Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
SEÇÃO 3 DISTÚRBIOS DAS ARTICULAÇÕES E TECIDOS ADJACENTES 393 Abordagem aos distúrbios articulares e musculoesqueléticos John J. Cush As queixas musculoesqueléticas são responsáveis por > 315 milhões de consultas de pacientes ambulatoriais a cada ano e por quase 20% das consultas ambulatoriais nos Estados Unidos (EUA). Os Centers for Disease Control and Prevention estimam que 22,7% (52,5 milhões) da população norte-americana sejam portadores de artrite diagnosticada e que 22 milhões apresentem limitação funcional significativa. Embora muitos pacientes tenham condições autolimitadas que exigem uma avaliação mínima e terapia apenas sintomática além de tranquilização, manifestações musculoesqueléticas específicas ou sua persistência podem prenunciar uma condição mais grave que torna necessária uma avaliação adicional ou exames laboratoriais para estabelecer um diagnóstico. A avaliação musculoesquelética objetiva formular um diagnóstico diferencial que possa proporcionar um diagnóstico preciso e uma terapia empreendida no momento mais oportuno, ao mesmo tempo em que são evitados os exames complementares excessivos e tratamentos desnecessários (Quadro 393.1). Existem várias condições urgentes que devem ser diagnosticadas prontamente para evitar a ocorrência de sequelas mórbidas significativas ou mortais. Tais diagnósticos, que representam um “sinal de perigo”, consistem em artrite séptica, artrite aguda induzida por cristais (p. ex., gota) e fratura. Cada uma dessas entidades pode ser suspeitada em virtude de seu início agudo e dor musculoesquelética monoarticular ou focal (ver adiante). QUADRO 393.1 AVALIAÇÃO DOS PACIENTES COM QUEIXAS MUSCULOESQUELÉTICAS Objetivos Diagnóstico preciso Providenciar o tratamento no momento mais oportuno Evitar exames diagnósticos desnecessários Identificar condições que representem “sinais de perigo” agudos, focais/monoarticulares Abordagem Determinar a cronologia (aguda vs. crônica) Determinar a natureza do processo patológico (inflamatório vs. não inflamatório) Determinar a extensão do comprometimento (monoarticular, poliarticular, focal, generalizado) Localizar anatomicamente a queixa (articular vs. não articular) Considerar primeiramente os distúrbios mais comuns Formular um diagnóstico diferencial Apesar de relações bem conhecidas entre determinados distúrbios e exames laboratoriais, os indivíduos com queixas musculoesqueléticas podem ser diagnosticados, em sua maioria, por meio de uma anamnese completa e exame físico e musculoesquelético abrangente. A consulta inicial deve determinar se a queixa musculoesquelética sinaliza ou não uma condição de perigo (artrite séptica, gota ou fratura). A avaliação deve prosseguir para averiguar se a queixa é (1) de origem articular ou não articular; (2) de natureza inflamatória ou não inflamatória; (3) aguda ou crônica em sua duração e (4) localizada (monoarticular) ou generalizada (poliarticular) em sua distribuição. Com esse tipo de abordagem e uma boa compreensão dos processos fisiopatológicos, a queixa ou apresentação musculoesquelética pode ser caracterizada (p. ex., monoartrite inflamatória aguda ou dor disseminada não articular não inflamatória crônica) para reduzir as possibilidades de diagnóstico. Pode-se estabelecer um diagnóstico na grande maioria dos indivíduos. No entanto, alguns pacientes não se enquadram imediatamente em uma categoria diagnóstica estabelecida. Muitos distúrbios musculoesqueléticos são semelhantes no início, e alguns podem levar semanas ou meses (mas não anos) para evoluir até uma entidade diagnóstica reconhecível. Essa reflexão deve temperar o desejo de firmar o diagnóstico na primeira consulta. ARTICULAR VERSUS NÃO ARTICULAR A avaliação musculoesquelética deve discriminar a(s) origem(ns) anatômica(s) das queixas do paciente. Por exemplo, a dor no tornozelo pode resultar de ampla variedade de condições patológicas que envolvem estruturas anatômicas discrepantes, como artrite gonocócica, fratura do calcâneo, tendinite do Aquileu, fascite plantar, celulite e neuropatia periférica ou por encarceramento. A diferenciação entre condições articulares e não articulares torna necessário um exame minucioso e detalhado. As estruturas articulares consistem em sinóvia, líquido sinovial, cartilagem articular, ligamentos intra-articulares, cápsula articular e osso justarticular. As estruturas não articulares (ou periarticulares), como os ligamentos extra-articulares de apoio, os tendões, as bolsas, os músculos, a fáscia, o osso, o nervo e a pele supradjacente, podem estar envolvidas no processo patológico. Apesar de as queixas musculoesqueléticas serem atribuídas com frequência às articulações, são os distúrbios não articulares os responsáveis mais frequentemente por essas queixas. A diferenciação entre tais fontes potenciais de dor pode ser uma tarefa desafiadora para o médico inexperiente. Os distúrbios articulares podem ser caracterizados por dor profunda ou difusa, dor ou amplitude de movimento limitada durante a movimentação ativa e passiva, bem como tumefação (causada por proliferação sinovial, derrame ou hipertrofia óssea), crepitação, instabilidade, “bloqueio” ou deformidade. Em contrapartida, os distúrbios não articulares tendem a produzir dor com a mobilização ativa, porém não com a movimentação passiva (ou assistida). As condições periarticulares frequentemente demonstram dolorimento pontual ou focal nas regiões adjacentes às estruturas articulares, são desencadeadas por um movimento ou uma posição específicos e apresentam achados físicos distantes da cápsula articular. Além disso, os distúrbios não articulares raramente demonstram tumefação, crepitação, instabilidade ou deformidade da própria articulação. DISTÚRBIOS INFLAMATÓRIOS VERSUS NÃO INFLAMATÓRIOS Durante uma avaliação musculoesquelética, o médico deve determinar a natureza do processo patológico subjacente e se existem achados inflamatórios ou não inflamatórios. Os distúrbios inflamatórios podem ser infecciosos (Neisseria gonorrhoeae ou Mycobacterium tuberculosis), induzidos por cristais (gota, pseudogota), relacionados com o sistema imune (artrite reumatoide [AR], lúpus eritematoso sistêmico [LES]), reativos (febre reumática, artrite reativa) ou idiopáticos. Os distúrbios inflamatórios podem ser identificados por qualquer um dos quatro principais sinais de inflamação (eritema, calor, dor ou tumefação), pelos sintomas sistêmicos (fadiga, febre, erupção cutânea, redução ponderal) ou pela evidência laboratorial de inflamação (velocidade de hemossedimentação [VHS] ou proteína C- reativa [PCR] elevadas, trombocitose, anemia da doença crônica ou hipoalbuminemia). Os distúrbios musculoesqueléticos crônicos são comumente acompanhados de rigidez articular. A duração da rigidez pode ser prolongada (horas) nos distúrbios inflamatórios (como AR ou polimialgia reumática) e podem melhorar com a atividade. Em contrapartida, a rigidez intermitente (também conhecida como fenômeno gel) é típica das condições não inflamatórias (como osteoartrite [OA]), é de duração mais curta (< 60 minutos) e é exacerbada pela atividade. A fadiga pode acompanhar a inflamação (conforme observado na AR e na polimialgia reumática), mas também pode constituir uma consequência da fibromialgia (um distúrbio não inflamatório), dor crônica, sono precário, depressão, anemia, insuficiência cardíaca, endocrinopatia ou desnutrição. Os distúrbios não inflamatórios podem estar relacionados com traumatismo (laceração do manguito rotador), uso repetitivo (bursite, tendinite), degeneração ou reparo ineficaz (OA), neoplasia (sinovite vilonodular pigmentada) ou amplificação da dor (fibromialgia). Os distúrbios não inflamatórios costumam ser caracterizados por dor sem tumefação sinovial ou calor, ausência de características inflamatórias ou sistêmicas, fenômenos géis diurnos em vez de rigidez matinal, e pesquisas laboratoriais normais (para a idade)ou negativas. A identificação da natureza do processo subjacente e o local da queixa irão permitir ao médico caracterizar a apresentação musculoesquelética (p. ex., monoartrite inflamatória aguda, dor disseminada não articular não inflamatória crônica), estreitar as considerações diagnósticas e determinar a necessidade de realizar uma intervenção diagnóstica ou terapêutica imediata, ou adotar uma observação contínua. A Figura 393.1 apresenta uma abordagem algorítmica para a avaliação dos pacientes com queixas musculoesqueléticas. Essa abordagem baseia-se