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Associação dos Advogados de São Paulo Rua Álvares Penteado, 151 Centro cep 01012 905 São Paulo SP tel (11) 3291 9200 www.aasp.org.br 122 D IR E IT O D E S P O R TI V O Direito Desportivo 1 2 3 N o ta d o C o o rd en ad o r 6 R ev is ta d o A d vo g ad o ISSN-0101-7497 Ano XXXIV Nº 122 Abril de 2014 DIRETORIA Presidente Sérgio Rosenthal Vice-Presidente Leonardo Sica 1º Secretário Luiz Périssé Duarte Junior 2º Secretário Alberto Gosson Jorge Junior 1º Tesoureiro Fernando Brandão Whitaker 2º Tesoureiro Marcelo Vieira von Adamek Diretor Cultural Luís Carlos Moro REVISTA DO ADVOGADO Conselho Editorial: Alberto Gosson Jorge Junior, Eduardo Reale Ferrari, Fátima Cristina Bonassa Bucker, Fernando Brandão Whitaker, Juliana Vieira dos Santos, Leonardo Sica, Luís Carlos Moro, Luiz Périssé Duarte Junior, Marcelo Vieira von Adamek, Nilton Serson, Paulo Roma, Pedro Ernesto Arruda Proto, Renato José Cury, Ricardo de Carvalho Aprigliano, Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, Roberto Timoner, Rogério de Menezes Corigliano, Sérgio Rosenthal, Sonia Corrêa da Silva de Almeida Prado e Viviane Girardi Ex-Presidentes da AASP: Walfrido Prado Guimarães, Américo Marco Antonio, Paschoal Imperatriz, Theotonio Negrão, Roger de Carvalho Mange, Alexandre Thiollier, Luiz Geraldo Conceição Ferrari, Ruy Homem de Melo Lacerda, Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, Diwaldo Azevedo Sampaio, José de Castro Bigi, Sérgio Marques da Cruz, Mário Sérgio Duarte Garcia, Miguel Reale Júnior, Luiz Olavo Baptista, Rubens Ignácio de Souza Rodrigues, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, José Roberto Batochio, Biasi Antonio Ruggiero, Carlos Augusto de Barros e Silva, Antonio de Souza Corrêa Meyer, Clito Fornaciari Júnior, Renato Luiz de Macedo Mange, Jayme Queiroz Lopes Filho, José Rogério Cruz e Tucci, Mário de Barros Duarte Garcia, Eduardo Pizarro Carnelós, Aloísio Lacerda Medeiros, José Roberto Pinheiro Franco, José Diogo Bastos Neto, Antonio Ruiz Filho, Sérgio Pinheiro Marçal, Marcio Kayatt, Fábio Ferreira de Oliveira e Arystóbulo de Oliveira Freitas Diretor Responsável: Leonardo Sica Jornalista Responsável: Reinaldo Antonio De Maria (MTb 14.641) Coordenação-Geral: Ana Luiza Távora Campi Barranco Dias Capa: Aline Vieira Barros - AASP Revisão: Elza Doring, Luanne Batista, Milena Bechara e Paulo Nishihara - AASP Editoração Eletrônica: Altair Cruz - AASP Administração e Redação: Rua Álvares Penteado, 151 - Centro - cep 01012 905 - São Paulo-SP tel (11) 3291 9200 - www.aasp.org.br Impressão: Pancrom Indústria Gráfica Tiragem: 95.100 exemplares A Revista do Advogado é uma publicação da Associação dos Advogados de São Paulo, registrada no 6º Ofício de Registro de Títulos e Documentos de São Paulo, sob nº 997, de 25/3/1980. © Copyright 2014 - AASP A Revista do Advogado não se responsabiliza pelos conceitos emitidos em artigos assinados. A reprodução, no todo ou em parte, de suas matérias só é permitida desde que citada a fonte. Solicita-se permuta. Pídese canje. On demande I’échange. We ask for exchange. Si richiede lo scambio. Toda correspondência dirigida à Revista do Advogado deve ser enviada à Rua Álvares Penteado, 151 - Centro - cep 01012 905 - São Paulo-SP. SUMÁRIO 5 Nota do Coordenador. Felipe Legrazie Ezabella 7 Apresentando o Direito Desportivo. Luiz Roberto Martins Castro 14 Direito de arena dos atletas profissionais: titularidade, abrangência, forma de repasse e natureza jurídica. Carlos Eduardo Ambiel 22 A invasão de centros de treinamento por torcedores e a (im)possibilidade de rescisão indireta dos contratos de trabalho. Domingos Sávio Zainaghi 27 Particularidades do contrato especial de trabalho desportivo. João Henrique Cren Chiminazzo 35 Breves reflexões sobre a Lei nº 12.663/2012 (Lei Geral da Copa). Luiz Felipe Guimarães Santoro 42 Jogos Olímpicos e a Lei brasileira do Ato Olímpico. Gustavo Normanton Delbin 55 O Tribunal Arbitral do Esporte (TAS): um breve guia para advogados. Pedro Fida 64 Órgãos jurisdicionais e de resolução de disputas da Fifa. Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira 70 O combate ao doping no esporte. Thomaz Sousa Lima Mattos de Paiva 78 A isenção dos clubes de futebol profissional em relação a IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Juliano Di Pietro 91 Comentários ao Estatuto de Defesa do Torcedor – consumidor do espetáculo esportivo. Caio Pompeu Medauar de Souza 101 O novo art. 18-A da Lei Pelé e os mandatos dos dirigentes desportivos. Álvaro Melo Filho 109 Justiça Comum x Justiça Desportiva. Carlos Miguel Castex Aidar Nota do Coordenador Felipe Legrazie Ezabella Advogado. Bacharel, mestre e doutor pela Univer- sidade de São Paulo (USP). Especialista em Admi- nistração Esportiva pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e em Arbitragem pela Escola de Direito de São Paulo da FGV. Autor de livros e artigos jurídico- -esportivos. Professor universitário e palestrante. Sócio-fundador do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). N o ta d o C o o rd en ad o r 5 R ev is ta d o A d vo g ad o À s vésperas da realização no Brasil dos dois principais eventos esportivos do mundo, a Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), mais uma vez, inova trazendo aos seus associados e ao público em geral a Revista do Advogado sobre Direito Desportivo. Não que o tema seja recente nesta casa, já que há muito tem sido debatida a legislação desportiva em seus cursos e encontros, bem como porque desde 2005 realiza, sempre no segundo semestre e em parceria com o Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), o Fórum de Direito Desportivo, evento esse já consagrado no calendário jusdesportivo brasileiro. A mim, na qualidade de treinador, coube o papel de convocar os atletas, dividi-los por posição, passar as orientações mínimas, para que o público possa aproveitar o conhecimento disponibilizado. Num país que respira futebol, com “200 milhões de treinadores”, imaginem que não foi fácil escalar nossa seleção. Procurei seguir os ensinamentos básicos para a formação de qualquer equipe, mesclando jovens talentos com renomados juristas, tentando abranger os mais variados subtemas que envolvem o Direito Desportivo. O resultado, como os senhores e as senhoras verão, deixa-me a certeza de que outra edição é necessária! Luiz Roberto Martins Castro inicia os trabalhos com uma apresentação sobre o que é o Direito Desportivo, como surgiu e foi desenvolvido, já que, durante muito tempo, Desporto e Direito eram dois fenômenos totalmente afastados, passando a interagir quando o primeiro passou a ter maior relevância socioeconômica, nascendo, assim, o Direito Desportivo moderno. O trio Carlos Eduardo Ambiel, Domingos Sávio Zainaghi e João Henrique Cren Chiminazzo trata a respeito do Direito Desportivo trabalhista, trazendo importantes considerações principalmente na conflituosa relação clube-atleta. Sobre os dois principais eventos esportivos que o Brasil hospedará, a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e os Jogos Olímpicos, em 2016, Luiz Felipe Guimarães Santoro e Gustavo Normanton Delbin, respectivamente, são os responsáveis pelas considerações a respeito das duas leis federais que dão cumprimento às garantias assumidas pelo governo brasileiro junto às entidades internacionais a fim de que o país pudesse sediá-los. Sobre as questões internacionais, tão pouco debatidas e conhecidas aqui no Brasil, Pedro Fida, Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira e Thomaz Sousa Lima Mattos de Paiva são os responsáveis, respectivamente, pela Corte Arbitral do Esporte, pelos órgãos jurisdicionais