percepção em relação a este ou aquele objecto, pessoa ou coisa, além da nomenclatura de agnosias anteriormente analisadas, poderão ser também agnosias de movimento ou apraxias, de dificuldades da fala ou disfasias, da leitura ou dislexias, da escrita ou disortografias, bem como de correlação entre a ideia e o movimento ou ideo-apraxias. Apesar disso, e dos grandes avanços tecnológicos nos domínios do estudo do cérebro humano, efectuados através das técnicas de imagiologia, tanto a neurofisiologia como a Neuropsicologia explicam a existência dos défices cognitivos através da existência de lesões, distorções ou anomalias cerebrais. É facto evidente, no entanto, que existe vasta e complexa gama de crianças, de adolescentes e de adultos com dificuldades e comportamentos idênticos aos descritos pela neurofisiologia e Neuropsicologia como agnósicos, sem possuírem lesões, distorções ou anomalias estritamente neurocerebrais. Isto porque, de facto, vasta e complexa gama de disfunções cerebrais e alterações funcionais interdependem de estruturas ainda mais complexas que as estruturas cerebrais, isto é, de estruturas e dinâmicas inconscientes, emocionais, sentimentais, relacionais, simbólicas, afectivas, mentais, etc.. Por isso, compreender os processos de cognição, de aquisição e de desenvolvimento dos saberes humanos, de reconhecimento das pessoas, das coisas e dos objectos, implica conhecer as estruturas neurocerebrais do indivíduo, bem como suas instâncias e dinamismos conscientes e inconscientes. O não-consciente ou inconsciente constitui parte integrante e inseparável da realidade individual de cada ser humano. É constituído por estruturas e dinamismos que ainda não encontraram portas de acesso ao consciente. E tanto as estruturas como os dinamismos de uma tal instância são sede desencadeadora de desejos, de pulsões, de percepções, de emoções, de sentimentos e de afectos. Tanto orientam um tal potencial humano para a realidade como o desinveste, desgasta, anula ou desperdiça na criação de universos fantasmagóricos, consoante os conteúdos constituintes de uma tal instância, isto é, em função da sua dinâmica actuante, a qual está interdependente da interpretação efectuada em relação ao seu próprio princípio do prazer e do desprazer, do bem-estar e do mal-estar, o que faz com 16 que a realidade, os factos e os acontecimentos; as sensações, as representações e as imagens sejam interpretados em funções de tais referenciais. Por isso, Sigmung Freud (1900), em «Interpretação dos Sonhos», escreveu: «os processos mais complicados e mais perfeitos podem desenvolver-se sem excitar a consciência. Em tal perspectiva são os fenómenos psíquicos conscientes que constituem a mais pequena parte da vida psíquica sem ser independente do inconsciente». Ora, significando isto que a maioria dos processos psíquicos e de seus dinamismos interdependem das acções interrelacionais inconsciente-consciente e que tanto os estímulos interiores como exteriores, o movimento, a acção e a motricidade; as emoções, as sensações, as percepções e os afectos; a memória, as associações, as discriminações e as selecções interdependem dos maiores ou menores dinamismos das constelações interrelacionais efectuadas entre inconsciente-consciente. Analisando a força, o poder, a acção e a dinâmica do inconsciente, J. Lacan escreveu: «o inconsciente é estruturado como uma linguagem». No entanto, a estrutura do inconsciente tanto se abre como imediatamente se fecha, o que faz com que a sua acção possua tempos, espaços e modalidades de maiores ou menores descontinuidades, deslocando-se, condensando-se ou transferindo-se. Daí o facto das novas correntes e orientações da psicanálise actual centralizarem no inconsciente acentuada causalidade das dificuldades da aprendizagem. O psiquiatra e psicanalista francês, Roger Misès (1989), analisando o funcionamento intelectual deficitário, afirmou que uma perturbação durante muito tempo reversível tende a fixar-se, caso não existam processos globais de organização da pessoa nem movimentos organizadores das funções cognitivas. De facto, ausências de dinâmicas e de evoluções psicológicas, bem como a presença de atitudes ou de comportamentos mórbidos geram, geralmente, personalidades desarmónicas a nível comportamental e insuficiências intelectuais