nas manifestações clínicas e nas características da anamnese, mais do que nos exames laboratoriais, para o diagnóstico de muitos distúrbios reumáticos comuns. FIGURA 393.1 Algoritmo para o diagnóstico de queixas musculoesqueléticas. Uma abordagem para formular o diagnóstico diferencial (em itálico). AIJ, artrite idiopática juvenil; CMC, carpometacarpal; IFD, interfalângica distal; IFP, interfalângica proximal; LES, lúpus eritomatoso sistêmico; MCF, metacarpofalângica; MTF, metatarsofalângica; PCR, proteína C-reativa; VHS, velocidade de hemossedimentação. Uma abordagem alternativa mais simples consideraria em primeiro lugar as queixas mais comumente observadas, com base na sua frequência em populações de indivíduos mais jovens versus idosos. As causas mais prevalentes de queixas musculoesqueléticas estão listadas na Figura 393.2. Como o traumatismo, as fraturas, as síndromes de uso excessivo e a fibromialgia estão entre as causas mais comuns de dor articular, essas condições devem ser consideradas na consulta inicial. Se essas possibilidades forem excluídas, outros distúrbios de ocorrência frequente devem ser considerados com base na idade do paciente. Assim, aqueles com menos de 60 anos são acometidos comumente por distúrbios de uso repetitivo/sobrecarga, gota (apenas os homens), AR, espondiloartrite e artrite infecciosa. Os pacientes com mais de 60 anos de idade são acometidos frequentemente por OA, artrite induzida por cristais (gota e pseudogota), polimialgia reumática, fratura osteoporótica e, raramente, artrite séptica. Essas condições são 10-100 vezes mais prevalentes do que outros distúrbios autoimunes graves, como LES, esclerodermia, polimiosite e vasculite. FIGURA 393.2 Algoritmo para análise das condições musculoesqueléticas mais comuns. GC, gonocócica; DII, doença inflamatória intestinal. HISTÓRIA CLÍNICA Outras características da história clínica (anamnese) podem revelar indícios importantes que permitem chegar ao diagnóstico. Os aspectos relacionados com o perfil do paciente, a cronologia da queixa, a extensão do acometimento articular e os fatores desencadeantes podem proporcionar importantes informações. Certos diagnósticos são mais frequentes em diferentes grupos etários. O LES e a artrite reativa costumam ocorrer mais nos jovens, enquanto a fibromialgia e a AR são comuns na meia-idade; já a OA e a polimialgia reumática são mais prevalentes entre os idosos. Os aglomerados diagnósticos se mostram evidentes também quando são levados em conta o sexo e a raça. A gota, a espondiloartrite e a espondilite anquilosante são mais comuns nos homens, enquanto a AR, a fibromialgia e o lúpus são mais frequentes nas mulheres. As predileções raciais podem ser evidentes. Assim, a polimialgia reumática, a arterite de células gigantes e a granulomatose com poliangeíte (GPA, anteriormente denominada granulomatose de Wegener) afetam comumente os indivíduos brancos, enquanto a sarcoidose e o LES acometem mais comumente os afrodescendentes. A agregação familiar é mais comum na espondilite anquilosante, na gota e nos nódulos de Heberden da OA. A cronologia da queixa é um aspecto diagnóstico importante, podendo ser dividida e m início, evolução e duração. O início de distúrbios como artrite séptica ou gota costuma ser brusco, enquanto a OA, a AR e a fibromialgia podem ter apresentações mais indolentes. As queixas dos pacientes podem evoluir de maneira diferente e serem classificadas como crônicas (OA), intermitentes (artrite induzida por cristais ou de Lyme), migratórias (febre reumática, artrite gonocócica ou viral) ou aditivas (AR, artrite psoriásica). Os distúrbios musculoesqueléticos são classificados como agudos ou crônicos conforme a duração dos sintomas seja inferior ou superior a 6 semanas, respectivamente. As artropatias agudas costumam ser infecciosas, induzidas por cristais ou reativas. As condições crônicas consistem nas artrites não inflamatórias ou imunológicas (p. ex., OA, AR) e nos distúrbios não articulares (p. ex., fibromialgia). A extensão ou a distribuição do acometimento articular frequentemente fornecem informações. Os distúrbios articulares são classificados com base no número de articulações acometidas, podendo ser monoarticulares (uma única articulação), oligoarticulares o u pauciarticulares (duas ou três articulações), ou poliarticulares (quatro ou mais articulações). Embora as artrites induzidas por cristais e infecciosas sejam frequentemente monoarticulares ou oligoarticulares, a OA e a AR são distúrbios poliarticulares. Os distúrbios não articulares podem ser classificados como focais ou generalizados. As queixas secundárias a uma tendinite ou à síndrome do túnel do carpo são focais, enquanto a fraqueza e a mialgia decorrentes de polimiosite ou fibromialgia são mais difusas em sua manifestação. O comprometimento articular na AR tende a ser simétrico e poliarticular. Por outro lado, a espondiloartrite, a artrite reativa, a gota e o sarcoide são frequentemente assimétricos e oligoarticulares. A OA e a artrite psoriásica podem ser simétricas ou assimétricas e oligo ou poliarticulares. Os membros superiores são acometidos frequentemente na AR e na OA, enquanto o acometimento dos membros inferiores é característico da artrite reativa e da gota no início de sua manifestação. O acometimento do esqueleto axial é comum na OA e na espondilite anquilosante, mas raro na AR, com a notável exceção da coluna cervical. A história clínica também deve identificar os eventos desencadeantes, como traumatismo (osteonecrose, laceração do menisco), administração de fármacos (Quadro 393.2), infecção antecedente ou intercorrente (febre reumática, artrite reativa, hepatite) ou doenças que podem ser atribuídas às queixas do paciente. Certas comorbidades podem ter consequências musculoesqueléticas. Isso é particularmente observado no diabetes melito (síndrome do túnel do carpo), na insuficiência renal (gota), na depressão ou insônia (fibromialgia), no mieloma (dor lombar), no câncer (miosite) e na osteoporose (fratura), ou quando são utilizados determinados fármacos, como glicocorticoides (osteonecrose, artrite séptica) e diuréticos ou quimioterapia (gota) (Quadro 393.2). QUADRO 393.2 CONDIÇÕES MUSCULOESQUELÉTICAS INDUZIDAS POR FÁRMACOS E SUBSTÂNCIAS Artralgias Quinidina, cimetidina, betabloqueadores, quinolonas, aciclovir crônico, interferons, IL-2, nicardipina, vacinas, rifabutina, aromatase e inibidores da protease do HIV Mialgias/miopatia Glicocorticoides, penicilamina, hidroxicloroquina, AZT, lovastatina, sinvastatina, atorvastatina, pravastatina, clofibrato, amiodarona, interferon, IL-2, álcool, cocaína, paclitaxel, docetaxel, mesilato de imatinibe, colchicina, quinolonas, ciclosporina, tacrolimo, inibidores da protease Ruptura do tendão/tendinite Quinolonas, glicocorticoides, isotretinoína, estatinas, injeções de colagenase Gota Diuréticos, ácido acetilsalicílico, agentes citotóxicos, ciclosporina, álcool, bebida destilada ilegalmente, etambutol, refrigerantes contendo frutose Lúpus induzido por fármacos Hidralazina, procainamida, quinidina, fenitoína, carbamazepina, metildopa, isoniazida, clorpromazina, lítio, penicilamina, tetraciclinas, inibidores do TNF, inibidores da ECA, ticlopidina Lúpus subagudo induzido por fármacos Inibidores da bomba de prótons, bloqueadores dos canais de cálcio (diltiazem),inibidores da ECA, inibidores do TNF, terbinafina, interferons (α e β-1a), paclitaxel, docetaxel, HCTZ Osteonecrose Glicocorticoides, álcool, radiação, bifosfonatos Osteopenia Glicocorticoides, heparina crônica, fenitoína Esclerodermia Cloreto de vinila, bleomicina, baricitinibe, pentazocina, solventes orgânicos, carbidopa, triptofano, óleo de semente de colza Vasculite Alopurinol, anfetaminas, cocaína (frequentemente adulterada com levamisol), tiazídicos, penicilamina, propiltiouracila, montelucaste, inibidores do TNF, vacina contra a hepatite B, sulfametoxazol/trimetoprima, minociclina, hidralazina Abreviações: ECA, enzima conversora de angiotensina; AZT, zidovudina; HCTZ, hidroclorotiazida; IL-2, interleucina 2; TNF, fator de necrose tumoral. Por último, uma revisão reumatológica dos sistemas realizada de forma abrangente pode revelar informação diagnóstica útil. Uma ampla variedade de distúrbios musculoesqueléticos pode estar associada a características sistêmicas, como febre (LES, infecção), erupção cutânea (LES, artrite psoriásica), anormalidades ungueais (artrite psoriásica ou reativa), mialgias (fibromialgia, miopatia induzida por estatinas