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Trump & Putin

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BOLETIM DE CONJUNTURA
NERINT
ISSN: 2525-5266
volume 1 | número 4 | janeiro 2017
BOLETIM DE CONJUNTURA
NERINT
Bol. Conj. Nerint Porto Alegre v.1 n.4 p. 1-91 jan/2017
FOCO E ESCOPO
As Relações Intrernacionais têm conhecido notável aceleração nos
anos e, inclusive, meses mais recentes. Acontecimentos impactantes
estão se sucedendo já a um ritmo semanal. Assim, as pesquisas
de longo prazo desenvolvidas no NERINT (Núcleo Brasileiro de
Estratégia e Relações Internacionais) passaram a necessitar
de uma análise qualificada de curto prazo que se enquadre em
suas linhas de pesquisa. Deste modo, damos início à publicação
do Boletim de Conjuntura, que abrangerá, sucessivamente, os
temas de Ásia e Oriente Médio, Brasil (e seu entorno estratégico) e
Sistema Mundo. O boletim será publicado bimestralmente, estando
a cargo dos pós-graduandos e pesquisadores de IC do NERINT, sob
supervisão de seus professores. A análise de conjuntura, mais do
que uma apreciação jornalística dos fatos, pode ser um elemento
valioso para acompanhamento das pesquisas permanentes do
Núcleo, contribuindo para confirmar ou rejeitar certas hipóteses.
Assim, o NERINT busca contribuir para a qualificação dos estudos
internacionais no Brasil.
FOCUS AND SCOPE
The field of International Relations has experienced remarkable
accelaration in the recent years and even months. Impactful events
are occurring in a weekly rhythm. Thus, long-term research carried out
by NERINT (Brazilian Center of Strategy and International Relations)
now requiers qulified and short-term analysis that can properly fit
its lines of research. With that in mind, we decided to publish a
periodic Conjuncture Bulletin covering, successively, the topics of
Asia and the Middle East, Brazil (and its strategic surroundings) and
the World System. It will be published every two months by graduate
and undergraduate students and researchers of NERINT, under the
supervision of its professors. The conjuncture analysis, rather than
a journalistic assessment of the facts, can be a valuable tool for
monitoring NERINT’s on-going research, contributing to confirm or
reject certain hypothesis. Therefore , NERINT seeks to contribute to
the qualification of international studies in Brazil.
EDITOR/Editor
Paulo Visentini (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
CONSELHO EDITORIAL/Editorial Board
Analucia Danilevicz Pereira (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Carlos Schmidt Arturi (Universidade Federal do Rio Grande Sul, Brasil)
Chirs Landsberg (University of Johannesburg, South Africa)
Eduardo Migon (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Brasil)
Érico Esteves Duarte (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Fabio Morosini (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Gladys Lechini (Universidad Nacional de Rosario, Argentina)
Immanuel Wallerstein (Yale University, United States of America)
José Miguel Quedi Martins (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Marcelo Milan (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Marco Cepik (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Ruchita Beri (Institute for Defence Studies and Analysis, India)
EDITOR ASSISTENTE/Assistant Editor
Guilherme Thudium (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
ASSISTENTE DE EDIÇÃO/Edition Assistant
Maria Gabriela Vieira (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
CAPA E LAYOUT/Covering and Layout
Marcela Quintela Trujillo
CONTATO/Contact:
CONTATO/Contact
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Ciências Econômicas 
Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais
Av. João Pessoa, 52, sala 12A - Mezanino - CEP 90040-000 - Centro - Porto Alegre/RS - Brasil 
Tel:+55 51 3308-315
e-mail: nerint@ufrgs.br
Bol. Conj. Nerint | Porto Alegre | v.1 n. 4 | p. 1-91 | jan/2017 | ISSN: 2525-5266
3
EDITORIAL: TRUMP & PUTIN
 
 A vitória eleitoral do candidato Republicano Donald Trump surpreendeu aqueles que estavam acostumados 
a pensar o sistema internacional como um mecanismo consolidado e estável. Durante a campanha, chamou 
atenção como os grandes atores políticos, inclusive do statu quo, atacaram Trump, assim, apoiando sua adversária. 
Mas a vitória de Trump não deveria surpreender tanto, na medida em que nos últimos anos vêm se acumulando 
tensões, contradições e problemas não resolvidos em todos os campos. É possível que sua agenda anti-Obama 
seja mitigada ou que seu governo sofra percalços que o obriguem a mudar de rumo. Mas a Casa Branca agora 
muito se parece com a que surgiu após a Primeira Guerra Mundial e durou até 1933.
 Um dos elementos desse debate foi a suposta “cartada russa” do “amigo Putin”, que teria a capacidade 
de definir uma eleição dos Estados Unidos. Para os grandes especialistas, entretanto, a política do Kremlin é 
cautelosa e etapista, dada as debilidades do país, especialmente com as atuais sanções econômico-diplomáticas. 
Assim, mais do que qualquer coisa, a russofobia ou Putinfobia, revelam os elementos intrínsecos à política das 
grandes potências Ocidentais: a crise interna das nações e os difíceis realinhamentos diplomático-militares. 
Apenas frente a uma Rússia ameaçadora se lograria enfrentar tais dificuldades.
 A política externa brasileira da gestão Michel Temer-José Serra, por sua vez, teve um brevíssimo período 
de afirmação por oposição ao discurso da anterior, mas logo teve que fazer frente a problemas reais e urgentes, 
especialmente no campo econômico. Os elementos de crise doméstica e internacional só têm se agravado. 
E a ascensão de Donald Trump apenas complicou a situação, havendo a necessidade de reformular a linha 
diplomática, que já demonstra sua preocupação com determinadas medidas da Casa Branca. Se é verdade 
que os Republicanos são predominantemente bilateralistas, a política externa brasileira se encontra num vácuo 
conjuntural, porque ninguém sabe exatamente qual será a postura de Trump em relação a países como o Brasil.
 Da mesma forma, o processo de pacificação na Colômbia, o relativo arrefecimento da crise venezuelana e a 
normalização das relações EUA-Cuba podem estar ameaçados. O caso mexicano é quase um problema de política 
interna norte-americana. Mas o triângulo Cuba-Colômbia-Venezuela pode ser um determinante para a formação 
de uma política latino-americana pelos Estados Unidos. Ela poderá tender a buscar reverter as tendências atuais, 
ou pode vir a distanciar-se das complicações latino-americanas. Mais do que nunca, as análises de conjuntura 
precisam estar afinadas com a realidade.
***
 Agradecemos aos Pesquisadores Assistentes do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais, em 
particular ao Editor Assistente Guilherme Thudium, à Assistente de Edição Maria Gabriela Vieira e à designer Marcela 
Quintela Trujillo. Agradecemos também a participação dos Pesquisadores do NERINT Marcelo Milan e Sonia Ranincheski, 
e da Pesquisadora Associada Cristina Soreanu Pecequilo, pela colaboração e orientação temática dos artigos desta quarta 
edição.
Paulo Fagundes Visentini
Coordenador1
1 Editor, Professor Titular de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Coordenador do Núcleo Brasileiro de 
Estratégia e Relações Internacionais (NERINT) e Pesquisador do CNPq.
Bol. Conj. Nerint | Porto Alegre | v.1 n. 4 | p. 1-91 | jan/2017 | ISSN: 2525-5266
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EDITOR’S NOTE: TRUMP & PUTIN 
 
 The election of Republican candidate Donald Trump to the United States presidency surprised those who 
were accustomed to think the international system as a consolidated and stable mechanism. During the campaign, 
it was interesting to note the main political figures, including the status quo, attack Trump, thus, supportinghis 
adversary. But Trump’s victory should not be so surprising, as tensions, contradictions, and unresolved issues have 
accumulated in recent years. It is possible that his anti-Obama agenda will be mitigated or that his government 
will suffer setbacks that force him to change course. But the White House now very much resembles the one after 
World War I, which lasted until 1933.
 One of the elements of this debate was the so-called „Russian card” by the „friend Putin,” who could 
supposedly be able to define the election in the United States. For some experts, however, Kremlin has a cautious 
and well calculated foreign policy given the weaknesses of the country, especially with the current economic and 
diplomatic sanctions. So, more than anything, Russophobia or Putinphobia, as addressed here, reveal intrinsic 
elements of great Western powers politics: their internal national crises and the difficult diplomatic and military 
realignments. It was only in the face of a threatening Russia that such difficulties could be dealt with.
 The Brazilian foreign policy of the Michel Temer-José Serra administration, by its turn, had a very brief 
period of affirmation by opposing the previous government’s diplomacy, but soon had to face real and urgent 
problems, especially in the economic field. The domestic and international crisis have only worsened, and the rise 
of Donald Trump only complicated the situation. There is a need to reformulate the new foreign policy approach, 
which already demonstrates concerns with certain measures by the White House. If it is true that the Republicans 
have a predominantly bilateral approach to international relations, Brazilian foreign policy finds itself in a temporary 
vacuum, because no one knows exactly what Trump’s stance will be towards Brazil and South America.
 In this sense, the pacification process in Colombia, the relative cooling of the Venezuelan crisis and the 
normalization of US-Cuba relations may be threatened. The Mexican case is almost a domestic US policy problem. 
