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Loucura e exclusão

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Loucura e exclusão social*
07/08/2007 psicopauta Artigos
A loucura, desrazão ou insanidade, a destituição dos direitos dos portadores de enfermidades da mente e as alternativas para contornar esse grave problema social tem sido, ao longo de séculos, motivo de discussões, análises e teorizações. Erros vêm substituindo outros no trato com a questão e na busca pelas abordagens e soluções corretas. Desde a conceituação a práticas terapêuticas social e moralmente condenáveis, muitos têm sido os equívocos cometidos e os tormentos impostos ao doente mental. O que é, afinal, a doença mental? Quais parâmetros têm sido utilizados na delimitação e exploração desse tema? Qual é o lugar social do doente mental? A exclusão social tem funcionado mais como terapêutica, como “proteção” para os membros da sociedade ou não passa de instrumento para assegurar a ordem social vigente? São questões para as quais este estudo busca respostas.
CAUSAS DA DOENÇA MENTAL
“O conceito de enfermidade, seja física ou mental, implica em desvio de alguma norma claramente definida. No caso de enfermidade física, a norma é a integridade estrutural e funcional do corpo humano. Assim, apesar da conveniência da saúde como tal ser um valor ético, a questão o que é a saúde pode ser respondida em termos anatômicos e fisiológicos. Qual é a norma da qual o desvio é considerado doença mental? Essa questão não pode ser respondida facilmente, mas qualquer que seja a norma, podemos estar certos de uma coisa: essa deve ser estabelecida em termos de conceitos psicossociais, éticos e legais Por exemplo: noções tais como “repressão excessiva”, e “agindo de acordo com um impulso inconsciente” ilustram o uso de conceitos psicológicos para julgar a assim chamada “saúde” ou “doença mental”. (…) Em resumo, quando alguém fala de doença mental, a norma à qual o desvio é comparado é um padrão psicossocial e ético. Contudo, medicamento é procurado em termos de medidas médicas que – se espera e se supõe – são livres da vasta gama de valores éticos. Desse modo, a definição e os termos nos quais se procura a cura da perturbação diferem bastante. O significado prático desse dissimulado conflito entre a alegada natureza da falha e a cura real só dificilmente poderia ser exagerado. (…) Já que as intervenções médicas são designadas para curar somente problemas médicos, logicamente é absurdo esperar que resolvam problemas cuja existência tem sido definida e estabelecida em bases não médicas” (Szasz, 1970:22).
O trecho acima é parte de um ensaio do psicanalista norte-americano Szasz, no qual ele critica o conceito de doença mental adotado pelas teorias e práticas psiquiátricas em que prevalece a analogia entre doença mental e doença corporal, uma concepção reducionista que confunde doença neurológica com problema existencial e interpreta a comunicação das pessoas com o mundo como sintoma de funcionamento neurológico. Szasz considera a Psiquiatria uma instituição essencialmente moral e política e um estratagema para evitar confrontações com os problemas sociais e os conflitos morais. Com essa prática perversa, essa ciência reduziria as vicissitudes da vida a doenças mentais. O psicanalista acusa as intervenções psiquiátricas nesses moldes de funcionarem, em muitos casos, como tirania política disfarçada de terapia.
Após a Segunda Guerra Mundial, segundo Luiz Fernando Dias Duarte (1993), reações ao reducionismo biomédico comprometido com a idéia de “doença mental” começam a ganhar força e se consolidam com enfoque no psicológico e no social. A primeira forma se apoia, sobretudo, na Psicanálise e a segunda, na crítica social às conseqüências do capitalismo e ascensão do industrialismo. A compreensão das perturbações orgânicas e/ou comportamentais é subordinada aos condicionamentos sociais. Surge, então, uma nova expressão em oposição a esse reducionismo biomédico: distúrbio ou aflição psicossocial, que contempla a ação concomitante e recíproca dos condicionamentos sociais e das dinâmicas psicológicas.