ou fármacos) ou fraqueza (polimiosite, neuropatia). Além disso, algumas condições estão associadas ao acometimento de outros sistemas de órgãos, como os olhos (doença de Behçet, sarcoidose, espondiloartrite), trato gastrintestinal (esclerodermia, doença inflamatória intestinal), trato geniturinário (artrite reativa, gonococemia) ou sistema nervoso (doença de Lyme, vasculite). AVALIAÇÃO REUMATOLÓGICA DO IDOSO A incidência das doenças reumáticas aumenta com a idade, de modo que 58% daqueles com > 65 anos têm queixas articulares. Os distúrbios musculoesqueléticos nos pacientes idosos deixam de ser diagnosticados com bastante frequência, pois os sinais e sintomas podem ser insidiosos, omitidos ou ofuscados pelas comorbidades. Essas dificuldades são ainda mais complicadas pela reduzida confiabilidade dos exames laboratoriais nos idosos, que produzem com frequência resultados anormais não patológicos. Por exemplo, a VHS pode estar enganosamente elevada e testes positivos com baixos títulos para o fator reumatoide bem como os fatores antinucleares (FAN) podem ser observados em até 15% dos pacientes idosos. Embora quase todos os distúrbios reumáticos acometam o idoso, os pacientes geriátricos estão particularmente sujeitos à OA, osteoporose, fraturas osteoporóticas, gota, pseudogota, polimialgia reumática, vasculite e distúrbios induzidos por fármacos (Quadro 393.2). O idoso deve ser abordado da mesma maneira adotada para os outros pacientes com queixas musculoesqueléticas, porém com maior ênfase na identificação das possíveis consequências reumáticas das comorbidades e terapias médicas. O exame físico deve identificar a natureza da queixa musculoesquelética assim como as doenças coexistentes que possam influenciar o diagnóstico e a escolha do tratamento. AVALIAÇÃO REUMATOLÓGICA DO PACIENTE HOSPITALIZADO A avaliação de um paciente hospitalizado com queixas reumáticas difere daquela de um paciente ambulatorial, devido à maior gravidade dos sintomas, maior número de apresentações agudas e maior interação de comorbidades. Os pacientes com doenças reumáticas tendem a ser internados por uma de várias razões: (1) início agudo de artrite reumatoide; (2) doença sistêmica ou febril não diagnosticada; (3) traumatismo musculoesquelético; (4) exacerbação ou deterioração de um distúrbio autoimune instalado (p. ex., LES); ou (5) comorbidades clínicas recentes (p. ex., evento trombótico, linfoma, infecção) que acometem portadores de distúrbio reumático estabelecido. De modo notável, os pacientes reumáticos raramente ou nunca são internados devido a dor disseminada ou anormalidades sorológicas ou para início de novas terapias. A artrite inflamatória monoarticular aguda pode constituir uma condição de “sinal de perigo” (p. ex., artrite séptica, gota, pseudogota) que exige artrocentese e, em certas ocasiões, hospitalização se houver suspeita de infecção. Entretanto, a poliartrite inflamatória de início recente tem diagnóstico diferencial mais amplo (p. ex., AR, artrite relacionada com hepatite, doença do soro, lúpus induzido por fármaco, artrite séptica poliarticular), e pode ser necessária a realização de uma avaliação laboratorial direcionada, mais do que uma análise do líquido sinovial. Nos pacientes com distúrbios multissistêmicos febris, é preciso proceder à exclusão de etiologias com formação de cristais, infecciosas ou neoplásicas e efetuar uma avaliação com base nos sintomas/achados dominantes com o máximo de especificidade. As condições que devem ser consideradas devem incluir gota ou pseudogota, vasculite (arterite de células gigantes no idoso ou poliarterite nodosa em pacientes mais jovens), doença de Still de início no adulto, LES, síndrome antifosfolipídeo e sarcoidose. Como é comum estabelecer um diagnóstico incorreto de distúrbio do tecido conectivo, os pacientes que relatam uma condição reumática preexistente (p. ex., LES, AR, espondilite anquilosante) devem ter seu diagnóstico confirmado por meio de anamnese cuidadosa, exame físico e musculoesquelético e revisão dos registros médicos. É importante assinalar que, quando pacientes com doença reumática estabelecida são hospitalizados, o motivo habitualmente não consiste em um problema clínico relacionado com doença autoimune, porém na presença de alguma condição comórbida ou complicação da terapia farmacológica. Pacientes com distúrbios inflamatórios crônicos (p. ex., AR, LES, psoríase, etc.) correm risco aumentado de infecção, eventos cardiovasculares e neoplasia. Algumas condições, como gota aguda, podem ser precipitadas em pacientes hospitalizados por cirurgia, desidratação ou outros eventos e devem ser consideradas quando pacientes hospitalizados são avaliados para o início agudo de um distúrbio musculoesquelético. Por fim, investigação laboratorial francamente agressivas ou não direcionadas frequentemente produz achados anormais, que são mais bem explicados pela condição preexistente do paciente do que por um distúrbio inflamatório ou autoimune recente. EXAME FÍSICO O exame físico tem como meta averiguar as estruturas envolvidas, a natureza da patologia subjacente, as consequências funcionais do processo e a presença de manifestações sistêmicas ou extra-articulares. Um bom conhecimento da anatomia topográfica é necessário para identificar o(s) local(is) primário(s) do acometimento e diferenciar os distúrbios articulares dos não articulares. O exame musculoesquelético depende, em grande parte, de inspeção cuidadosa, palpação e uma variedade de manobras físicas específicas para induzir sinais diagnósticos (Quadro 393.3). A maioria das articulações do esqueleto apendicular pode ser examinada dessa maneira, porém uma inspeção e palpação adequadas não são possíveis para muitas articulações axiais (p. ex., zigapofisária) e inacessíveis (p. ex., sacroilíaca ou do quadril). Para essas articulações, depende-se muito mais de manobras específicas e de exames de imagem para fazer a avaliação. QUADRO 393.3 GLOSSÁRIO DE TERMOS RELACIONADOS COM DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS Crepitação Sensação vibratória ou estalante palpável (menos comumente audível) induzida pela movimentação articular; a crepitação articular delicada é comum e, na maioria das vezes, insignificante nas grandes articulações; a crepitação articular áspera indica alterações cartilaginosas e degenerativas avançadas (como ocorre na osteoartrite) Subluxação Alteração do alinhamento articular, de forma que as superfícies articulares demonstram aproximação mútua incompleta Luxação Deslocamento anormal das superfícies articulares, de forma que as superfícies deixam de estar em contato Amplitude de movimento Para as articulações diartrodiais, o arco de movimento mensurável por meio do qual a articulaçãose desloca em um único plano Contratura Perda do movimento pleno que resulta de resistência fixa causada seja por espasmo tônico dos músculos (reversível), seja por fibrose das estruturas periarticulares (permanente) Deformidade Formato ou tamanho anormal em consequência de hipertrofia óssea, desalinhamento das estrutruas que se articulam ou dano das estruturas de sustentação periarticulares Entesite Inflamação das enteses (inserções tendinosas ou ligamentares do osso) Epicondilite Infecção ou inflamação com o acometimento de um epicôndilo O exame das articulações envolvidas determina ou não se existe dor, calor, eritema ou tumefação. A localização e o nível da dor induzida por palpação ou movimentação devem ser especificados. Um padrão consiste em contar o número de articulações dolorosas durante a palpação de 28 articulações facilmente examinadas (interfalângicas proximais, metacarpofalângicas, dos punhos, cotovelos, ombros e joelhos). De modo semelhante, o número de articulações tumefeitas (0 a 28) pode ser contado e registrado. O exame cuidadoso deve distinguir a tumefação articular verdadeira (causada por hipertrofia óssea, derrame ou proliferação sinovial) do acometimento não articular (ou periarticular), que se estende habitualmente além das margens articulares normais. O derrame sinovial pode ser diferenciado da hipertrofia sinovial ou hipertrofia óssea por palpação ou manobras específicas. Por exemplo, os derrames no joelho pequenos a moderados podem ser identificados pelo “sinal do abaulamento” ou “rechaço patelar”. Os derrames no interior das bolsas (p. ex., derrames do olécrano ou da bolsa pré- patelar) são mais frequentemente focais, periarticulares, localizados sobre as proeminências ósseas e flutuantes com margens