But the triangle Cuba-Colombia-Venezuela can be a determinant for the formation of a Latin American policy by the 
United States. Washington may want to reverse current trends, or even refrain from Latin American complications. 
More than ever, conjuncture analysis need to be in tune with the reality.
***
 We thank the Research Assistants of the Brazilian Center of Strategy & International Relations (NERINT), in particular 
Assistant Editor Guilherme Thudium, Edition Assistant Maria Gabriela Vieira and the designer Marcela Quintela Trujillo. We 
also thank the participation of the Researchers Marcelo Milan and Sonia Ranincheski, and Associate Researcher Cristina 
Soreanu Pecequilo, for the collaboration and thematic orientation of the articles in this fourth edition.
Paulo Fagundes Visentini
Coordinator1
1 Editor, Full Professor of International Relations at the Federal University of Rio Grande do Sul (UFRGS), Coordinator of the Brazilian Center of Stra-
tegy and International Relations (NERINT) and Researcher for CNPq.
07
19
30
41
SUMÁRIO
A Ascensão de donAld Trump: perspecTivAs pArA A políTicA exTernA e de 
segurAnçA dos esTAdos unidos
Guilherme Thudium e João Paulo Alves 
 Com a colaboração de Cristina Soreanu Pecequilo
A russofobiA conTemporâneA: quem Tem medo de moscou?
Douglas de Quadros Rocha e Francine Juchem Salerno
 Com a colaboração de Paulo Fagundes Visentini
A políTicA exTernA brAsileirA de Temer-serrA: reTrAção políTicA e 
subordinAção econômicA
Raul Cavedon Nunes e Vitória Gonzalez Rodriguez
 Com a colaboração de Marcelo Milan
colômbiA, cubA e venezuelA: imporTânciA do Triângulo pArA A 
esTAbilidAde lATino-AmericAnA
Diego Luís Bortoli e Katiele Rezer Menger
 Com a colaboração de Sonia Ranincheski
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Bol. Conj. Nerint | Porto Alegre | v.1 n. 4 | p. 1-91 | jan/2017 | ISSN: 2525-5266
SUMMARY
The rise of donAld Trump: perspecTives for The uniTed sTATes’ foreign 
And securiTy policies
Guilherme Thudium and João Paulo Alves 
 With the colboration of Cristina Soreanu Pecequilo
The conTemporAry russophobiA: who is AfrAid of moscow?
Douglas de Quadros Rocha and Francine Juchem Salerno
 With the colaboration of Paulo Fagundes Visentini
The brAziliAn foreign policy of The Temer-serrA AdminisTrATion: 
poliTicAl reTrAcTion And economic subordinATion
Raul Cavedon Nunes and Vitória Gonzalez Rodriguez
 With the colaboration of Marcelo Milan
colombiA, cubA, And venezuelA: imporTAnce of The TriAngle for 
lATin AmericAn sTAbiliTy
Diego Luís Bortoli and Katiele Rezer Menger
 With the colaboration of Sonia Ranincheski
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A Ascensão de donAld Trump: perspecTivAs pArA A políTicA exTernA e de 
segurAnçA dos esTAdos unidos *
Guilherme Thudium1 e João Paulo Alves2
 • Após uma polêmica campanha eleitoral, Donald Trump ascendeu à Presidência dos 
Estados Unidos da América prometendo desenvolver novas diretrizes diplomáticas para o país.
 • As perspectivas levantadas para a administração Trump apontam para uma retomada do 
nacionalismo e do unilateralismo na esfera internacional, bem como de um relativo isolacionismo. 
 • As relações bilaterais com a China prometem passar por um processo de deterioração 
econômico-diplomático, porém uma “guerra comercial” seria contraproducente para ambos os 
países.
1 Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na 
linha de pesquisa “Política Internacional e Defesa”. Pesquisador Assistente do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais 
(NERINT). Contato: guilherme.thudium@ufrgs.br
2 Graduando em Relações Internacionais pela UFRGS em mobilidade acadêmica na University of Texas at Austin. Pesquisador 
Assistente do NERINT. Contato: joaop.ma22@gmail.com
* Com colaboração de Cristina Soreanu Pecequilo, Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e Pesquisadora 
Associada do NERINT.
Apresentação
 No dia 20 de Janeiro de 2017, Donald J. 
Trump tomou posse como 45º Presidente dos 
Estados Unidos da América (EUA). O bilionário 
do mercado imobiliário de Nova Iorque, que 
nunca assumira um cargo público até então, 
venceu a candidata do Partido Democrata, Hillary 
Clinton, como sucessor do presidente Barack 
Obama (2009/2016). Para fazer uma análise 
das possíveis vertentes diplomáticas do governo 
Trump, mostra-se necessário olhar brevemente 
para a singular trajetória que o levou a ocupar o 
mais alto cargo da única superpotência do sistema 
mundial contemporâneo.
Em um primeiro momento, nesse prisma, buscamos 
traçar um panorama da trajetória de Trump à 
presidência dos EUA, abordando a campanha 
eleitoral iniciada em Junho de 2015. A seguir, 
cientes da dificuldade de se fazer projeções de 
curto prazo no cenário atual e da característica por 
vezes demagógica e, portanto, de difícil predição 
da nova administração, buscamos apontar as 
principais linhas que podem vir a ser adotadas em 
política externa e de segurança. Ao mesmo tempo, 
utilizamos análises recentes de consolidados 
acadêmicos de relações internacionais, muitos 
deles americanos, para este fim.
Assume-se, como hipótese, que as possíveis 
abordagens da nova política externa da 
administração Trump buscam redefinir o papel 
dos EUA no sistema mundial em transformação, 
e trazem consigo inevitáveis consequências para 
outras grandes potências do sistema. Antes das 
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considerações finais,nesse sentido, o artigo 
apresenta perspectivas para as relações bilaterais 
com a China, atentando para as dimensões 
econômica, política e securitária envolvidas.
A ascensão de Trump
 Analisando a eleição de Donald Trump, o 
atual presidente é o primeiro na história dos EUA 
a chegar à Casa Branca sem qualquer experiência 
política ou serviço militar anterior. Trump foi o 19º 
Presidente eleito pelo Partido Republicano, porém 
deixou claro desde o início da sua campanha 
que suas visões políticas, sejam elas domésticas 
ou externas, não necessariamente se alinham 
às vertentes ideológicas majoritárias entre 
republicanos.
Muito por essa razão, Trump teve de superar não 
só a agenda democrata, como também, de certa 
forma, a própria doutrina política republicana. Ted 
Cruz, Senador pelo estado do Texas e principal 
adversário nas primárias, se recusou a apoiá-
lo, mesmo depois de derrotado. Movimentos 
como “Never Trump” (ou Stop Trump Movement), 
organizados durante as primárias por figuras 
políticas republicanas, incluindo o ex-candidato 
à presidência em 2012, Mitt Romney, e demais 
organizações conservadoras, evidenciam a forte 
divisão que prevaleceu. O pleito eleitoral que levou 
os republicanos à presidência foi, ainda, marcado 
por fortes divergências com o Presidente da 
Câmara dos Representantes, uma das principais 
lideranças do Partido Republicano, Paul Ryan.
Trump, dessa forma, construiu sua campanha 
apoiado em uma retórica extremamente crítica 
ao establishment, incluindo o seu partido. O atual 
presidente sempre fez questão de se manter à 
margem da política ‘tradicional’, “e comporta-se, 
desde que se tornou pré-candidato, como em um 
reality show” (Pecequilo 2016a). Trump sintetizou 
a imagem de um outsider – assim como Bernie 
Sanders, adversário de Hillary Clinton nas primárias 
do Partido Democrata, porém ideologicamente 
dessemelhante – que levará ordem e prosperidade 
à Washington, gerindo o país como uma empresa 
(Pecequilo 2016a).
As eleições de 2016 foram marcadas por disputas 
polarizadas e visões divergentes sobre os EUA e 
o seu papel no sistema mundial pós-Guerra Fria. 
Ainda que o país se encontre em um processo 
de recuperação econômica, deixando para trás 
a recessão de 2007/2008, os pré-candidatos de 
ambos partidos – à exceção de Hillary Clinton, 
que defendia a continuidade do legado de Barack 
Obama – majoritariamente apontaram a existência 
de um país em profunda crise econômica, política 
e estratégica (Pecequilo 2016a). E, embora já 
exista uma ofensiva que coloca em xeque as 
previsões de declínio da hegemonia americana, 
com medidas de contenção de nações como 
China, Rússia, Brasil e Índia (Pecequilo 2016a), 
os próprios slogans dos candidatos refletiram 
essa tendência reativa: Make America Great Again 
(Trump), ou A New American Century (Rubio), 
por exemplo, podem ser vistos, por si só, como 
manifestações hegemônicas e de política externa.
É inegável, contudo, que os EUA possuem problemas 
sociais e econômicos. Assim, Trump concentrou 
seu discurso para atingir o eleitorado trabalhador 
de classe média, prometendo trazer empregos de 
volta e mobilizando uma fatia negligenciada do 
eleitorado, empurrando sua agenda para o topo 
das prioridades do país (Fukuyama 2016). Ao 
fazer isso, apontou problemas reais: a crescente 
desigualdade, que atingiu em cheio a antiga classe 
média, e a captura do sistema político por grupos 
de interesse organizados para este fim (Fukuyama 
2016), além da questão da violência, do crime e 
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das drogas – o que Trump chegou a denunciar 
como uma “carnificina em andamento” no país.