a nível dos processos e das dinâmicas de cognição. Seguindo a mesma linha de reflexão e de análise, o psicanalista Matte-Blanco, entende que compreender a problemática das dificuldades da aprendizagem dos indivíduos implica, em primeiro lugar, conhecer o funcionamento inerente aos seus processos mentais e a maneira como eles organizam o seu pensamento, isto é, possuir um comportamento que ultrapasse, pela profundidade, a mera descrição das atitudes e dos comportamentos dos indivíduos, ou seja, conhecimento e análise do Inconsciente, imprescindível para a compreensão dos processos do pensamento humano. Por isso, estudando a lógica do inconsciente, constata que ela é diferente da lógica Aristotélica, Cartesiana e Kantiana. E isto, fundamentalmente, porque a lógica habitual funciona no sentido de distinguir coisas (assimétrica) e a lógica do sistema inconsciente unifica coisas (lógica simétrica). Pretendendo combinar a lógica clássica (assimétrica) com a lógica simétrica do inconsciente, Matte-Blanco valoriza mais do que nenhum outro autor, até então, a acção das sensações, das emoções e das percepções no desenvolvimento e na eficiência dos processos cognitivos e, por isso, também nos processos e mecanismos de aprendizagem, visto tanto as sensações como as emoções, as percepções como os afectos criarem, constantemente, o material inconsciente e oferecem-no ao pensamento racional, o qual será ou não capaz de tirar desse material inconsciente (simétrico) seres ou entidades assimétricas: atributos dos objectos e qualidades ou características das pessoas para se poder formar classes, reconhecer atributos e discriminar ou seleccionar atitudes e comportamentos. A existência de uma tal bi-lógica domina tanto os comportamentos sociais como os individuais. Tanto os processos do pensamento como os mecanismos de aprendizagem contêm, em maior ou menor escala, elementos dessas duaslógicas, que não se excluem, e, é, através do jogo dessas duas lógicas, que se vão caracterizar as várias maneiras de pensar, do reconhecer, do identificar e do aprender. 17 O pensamento dito «normal» inclui a presença e dinâmica das duas lógicas, e, sem a presença da simétrica (lógica do inconsciente), não haverá jogo, imaginação, criatividade, espontaneidade nem criação de hipóteses. Por isso, a assimetria do acto de pensar tradicional ou clássico extrai significado do inconsciente através da descoberta da existência de relações assimétricas na experiência simétrica. Por tal razão, nos estratos e dinamismos do pensamento tradicional podem ocorrer várias perturbações desde que não se acentue a utilização da lógica necessária, ou seja, quando numa relação que exige o uso da lógica simétrica se utiliza a lógica assimétrica e vice versa, o que origina não só disfuncionamentos a nível de pensamento, de reconhecimento e de envolvimento cognitivo mas também pode originar comportamentos psicopatológicos. Tudo isto porque o desenvolvimento psicológico do ser humano assenta, fundamentalmente, na utilização progressiva de categorias de discriminação e na aceitação de substitutos simbólicos de crescentes níveis de abstracção, o que leva o pensamento, por um lado, a poder identificar novos e diferentes objectos e, por outro, a encontrar afinidades entre coisas radicalmente diferentes (lógica simétrica), o que, a nível de necessário pragmatismo, faz com que se imponha a necessidade de identificar os factores e os tipos de condições geradores de dinamismos cognitivos, emocionais e afectivos, factores esses que encontram suas matrizes essenciais nas facilidades ou dificuldades que um indivíduo tem em relação à simbolização da sua experiência interior e suas respectivas comunicações, nas relações entre as diferentes dimensões, aspectos ou perspectivas de si mesmo, isto é, em seus conflitos intrapsíquicos e nas relações pacíficas ou conflituosas existentes entre si e os outros. Um tal conjunto de disfunções, tanto intrapsíquicas como interpessoais, interrelacionais como comunicacionais dificultam não só os processos de memorização mas também os próprios dinamismos de auto-aceitação, de reconhecimento e de aprendizagem, factos evidenciados, por exemplo, em situações de agnosias ideativas, em que um indivíduo, por exemplo, é incapaz de acender uma vela apesar de possuir fósforos