nitidamente definidas. A estabilidade articular pode ser avaliada pela estabilização da articulação proximal, por palpação ou pela aplicação de estresse manual à parte distal. A subluxação ou luxação, que podem ser secundárias a causas traumáticas, mecânicas ou inflamatórias, podem ser avaliadas por inspeção ou palpação. A tumefação ou volume articular podem ser avaliados por palpação. A distensão da cápsula articular provoca habitualmente dor e aumento ou flutuação evidentes. O paciente tenta minimizar a dor mantendo a articulação na posição com menor pressão intra-articular e maior volume, habitualmente uma flexão parcial. Por esse motivo, os derrames inflamatórios podem dar origem a contraturas em flexão. Clinicamente, isso pode ser detectado como tumefação flutuante ou “mole” nas articulações maiores e como compressibilidade semelhante à da uva nas articulações menores. A inflamação pode resultar em deformidades em flexão fixas ou em diminuição da amplitude de movimento – particularmente em extensão, quando aumenta a pressão intra-articular. A amplitude de movimento ativa e passiva deve ser determinada em todos os planos, com comparações contralaterais. Pode-se utilizar um goniômetro para quantificar o arco de movimento. Cada articulação deve ser manipulada passivamente por meio de toda a sua amplitude de movimento (incluindo, quando apropriado, flexão, extensão, rotação, abdução, adução, inclinação lateral, inversão, eversão, supinação, pronação, desvios medial/lateral, flexão plantar ou dorsiflexão). Pode-se observar uma extrema amplitude de movimento na síndrome de hipermobilidade, dor articular e frouxidão do tecido conectivo, frequentemente em associação com a síndrome de Ehlers-Danlos ou de Marfan. A limitação do movimento é frequentemente causada por inflamação, derrame, dor, deformidade, contratura ou restrição devido a causas neuromiopáticas. Se o movimento passivo ultrapassa a movimentação ativa, deve ser aventado um processo periarticular (p. ex., tendinite, ruptura de tendão ou miopatia). As contraturas podem refletir inflamação sinovial ou traumatismo antecedentes. A crepitação de pequenas articulações é comum durante a palpação e manobras das articulações, mas pode indicar degeneração significativa da cartilagem à medida que se torna mais áspera (p. ex., OA). A deformidade articular indica habitualmente um processo patológico de longa duração ou agressivo. As deformidades podem resultar de destruição ligamentar, contratura dos tecidos moles, aumento de volume do osso, anquilose, doença erosiva, subluxação, traumatismo ou perda da propriocepção. O exame da musculatura documenta força, atrofia, dor ou espasmo. A fraqueza dos músculos apendiculares deve ser caracterizada como proximal ou distal. A força muscular deve ser avaliada pela observação do desempenho do paciente (p. ex., caminhando, levantando de uma cadeira, segurando algum objeto, escrevendo). A força também pode ser classificada de acordo com uma escala de 5 pontos: 0 para nenhum movimento; 1 para traços de movimento ou contração espasmódica momentânea; 2 para o movimento com a gravidade eliminada; 3 para o movimento apenas contra a gravidade; 4 para o movimento contra gravidade e resistência; e 5 para a força normal. O médico deve fazer uma avaliação para o acometimento não articular ou periarticular, omitido com demasiada frequência, especialmente quando as queixas articulares não são confirmadas por achados objetivos que possam ser atribuídos à cápsula articular. A identificação da dor nos tecidos moles/não articular evita a realização de avaliações adicionais injustificadas e com frequência dispendiosas. As manobras específicas podem revelar anormalidades não articulares comuns, como a síndrome do túnel do carpo (que pode ser identificada pelo sinal de Tinel ou de Phalen). Outros exemplos de anormalidades dos tecidos moles são a bursite do olécrano, a epicondilite (p. ex., cotovelo de tenista), a entesite (p. ex., tendinite do Aquileu), e pontos de gatilhos sensíveis associados à fibromialgia. ABORDAGEM ÀS QUEIXAS REUMÁTICAS REGIONAIS Embora todos os pacientes devam ser avaliados de maneira lógica e abrangente, muitos casos com queixas musculoesqueléticas focais são causados por distúrbios comumente encontrados que exibem um padrão previsível de início, evolução e localização; eles, com frequência, podem ser diagnosticados imediatamente com base em informação de anamnese limitada e manobras ou testes selecionados. Apesar de quase todas as articulações poderem ser abordadas dessa maneira, a avaliação de quatro regiões anatômicas envolvidas com frequência – a mão, o ombro, o quadril e os joelhos – é revista aqui. DOR NA MÃO A dor na mão focal ou unilateral pode resultar de traumatismo, uso excessivo, infecção ou artrite reativa induzida por cristais. Em contrapartida, as queixas em ambas as mãos sugerem geralmente etiologia degenerativa (p. ex., OA), sistêmica ou inflamatória/imune (p. ex., AR). A distribuição ou o padrão do comprometimento articular são altamente sugestivos de determinados distúrbios (Fig. 393.3). Assim, a OA (ou artrite degenerativa) pode manifestar-se na forma de dor nas articulações interfalângicas distais (IFD) e interfalângicas proximais (IFP), com hipertrofia óssea suficiente para produzir nódulos de Heberden e de Bouchard respectivamente. A dor, com ou sem tumefação óssea, que acomete a base do polegar (primeira articulação carpometacarpal), também é altamente sugestiva de OA. Em contrapartida, a AR tende a causar comprometimento poliarticular simétrico das articulações IFP, metacarpofalângicas (MCS), intercarpais e carpometacarpais (punho), com dor e hipertrofia palpável do tecido sinovial. A artrite psoriásica pode simular o padrão de acometimento articular observado na OA (articulações IFD e IFP), mas pode ser diferenciada pela presença de sinais inflamatórios (eritema, calor, tumefação sinovial), com ou sem acometimento do carpo, depressões ungueais ou onicólise. Enquanto as subluxações laterais ou mediais das articulações IFP e IFD são mais provavelmente causadas por OA inflamatória ou artrite psoriásica, as deformidades dorsaisou ventrais (deformidades em pescoço de cisne ou em botoeira) são típicas da AR. A hemocromatose deve ser aventada quando são observadas alterações degenerativas (hipertrofia óssea) ao nível da segunda e terceira articulações MCF com condrocalcinose associada ou artrite inflamatória episódica do punho. FIGURA 393.3 Locais de acometimento da mão ou do punho e suas potenciais associações patológicas. CMC, carpometacarpal; IFD, interfalângica distal; MCF, metacarpofalângica; OA, osteoartrite; IFP, interfalângica proximal; AR, artrite reumatoide; LES, lúpus eritematoso sistêmico. (De JJ Cush et al: Evaluation of musculoskeletal complaints, in Rheumatology: Diagnosis and Therapeutics, 2nd ed, JJ Cush et al [eds]. Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 2005, pp 3-20. Usada, com autorização, do Dr. John J. Cush.) A dactilite se manifesta na forma de tumefação do tecido mole de todo o dedo e pode assumir uma aparência em salsicha. As causas comuns de dactilite incluem artrite psoriásica, espondiloartrite, espondilite juvenil, doença mista do tecido conectivo, esclerodermia, sarcoidose e doença falciforme. A tumefação dos tecidos moles sobre o dorso da mão e do punho pode sugerir uma tenossinovite inflamatória dos tendões extensores causada possivelmente por infecção gonocócica, gota ou artrite inflamatória (p. ex., AR). A tenossinovite é sugerida por calor, tumefação ou edema depressível localizados e pode ser confirmada quando a tumefação do tecido mole acompanha o movimento do tendão, como flexão e extensão dos dedos da mão, ou quando a dor é induzida durante a distensão das bainhas dos tendões extensores (por meio de flexão dos dedos distalmente às articulações MCF e manutenção do punho em posição neutra fixa). A dor focal no punho, localizada na face radial, pode ser causada pela tenossinovite de Quervain, em consequência da inflamação da(s) bainha(s) tendínea(s) envolvendo os músculos abdutor longo do polegar ou extensor curto do polegar (Fig. 393.3). Isso resulta comumente do uso excessivo ou ocorre após a gravidez e pode ser diagnosticado pelo teste de Finkelstein. O resultado é positivo quando a dor no compartimento radial do punho é induzida depois que o polegar é flexionado e colocado dentro da mão fechada, e o paciente desvia ativamente a mão para baixo com desvio ulnar ao nível do punho. A síndrome