LUGAR SOCIAL DO DOENTE MENTAL
Paradoxalmente, o doente tem assistência do Estado para ser cidadão, mas é a própria assistência que lhe priva dos direitos individuais e o exclui do convívio social. No Ocidente, o enfermo mental, segundo Joel Birman (1991), é um cidadão não devidamente reconhecido pelo Estado, o que tem como conseqüência a privação e a negação da cidadania desses enfermos. Essa destituição de direitos tem produzido, ao longo dos anos, uma “dívida social”, devido à imposta exclusão social dos enfermos mentais. Birman atribui aos movimentos sociais da área de saúde mental a incumbência de resgatar a condição de cidadania aos doentes mentais. O assunto tem sido, há anos, tema de debates acerca da assistência psiquiátrica e do movimento antimanicomial.
As causas dessa “condição negativa de cidadania” seriam conjunturais ou estruturais? Birman argumenta que essa destituição “estabeleceu-se estruturalmente na tradição cultural e histórica do Ocidente quando, num lance decisivo, o campo da loucura foi transformado no campo da enfermidade mental, na aurora do século XIX” (Birman, 1991:73).
Ainda segundo Birman (1991), apoiado nas idéias de Foucault, atribuir ao louco o estatuto social de enfermo garantiu-lhe o direito à assistência e ao tratamento sob a proteção do Estado, mas autorizou também a sua exclusão social e a destituição da cidadania plena. Esse paradoxo estrutural da constituição histórica da doença mental estabeleceu-se no Ocidente com o advento da Revolução Francesa: “Foram esse modelo assistencial e essa racionalidade naturalista da medicina moderna, tributários do discurso do Iluminismo, que caucionaram a retirada provisória ou definitiva dos denominados direitos sociais do campo da loucura, com a única exceção de que, como enfermos mentais, os loucos teriam direito de ser cuidados medicamente e ser protegidos pelo Estado” (Birman, 1991:74).
EXCLUSÃO DOS ENFERMOS MENTAIS
No final do século XVIII, a assistência aos chamados na época de “alienados” passa por uma reorganização legal. Na Inglaterra, instituições privadas de beneficência recebem apoio do Estado para exercer função de restituidoras da sanidade e retificadoras de desvios morais. O Retiro, instituição comandada pelo quacre Samuel Tuke, se fortalece e conquista stauts de modelo com as concessões da nova legislação. Na França, a nova ordem social decorrente da Revolução Francesa cria ambiente favorável ao trabalho tido como “revolucionário” de Pinel em Bicêtre. Surgem, assim, dois “mitos” na história dos asilos de loucos. A primeira se destaca por experimentar o afastamento do centro urbano e proporcionar aos doentes mentais um ambiente de proximidade e integração com a natureza, aliado à moral cristã. A segunda, tornou-se célebre por ter “libertado” os loucos de correntes e proporcionado a eles “liberdade vigiada”. No entanto, Michel Foucault (1987) faz contundentes críticas aos modelos de recuperação das duas instituições:
“A operação, tal como era praticada no Retiro, ainda era simples: segregação religiosa para fins de purificação moral. A que é praticada por Pinel é relativamente complexa: trata-se de operar sínteses morais, assegurar uma continuidade ética entre o mundo da loucura e o da razão, mas praticando uma segregação social que garanta à moral burguesa uma universalidade de fato e que lhe permita impor-se como um direito a todas as forma da alienação” (Foucault, 1987: 488).
Mais recentemente, Sérvulo A. Figueira (1978), analisando o conceito de doença mental a partir da relação entre sintomas e ordem pública, afirma que o comportamento psicótico se opõe ao que se considera ordem pública, especialmente a parte que governa as pessoas, em virtude delas estarem na presença física imediata uma da outra. E acrescenta: “grande parte do comportamento psicótico é, antes de mais nada, um fracasso em acatar regras estabelecidas ou reforçadas por algum grupo encarregado de avaliar, julgar ou policiar” (Figueira, 1978:12).