na mão, possuir dificuldades na organização da sequência dos movimentos que os levarão à execução de tal objectivo e, apesar de ele saber quais as sequências de movimento a efectuar, fracassa então, no momento em que deveria transformar seu projecto ideativo numa série de execuções adequadas. Das longas e aturadas investigações de De Renzi e seus colaboradores (1968b) resulta evidente que tais comportamentos podem emanar de indivíduos com lesões cerebrais no hemisfério esquerdo mas também de indivíduos sem alguma lesão visto, segundo os autores, as apraxias ideativas dependerem das agnosias e estas possuírem seus défices não só num canal sensorial, como pretendia conceber o tradicional conceito de agnosia, mas interdependerem da acção e interacção de múltiplos e complexificados canais de comunicação de natureza neurofisiológica, psíquica, emocional e afectiva, o que levou os ditos autores a concluírem que os défices apráxicos ideativos eram, a maioria das vezes, resultado de amnésias e, como parece óbvio, estas resultam não só de processos neurofisiológicos e neuropsíquicos, mas, também, de processos e dinamismos funcionais, sensitivos, emocionais e afectivos, o que explica a existência de um elevado aumento de crianças, adolescentes e jovens diagnosticados de agnósicos pois, apesar da existência de melhores condições de vida, tais sujeitos suportam, mais que nunca, os custos psicossociais e socio-afectivos da sociedade moderna manifestados em inseguranças sociais e individuais, em receios, medos e apatias, em passividades e agressividades, em inquietude e hiperagitações, em recalcamentos emocionais e bloqueios afectivos, geradores de ausências de entusiasmos e de envolvimentos, em faltas de concentração e em desmotivações, em distúrbios nas actividades escolares, perturbações comportamentais e desvios sociais. Uma tal orientação psicopedagógica, didáctica e cognitiva não só inibe mas também atrofia, 18 desmotiva e recalca a expressão da inteligência, as possibilidades de aprender, bem como a descoberta e orientação dos interesses individuais de cada um. As análises das realidades anteriores não encontram plena justificação sem recurso à psicanálise. É que, sendo esta a ciência do psiquismo, este encontra-se alicerçado não só na hipercomplexa realidade bioantropossocial mas também nas relações cérebro-espírito, visto o aprender dever ser entendido como processo de descoberta de propriedades e qualidades inerentes ao próprio sujeito, aos outros, às coisas e aos objectos, descoberta entre pessoas, coisas, factos e acontecimentos ou de sua ausência, descoberta de saber fazer, de processos de sua aquisição, meios e instrumentos, o que passa pela concretização de um conjunto de objectivos e de processos que envolvem o todo do ser humano e a acção da sua totalidade em suas dimensões inatas e adquiridas, bioquímicas e sociais, neurocerebrais e psíquicas, emocionais e afectivas, o que deverá organizar e reorganizar, sucessivamente, o sujeito em suas dimensões de plasticidade e maleabilidade, flexibilidade e cognição. Um tal sujeito, no entanto, não é apenas portador de propriedades bioneurocerebrais e de capacidades psico-intelectuais mas também é, simultaneamente, proprietário e portador de instintos e de pulsões, de desejos e expectativas, de medos e de fantasmas que se infiltram nas estruturas neuropsíquicas e bloqueiam-as, inibem-as, estimulam-as ou motivam-as em paralelo com as percepções individuais de cada um, suas perspectivas e visões do mundo, suas experiências do passado e suas constelações de relacionamento da infância, factos e fenómenos que, apesar de condicionarem as acções das estruturas e dinamismos neurocerebrais do indivíduo, não necessariamente os determinam, visto existirem tanto dentro como fora de cada indivíduo potenciais de descondicionamento, de transformação, de modificação e superação de tais condicionalismos, graças às intrínsecas e enraizadas necessidades de curiosidade e de expansão, de conhecimento e de compreensão em relação a si mesmo, aos outros e aos meios que cada indivíduo trás dentro de si. Não dar variadas respostas a tais intrínsecas necessidades, o que implica motricidade, emoção, cognição e acção, apesar de todas as incertezas, é não valorizar o todo de si mesmo, não aceitar a acção totalizante