do túnel do carpo é outro distúrbio comum do membro superior, resultando da compressão do nervo mediano dentro do túnel do carpo. As manifestações consistem em dor no punho, que pode se irradiar com parestesias no polegar, segundo e terceiros dedos, bem como metade radial do quarto dedo, e, ocasionalmente, atrofia da musculatura tenar. A síndrome do túnel do carpo está associada normalmente a gestação, edema, traumatismo, OA, artrite inflamatória e distúrbios infiltrativos (p. ex., amiloidose). O diagnóstico pode ser sugerido por um sinal de Tinel ou Phalen positivo. Com cada teste, a parestesia na distribuição do nervo mediano é induzida ou aumentada seja “golpeando” a superfície volar do punho (sinal de Tinel), seja pressionando uma contra a outra as superfícies extensoras de ambos os punhos pressionados (sinal de Phalen). A baixa sensibilidade e a especificidade moderada desses testes podem exigir um teste de velocidade de condução nervosa para confirmar um diagnóstico suspeito. DOR NO OMBRO Durante a avaliação dos distúrbios do ombro, o médico deve assinalar com extremo cuidado qualquer história de traumatismo, fibromialgia, infecção, doença inflamatória, riscos ocupacionais ou doença cervical prévia. Além disso, o paciente deve ser interrogado acerca das atividades ou movimento(s) que induzem à dor no ombro. Enquanto a artrite é sugerida pela ocorrência de dor com o movimento em todos os planos, a dor induzida por um movimento ativo específico sugere um processo periarticular (não articular). A dor no ombro pode originar-se nas articulações do ombro ou acromioclavicular, bolsa subacromial (subdeltoidea), tecidos moles periarticulares (p. ex., fibromialgia, laceração/tendinite do manguito rotador) ou coluna cervical (Fig. 393.4). A dor no ombro irradia-se com frequência a partir da coluna cervical, mas pode irradiar-se também de lesões intratorácicas (p. ex., um tumor de Pancoast) ou de doença vesicular, hepática ou diafragmática. Essas mesmas causas viscerais também podem se manifestar como dor escapular focal. A fibromialgia deve ser suspeitada quando a dor glenoumeral é acompanhada por dor periarticular difusa (i.e., subacromial, bicipital) e pontos dolorosos (i.e., músculo trapézio ou supraespinal). O ombro deve ser mobilizado em toda a sua amplitude de movimento, tanto ativa quanto passivamente (com assistência do médico): flexão anterógrada, extensão, abdução, adução e rotação medial e lateral. Com frequência, a inspeção das estruturas periarticulares proporciona importante informação diagnóstica. O comprometimento glenoumeral é mais bem detectado colocando-se o polegar sobre a articulação do ombro, imediatamente medial e inferior ao processo coracoide da escápula e exercendo pressão anterior, enquanto se procede à rotação medial e lateral da cabeça do úmero. A dor localizada nessa região é indicativa de patologia glenoumeral. O derrame ou tecido sinovial só raramente pode ser palpado; no entanto, quando presente, pode sugerir infecção, AR ou laceração aguda do manguito rotador. O médico deve aplicar pressão manual direta sobre a bolsa subacromial localizada lateralmente e imediatamente abaixo do acrômio (Fig. 393.4). A bursite subacromial é uma causa frequente de dor no ombro. Anteriormente à bolsa subacromial, o tendão bicipital atravessa o sulco bicipital. Esse tendão é identificado mais facilmente quando palpado em seu sulco enquanto o paciente roda o úmero medial e lateralmente. A pressão direta sobre o tendão pode revelar dor indicativa de tendinite bicipital. A palpação da articulação acromioclavicular pode evidenciar dor local, hipertrofia óssea ou, raramente, tumefação sinovial. Enquanto OA e AR afetam comumente a articulação acromioclavicular, a OA raramente acomete a articulação do ombro, a não ser quando existe uma causa traumática ou ocupacional. FIGURA 393.4 Origens da dor no ombro. O diagrama esquemático indica com setas as origens anatômicas da dor no ombro. Uma tendinite ou laceração do manguito rotador são causas extremamente comuns de dor no ombro. Quase 30% dos indivíduos idosos irão apresentar dor no ombro, tendo como principal causa a tendinite ou laceração do manguito rotador. O manguito rotador é formado por quatro tendões que fixam a escápula à parte proximal do úmero (tendões dos músculos supraespinal, infraespinal, redondo menor e subescapular). Desses, o músculo supraespinal é o mais comumente lesionado. A tendinite do manguito rotador é sugerida pela ocorrência de dor com a abdução ativa (mas não com a abdução passiva), dor sobre a parte lateral do músculo deltoide, dor noturna e evidências de sinais de impacto (dor com atividades que exigem a elevação do braço acima da cabeça). O teste de Neer para impacto é realizado elevando-se o braço do paciente em flexão forçada, enquanto se estabiliza e impede a rotação da escápula. Um sinal positivo está presente quando a dor se manifesta antes de serem alcançados 180º de flexão anterógrada. A laceração do manguito rotador é comum no indivíduo idoso e, com frequência, resulta de traumatismo; pode manifestar-se da mesma maneira que a tendinite. O teste de queda do braço apresenta-se anormal em caso de patologia do supraespinal e é demonstrado pela abdução passiva do braço a 90º pelo examinador. Se o paciente não for capaz de manter ativamente o braço elevado ou se for incapaz de baixá-lo lentamente, sem deixá- lo cair, o teste é positivo. A tendinite ou laceração do manguito rotador são confirmadas por ressonância magnética (RM) ou ultrassonografia. DOR NO JOELHO A dor nojoelho pode resultar de processos intra-articulares (OA, AR) ou periarticulares (bursite anserina, distensão do ligamento colateral) ou pode ser referida de uma patologia do quadril. Uma anamnese minuciosa pode delinear a cronologia da queixa relacionada com o joelho e se existem condições predisponentes, traumatismos ou medicações que possam ser responsáveis pela queixa. Por exemplo, a doença patelofemoral (p. ex., OA) pode causar dor no compartimento anterior do joelho que piora ao subir escadas. A observação da marcha do paciente também é importante. O joelho deve ser cuidadosamente examinado nas posições ereta (com sustentação do peso) e em decúbito dorsal quanto à presença de tumefação, eritema, desalinhamento, traumatismo visível, desgaste muscular e discrepância no comprimento das pernas. O desalinhamento mais comum no joelho é o genuvaro (pernas arqueadas) ou genuvalgo (joelhos virados para dentro) em consequência da perda de cartilagem assimétrica medial ou lateralmente. A tumefação óssea da articulação do joelho resulta comumente de alterações ósseas hipertróficas observadas em distúrbios como OA e artropatia neuropática. A tumefação causada por hipertrofia da sinóvia ou derrame sinovial pode manifestar-se por aumento de volume flutuante, rechaçável ou dos tecidos moles na bolsa suprapatelar (reflexão suprapatelar da cavidade sinovial) ou nas regiões lateral e medial à patela. Os derrames sinoviais podem ser identificados também ao se rechaçar a patela para baixo na direção do sulco femoral ou tentar-se induzir um “sinal de abaulamento”. Com o joelho estendido, o médico deve comprimir manualmente ou “ordenhar” o líquido sinovial a partir da bolsa suprapatelar e do compartimento lateral da patela. A aplicação de pressão lateral na parte lateral da patela pode acarretar um desvio observável no líquido sinovial (abaulamento) para a superfície medial. O médico deve reconhecer que essa manobra só é efetiva na identificação de derrames pequenos a moderados (< 100 mL). Os distúrbios inflamatórios, como AR, gota, pseudogota e artrite reativa, podem acometer a articulação do joelho e produzir dor significativa, rigidez, tumefação ou calor. Um cisto de Baker ou poplíteo é palpado mais facilmente com o joelho parcialmente flexionado e melhor visualizado com o paciente na posição ereta e os joelhos plenamente estendidos a fim de se visualizar a tumefação ou plenitude poplítea isolada ou unilateral. A bursite anserina é uma causa de dor periarticular no joelho em adultos ignorada com frequência. A bolsa anserina localiza-se debaixo da inserção dos tendões associados (sartório, grácil, semitendíneo) na parte proximal anteromedial da tíbia e pode ser dolorida após traumatismo, uso excessivo ou inflamação. É frequentemente dolorosa em pacientes com fibromialgia, obesidade e OA do joelho. Outras formas de bursite também podem manifestar-se como dor no joelho. A bolsa pré-patelar ocupa uma posição