Nos últimos 20 anos, os EUA experimentaram 
uma maciça desindustrialização, com a evasão 
de ativos e capitais para o México e para a China. 
Fora isso, a crescente automatização da indústria, 
que acompanha os experimentos asiáticos nesse 
campo, e as políticas ambientais de Barack Obama, 
principalmente em seu segundo mandato, traçam 
um cenário no qual será extremamente difícil para 
Trump manter suas promessas para a economia 
e redução do desemprego. Em política externa, 
apesar do discurso aparentemente retrativo, Trump 
defende a retomada do protagonismo das forças 
armadas. Tal disposição, contudo, se somada 
às políticas de redução tributária que pretende 
implementar, pode acarretar mais problemas 
econômicos, como aumento da inflação.
Políticos e jornalistas, todavia, criticam Trump quase 
que unicamente em função de sua personalidade, 
e acabam cometendo o erro de desacreditar 
qualquer profundidade e consistência ao seu 
discurso, principalmente sobre política externa. A 
gênese da política externa do novo presidente está 
baseada em uma crítica às diretrizes de defesa e 
projeção tomadas pelos EUA desde o epílogo da 
Guerra Fria, bem como na noção de uma “América 
enfraquecida” no plano internacional, tema já 
há muito explorado pelos neoconservadores 
norte-americanos e um discurso corrente desde 
a campanha presidencial de George W. Bush em 
2000. Trump argumenta que muitos países aliados 
aos EUA estão há décadas se aproveitando da 
liderança norte-americana, que gasta bilhões de 
dólares para proteger navios que não são seus e 
transportar recursos que não necessita a aliados 
que não retribuem esses esforços. Ele defende 
a imposição de uma espécie de ‘imposto global’ 
às nações ricas que se aproveitam da presença 
militar, com o objetivo de reduzir os déficits e 
desonerar o crescimento econômico do país. 
Em 1987, Trump desembolsou US$ 100,000 
para publicar um comentário de página inteira 
em três dos principais jornais dos EUA – New York 
Times, Washington Post e Boston Globe – no qual 
já sintetizava suas principais críticas à política 
externa e de defesa estadunidense (Wright 
2016a). Nota-se que, ao contrário do que se possa 
presumir, algumas posições de Trump não são 
novas ou efêmeras – e o mesmo pode ser dito das 
suas aspirações à presidência. No mesmo ano de 
1987, Trump cogitou concorrer com George H. W. 
Bush pela candidatura republicana nas eleições 
de 1988, e, em 1999, Trump foi persuadido 
pelo governador de Minnesota, Jesse Ventura, a 
concorrer pelo Partido Reformista dos EUA nas 
eleições de 2000, naquela que foi a sua primeira 
campanha presidencial oficial. Trump, todavia, 
retirou sua candidatura no dia 14 de Fevereiro de 
2000, criticando a falta de coesão ideológica do 
partido.
Dentre todas as opiniões controversas do 
bilionário no curso da campanha eleitoral de 
2016, entretanto, algumas das mais polêmicas 
ficam por conta das restrições migratórias que 
pretende implementar. O presidente americano 
planeja construir uma muralha na fronteira 
com o México – cujo custo pretende impor ao 
governo mexicano –, principal parceiro econômico 
dos EUA. Trump também sinalizou que irá 
proibir, por tempo indeterminado, a entrada de 
muçulmanos no país3. Tal disposição encontra 
escopo em políticas promovidas por fundações 
e think tanks norte-americanos, como o Center 
for Security Policy, liderado pelo ex-oficial de 
defesa da administração Reagan, Frank Gaffney, 
apontado como membro da equipe de transição 
do governo Trump. De acordo com a politóloga 
Bol. Conj. Nerint | Porto Alegre | v.1 n. 4 | p. 1-91 | jan/2017 | ISSN: 2525-5266
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Cristina Pecequilo (2016a), “Trump externaliza os 
problemas do país, não culpando só os políticos, 
mas também os imigrantes, os terroristas, os 
mexicanos e os chineses”.
A eleição presidencial de 2016 foi realizada no dia 
8 de Novembro, uma terça-feira, como preconiza a 
legislação eleitoral americana desde 1845. Contra 
todas as previsões e pesquisas que apontavam a 
vitória de Hillary Clinton – Moody’s (CNN 2016a), 
Nate Silver (FiveThirtyEight 2016), The New York 
Times(2016) etc. –, Donald Trump venceu na 
maioria dos principais estados que compõem 
o colégio eleitoral americano, totalizando 304 
delegados contra 227 de Hillary Clinton. Clinton, 
todavia, ganharia a eleição pelo voto popular, 
totalizando 65 844 610 votos contra 62 979 636 
de Trump. A margem de diferença, que passa de 
2.8 milhões, é a maior da história do país – Donald 
Trump perdeu, em número de votos, pela maior 
margem que qualquer presidente dos Estados 
Unidos da América (The Independent 2016).
A inauguração de Donald Trump como 45º 
Presidente dos EUA ocorreu no dia 20 de 
Janeiro de 2017, e pouco após a posse já 
iniciou a implementação de sua política de 
“América em primeiro lugar” (America First), 
seja domesticamente ou em política externa. A 
seguir, buscaremos traçar algumas perspectivas 
e tendências que apontam para a retomada do 
nacionalismo e do unilateralismo durante seu 
mandato presidencial.
Perspectivas para a política externa e de 
segurança 
 
 Nos últimos vinte e cinco anos, os EUA 
praticaram uma política externa e de segurança 
fundamentada na hegemonia liberal e na 
promoção da democracia, “derrubando regimes 
e ‘reconstruindo nações (nation-building)’” 
(Mearsheimer 2016). Igualmente, debates sobre 
se os EUA devem ou não fazer uso do seu poder 
para intervir e modelar eventos ao redor do globo 
“já são eternos na história americana” (Kaplan 
2017). Trump, nessa lógica, desafia os próprios 
pilares da poderosa comunidade de política 
externa norte-americana, prometendo desenvolver 
novas diretrizes diplomáticas (Mearsheimer 
2016). O recém-empossado presidente critica os 
gastos e os esforços demandados pela política 
de policial do mundo (world policeman), bem 
como seus efeitos colaterais, algo já reconhecido 
pelo ex-Presidente Barack Obama em seu último 
Discurso sobre o Estado da União, em 2016. 
Para Mearsheimer (2016), a hegemonia liberal é 
uma “estratégia falida”, e Trump pode deixar um 
legado positivo em termos de política externa caso 
adote uma abordagem realista para as relações 
internacionais do país.
Muito se falou que a presidência de Trump pode 
ser marcada por práticas isolacionistas. Seu 
discurso America First, no entanto, sugere uma 
abordagem nacionalista, que busca promover 
os interesses da nação que se encontram 
ameaçados, ao mesmo tempo em que restringe 
práticas intervencionistas a uma abordagem 
isolacionista, no sentido histórico do termo (Kaspi 
e Tolouse 2016). Para Robert Kaplan (2017), uma 
política exageradamente intervencionista é “tão 
absurda quanto uma isolacionista no século XXI”. 
Os EUA, nesse sentido, possuem uma necessidade 
histórica de projetar seu poder e não devem se 
abster das responsabilidades globais que detêm 
na qualidade de potência marítima (Kaplan 2017). 
As visões políticas de Trump já foram comparadas 
inclusive às posições políticas protecionistas e 
mercantilistas utilizadas no século XIX nos EUA 
(Wright 2016a); para André Kaspi (2016), porém, 
“Trump é, basicamente, um pragmático que pouco 
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se importa com reflexões doutrinárias”.
Como forma de melhor entender o caráter 
ideológico e as linhas diplomáticas que podem ser 
adotadas no decorrer da administração Trump, 
examinaremos brevemente a seguir os principais 
nomes escolhidos para chefiar as pastas de 
política externa, segurança e defesa.
Durante toda sua campanha, Trump entrou 
em choque com as agências de inteligência e 
segurança, especialmente a CIA, criando uma 
situação de descrédito nessas e em outras 
instituições que Fukuyama (2016) atribui como 
um dos principais sintomas do declínio da política 
americana. A candidatura de Trump, contudo, teve 
respaldo de nomes de peso de outra importante 
agência de inteligência dos EUA, a DIA (Defense 
Intelligence Agency), especializada em defesa 
e inteligência militar. Michael Flynn, general 
aposentado que serviu como Diretor da DIA entre 
2012 e 2014, chegou a ser cogitado, inclusive, 
como seu possível vice-presidente. Trump acabou 
optando pelo Governador do estado de Indiana, 
Mike Pence, e apontando Flynn como Assessor de 
Segurança Nacional.
Como forma de reforçar ainda mais o elo com as 
forças armadas, nomeou o general aposentado 
linha-dura do Corpo de Fuzileiros Navais dos 
EUA, Jim Mattis, como Secretário de Defesa, 
bem como o ex-militar e deputado republicano 
membro do Tea Party, Mike Pompeo, para chefiar 
a CIA. Para o principal cargo de política externa, 
Trump escolheu Rex Tillerson, empresário e 
diretor executivo da multinacional americana de 
petróleo e gás, ExxonMobil. Trump foi criticado 
por analistas e republicanos que argumentam que 
estes nomes não preenchem de forma capacitada 
os importantes cargos que devem ser nomeados 
pelo Presidente, gerando um impacto negativo na 
organização das estruturas de segurança nacional 
do país (Boot 2017).