A justificativa para a exclusão social do doente mentalé, quase sempre, a necessidade de ensinar a eles regras e condições de convívio social ou de proteger os “normais” de ações insanas. Para Birman (1991), trata-se da imposição de um tratamento moral:
“Instalado forçosamente na periferia do espaço social, nos confins do espaço urbano, nos limites da cidade e da razão, o louco como um não sujeito e como um quase sujeito seria ativamente convertido em sujeito da razão e da vontade, mediante as técnicas de sociabilidade asilar impostas pelo tratamento moral. Somente dessa maneira poderia a figura assujeitada da doença metal ser restaurada na condição de sujeito do contrato social, após ter sido submetido à força ao treinamento moral e ao aprendizado das regras básicas que regulariam as trocas sociais individualizadas” (Birman, 1991:75).
A família tem importância e participação cruciais tanto na exclusão social dos doentes mentais quanto nos processos de cura e reintegração. A opção por uma instituição asilar nem sempre é motivada pelo desejo de “livrar-se do problema”, do “estorvo” ou “motivo de vergonha”. Considerando-se os casos em que as relações de afetividade e responsabilidade são verdadeiras, o afastamento – temporário ou não – do doente pode significar falta absoluta de alternativa, havendo circunstâncias como falta de estrutura física e financeira para atender às necessidades do enfermo e existindo até risco de vida face à insanidade grave e descontrolada. No estudo “Manejo Comunitário, Saúde Mental e Experiência da Pessoa” (Caroso, Rodrigues e Almeida-Filhos, 1998:71) os pós-graduandos em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul destacam o papel da família e das redes de parentesco no processo de reconhecimento e tratamento das doenças mentais:
“Ele (o processo) se opõe ao modelo desenvolvido pela medicina tradicional, segundo o qual a doença é pensada como um fenômeno preponderantemente orgânico e, sendo assim tratada, desvincula-se dos condicionamentos sócio-estruturais, o que em algumas situações dificulta a reinserção social do doente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Ocidente, a preocupação dos Estados e dos profissionais a serviço deles parece estar menos relacionada ao real estado psicossomático do indivíduo, seus direitos e suas necessidades, e mais com o tipo de relação que ele mantenha com os demais membros da sociedade. Isso significa dizer que os interesses coletivos do Estado têm sido privilegiados em detrimento dos interesses dos doentes mentais. A sociedade adoece as pessoas e, em a doença se manifestando publicamente, as exclui, punindo-as por terem deixado de se “enquadrar” nas exigências, necessidades e nos modelos coletivos. Em seguida, tenta recuperá-las recorrendo aos mesmos instrumentos ou mecanismos de controle que as adoeceram. Tão paradoxal quanto o afastamento do doente mental do convívio social para adequá-lo ao espaço social do qual fazem parte é a utilização de técnicas igualmente opressoras e semelhantes às causas do distúrbio. No entanto, apesar de se aceitar os questionamentos contrários à exclusão social dos enfermos mentais como sendo racionais e humanitários e reconhecer os reais direitos a tratamento social e terapêutico digno, não se pode ignorar as também reais necessidades das pessoas ditas normais, que não podem ter as vidas expostas à insanidade ameaçadora dos doentes. Qual é, então, a solução? Como tratar a questão sem incorrer em exageros ideológicos ou equívocos sociais? Essa reflexão apenas aponta a necessidade de se continuar analisando a questão em busca de respostas e soluções de consenso.
*Título original do artigo: Construção cultural de doença mental e justificativas para a exclusão do doente mental
Autoras: Bruna Lira de Luca; Carmelita Gomes Rodrigues, Fernanda Daltro, Rosemary Borges (supervisão de José BizerrilNeto, antropólogo e professor universitário)
http://monografias.brasilescola.uol.com.br/saude/saude-mental.htm

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