superficial, localizando-se sobre a porção inferior da patela. A bolsa infrapatelar é mais profunda, ficando por debaixo do ligamento patelar antes de sua inserção sobre a tuberosidade da tíbia. Uma perturbação interna do joelho pode resultar de traumatismo ou processos degenerativos. O dano da cartilagem meniscal (medial ou lateral) manifesta-se com frequência como dor crônica ou intermitente no joelho. Deve-se suspeitar desse tipo de lesão quando existe história de traumatismo, de atividade atlética ou artrite crônica do joelho, bem como quando o paciente relata sintomas de “bloqueio”, estalidos ou “falseios” da articulação do joelho. Com flexão de 90º do joelho e o pé do paciente sobre a mesa, a dor induzida durante a palpação na linha articular ou quando o joelho é submetido a estresse lateral ou medial pode sugerir laceração do menisco. Um teste de McMurray positivo também pode indicar laceração meniscal. Para realizar esse teste, o joelho primeiro deve ser flexionado em 90°, sendo a perna a seguir estendida enquanto a extremidade inferior é submetida simultaneamente a um torque medial ou lateral. Um estalido doloroso durante a rotação interna pode indicar uma laceração do menisco lateral, e a dor durante a rotação externa pode indicar uma laceração no menisco medial. Por último, o dano dos ligamentos cruzados deve ser suspeitado com o início agudo da dor, possivelmente com tumefação, história de traumatismo ou aspirado de líquido sinovial macroscopicamente sanguinolento. O exame do ligamento cruzado pode ser mais facilmente realizado ao tentar induzir a um sinal da gaveta. Com o paciente reclinado, o joelho deve ser flexionado parcialmente, e o pé estabilizado sobre a superfície da mesa de exame. O médico deve tentar deslocar manualmente a tíbia anterior ou posteriormente em relação ao fêmur. Se for identificada movimentação anterior, será provável algum dano de ligamento cruzado anterior. Inversamente, movimentação posterior significativa pode indicar dano do ligamento cruzado posterior. A comparação contralateral ajuda o médico a identificar movimentação significativa anterior ou posterior. DOR NO QUADRIL O quadril é mais facilmente avaliado observando-se a marcha do paciente e determinando a amplitude de movimento. A grande maioria dos pacientes que relatam “dor no quadril” localiza a dor unilateralmente na musculatura glútea posterior (Fig. 393.5). Essa dor tende a irradiar-se para baixo ou ao longo da superfície posterolateral da coxa e pode ou não estar associada a queixas de lombalgia. Essa manifestação resulta com frequência de artrite degenerativa da coluna lombossacral ou dos discos e adota comumente distribuição dermatomal com o acometimento das raízes nervosas entre L4 e S1. A ciática é causada pela compressão do nervo em L4, L5 ou S1 (i.e., de disco herniado) e manifesta-se na forma de dor neuropática unilateral, que se estende a partir da região glútea, seguindo pela parte posterolateral da perna até o pé. Diferentemente, alguns indivíduos localizam sua “dor no quadril” lateralmente na área sobre a bolsa trocantérica. Por causa da profundidade dessa bolsa, a tumefação e o calor costumam estar ausentes. O diagnóstico de bursite trocantérica ou de entesite pode ser confirmado por meio de indução de hipersensibilidade localizada sobre a bolsa trocantérica. A dor glútea e trocantérica são achados comuns na fibromialgia. A amplitude de movimento pode ser limitada pela dor. A dor na articulação do quadril é menos comum e tende a localizar-se na superfície anterior, sobre o ligamento inguinal; pode irradiar-se medialmente para a virilha. Raramente, a bursite do iliopsoas pode simular uma dor verdadeira na articulação do quadril. O diagnóstico de bursite do iliopsoas pode ser sugerido por história de traumatismo ou artrite inflamatória. A dor associada à bursite do iliopsoas fica localizada na virilha ou na superfície anterior da coxa, tendendo a piorar com a hiperextensão do quadril; muitos pacientes preferem flexionar e rodar externamente o quadril para reduzir a dor provocada por uma bolsa distendida. FIGURA 393.5 Origens da dor no quadril e das disestesias. (De JJ Cush et al: Evaluation of musculoskeletal complaints, in Rheumatology: Diagnosis and Therapeutics, 2nd ed, JJ Cush et al [eds]. Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 2005, pp 3-20. Usada, com autorização, do Dr. John J. Cush.) PESQUISAS LABORATORIAIS A grande maioria dos distúrbios musculoesqueléticos pode ser diagnosticada facilmente por uma anamnese completa e um bom exame físico. Um objetivo adicional da consulta inicial consiste em determinar se são necessárias pesquisas adicionais ou alguma terapia imediata. Uma avaliação adicional está indicada para: (1) condições monoarticulares; (2) condições traumáticas ou inflamatórias; (3) presença de achados neurológicos; (4) manifestações sistêmicas; ou (5) sintomas crônicos (> 6 semanas) e ausência de resposta às medidas sintomáticas. A extensão e a naturezada pesquisa adicional devem ser determinadas pelas características clínicas e pelo processo patológico suspeitado. Os exames de laboratório devem ser utilizados para confirmar um diagnóstico clínico específico e não como elementos de rastreamento nem para avaliar os pacientes com queixas reumáticas vagas. O uso indiscriminado de extensas baterias de exames complementares e procedimentos radiográficos raramente constitui um meio útil e custo-efetivo de estabelecer o diagnóstico. Além do hemograma completo, que inclui as contagens de leucócitos e diferencial, a avaliação de rotina deve incluir a determinação de um reagente da fase aguda, como VHS ou PCR, que pode ser útil para discriminar distúrbios inflamatórios de distúrbios não inflamatórios. Ambos são baratos, podem ser obtidos facilmente e podem estar elevados em casos de infecção, inflamação, distúrbios autoimunes, neoplasia, gestação, insuficiência renal, idade avançada e hiperlipidemia. A elevação extrema dos reagentes de fase aguda (PCR, VHS) raramente é observada na ausência de evidências de doença grave (p. ex., sepse, pleuropericardite, polimialgia reumática, arterite de células gigantes, doença de Still do adulto). As determinações do nível sérico de ácido úrico são úteis no diagnóstico da gota e na monitoração da resposta à terapia de redução de uratos. O ácido úrico, o produto final do metabolismo das purinas, é excretado principalmente na urina. Os valores séricos variam de 238-516 µmol/L (4,0-8,6 mg/dL) nos homens; os valores mais baixos (178-351 µmol/L [(3,0-5,9 mg/dL]) observados nas mulheres são decorrentes dos efeitos uricosúricos do estrogênio. Normalmente, os níveis urinários de ácido úrico são < 750 mg por 24 horas. Apesar de a hiperuricemia (especialmente os níveis > 535 µmol/L [9 mg/dL] ) estar associada a uma maior incidência de gota e nefrolitíase, os níveis podem não se correlacionar com a gravidade da doença articular. Os níveis de ácido úrico (e o risco de gota) podem estar aumentados nos erros inatos do metabolismo (síndrome de Lesch-Nyhan), estados patológicos (insuficiência renal, doença mieloproliferativa, psoríase) ou com o uso de drogas (álcool, terapia citotóxica, tiazídicos). Embora quase todos os pacientes com gota demonstrem hiperuricemia em algum momento durante a doença, até 50% daqueles com ataque gotoso agudo terão níveis séricos normais de ácido úrico. O monitoramento do nível sérico de ácido úrico pode ser útil na avaliação da resposta à terapia hipouricemiante ou à quimioterapia, sendo a meta do tratamento a obtenção de um nível sérico de urato de < 6 mg/dL. Os testes sorológicos para fator reumatoide (FR), anticorpos contra o peptídeo citrulinado cíclico (CCP ou ACPA), FAN, níveis do complemento, sorologia para Lyme e anticorpos anticitoplasma de neutrófilos (ANCA) ou o título de antiestreptolisina O (ASLO) só devem ser realizados quando houver evidências clínicas sugerindo especificamente um diagnóstico associado, visto que esses testes têm pouco valor preditivo quando utilizados para rastreamento, particularmente quando a probabilidade pré-teste é baixa. Na maioria desses casos, não existe nenhuma vantagem na realização repetida ou seriada de testes sorológicos. Apesar de 4-5% das pessoas sadias terem testes positivos para o FR e os FANs, apenas 1% e < 0,4% da população têm AR ou LES respectivamente. O FR IgM (anticorpos contra a porção Fc da IgG) é encontrado em 80% dos pacientes com AR, podendo ser observado também em baixos títulos nos pacientes com infecções crônicas (tuberculose, hanseníase, hepatite); outras doenças autoimunes (LES, síndrome de Sjögren); e doenças pulmonares, hepáticas ou renais crônicas. Quando a artrite reumatoide (AR) está sendo aventada, tanto o FR quanto os anticorpos anti-CCP séricos devem ser pesquisados, visto que são complementares. Ambos são comparavelmente sensíveis, porém os anticorpos anti- CCP são mais específicos que o FR. Na AR, a presença de anticorpos anti-CCP e FR pode indicar maior risco de poliartrite erosiva mais grave. Os FANs são encontrados em quase todos os pacientes com LES e também podem ser observados em pacientes com outras doenças autoimunes (polimiosite, esclerodermia, síndrome antifosfolipídeo, síndrome de Sjögren), lúpus induzido por fármacos (Quadro 393.2), distúrbios hepáticos ou renais crônicos e idade avançada. Os FANs positivos são encontrados em 5% dos adultos e em até 14% dos indivíduos idosos ou cronicamente enfermos. O teste para FAN é muito sensível, porém pouco específico para o lúpus, pois apenas 1-2% de todos os resultados positivos são causados apenas pelo lúpus. A interpretação de um teste FAN positivo pode depender da magnitude do título e do padrão observado na microscopia de imunofluorescência (Quadro 393.4). Os padrões difusos e pontilhados são menos específicos, enquanto um padrão periférico (relacionado com autoanticorpos contra o DNA de fita dupla [nativo]) é altamente específico e sugestivo de lúpus. São observados padrões centroméricos em pacientes com esclerodermia limitada (calcinose cutânea, fenômeno de Raynaud, distúrbio da motilidade esofágica, esclerodactilia, telangiectasia [CREST]) ou esclerose biliar primária, podendo-se observar padrões nucleolares em pacientes com esclerose sistêmica difusa ou miosite inflamatória. QUADRO 393.4 PADRÃO DOS FATORES ANTINUCLEARES (FAN) E ASSOCIAÇÕES CLÍNICAS Padrão do FAN Antígeno identificado Correlação clínica Difuso Desoxirribonucleoproteína Inespecífico Histonas Lúpus induzido por fármaco, lúpus Periférico (borda) DNA de fita dupla 50% de LES (específico) Salpicado U1-RNP > 90% de DMTC Sm 30% de LES (específico) Ro (SS-A) 60% de Sjögren, LECS, lúpus neonatal, FAN (−) contra lúpus La (SS-B) 50% de Sjögren, 15% de lúpus Scl-70 40% de esclerodermia difusa PM-1 PM, dermatomiosite Jo-1 PM com pneumonite + artrite Nucleolar RNA-polimerase I, outros 40% de ESP Centrômero Cinetocoro 75% de CREST (esclerodermia limitada) Abreviações: FAN, fator antinuclear; CREST, calcinose cutânea, fenômeno de Raynaud, distúrbio da motilidade esofágica, esclerodactilia e telangiectasia; DMTC, doença mista do tecido conectivo; ESP, esclerose sistêmica progressiva; LECS, lúpus eritematoso cutâneo subagudo; LES, lúpus eritematoso sistêmico; PM, poliomiosite. A aspiração e a análise do líquido sinovial são sempre indicadas na monoartrite aguda ou quando se suspeita de artropatia infecciosa ou induzida por cristais. O líquido sinovial pode estabelecer a diferença entre os processos não inflamatórios e os inflamatórios pela análise do aspecto, da viscosidade e da contagem celular. Os testes para glicose, proteína, lactato desidrogenase, ácido láctico ou autoanticorpos no líquido sinovial não são recomendados, pois não têm qualquer valor diagnóstico. O líquido sinovial normal é claro ou com uma coloração palha pálida, sendo viscoso principalmente por causa dos altos níveis de hialuronato. O líquido sinovial não inflamatório é claro, viscoso e de coloração âmbar, com contagem de leucócitos < 2.000/μL e predomínio de células mononucleares. A viscosidade do líquido sinovial é determinada extraindo-se da seringa uma gota de cada vez. Normalmente, observa-se um efeito filamentoso (viscoso) com uma longa cauda atrás de cada gota sinovial. Os derrames causados pela OA ou por traumatismo têm viscosidade normal. O líquido inflamatório é turvo e amarelado, com contagem elevada de leucócitos (2.000- 50.000/µL) e predomínio de leucócitos polimorfonucleares. O líquido inflamatório possui viscosidade reduzida, menor quantidade de hialuronato e pouca ou nenhuma cauda após cada gota de líquido sinovial. Esses derrames são encontrados na AR, gota e outras artrites inflamatórias. O líquido séptico é opaco e purulento, com contagem de leucócitos em geral de > 50.000/µL, predominância de leucócitos polimorfonucleares (> 75%) e baixa viscosidade. Esses derrames são típicos da artrite séptica,mas também podem ocorrer na AR ou na gota. Além disso, o líquido sinovial hemorrágico pode ser observado em caso de traumatismo, hemartrose ou artrite neuropática. Um algoritmo para a aspiração e análise do líquido sinovial é mostrado na Figura 393.6. O líquido sinovial deve ser analisado imediatamente para determinar seu aspecto, sua viscosidade e realizar a contagem celular. Os cristais de urato monossódico (observados na gota) são visualizados pela microscopia polarizada, sendo longos, com formato de agulha, com birrefringência negativa e, em geral, intracelulares. Na condrocalcinose e na pseudogota, os cristais de pirofosfato de cálcio di-hidratado em geral são curtos, com formato romboide e birrefringência positiva. Quando se suspeita de infecção, devem ser realizadas a coloração Gram e cultura apropriada do líquido sinovial. Se houver suspeita de artrite gonocócica, devem-se realizar testes de amplificação de ácido nucleico para detectar a infecção por Chlamydia trachomatis ou N. gonorrhoeae. O líquido sinovial dos pacientes com monoartrite crônica também deve ser cultivado para M. tuberculosis e fungos. Por último, deve ser assinalado que, ocasionalmente, as artrites séptica e induzida por cristais ocorrem juntas na mesma articulação. FIGURA 393.6 Abordagem algorítmica para uso e interpretação da aspiração e da análise do líquido sinovial. PMN, polimorfonucleares (leucócitos). DIAGNÓSTICO POR IMAGEM NAS DOENÇAS ARTICULARES A radiografia convencional é um instrumento extremamente valioso no diagnóstico e no estadiamento dos distúrbios articulares. As radiografias simples são mais adequadas e custo-efetivas se houver história de traumatismo, suspeita de infecção crônica, incapacidade progressiva ou comprometimento monoarticular; quando se considera a necessidade de alterações terapêuticas; ou quando se deseja obter uma avaliação basal para a suspeita de um processo crônico. Entretanto, na artrite inflamatória aguda, a radiografia precoce raramente é útil para estabelecer o diagnóstico, podendo revelar apenas tumefação dos tecidos moles ou desmineralização justarticular. À medida que a doença progride, a calcificação (dos tecidos moles, cartilagem ou osso), o estreitamento do espaço articular, as erosões, a anquilose óssea, a formação de osso novo (esclerose, osteófitos ou periostite) ou os cistos subcondrais podem instalar-se e sugerir entidades clínicas específicas. O parecer de um radiologista ajuda a definir a modalidade ideal de exame de imagem, a técnica ou o posicionamento, e a evitar estudos adicionais desnecessários. Outras técnicas de imagens podem comportar maior sensibilidade diagnóstica e facilitar o diagnóstico precoce em um número limitado de distúrbios articulares assim como em circunstâncias selecionadas, sendo indicadas quando a radiografia convencional é inadequada ou não é diagnóstica (Quadro 393.5). A ultrassonografia mostra-se útil na identificação de anormalidades dos tecidos moles, como tendinite, tenossinovite, entesite, bursite e neuropatias por encarceramento. Atualmente, o seu uso mais disseminado, menor custo, melhor tecnologia e transdutores de maior especificidade possibilitam o uso rotineiro da ultrassonografia de modo ambulatorial. Em virtude de seu baixo custo, portabilidade e uso mais disseminado, a ultrassonografia tem sido realizada cada vez mais e constitui o método preferido para a avaliação de cistos sinoviais (de Baker), lacerações do manguito rotador, tendinite e lesão de tendões e depósito de cristais na cartilagem. O uso do Doppler possibilita a detecção precoce de sinovite e erosões ósseas. A cintilografia com radionuclídeos é um meio muito sensível, porém pouco específico para identificar as alterações inflamatórias ou metabólicas no osso ou nas estruturas periarticulares dos tecidos moles. A cintilografia é mais bem apropriada para avaliação corporal total (extensão e distribuição) de comprometimento ósseo (neoplasia, doença de Paget) e para avaliação de pacientes com poliartralgias não diagnosticadas, à procura de artrite oculta. O uso da cintilografia declinou com o maior uso e o menor custo da