de todas as potencialidades nem se disponibilizar para que o novo penetre no conhecido visto o apreender implicar uma certa osmose do conhecido e do desconhecido. É que, na realidade, o aparelho neuropsíquico do ser humano, qual espécie de gigantesco megacomputador, computa as computações de toda a sua natureza bioneurocerebral, instintiva e pulsional, emocional, afectiva, psíquica e intelectual, englobando, uma tal megacomputação, as computações das áreas e sub-áreas cerebrais, dos sistemas e sub-sistemas afectivos e emocionais e, tanto as primeiras como os segundos, possuem como seus alicerces básicos e fundamentais as células e os neurónios que, por sua natureza, possuem existência e vida não só interactiva mas também intercomunicacional, elementos interactivos, factores, propriedades e qualidades que deverão ser respeitados em suas próprias intencionalidades, dinamismos e acções de codificação e de reorganização, de conhecimento ede reconhecimento, de expansão e de afirmação, de busca de soluções e resoluções progressivamente investidas em relação a si e aos meios, o que gera qualidade de associação, de simplificação e de complexificação, de análise e de síntese, de acção e de conhecimento, características essenciais da inteligência humana. Fugir aos naturais mecanismos de tais processos é não só gerar desvios na ordem do natural mas também criar patologias nos processos e dinamismos da cognição humana. Ora, sendo múltiplas e variadas as causas de tais desvios à normalidade dos processos cognitivos, elas podem estar situadas a nível de áreas ou de sub-áreas das próprias regiões neurocerebrais, a nível da acção das emoções e dos afectos, dos meios e dos seus efeitos, das circunstâncias e das contingências vitais. De facto, não esquecendo o enorme e, ainda hoje, na sua totalidade indescritível potencial do cérebro humano, com seus mecanismos e processos de acção e de 19 modificabilidade, de adaptação e de sublimação, de compensação e de referência, com lesões ou disfunções, inibições ou recalcamentos em qualquer área ou sub-sistemas do aparelho neuropsíquico, estas geram seus efeitos negativos não só a nível de conhecimento, mas, também, a nível de conexões e de inter-relações cognitivas, sociais e comportamentais. É que não só tudo que seja inerente à natureza do indivíduo mas também tudo o que lhe pertença ou diga respeito influencia positiva ou negativamente em seus processos de conhecimento, de desenvolvimento e acção, isto é, desde a sua própria acção intercelular, sensorial e motora até os seus contactos físicos, as suas relações familiares, sociais, escolares e ambientais. É que, na realidade, apesar da essência basilar dos processos de aprendizagem se encontrar na estrutura e dinâmica bioquímica de cada um, a qual interdepende não só de factores genéticos e hereditários, mas, também, de uma equilibrada e sadia alimentação, da qualidade dos sistemas envolventes e da acção neuronal de cada um, nomeadamente da desencadeada pelo movimento individual e relacional, pela motricidade e pela comunicação interior e exterior. Com efeito, as acções e os pensamentos elaborados pelo neocórtice interdependem, de forma acentuada, da acção do córtice pré-motor e motor e a acção e desenvolvimentos deste implicam movimento físico e motricidade integrada e equilibradamente desenvolvida, o que não só se transforma em agentes de desenvolvimento dos sistemas perceptivos: cinestésicos, visuais, auditivos, gustativos e olfactivos, mas, também, em sistemas de orientação das próprias percepções, tanto em relação a si mesmo como em relação aos outros, às coisas como aos objectos, às acções como aos lugares, às recepções como às transições. E, sendo o hipocampo estimulado pelos mais variados processos perceptivos, a sua acção movimenta a acção da amígdala, emergindo de tais acções não só mais e melhores potencialidades de reconhecimento de propriedades e de qualidades das pessoas, das coisas e dos objectos, mas, também, maiores e melhores memorizações de contextos, de símbolos, de reconhecimento de significados, de atracções e rejeições. No entanto, um tão vasto e poderoso meio de enriquecimento e de desenvolvimento dos conhecimentos passa pela acção dos neuroreceptores sensoriais e estes são extremamente sensíveis aos estímulos