Além disso, estas escolhas dão margem para uma 
série de disputas políticas em sua administração 
em termos de política externa. O governo Trump, 
argumenta-se, tomará forma a partir de duas 
perspectivas em ascendente – a versão de Trump 
de America First; e aqueles que ainda querem 
travar uma guerra total contra o islamismo radical 
(Wright 2016b). Para Thomas Wright (2016b), 
enquanto que o discurso pragmático e de traço 
‘neoisolacionista’ de Trump, compactuado pelo 
Secretário de Estado Rex Tillerson, defende o 
revisionismo de acordos comerciais e alianças 
securitárias, o grupo comandado por Michael 
Flynn vê na administração Trump um meio de 
voltar a expandir a atuação americana na Guerra 
ao Terror. Também defende a reestruturação e o 
aumento das capacidades nucleares, sinalizando 
para uma nova corrida armamentista.
A escolha de Tillerson como Secretário de Estado, 
por sua vez, foi duramente criticada em função da 
relação próxima que o executivo e suas empresas 
mantêm com a Rússia, o segundo maior país 
produtor de petróleo do mundo, e com o próprio 
presidente Vladimir Putin. Em 2013, Tillerson foi 
homenageado por Putin com a Ordem de Amizade 
da Federação Russa, reforçando os laços entre o 
empresário e Moscou.
Trump parece não partilhar da automática 
indisposição ocidental para com o país russo e 
sua assertiva política externa, o que incomoda 
estrategistas em Washington. Uma relação 
diplomática menos conflituosa, no entanto, pode 
ser benéfica para, por exemplo, que se chegue a um 
acordo sobre o conflito sírio, o que não foi possível 
durante o segundo mandato do governo Obama. 
Nessa linha, Mearsheimer (2016) e Brzezinski 
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(2017) concordam que foram as equivocadas 
políticas ostensivas dos EUA contra a Rússia que 
perturbaram a paz no Leste europeu, provocando 
uma série de reações por parte de Moscou.
Se, por um lado, existem perspectivas que 
apontam para uma melhora nas relações bilaterais 
com a Rússia, analisaremos a seguir os indícios 
que sugerem uma relação mais turbulenta, seja 
do ponto de vista econômico ou diplomático-
securitário, com outra grande potência do sistema, 
a China.
 
Trump e a China4
 Um dos aspectos mais marcantes das 
posições de Donald Trump diz respeito à China, 
uma constante em seus discursos durante todo 
o processo eleitoral. Nesse sentido, tem-se a 
continuação da orientação Ásia-Pacífico, porém 
mais agressiva, através do balanceamento via 
Burden-Sharing5. A seguir, buscaremos aplicar, 
de forma sintética, algumas das perspectivas já 
introduzidas sobre as visões econômica, política 
e securitária de Trump às relações bilaterais entre 
os EUA e a China.
Na dimensão econômica, Trump segue sua diretriz 
majoritariamente heterodoxa e crítica do sistema, 
focando nos problemas domésticos,e utilizando-os 
como balizadores para as suas respectivas ações 
internacionais – em suas palavras: “Americanismo, 
não globalismo, será a nossa crença [...] Tudo 
começa com uma nova e justa política comercial 
que protege nossos empregos e mantém nossa 
postura firme ante a países que trapaceiam 
– e são muitos [...] Nossos terríveis acordos 
comerciais com a China e tantos outros países 
serão totalmente renegociados”6 (Washington 
Post 2016). O seu discurso anti-globalização 
aproveita-se de uma tendência mundial nesse 
sentido para criticar iniciativas como o NAFTA, o 
TPP e o TTIP – acordos de livre comércio entre 
os EUA e a América do Norte, a Ásia Pacífico e a 
Europa, respectivamente. Surpreendentemente, 
manteve-se em concordância com Hillary Clinton 
em suas críticas a algumas dessas iniciativas, 
como o TPP, pela facilitação à entrada de produtos 
concorrentes, e advogando em favor de acordos 
comerciais bilaterais com clara indicação de 
preferência por opções protecionistas. Logo em 
sua primeira semana como presidente, Trump 
assinou uma ordem executiva que tira os EUA do 
TPP, acordo que não havia nem sido ratificado pelo 
Legislativo, interrompendo o processo político.
A retórica do então presidenciável seguiu em 
direção à República Popular da China, com as 
suas alegações de que a entrada da China na 
Organização Mundial do Comércio, em 2001, 
iniciou uma “guerra comercial” entre China e EUA, 
a qual os estadunidenses estariam perdendo. 
Nessa mesma linha, um dos principais assessores 
políticos de Trump, Peter Navarro, estabeleceu 
três pilares centrais desse conflito econômico, 
direcionando as suas críticas à postura chinesa: 
primeiro, as políticas de desvalorização cambial 
forçadas; segundo, as práticas ilegais de dumping 
para expansão das fatias de mercado; e terceiro, 
as alegadas operações de roubo de propriedade 
intelectual estadunidense. As violações do país, 
“cada vez piores e mais institucionalizadas”, 
seriam responsáveis por déficits comerciais e 
pela desaceleração do crescimento nacional (The 
Guardian 2016; Navarro 2016). 
Em termos concretos, as práticas desleais de 
comércio supracitadas seriam as verdadeiras 
responsáveis – ao contrário da tradicional 
atribuição à mão-de-obra barata – pelas 
vantagens comparativas chinesas no mercado 
global. De acordo com suas avaliações, os efeitos 
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domésticos dessa situação incluíam o aumento do 
desemprego, a queda das receitas e a perda de 
aproximadamente US$ 300 bilhões em patentes. 
Como resposta, Trump e Navarro argumentaram 
em favor da adoção de políticas econômicas 
protecionistas (supostamente “defensivas”) no 
comércio EUA-China, nominalmente através de 
45% em tarifas sobre as importações chinesas, 
apontando para a eventual deterioração de suas 
relações bilaterais (Navarro 2016). No Fórum 
Econômico Mundial em Davos, 2017, o Presidente 
Chinês Xi Jinping criticou indiretamente – sem 
nem ao menos citar os EUA ou Donald Trump – as 
posturas protecionistas indicadas recentemente, 
postando-se como “um líder comunista, campeão 
da globalização e do livre-mercado” (The Economist 
2017). 
Já enquanto presidente-eleito, Trump ultrapassou 
as questões econômicas, passando a abordar 
questões políticas e diplomáticas de maior impacto 
nas relações internacionais. Em dezembro de 
2016, Trump realizou uma ligação telefônica de 
alguns minutos para Tsai Ing-Wen, presidente de 
Taiwan eleita em Maio de 2016, rompendo com 
um protocolo de décadas, e abrindo espaço para 
uma abordagem triangular na região. Em seguida, 
declarou: “Por acaso a China perguntou aos EUA 
se estamos confortáveis com a sua desvalorização 
cambial (que torna mais difícil para as nossas 
companhias competirem), com a sua taxação 
sobre nossos produtos (sendo que os EUA não taxa 
seus produtos) ou com a sua construção massiva 
de complexos militares no Mar do Sul da China? 
Acredito que não!”7. As atitudes evidenciam a 
chamada Taiwan Card como artifício diplomático 
de pressão de Washington sobre Pequim, em 
contraste com a One China Policy adotada pelos 
EUA desde a reaproximação bilateral em 1979. 
Considerando Taipei como ponto significativo 
da estratégia chinesa, percebe-se o intuito de 
estabelecer um espaço de incertezas, mas que 
garantem certa margem de manobra para os 
estadunidenses (Baker 2016).
A controversa ligação repercutiu em análises de 
veículos de mídia e institutos de pesquisa em 
todo o globo, resultando em opiniões distintas 
quanto à sua eficácia em termos diplomáticos. 
Por um lado, autores conservadores como Marc A. 
Thiessen (2016) defendem a tese de que a ligação 
foi uma ação minuciosamente planejada e, em 
última análise, brilhante. Isso porque tratar-se-ia 
de uma mensagem simultânea ao establishment 
chinês e estadunidense, enquanto primeiro passo 
de um esforço mais amplo de enrijecimento das 
relações sino-americanas. Por outro, autores 
liberais criticam a posição alegando inexperiência 
na condução das relações exteriores. Segundo 
essa visão, a ligação e a quebra do status quo 
diplomático, especialmente por tratar-se de uma 
matéria tão sensível quanto Taiwan, pode vir 
acompanhada de retaliações a médio e longo 
prazo.
A ação impactou significativamente a postura 
chinesa, sinalizando para eventuais movimentos 
de resposta ou retaliação. Em termos amplos, a 
nova abordagem pode ser prejudicial aos EUA por 
criar um espectro de imprevisibilidade enquanto 
parceiro (político e comercial) na região, com a 
China aproveitando-se dessa brecha para expandir 
a sua estratégia de expansão de influência regional 
– através do Banco Asiático de Investimento 
em Infraestrutura (AIIB), da Organização para 
a Cooperação de Xangai (OCX) e da Parceria 
Econômica Regional Abrangente (RCEP). Mais 
diretamente, analistas do HSBC e da JPMorgan 
apontam que as ações podem afetar as relações 
bilaterais por incitarem uma retaliação tarifária 
chinesa sobre bens e serviços estadunidenses, 
prejudicando as companhias que operam dentro 
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e fora do país. 