ultrassonografia e da RM. A resolução limitada do contraste tecidual da cintilografia pode obscurecer a distinção entre um processo ósseo e um periarticular, podendo tornar necessário o uso adicional da RM. A cintilografia, utilizando leucócitos marcados com 99mTc, 67Ga ou 111In, é aplicada em vários distúrbios articulares com sucesso variável (Quadro 393.5). Embora a cintilografia com difosfato [99mTc] possa ser útil na identificação de infecção óssea, neoplasia, inflamação, aumento do fluxo sanguíneo, remodelamento ósseo, formação heterotópica de osso ou necrose avascular, a RM é preferida na maioria dos casos. A cintilografia com gálio utiliza 67Ga, que se fixa nas transferrina e lactoferrina séricas e celulares, sendo captado preferencialmente pelos neutrófilos, macrófagos, bactérias e tecidos tumorais (p. ex., linfoma). Assim, é usada principalmente na identificação de infecção ou neoplasias malignas ocultas. A cintilografia com leucócitos marcados com 111In é usada para identificar a osteomielite ou as artrites infecciosas e inflamatórias. Apesar de sua utilidade, a cintilografia com leucócitos marcados com 111In ou com 67Ga foi substituída, em grande parte, pela RM, exceto quando há suspeita de infecções articulares ou de próteses articulares sépticas. QUADRO 393.5 TÉCNICAS DE IMAGENS DIAGNÓSTICAS PARA OS DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS Método Tempo de imagem (h) Custoa Indicações atuais Ultrassonografia < 1 ++ Cistos sinoviais (de Baker) Lacerações do manguito rotador Bursite, tendininte, lesão de tendões Entesite Síndrome do túnel do carpo Depósito de urato ou de pirofosfato de cálcio na cartilagem Detecção precoce de inflamação sinovial ou erosões Injeção/artrocentese guiada por ultrassonografia Cintilografia com radionuclídeos 99mTc 1-4 ++ Levantamento para metástases ósseas Avaliação da doença de Paget Identificação de artrite oculta em pacientes com poliartralgia não diagnosticada Leucócitos marcados com 111In 24 +++ Infecção aguda Infecção de prótese Osteomielite aguda 67Ga 24-48 ++++ Infecção aguda e crônica Osteomielite aguda Tomografia computadorizada (TC) < 1 +++ Hérnia de disco intervertebral Sacroiliíte Estenose do canal vertebral Traumatismo vertebral Osteoma osteoide Fratura de estresse TC de dupla energia < 1 ND Depósito de ácido úrico Localização de tofos Ressonância magnética ½ a 2 ++++ Necrose avascular Osteomielite Artrite séptica, próteses articulares infectadas Sacroiliíte em estágio inicial Perturbação intra-articular e lesão dos tecidos moles Perturbações do esqueleto axial e da medula espinal Hérnia de disco intervertebral Sinovite vilonodular pigmentada Patologias muscular inflamatória e metabólica aCusto relativo para um exame de imagem. Abreviações: ND, não disponível no comércio. A tomografia computadorizada (TC) proporciona uma visualização detalhada do esqueleto axial. As articulações previamente consideradas difíceis de serem visualizadas pela radiografia (p. ex., articulações dos processos articulares, sacroilíaca, estenoclavicular, do quadril) podem ser avaliadas efetivamente com a TC. A TC demonstrou ser útil no diagnóstico das síndromes de dor lombar (p. ex., estenose vertebral vs. disco herniado), sacroiliíte, osteoma osteoide e fraturas de estresse. A TC helicoidal ou espiral (com ou sem angiografia contrastada) é uma nova técnica, rápida, custo-efetiva e sensível no diagnóstico da embolia pulmonar ou das fraturas obscuras, na maioria das vezes na vigência de achados inicialmente duvidosos. A TC de alta resolução pode ser indicada na avaliação da doença pulmonar infiltrativa suspeitada ou estabelecida (p. ex., esclerodermia ou pulmão reumatoide). A recente utilização de híbridos (tomografia por emissão de pósitrons [PET]/TC ou TCpor emissão de fótons únicos [SPECT]) nas avaliações metastáticas incorporou a TC a fim de proporcionar melhor visualização anatômica nas anormalidades cintigráficas. A 18F-fluorodesoxiglicose (FDG) é o radiofármaco mais comumente usado na PET. A FDG-PET/TC têm sido raramente usadas na avaliação da artrite séptica ou inflamatória. A TC de dupla energia (DECT) desenvolvida em urologia para a identificação de cálculos urinários, tem sido um método altamente sensível e específico utilizado para identificar e quantificar o depósito de ácido úrico nos tecidos (Fig. 393.7). FIGURA 393.7 Tomografia computadorizada de dupla energia (DECT) de uma mulher de 45 anos de idade com tumefação do tornozelo direito ao redor do maléolo lateral. Essa imagem de DECT tridimensional em volume coronal reformatada mostra que a massa é composta de urato monossódico (em vermelho), consistente com um tofo (seta). (Usada, com autorização, de S Nicolaou et al: AJR 194:1072, 2010.) A RM representou um avanço significativo na capacidade de fornecer imagens das estruturas musculoesqueléticas. A RM tem a vantagem de proporcionar imagens multiplanares com detalhes anatômicos finos e resolução contrastada (Fig. 393.8), que possibilita a capacidade superior de visualizar a medula óssea e as estruturas periarticulares de tecidos moles. Apesar de mais dispendiosa e com um tempo mais prolongado de procedimento que a TC, a RM tornou-se a técnica preferida quando se avaliam distúrbios musculoesqueléticos complexos. FIGURA 393.8 Sensibilidade superior da imagem de ressonância magnética (RM) no diagnóstico de osteonecrose da cabeça do fêmur. Uma mulher de 45 anos de idade em uso de glicocorticoides em altas doses desenvolveu dor no quadril direito. A radiografia convencional (acima) demonstrou apenas ligeira esclerose da cabeça do fêmur direita. A RM ponderada em T1 (abaixo) revelou um sinal de baixa densidade na cabeça do fêmur direita, diagnóstico de osteonecrose. A RM pode fornecer imagens da fáscia, vasos, nervos, músculos, cartilagem, ligamentos, tendões, pannus, derrames sinoviais e medula óssea. A visualização de determinadas estruturas pode ser realçada alterando-se a frequência dos pulsos de forma a produzir spin-eco ponderado em T1 ou T2, gradiente-eco ou imagens com recuperação da inversão (incluindo a recuperação da inversão com tau curto [STIR]). Por causa de sua sensibilidade para as alterações na gordura medular, a RM é um instrumento sensível, porém inespecífico, para identificar osteonecrose, osteomielite e inflamações da medula óssea indicativas de sinovite ou osteíte sobrejacentes (Fig. 393.8). Em virtude da maior resolução para tecidos moles, a RM é mais sensível do que a artrografia ou a TC no diagnóstico de lesões dos tecidos moles (p. ex., lacerações do menisco e do manguito rotador), perturbações articulares; anormalidades da medula (osteonecrose, mieloma); e lesão da medula espinal ou de raízes nervosas, sinovite ou dano ou perda da cartilagem. AGRADECIMENTOS O autor agradece as contribuições do Dr. Peter E. Lipsky para este capítulo em edições anteriores. 394 Osteoartrite David T. Felson A osteoartrite (OA) é o tipo mais comum de artrite. Sua alta prevalência, especialmente nos idosos, e a alta taxa de incapacitação relacionada com essa doença fazem-na a principal causa de incapacitação nos idosos. Devido ao aumento da prevalência da obesidade, um importante fator de risco, e devido ao envelhecimento das populações ocidentais, a ocorrência de osteoartrite encontra-se em ascensão. Nos Estados Unidos (EUA), a prevalência da OA deverá aumentar 66-100% por volta do ano 2020. A OA afeta certas articulações, porém poupa outras (Fig. 394.1). As articulações afetadas em geral são as da coluna cervical e lombossacral , o quadril, o joelho e a primeira articulação metatarsofalângica (MTF). Nas mãos, as articulações interfalângicas distais e proximais, assim como a base do polegar, são afetadas com frequência. Em geral, são poupados o punho, o cotovelo e o tornozelo. As articulações humanas foram desenvolvidas, em um sentido evolutivo, para macacos braquiados, animais que ainda andavam em quatro patas. Assim, os humanos desenvolveram OA em articulações que não foram adequadamente projetadas para tarefas humanas, como preensão com a mão (OA na base do polegar) e caminhar na posição ereta (OA dos joelhos e quadris). Algumas articulações, como os tornozelos, podem ser poupadas, visto que sua cartilagem articular pode ser extremamente resistente aos estresses de sobrecarga. Parte 15: Distúrbios imunomediados, inflamatórios e reumatológicos Seção 3 | Distúrbios das articulações e tecidos adjacentes 393. Abordagem aos distúrbios articulares e musculoesqueléticos 394. Osteoartrite
Compartilhar