biológicos, físicos, emocionais, afectivos e psíquicos, registando as variações e as semelhanças, as constâncias e as diferenças e, a partir de tais registos, elaboram, codificam e sistematizam novos estímulos, novas semelhanças e novas diferenças que, por sua vez, as enviam a diferentes áreas do cérebro, sendo aí trabalhadas em função das suas estruturas e dinamismos polilogiciais até originarem, quase em simultâneo, a representação e a configuração, a imagem e a ideia, a palavra e a acção, emergindo de suas estabilidades e constâncias não só a elaboração de esquemas mentais mas também comportamentais bem como a abertura e flexibilidade para reenquadramento e mudança não só dos esquemas mas também dos comportamentos que, por sus vez, originam novas e mais diferenciadas percepções, representações, imagens e configurações e, tais elaborações, não só interactivam os circuitos interneuronais mas também os modificam, o que gera, no indivíduo, novas e diferenciadas representações de si mesmo, dos outros e da realidade, bem como novos e diferentes potenciais tanto a nível do conhecimento como dos reconhecimentos, e cuja eficiência ou ineficiência interdependerão, enormemente, da acção e do desenvolvimento do princípio do prazer ou do princípio do desprazer inerentes a tais processos. A natureza, captação, interiorização e vivência de um ou de outro princípio estimulam, motivam ou condicionam os indivíduos às estimulações e motivações ou aos seus encerramentos sobre si mesmo, à fuga da realidade e da vivência, ao seu desenvolvimento e expansão. Uma tal diferenciação deve-se ao facto de que o indivíduo envolvido e dinamizado pelo princípio do prazer envolve-se na realidade e na expansão, no desenvolvimento e na acção, e, 20 o condicionado pelo princípio do desprazer refugia-se, inibe-se e recalca-se, deteriorando não só a sua percepção do real mas também desviando-se das suas necessárias intercomunicações sociais; privando-se, por tais processos de fuga e de envolvência com a realidade, de desenvolver a vasta e intercomplexa gama de estímulos e de motivações necessários à existência e ao desenvolvimento dos potenciais de suas múltiplas e conaturais inteligências. O envolvimento em tal princípio de prazer, de bem-estar, do desenvolvimento e da acção, é factor essencial não só das estimulações motoras, sensoriais e psíquicas, mas, também, de reforço e de integração das estruturas neurocerebrais e psicoemocionais de flexibilidade, adaptabilidade e integração, dimensões psicocomportamentais essenciais à acção, à mudança, à organização e à reorganização, originando-se, por tais processuais mecanismos, pulsões, activações, jogos, emoções, originalidades, autenticidades e criatividades, emanadas das acções interfuncionais e equilibradas e resultantes da acção ou acções neurocerebrais, emocionais, afectivas e sociais, fazendo, então, com que a aprendizagem e sua respectiva eficiência resulte de um processo racional e criativo, emocional e afectivo. Caso alguma destas dimensões permaneçam desintegradas, os processos de aprendizagem permanecem, pelo mínimo, insuficientes. III – CORPO E EMOÇÃO NO DESENVOLVER DO PENSAMENTO Os anteriores processos neuropsíquicos, em seu maior ou menor equilíbrio, dão origem a certos níveis de estados de espírito e estes influenciam o indivíduo em suas maiores ou menores, pelo menos transitórias, dinâmicas de percepção da realidade. Não há dúvida que os estados vivenciados em experiências anteriores influenciam ou originam acção das percepções com a realidade exterior, relação de interactividade da qual emerge não só o bem-estar físico mas também emocional, psíquico e cognitivo. Da interdependência de tais estados emanam estados de maior ou menor continuidade psico-cognitiva, de disfunções psico-cerebrais ou de dissociações comportamentais. É a partir de tais estados que os processos de cognição trabalham os sinais, os signos, os símbolos e as imagens que constituirão as representações, os conteúdos da linguagem, as ideias e os discursos, o que faz com que o conhecimento deva ser entendido como o resultado ou efeito de organizações cognitivas com sólidas bases nos processos sensoriais e perceptivos e cujas acções de seus receptores se encontram interdependentes dos impulsos físicos, bioeléctricos, pulsionais,
Compartilhar