Por fim, a dimensão securitária é vista como 
essencial para a defesa dos interesses 
estadunidenses na região, sendo fundamental 
a retomada do processo de militarização 
direto e indireto. Assim, Trump ressalta o seu 
comprometimento em trabalhar com o Congresso 
para reestruturar e incrementar as Forças 
Armadas dos EUA, especialmente a U.S. Navy e 
a U.S. Air Force para 350 embarcações e 1200 
aeronaves (essenciais para a condução das 
Freedom of Navigation Operations): “Nós vamos 
reconstruir completamente as nossas Forças 
Armadas [...] A história mostra que quando os EUA 
não estão preparados, é quando eles correm os 
maiores riscos. Nós queremos dissuadir, evitar e 
prevenir conflitos através da nossa inquestionável 
dominância militar”8 (CNN 2016). Portanto, 
o presidente recém-eleito buscará trabalhar 
de forma conjunta e coordenada com os seus 
tradicionais parceiros militares no Leste Asiático, 
como Coréia do Sul, Índia, Japão, Mianmar e 
Vietnã – além de cooptar novamente países 
afastados como Filipinas, Tailândia e até Taiwan 
(Gray e Navarro 2016).
Esse aspecto adquire importância primária na 
medida em que há uma alusão clara às capacidades 
de A2/AD (Anti-Access/Area-Denial) da China. 
Esse conceito refere-se às capacidades militares 
chinesas de controle e defesa de seu entorno 
estratégico – nominalmente, o Mar do Leste da 
China e, principalmente, o Mar do Sul da China 
– em contraposição ao acesso indiscriminado de 
marinhas estrangeiras. Nesse ponto, Trump tem 
mostrado um discurso rígido, criticando a ameaça 
latente de interferência chinesa sobre a presença 
e navegação estadunidensena região, seja através 
da construção das ilhas artificiais com sistemas 
de armas defensivos, seja através das atividades 
de patrulha e monitoramento (Sputnik 2016).
Em resposta às recentes articulações da nova 
administração, o Global Times, veículo de política 
externa da mídia estatal chinesa, direcionou 
duras críticas a Donald Trump em artigo intitulado 
Trump overestimates U.S. capability to dominate 
the world. Em sua matéria, o jornal critica, de 
forma extraordinariamente direta e incisiva, 
distinta do tradicional modus operandi chinês, a 
maneira como Trump falha em compreender as 
limitações do poder dos EUA, ao mesmo tempo 
em que despreza a importância estratégica 
da China. A crítica, igualmente provocativa, 
resume-se no seguinte trecho: “Após décadas de 
desenvolvimento, os interesses vitais chineses 
pouco se expandiram, mas a sua capacidade de 
controlar os riscos no Estreito de Taiwan e no Mar 
do Sul da China cresceu significativamente [...] Será 
uma batalha decisiva para Pequim salvaguardar 
seus interesses vitais. Se Trump quer jogar duro, a 
China não falhará”9 (Global Times 2016).
Donald Trump parece apontar para o planejamento 
de uma importante inflexão na estratégia para 
a região da Ásia-Pacífico, mas que se mostra 
como um paradoxo em termos de inserção 
efetiva. As ações de Trump nos três campos das 
relações internacionais guardam suas respectivas 
reações. Por um lado, podem colocar o país em 
significativa vantagem estratégica nesta atual 
“queda de braço” caso funcionem de fato como 
mecanismos de barganha para retração das 
posições chinesas nesses campos. Por outro, 
podem afetar negativamente a sua imagem frente 
aos demais países asiáticos – especialmente com 
o cancelamento do TPP e o arrefecimento das 
negociações do TTIP – de forma a aproximá-los da 
contraparte chinesa.
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Considerações finais
 Independente do que foi dito no curso da 
sua campanha, Donald Trump chega ao poder 
de forma legítima e como um produto tanto das 
contradições da era Barack Obama como da 
fragmentação partidária republicana gerada 
por George W. Bush (Pecequilo 2016). Grande 
parte do próprio legado político de Obama, nesse 
sentido, pode ser revertido por Trump através de 
ordens executivas. O choque, contudo, não deverá 
ser completo, mas espera-se mais protecionismo 
e unilateralismo (Pecequilo 2016b), dentro 
de um quadro global de triunfo de políticas 
‘neonacionalistas’ sobre o neoliberalismo (Blyth 
2016) e as tendências globalizantes.
O isolacionismo de Trump, todavia, é relativo, pois 
a ideia de America First implica uma determinada 
presença global econômico-militar-estratégica 
da qual não se abrirá mão, seja pelo desejo de 
proteção dos interesses hegemônicos, seja pela 
pressão dos grupos de interesse do complexo 
industrial militar e do setor energético (Pecequilo 
2016b).
No âmbito interno, será importante atentar para 
as políticas migratórias que Trump pretende 
implementar, que prometem gerar fortes impactos 
sobre a grande parcela de imigrantes que vivem 
nos EUA e às relações bilaterais com o México. 
Em política externa e defesa, deve-se observar 
cuidadosamente a retomada de uma estratégia 
para conter o islamismo radical, uma das 
perspectivas securitárias levantadas. Além disso, 
Trump já sinalizou que irá reequipar as forças 
armadas norte-americanas, inclusive aumentando 
suas capacidades nucleares, e parece ter pouca 
tolerância para lidar com ameaças desse porte, 
como as que vêm do Irã e da Coreia do Norte.
As relações bilaterais com a China prometem 
passar por uma eventual deterioração, porém 
uma guerra comercial com Pequim seria 
contraproducente para ambos os países, cujas 
economias são complementares. Do ponto de 
vista diplomático, Trump parece estar aplicando a 
doutrina Nixon ao contrário, como apontou Henry 
Kissinger: Nixon fez um acordo com a China para 
enfraquecer a Rússia, ao passo que Trump parece 
estar fazendo um acordo com a Rússia para 
enfraquecer a China (Wallerstein 2017). Nem a 
China e nem a Rússia, todavia, dão sinais de que 
vão abandonar suas políticas atuais – a Rússia 
é, novamente, uma grande potência no Oriente 
Médio e na sua vizinhança próxima (o ex-mundo 
soviético), e a China, aos poucos, está afirmando 
uma posição dominante no Nordeste e no Sudeste 
Asiático, ao mesmo tempo em que cresce seu 
papel no sistema mundial (Wallerstein 2017). Os 
EUA, nesse sentido, precisam repensar algumas 
das suas percepções sobre poder russo e chinês 
no sistema mundial.
A eleição de Trump e a disputa entre os EUA e a 
China também podem apresentar uma “brecha” 
para a América Latina (Stuenkel 2016). O Brasil, 
contudo, no mundo geopolítico de Donald Trump, 
parece já estar reenquadrado como um país 
secundário. A nova diplomacia brasileira, nesse 
sentido, erra no plano internacional ao perseguir 
uma política de alinhamento com a superpotência 
em detrimento de sua autonomia.
Por fim, conclui-se que Trump, apesar de tudo, 
não é um ponto tão “fora da curva”. O fenômeno 
Donald Trump, mais do que mistificado, deve ser 
examinado e entendido dentro de uma nova forma 
de se fazer política, a qual está inserida em um 
contexto global de desconfiança e insatisfação 
geral com as engrenagens do sistema tradicional.
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Notas
3 Tais promessas foram cumpridas na sua primeira semana como presidente de facto. No dia 27 de Janeiro, Trump assinou 
uma polêmica ordem executiva que proíbe a entrada de refugiados de qualquer parte do mundo nos EUA por 120 dias, bem 
como de imigrantes oriundos de sete países do Oriente Médio e da África: Irã, Iraque, Síria, Sudão, Líbia, Iêmen e Somália. O 
presidente, nesse sentido, parece já ter estabelecido sua própria versão – expandida – do “Eixo do Mal” de George W. Bush.
4 Agradecemos aqui as contribuições feitas pelo professor e Pesquisador Associado do NERINT, Diego Pautasso, durante 
palestra intitulada “Trump e a China: perspectivas para as relações bilaterais”, realizada pelo Instituto Sul-Americano de 
Política e Estratégia (ISAPE) em parceria com o Núcleo de Estudos Estratégicos do Comando Militar do Sul (NEE/CMS) no dia 
15 de Dezembro de 2016.
5 A noção de Burden-Sharing (ou Divisão de Responsabilidades) diz respeito a um conceito das Relações Internacionais 
que corresponde a uma estratégia estatal de balanceamento - contra potências hegemônicas regionais - via divisão de 
responsabilidades e custos com parceiros locais. 
6 Tradução dos autores.
7 Donald Trump, Twitter post, 4 de Dezembro, 2016 (14:23 BRST), https://twitter.com/realDonaldTrump. Tradução dos autores.
8 Tradução dos autores.
9 Tradução dos autores.
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Recebido em 27 de janeiro de 2017.
Aprovado em 31 de janeiro de 2017.