da Fifa e pela legislação sobre doping. “Nossa literatura ignora o futebol, e repito: nossos escritores não sabem cobrar um reles lateral.” (Nelson Rodrigues) N o ta d o C o o rd en ad o r 6 R ev is ta d o A d vo g ad o Sobre a complexa questão tributária brasileira, que aflige a quase totalidade de empresários, e a sanha arrecadatória do Fisco, Juliano Di Pietro disserta a respeito da isenção dos clubes de futebol profissional em relação a IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Já Caio Pompeu Medauar de Souza traz um panorama legislativo do torcedor/consumidor, que a cada dia que passa tem seus direitos e garantias ampliados e reconhecidos pela legislação desportiva. Por fim, Álvaro Melo Filho e Carlos Miguel Castex Aidar, dois dos mais conhecidos nomes do meio jurídico-desportivo, trazem à discussão tópicos específicos de enfrentamento diário dos profissionais que militam na área, como a discussão sobre a limitação dos mandatos dos dirigentes desportivos e o conflito entre Justiça Comum e Justiça Desportiva. Antes do pontapé inicial, meus agradecimentos à Diretoria da AASP, pelo convite e pela confiança para coordenar esse trabalho, e aos 13 selecionados, titulares camisas 10, que prontamente e gentilmente aceitaram o convite e o desafio proposto. E que me desculpe Nelson Rodrigues, pois a sua máxima, anteriormente transcrita, aqui não serve! 7 R ev is ta d o A d vo g ad o Luiz Roberto Martins Castro Advogado, graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, USP. Especialista em Admi- nistração para Profissionais do Esporte pela Escola de Administração de Empresas da FGV. Master em Direito Desportivo pela Universidade de Lérida, Espanha. Ex- presidente do Instituto Brasileiro de Direito Despor- tivo. Ex-coordenador da Revista Brasileira de Direito Desportivo. Ex-vice-presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB-SP. Membro do Advisory Board do The International Sports Law Journal (Haia, Holanda) e do Advisory Board do curso Graduate Diploma in Sports Law da Universidade de Melbourne (Austrália). Coordenador acadêmico do curso de especialização em Direito Desportivo promovido pelo Instituto Nacional de Ensinos Jurídicos em Porto Alegre. Pro- fessor de cursos de especialização em Direito Despor- tivo em São Paulo. Presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da PGA do Brasil. Auditor do Supe- rior Tribunal de Justiça Desportiva da Confederação Brasileira dos Portadores de Deficiência Visual. Presi- dente do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Volleyball. Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Basketball. Auditor da 2ª Comissão Disciplinar do Tribunal de Justiça da Federação Paulista de Futebol. A presentando o Direito Desportivo. Sumário 1. Considerações iniciais 2. O que é esporte? 3. Esporte, desporte ou desporto 4. O que é Direito Desportivo 5. Direito Desportivo Puro 6. Direito Desportivo Híbrido 7. O Direito Desportivo como ramo autônomo do Direito Bibliografia 1 Considerações iniciais A fim de ajudar-nos a entender e acompanhar o desenvolvimento do Direito Desportivo, faz-se necessário, primeiramente, definirmos, ou, ao menos, compreendermos o que é esporte. 2 O que é esporte? Inexiste na doutrina uma definição única e precisa de esporte, contudo existem algumas pre- missas que sempre são coexistentes em todas as teorias atualmente apresentadas. “O desporto anima o homem a compreender o bem da submissão às regras do jogo e o respeito à autoridade da ordem hierárquica. Êle predispõe a aceitar o chefe e a abominar o tirano ou o ditador.” (João Lyra Filho) A p re se n ta n d o o D ir ei to D es p o rt iv o . 