também que não tinha desenvolvido o destemor do conflito ou a verdadeira autonomia de Artemis. Perséfone espelha os sentimentos que muitas de nós experimentamos enquanto adolescentes. Sua força ou fraqueza foi outro "Aha!": aquela habilidade familiar de esperar pela imagem de alguém mais e pelas expectativas a serem projetadas em nós, se a de um homem determinado ou a da sociedade, aquele "experimento" de identidades. Assim foi a leitura constante e o hábito de viver intelectualmente, que são típicos de Atenas; a consciência difusa e receptiva de Hera, Deméter e Perséfone; e a importância da intensidade e espontaneidade sobre a permanência no trabalho criativo. As outras deusas são instrutivas pelas qualidades que faltam em nós mesmas e que precisamos desenvolver, ou qualidades que vemos nas pessoas ao nosso redor e não compreendemos. Por exemplo, aprendi de Héstia seu modo contemplativo de fazer suas tarefas diárias, as quais podem ser uma disposição e classificação de prioridades quando consideradas de modo mais simbólico e espiritual. Invejei Atenas e Artemis por suas consciências enfocadas, e senti mais compreensão para com os homens que têm aprendido a não "observar" ou iluminar muitas coisas na periferia da visão. Por exemplo, daquelas duas deusas independentes aprendi que conflito e hostilidade devem ser necessários e até mesmo positivos, e não deveriam ser tomados pessoalmente. A análise sensível que a autora faz dos arquétipos tira as deusas do seu contexto patriarcal de simples proezas e as devolve a nós como mulheres autênticas, exageradas, mas acreditáveis. De agora em diante, por exemplo, quando estou com saudades daquelas conversas mágicas e espontâneas, nas quais o todo torna-se mais do que a soma de suas partes, improvisando com cada pessoa como na música, deveria pensar nas qualidades de Afrodite. Quando necessito retirar-me para o lar e também de contemplação, Héstia pode me conduzir ao caminho. Quando me falta coragem para encarar o conflito para o bem meu ou de outras mulheres, Artemis é uma boa mulher a ser lembrada. Não importa o que vem primeiro, se a realidade ou a imaginação da realidade. Como escreve Jean Houston em The Possible Human: "tenho sempre pensado num mito como alguma coisa que nunca existiu, mas que está sempre acontecendo". Conforme nos conduzimos para fora das sociedades de desigualdade, os deuses e as deusas podem se tornar uma única realidade. Entretanto, este livro nos oferece, novos caminhos, novos modos de ver e de vir a ser. Você pode encontrar um mito que evocará em você a realidade. Gloria Steinem AGRADECIMENTOS Cada capítulo deste livro tem muitos colaboradores anônimos - pacientes, amigas e colegas - que exemplificaram aspectos de cada arquétipo de deusa, ou proporcionaram insights. Muitas descrições são, por esse motivo, composição de muitas mulheres, por mim conhecidas em muitas circunstâncias, especialmente através de vinte anos de prática psiquiátrica. E um privilégio ter a confiança de pessoas que revelam suas intimidades a mim, possibilitando-me compreender melhor sua psicologia e, através delas, a psicologia dos outros, incluindo a minha própria. Meus pacientes são meus melhores professores. A todos eles, obrigada. Tenho sido abençoada e remunerada por muitos editores, cada um dos quais contribuiu para o desenvolvimento deste livro e para o meu crescimento como escritora durante os três anos em que trabalhei no manuscrito: direção editorial e crítica vinham de Kirstn Grimstad, Kim Chernin, Marilyn Landau, Jeremy Tarcher, Stephanie Bernstein e Linda Purrington, a quem recorri para editar o texto. E com as diferentes perspectivas deles, aprendi também a confiar em minha própria voz e visão, que foi uma lição em si mesma e levou a uma troca de editores. Nesse sentido, o encorajamento de Kim Chernin foi especialmente valioso. Meus agradecimentos também a Nancy Berry, que trabalhou habilidosamente e rapidamente com a máquina de escrever e o computador; para John Brockman e Katinka Matson, que acrescentaram sua perspectiva conhecedora a um difícil processo de "surgimento” do livro e para meu editor, Clayton Carlson da Harper & Row, que através de sua intuição e consideração pessoal pelo meu primeiro livro, The Tao of Psychology, acreditou em mim e em As deusas e a mulher. Meus familiares foram resolutos patrocinadores enquanto eu trabalhava neste livro no meio deles. Há muito tempo decidi que, se fosse escrever, eu o faria sem afastar-me deles ou fechando uma porta entre nós. Estaria disponível e presente, ao mesmo tempo que precisaria de sua consideração. Meu marido Jim e meus filhos Melody e Andy estiveram comigo em todo o caminho nesse projeto. Em adição ao apoio emocional, Jim emprestava de tempo em tempo seu olho profissional como editor para meus escritos, encorajando me a confiar em meus próprios instintos para deixar em testamento exemplos e imagens que evocam sentimentos. E meu sincero agradecimento a muitas pessoas cujo apoio para terminar As deusas e a mulher veio em tempos sincronísticos - todas as vezes que me sentia desencorajada e precisava ser lembrada de que este livro poderia ser útil aos outros. Minha tarefa era perseverar até que o livro estivesse acabado. Uma vez publicado, sabia que ele teria vida própria e alcançaria quem quer que se supõe que ele possa alcançar. Da semente germina uma raiz, depois um broto; do broto, as folhas embrionadas; das folhas, o caule; ao redor do caule, os ramos; no topo, a flor... Não podemos dizer que a semente ou o solo causam o crescimento. Podemos dizer que as potencialidades para o crescimento encontram-se no interior da semente, no misterioso princípio vital que, quando convenientemente alimentado, assume determinadas formas. M. C. Richards, Centering in Pottery, Poetry and the Person Capa da edição de vinte anos da obra. Introdução HÁ DEUSAS EM CADA MULHER Toda mulher representa o papel principal na solução do que diz respeito à sua própria história existencial. Como psiquiatra, tenho ouvido centenas de histórias pessoais, e compreendo que há dimensões míticas em cada uma delas. Algumas mulheres procuram um psiquiatra quando estão desmoralizadas ou quando não estão atuando conforme se espera; outras o procuram quando sabiamente se dão conta de que foram surpreendidas numa situação que precisam julgar e modificar. Num e noutro caso, parece-me que elas procuram a ajuda de um terapeuta para aprenderem a ser melhores protagonistas ou heroínas nas histórias de suas próprias vidas. Para isso as mulheres precisam fazer escolhas conscientes, que irão dar rumo às suas vidas. Exatamente porque elas costumam não ter consciência dos poderosos efeitos que os estereótipos culturais exercem sobre elas, as mulheres podem também não ter consciência de poderosas forças que atuam no seu íntimo. Essas forças influenciam o que elas fazem e o modo como elas sentem. Neste livro estou apresentando essas forças na forma das deusas gregas. Esses poderosos padrões internos - ou arquétipos - são responsáveis pelas principais diferenças entre as mulheres. Por exemplo, algumas precisam da monogamia, do casamento, ou dos filhos para se sentirem realizadas. Elas se afligem e se encolerizam quando não conseguem seus objetivos. Para elas os papéis tradicionais são significativos. Tais mulheres diferem notadamente de outro tipo, aquele que dá mais valor à sua independência, enquanto enfoca alcançar objetivos que são importantes para elas; ou diferem ainda de outro tipo, aquele que procura intensidade emocional e novas experiências e, conseqüentemente, passa