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A russofobiA conTemporâneA: quem Tem medo de moscou?*
Douglas de Quadros Rocha1 e Francine Juchem Salerno2
 • Após o redirecionamento de sua política externa em direção ao Oriente Médio, a Rússia 
se configura atualmente como um ator essencial para a geopolítica da região.
 • A adoção de uma política externa assertiva por Moscou é uma resposta a expansão das 
organizações ocidentais (OTAN e União Europeia) em direção aos países do entorno estratégico 
russo.
 • Em razão da política ocidental russofóbica de contenção a Rússia, Moscou tem buscado 
novos aliados e consumidores entre os países da Ásia.
1 Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pesquisador Assistente do 
NERINT. Contato: douglasqrocha@gmail.com
2 Aluna de Pós-Graduação Lato Sensu em Estratégia e Relações Internacionais Contemporâneas na UFRGS. Bacharel em Direito 
pela UFRGS. Contato: francinesalerno@hotmail.com
* Com colaboração de Paulo Gilberto Fagundes Visentini, Pós-Doutorado em Relações Internacionais pela London School of Economics e 
Coordenador do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT).
Apresentação
 Um aforismo bastante conhecido afirma 
que aqueles que não conhecem a história estão 
fadados a repeti-la. Do ímpeto eurpeizante da 
dinastia Romanov, no século XVII, à referência de 
Michail Gorbatchev à “casa comum europeia”, em 
1987, a história russa deve ser compreendida a 
partir de suas relações com o mundo ocidental. A 
memória recente do colapso da União Soviética – 
que rejeitou veementemente os valores ocidentais 
em quase todos seus aspectos – não deve 
ocultar o fato de que a Rússia sempre buscou 
ser aceita no concerto de nações. A sistemática 
negação de seu status de potência pela Europa e, 
posteriormente, pelos Estados Unidos, constitui um 
fator fundamental para compreendermos eventos 
aparentemente tão distantes entre si como a 
Guerra da Crimeia (1853-1856) e sua anexação 
pela Rússia em 2014.
A outra face desta moeda constitui a histórica 
rejeição do Estado russo pelo Ocidente e a 
disseminação de uma nova forma de “russofobia” 
em anos recentes – diversa do sentimento 
antissoviético existente ao longo da Guerra Fria, 
mas igualmente útil ao projeto geoestratégico de 
Washington. Nos anos que se seguiram ao colapso 
da União Soviética, a grave desestruturação que 
assolou a Rússia deixou o país absorto em sua 
própria crise, incapaz de oferecer resistência às 
investidas norte-americana e europeia em seu 
entorno estratégico. A expansão da OTAN e da 
União Europeia em direção ao leste do continente 
encontrou resistência efetiva – e não apenas 
retórica – de Moscou somente a partir do início do 
século XXI, quando a ascensão de líderes políticos 
engajados em executar um projeto de inserção 
internacional autônomo permitiu a recuperação 
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das capacidades militares do país.
O presente artigo busca compreender de que 
forma a política de contenção da Federação Russa, 
praticada inadvertidamente pelos Estados Unidos 
e seus aliados europeus desde o fim da Guerra 
Fria, tem criado condições para que os governantes 
do Estado russo legitimem uma política externa 
mais assertiva em seu entorno estratégico e no 
Oriente Médio. Partimos da premissa de que o 
desespero do Ocidente em isolar politicamente 
Moscou, reproduzindo uma espécie de Cortina de 
Ferro do novo milênio, demonstra que o Estado 
russo permanece insensível às tentativas de 
subordiná-lo e dá condições políticaspara que 
os russos resistam às pressões do Ocidente, 
em especial dos Estados Unidos. Para tanto, o 
presente ensaio segue subdividido em três seções 
que correspondem aproximadamente aos eixos da 
política externa russa contemporânea. Na primeira 
parte, discutimos sua participação ativa na política 
do Oriente Médio como forma de responder às 
pressões ocidentais sobre os países do antigo 
bloco soviético. Na segunda seção, analisamos a 
persistência do conflito com o mundo ocidental e o 
caráter russofóbico do discurso que as lideranças 
e a mídia ocidentais utilizam para retratar Moscou. 
Por fim, discorremos a respeito da projeção russa 
na Eurásia, incluindo o novo tom da relação com 
as repúblicas da Ásia Central e, sobretudo, a 
dicotomia parceria-competição com a China.
A atuação no Oriente Médio
 
 Em setembro de 2015, forças militares 
russas intervieram na Guerra da Síria, utilizando 
mísseis de longa-distância lançados a partir do Mar 
Cáspio e do Mediterrâneo, em uma demonstração 
bem-sucedida de projeção de força na região. A 
comunidade internacional, contudo, reagiu com 
surpresa à eficiência logística russa utilizada para 
apoiar o regime de Bashar al-Assad. A assertividade 
da política externa russa no Oriente Médio, inédita 
desde o fim da Guerra Fria e da consolidação 
da preponderância estadunidense, ocorre em 
um contexto de recuperação das capacidades 
militares russas, o que coloca o país como um ator 
extrarregional relevante no Oriente Médio.
Em termos geoestratégicos, o Oriente Médio 
conecta porções importantes dos continentes 
asiático, europeu e africano, e serve como via de 
acesso aos mares Mediterrâneo, Negro e Índico. 
Desde o fim da Guerra Fria, a região esteve sob 
forte influência ocidental, especialmente dos 
Estados Unidos, criando condições para a presença 
militar estadunidense e a consecução de uma 
série de guerras travadas em nome do combate 
ao terrorismo. Após as guerras do Afeganistão e 
do Iraque, a presença e envolvimento das forças 
ocidentais no Oriente Médio impediram uma 
influência russa consistente na conjuntura regional 
(Hannah 2016). 
Para os Estados Unidos, o fim da URSS criou um 
vácuo político-estratégico que foi parcialmente 
preenchido, a partir de 2001, pela guerra ao terror 
no Iraque e no Afeganistão. A política de combate 
ao terrorismo, implementada após os atentados de 
11 de setembro, foi recebida com certo entusiasmo 
diplomático pelo Kremlin, pois justificou sua 
ação contra separatistas chechenos na virada 
do milênio. Aos poucos, contudo, restou claro 
que a guerra ao terror servia de justificativa para 
que Washington derrubasse governos seculares 
não alinhados no Oriente Médio e ampliasse sua 
política de contenção da Rússia e da China por 
meio das guerras proxy (Pautasso 2014).
O redirecionamento da política externa da Rússia 
em direção ao Oriente Médio se intensificou, 
sobretudo, a partir de 2011, com os eventos da 
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chamada Primavera Árabe. Considerada como 
um evento-chave para o Grande Oriente Médio, a 
eclosão de manifestações populares reivindicando 
maior democracia nos países da região, e as 
consequentes mudanças de regime em muitos 
destes países, resultaram em uma configuração 
política diversa. A conjuntura adquiriu novas 
proporções quando a onda de manifestações 
alcançou a Síria e o governo de Bashar al-Assad, 
considerado um aliado tradicional de Moscou. O 
governo de Damasco representa o último bastião 
da influência russa na região, e a possibilidade 
de que se repetisse o mesmo destino de alguns 
países afetados pela Primavera Árabe – com a 
implementação de governos pró-ocidentais – foi 
percebida como uma ameaça aos os interesses da 
Rússia (Roberto 2012, Harmer 2012). 
A Síria possui grande importância para a política 
externa russa na região, pois controla a parte 
Leste do Mar Mediterrâneo, servindo de ligação 
com o Mar Negro, onde a Rússia é atualmente 
preponderante (Aktürk 2016). Nesse sentido, a 
política externa de Vladmir Putin visou aumentar 
a presença da Marinha russa no Mediterrâneo, um 
objetivo geoestratégico existente desde o período 
czarista, em sua busca pelos chamados “mares 
quentes” e pelo acesso aos grandes oceanos 
(Bugajski e Doran 2016). O aumento da presença 
militar russa no Mediterrâneo cria uma potencial 
barreira aos Estados Unidos e seus aliados na 
região e impõe que grupos opositores de Bashar 
al-Assad considerem o risco de um engajamento 
total de Moscou no conflito armado (Cordesman 
2016).
O aprimoramento do porto de Tartus, na costa 
mediterrânea síria, representa atualmente a única 
base de operações russas fora de seu entorno 
próximo. Tartus constitui um ponto de apoio 
para as embarcações de Moscou localizadas 
no Mediterrâneo, evitando o retorno até a base 
naval de Sebastopol, na Crimeia, e o cruzamento 
dos Estreitos turcos de Bósforo e Dardanelos a 
cada reparo e reabastecimento das embarcações 
(Harmer 2012). O aprimoramento do porto em 
uma verdadeira base naval, com capacidade 
para receber os maiores navios russos, está 
em concordância com a nova política externa 
adotada por Putin para a região, a qual prevê a 
expansão e melhoramento das frotas meridionais 
(correspondentes ao Mar Negro e ao Mar Cáspio) e 
uma maior capacidade e presença no Mediterrâneo 
Leste (Bugajski e Doran 2016).
Para realizar o redirecionamento de sua política 
externa em termos diplomáticos, a Rússia tem 
buscado manter uma balança de poder entre 
os principais atores da região, se aproximando 
de forma pragmática de países com interesses 
convergentes (Geranmayeh e Liik 2016). Dos 
países da região, o Irã se mostrou desde o início 
um aliado em potencial, em concordância com 
os principais interesses russos na região, os 
quais incluem a oposição à presença militar e 
influência estadunidense no Oriente Médio, além 
da manutenção do regime de Bashar al-Assad na 
Síria. Em conjunto com a Rússia, o Irã é um dos 
principais apoiadores do regime sírio e ambos os 
países contribuíram decisivamente com os meios 
militares necessários para reverter a situação 
em favor de Assad ao longo da Guerra da Síria 
(Geranmayeh e Liik 2016). 
Com relação aos países tradicionalmente pró-
Ocidente, aliados dos Estados Unidos, como 
Israel e Arábia Saudita, Moscou buscou um 
entendimento diplomático de forma a evitar 
possíveis tensões após a intervenção militar na 
Síria e o estabelecimento de uma presença mais 
significativa na região (Geranmayeh e Liik 2016). 
Tal situação só foi possível como consequência da 
política de desengajamento estadunidense iniciada 
por Barack Obama, causando desgaste diplomático 
com alguns aliados na região. Em relação a Tel-
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Aviv, a Rússia tem buscado uma aproximação 
com vistas a conquistar uma posição central 
no processo de discussões de paz entre Israel e 
Palestina. Ao propor um avanço nas negociações, 
após as tentativas lideradas pelos Estados 
Unidos não terem avançado desde 2014, Moscou 
percebe nesta questão uma nova oportunidade de 
aumentar sua influência diplomática no Oriente 
Médio (Geranmayeh e Liik 2016, Barmin 2016). 
Outro ator importante para a política externa russa 
referente ao Oriente Médio é a Turquia. A tensão 
diplomática causada pelo abatimento de uma 
aeronave russa pelo Exército turco, em 2015, 
foi superada e as relações russo-turcas foram 
normalizadas, em especial, a partir da tentativa 
de golpe de Estado contra o Presidente Recep 
Erdogan, em julho de 2016. A falta de apoio dos 
países membros da OTAN ao governo de Ancara 
levantou suspeita de participação estadunidense 
na tentativa de golpe (Hannah 2016). A partir 
de então, Rússia e Turquiabuscaram articular 
o cessar-fogo sírio, através de negociações que 
incluem o Irã, e executando bombardeamentos 
conjuntos em posições do Estado Islâmico em 
uma guerra de contraterrorismo (Sly e Haidamous 
2017). As recentes conversações em Astana, 
no Cazaquistão, iniciadas em janeiro de 2017 e 
coordenadas por Moscou e Ancara, dão ideia da 
importância russa na resolução do conflito sírio, o 
qual, embora longe de ser resolvido, depende da 
concordância da Rússia para ser efetivo.
O envolvimento russo no conflito da Síria constitui, 
em parte, um desdobramento do crescente atrito 
existente entre Moscou e o Ocidente, devendo ser 
compreendido dentro da lógica norte-americana 
de contenção da Rússia. A contínua ingerência 
ocidental no entorno estratégico russo – desde 
a Guerra dos Balcãs, passando pela expansão 
da OTAN em direção aos países da ex-URSS e a 
ocupação de países da Ásia Central e do Oriente 
Médio – legitimou a adoção de uma política 
externa assertiva por parte do Kremlin na região, 
em especial para apoiar um aliado, como é o 
caso de Bashar al-Assad. Caso se confirme a 
retórica externada por Donald Trump durante sua 
campanha presidencial de maior aproximação com 
a Rússia, abre-se a possibilidade de uma distensão 
nas relações com o Kremlin e de um acordo de 
paz na Síria, uma vez que ambos os países são 
fundamentais para a manutenção de um eventual 
cessar-fogo na região.
A Rússia e o Ocidente
 O colapso da União Soviética em 1991 
não pôs fim apenas ao breve século XX, descrito 
por Hobsbawm3, mas também significou “um 
dos maiores desastres geopolíticos do século 
XX”, nas palavras do Presidente Vladimir Putin4. 
A Federação Russa foi submetida à chamada 
“terapia de choque” de Boris Iéltsin, a partir de sua 
ascensão à Presidência em 1992. A schock therapy 
caracterizou-se por uma guinada ao capitalismo 
através de um amplo processo de privatizações 
e da adoção do receituário liberal, causando 
profunda desorganização política e econômica. 
A postura do então Presidente Iéltsin baseava-se 
na crença de que uma “renúncia à sua posição 
antagônica [ao Ocidente] seria premiada com a 
inserção no concerto das potências desenvolvidas” 
(Visentini 2015). A adoção do modelo econômico e 
político liberal não apenas retirou a Rússia do rol 
de potências mundiais, mas também significou o 
avanço da coalizão ocidental sobre a região da ex-
URSS.
A inserção passiva da Rússia na ordem 
internacional do pós-Guerra Fria não refreou 
o ímpeto de Washington, conforme atestam 
as sucessivas expansões da OTAN e da União 
Europeia em direção aos países do antigo bloco 
soviético (Pautasso 2014), cujas maiores inclusões 
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de novos membros ocorreram justamente em 
1999 e 2004, no caso da OTAN e em 2004 e 
2007 para a União Europeia, quando Moscou 
encontrava-se extremamente fragilizado pela 
grave crise política e econômica que assolou o 
país. Da mesma forma, a atuação da OTAN na 
Guerra dos Balcãs no apagar das luzes do século 
XX – sem mandato internacional e em um país 
não pertencente à organização – deu indicações 
claras de que a política de Washington no entorno 
estratégico russo teria por objetivo tirar proveitos 
da fragilidade russa. Conforme afirmado por Mello 
(1999, 131-132), a política norte-americana de 
contenção geopolítica e geoestratégica da Rússia 
baseia-se na premissa de que quem controlar a 
Eurásia controla o mundo, naquilo que McKinder 
denominou de heartland.
Diante do fracasso das políticas de distensão com o 
Ocidente implementadas por Iéltsin e do crescente 
acirramento de tensões nas fronteiras russas, a 
resposta da Moscou iniciou-se com a nomeação 
de Eugênio Primakov para a Chancelaria russa em 
1993. Ao afirmar como interesses permanentes da 
Rússia o fortalecimento da integridade territorial, a 
recuperação do prestígio no antigo espaço soviético 
e a prevenção de conflitos, especialmente étnicos, 
em seu entorno regional, Primakov lançou as bases 
de uma nova política externa. A eleição de Putin 
em 2000 e a nomeação de Serguei Lavrov para 
o cargo de Ministro de Assuntos Estrangeiros, em 
2004, aprofundaram esta tendência pragmática 
e assertiva, que busca pacientemente recuperar 
seu status de grande potência. A resposta do 
bloco ocidental à reemergência russa pautou-se 
pela ampliação do discurso russofóbico, através 
de uma “demonização” das lideranças políticas 
russas e da caracterização da Rússia como uma 
nação belicosa e expansionista, especialmente 
desde a anexação da Crimeia em 2014. De acordo 
com o ex-Secretário de Estado dos Estados Unidos, 
Henry Kissinger, “a demonização de Vladmir Putin 
não constitui uma política ocidental, mas antes um 
álibi para ausência de uma”5.
A título exemplificativo, o acordo firmado entre a 
OTAN e a Rússia em 1997 previa textualmente 
que, naquele contexto securitário, a organização 
comprometia-se a não realizar o aumento 
permanente de forças de deslocamento e 
de forças combatentes nas proximidades do 
Estado russo6. Entretanto, não apenas a OTAN 
dobrou o número de países membros em menos 
de uma década – com a inclusão de Polônia, 
Hungria e República Tcheca em 1999; Bulgária, 
Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia e 
Eslovênia, em 2004 e Albânia e Croácia em 2009 
–, como também instituiu em 2015 seis centros 
de comando em países que fazem fronteira com 
a Rússia. Não menos simbólico foi o recente 
deslocamento de tropas e material bélico para 
exercícios militares na Polônia, em janeiro de 
2017. Sempre que necessário, os países do leste 
europeu agitam a bandeira do perigo russo, de 
modo a obter vantagens de seus aliados ocidentais 
(Chiesa 2016).
O sinal de alerta foi dado ao Kremlin quando da 
eclosão das chamadas Revoluções Coloridas 
em países vizinhos – Geórgia (2003), Ucrânia 
(2004) e Quirguistão (2005) – e quando, em 
2008, a OTAN postulou uma nova inclusão de 
membros desta vez para incluir precisamente 
Geórgia e Ucrânia. A resposta russa ocorreu em 
duas etapas distintas. Inicialmente, forçando o 
fechamento das bases aéreas norte-americanas 
no Uzbequistão e no Quirguistão em 2005 e 2014, 
respectivamente; e, posteriormente, com a invasão 
da Geórgia em 2008 e a anexação da Crimeia em 
2014, demonstrando a falta de compromisso de 
Washington com a segurança de países localizados 
na periferia russa (Stratfor 2017). O politólogo e 
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adepto do realismo ofensivo, John Mearsheimer, 
aponta que a coalisão ocidental iludiu-se ao 
acreditar que poderia substituir o realismo político 
pela aplicação desenfreada de ideias liberais no 
entorno estratégico da Rússia7.
Embora a anexação da Crimeia e o apoio dado 
por Moscou às províncias do leste ucraniano 
tenham aumentado as confrontações entre 
russos e europeus, evitando a formação de um 
eixo Berlim-Moscou (Salerno e Thudium 2016), a 
política norte-americana de contenção da Rússia, 
baseada no unilateralismo e na desestabilização 
de seu entorno estratégico, tem por efeito colateral 
o aprofundamento do senso de nacionalismo e 
patriotismo russo, fortalecendo as capacidades 
estatais e estimulando uma política externa 
autônoma (Pautasso 2014). Ao isolar a Rússia do 
mundo ocidental, os Estados Unidos possibilitam 
que o Estado russo crie novas alianças e retome 
antigas parcerias, tal é o caso do aprofundamento 
das relações sino-russas e da retomada da 
influência de Moscou nos países da Ásia Central. 
Se Washington tem conseguido barrar qualquer 
aproximação do Kremlin com a União Europeia – 
mesmo que a um alto custo político –, é possível 
que o efeito desta política seja a criação de um 
imprevisível eixo Moscou-Beijing.
Rússia e China na EurásiaA excessiva tensão criada pelos Estados 
Unidos e pela União Europeia na periferia russa 
 colabora para que Moscou busque firmar novas 
alianças políticas, econômicas e securitárias, com 
destaque para a Organização para a Cooperação 
de Xangai (OCX), para a União Econômica 
Eurasiana (UEE) e outras organizações que 
projetam a Rússia em sua zona de influência na 
Ásia Central e no Cáucaso. Da mesma forma, os 
maciços investimentos chineses em infraestrutura 
e sua grande demanda por recursos energéticos 
abundantes na Rússia e na Ásia Central, tornam 
Beijing um parceiro viável, especialmente após a 
terceira rodada de sanções impostas pela coalizão 
ocidental à Rússia em razão da crise ucraniana 
(Spivak 2016).
A União Econômica Eurasiana (UEE), gestada ao 
longo de quinze anos de negociação entre Rússia, 
Cazaquistão, Quirguistão, Armênia e Bielorrússia, 
constitui uma união aduaneira e tem por escopo 
promover a integração e o livre comércio entre os 
países membros, marcada pelo peso político da 
Federação Russa sobre os demais integrantes. 
A OCX, por sua vez, foi criada em 2001, com 
o objetivo inicial de trazer estabilidade à Ásia 
Central, mas ampliou seu escopo de atuação a 
partir da projeção de interesses norte-americanos 
para a região, especialmente após as guerras no 
Afeganistão e no Iraque. A admissão formal de Índia 
e Paquistão à OCX, a partir de janeiro de 2017, 
aumenta significativamente o peso da organização, 
não apenas pela ampliação de recursos humanos, 
econômicos e energéticos, mas também por 
incluir entre seus países membros dois inimigos 
históricos (Ribeiro e Vieira 2016), permitindo 
que os países possam articular entre si decisões 
relativas à segurança e ao desenvolvimento da 
região, precisamente em um momento de ensaio 
da multipolaridade com a ascensão de núcleos 
decisórios importantes na Eurásia (Visentini 2015).
Em termos econômicos, os megaprojetos chineses 
na região, como o Cinturão Econômico da Rota da 
Seda (Silk Road Economic Belt – SBER, na sigla 
em inglês), o oleoduto Leste Siberiano-Oceano 
Pacífico (East Siberian Pacific Ocean – ESPO, na 
sigla em inglês) e o gasoduto Força da Sibéria 
(Power of Siberia, em inglês) são essenciais tanto 
para Beijing quanto para os países da Ásia Central 
e para a Rússia. Para Beijing, o SBER permite o 
escoamento da produção por via terrestre e os 
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gasodutos-oleodutos garantem o abastecimento 
de recursos energéticos essências às indústrias 
chinesas, tornando a China menos dependente de 
produtores do Oriente Médio aliados dos Estados 
Unidos. Por sua vez, tanto Moscou quanto os 
países da Ásia Central necessitam com urgência 
dos investimentos em infraestrutura trazidos pelos 
projetos chineses no setor energético. Para a 
Rússia, em especial, a entrada em funcionamento 
do ESPO, em 2012, não apenas fez de Moscou 
o maior fornecedor de petróleo cru da China 
(ultrapassando a Arábia Saudita em 2014), como 
também mandou uma mensagem aos países 
europeus de que Moscou é capaz de encontrar 
consumidores mais rapidamente do que a Europa 
é capaz de encontrar novos fornecedores de 
hidrocarbonetos (Pautasso 2014).
A penetração chinesa na Ásia Central, sobretudo 
por meio de empresas estatais do setor energético, 
coloca Moscou em uma posição por vezes 
desconfortável. Se por um lado o Kremlin não 
pode se dar ao luxo de rejeitar os investimentos e 
os capitais da China, por outro a possibilidade de 
que a Rússia venha a perder sua influência sobre 
os países da ex-União Soviética coloca limitações 
à cooperação sino-russa. As negociações bilaterais 
– sem intermediação russa – que resultaram na 
construção de um gasoduto no Turcomenistão 
e de um oleoduto na Cazaquistão fizeram com 
que empresas chinesas se tornassem donas de 
25% do setor energético cazaque e colocaram 
Beijing como o maior comprador de gás natural 
do Turcomenistão. Tal cenário indica que as 
repúblicas da Ásia Central não são mais atores 
passivos dependentes da política de Moscou e que 
podem barganhar vantagens econômicas com a 
China (Spivak 2016).
A inferioridade econômica russa diante da China 
e a pluralidade de iniciativas regionais existentes 
na Eurásia – OCX, UEE, SREB – obrigam Moscou 
a rever seu relacionamento assimétrico com os 
países do antigo bloco soviético, bem como dosar 
sua aproximação com a China. Se a russofobia e 
a rejeição sistemática do Ocidente empurram os 
russos em direção a Beijing, a aparente lógica 
econômica existente por trás dos investimentos 
chineses na região pode vir a ter desdobramentos 
políticos que coloquem o Kremlin em desvantagem. 
Contudo, a acomodação de diferenças no seio 
da Eurásia parecer ser mais viável, uma vez que 
a compreensão do conceito de soberania entre 
países asiáticos difere daquela proposta pelo 
Ocidente, em que o princípio de não intervenção 
em assuntos domésticos tem maior peso nas 
relações interestatais (Hantke 2016).
Se confirmado o discurso protecionista do recém-
empossado Presidente dos Estados Unidos, Donald 
Trump, será aberta uma possibilidade para que 
a China preencha a eventual lacuna deixada por 
Washington, sobretudo na Eurásia. Neste cenário 
hipotético, o eixo Moscou-Beijing pode facilmente 
oscilar da cooperação para a competição, uma 
vez que a iniciativa liderada por Moscou – a UEE 
– pode ser facilmente eclipsada pelas iniciativas 
de infraestrutura chinesas – SBER, oleodutos 
e gasodutos. De qualquer forma, não restam 
dúvidas de que a disputa pela influência política na 
Ásia Central e por seus recursos energéticos será 
uma questão delicada nas relações sino-russas, 
onde a ascensão histórica e cultural da antiga 
União Soviética terá de competir com os vultosos 
recursos chineses. Contudo, os termos desta 
competição aparentam ser menos problemáticos – 
e certamente menos belicosos – do que as relações 
existentes entre Rússia e a coalização ocidental 
tem se mostrado. Sobretudo porque as relações 
intraeurasiáticas mostram-se menos propensas a 
elaboração de discursos maniqueístas do papel 
dos Estados no sistema internacional. 
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Considerações finais
 
 A partir das modificações introduzidas pelo 
colapso da União Soviética e pelo fim da disputa 
bipolar, o locus geopolítico e geoestratégico 
da Rússia no sistema mundial alterou-se 
profundamente. Em que pese o fim da confrontação 
Leste-Oeste tenha conduzido o sistema a uma 
aparente unipolaridade centrada nos Estados 
Unidos, pode-se afirmar que está em andamento 
uma multiplicação dos núcleos decisórios de poder, 
o qual se desloca em direção à Eurásia, naquilo 
que pode ser caracterizado como um “ensaio 
de multipolaridade”. Tal cenário altera o papel 
da Federação Russa - o Estado eurasiático por 
excelência – na reconfiguração da ordem mundial 
que se descortina no século XXI, ampliando as 
potencialidades e, simultaneamente, os desafios 
que se colocam para Moscou.
A caracterização da Rússia pela imprensa ocidental 
como uma nação belicosa e expansionista reflete 
não apenas a pouca compreensão que se tem 
do Estado russo contemporâneo, ainda muito 
baseada em estereótipos herdados da Guerra Fria, 
mas também uma tentativa de recriar um inimigo 
para além do Reno. O escalonamento de tensões 
no leste Europeu e no Oriente Médio – a exemplo 
do conflito na Ucrânia, da anexação da Crimeia 
em 2014, do recente deslocamento de tropas da 
OTAN para a Polônia e da ativa participação russa 
no conflito sírio – são efeitos da política externa 
de contenção das administrações Bush e Obama, 
as quais tem levado o Estado russo a buscar 
novas alianças, aumentando a viabilidade de uma 
parceria sino-russa mais efetiva.
O desmembramento geográfico

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