8 R ev is ta d o A d vo g ad o Quando pensamos em esporte sempre temos em mente a prática de uma atividade física, con- tudo somente a atividade física praticada de forma isolada não define a atividade como esporte; se assim o fosse, construir uma casa ou subir uma escada poderia ser considerado esporte, e em contrapartida o xadrez não poderia ser considerado esporte. Para que uma atividade possa ser considerada esporte, faz-se necessária a união de três pressu- postos: i) existência de atividade física. Sendo que atividade física é aquela que “envolve o uso de ati- vidades motoras, proeza física ou esforço físico” (BARBANTI, 2006, p. 54), mesmo que mínima; ii) possuir caráter competitivo. Não é necessá- rio que se busquem medalhas ou recordes, o que importa é haver, mesmo que mínima, uma com- petição entre os praticantes. Treinos são conside- rados uma preparação para a competição, logo, podem ser entendidos como uma pré-competição; iii) regras padronizadas e predefinidas. “As regras do jogo definem um conjunto de proce- dimentos com guias e restrições” (BARBANTI, 2006, p. 56) e, por possuir regras predefinidas, podemos afirmar que apenas os seres humanos praticam esporte, posto que, para a sua prática, é necessário entender e respeitar as regras, algo que exige que seus participantes possuam capacidade de compreensão, interpretação e obediência das informações que lhe foram passadas. Logo, para se praticar esporte é pressuposto necessário que os seus praticantes possuam capacidade de racio- cínio, algo que é, pelo menos até hoje, exclusivo do ser humano. Os animais, apesar de não terem a capacidade de compreender e interpretar as re- gras, podem participar da prática esportiva, mas sempre o farão como meio, nunca como agente principal. Dessa forma, podemos definir esporte como uma atividade física competitiva, delimitada por regras específicas, tendo sempre o ser humano como agente principal. A definição citada não é terminativa, é apenas uma das diversas atualmente existentes; contudo, a nosso ver, é a que melhor congrega o conceito mundial de esporte. Entretanto sempre é possível encontrar atividades físicas que não são considera- das esporte, mas que preencham os três pressupos- tos, contudo há sempre um pressuposto impres- cindível, qual seja: a regra predefinida. Como o Direito é regra, podemos afirmar que ele sempre será parte essencial do esporte. 3 Esporte, desporte ou desporto? A palavra “esporte” é derivada da palavra “sport, palavra inglesa tirada do artigo francês desport, de desporter” (LYRA FILHO, 1952, p. 27). Por sua vez, a palavra desport “es de origen mediterráneo y gremial. Para el marino mediter- ráneo, estar du-portu significa, entre otras cosas, dedicar su tiempo libre a juegos del puerto” (SALCEDO, 1989, p. 133). Dessa forma, as nomenclaturas esporte/des- porte/desporto, além de possuírem o mesmo signi- ficado, têm a sua origem relacionada à ocupação do tempo livre, também conhecido como ócio. Ninguém é capaz de definir qual a origem do desporto, mas o certo é que ele só pode ter surgido a partir do momento em que o ser humano passou a ter tempo livre. Alguns entendem que o desporto surgiu da evolução da dança, outros, da modificação de ri- tos religiosos, e outros, ainda, do aprimoramento e exercício das capacidades vitais (caça, pesca, lutas), mas o certo é que a sua existência está atrelada a dois fatores. O primeiro: o ser humano ter passado a viver em sociedade, fato que gerou uma possibilidade Como o Direito é regra, sempre será parte essencial do esporte. A p re se n ta n d o o D ir ei to D es p o rt iv o . 9 R ev is ta d o A d vo g ad o de divisão do “esforço obrigatório” de sobrevivên- cia do indivíduo, qual seja caçar, guardar a caça, cozinhar, alimentar-se, ou seja, sobreviver ao am- biente hostil em que se encontrava. “Esforço obri- gatório” que modernamente pode ser entendido como aquele “que entraña la imperativa satisfación de necesidades, es decir, el trabajo” (ORTEGA Y GASSET, 1967, p. 259). O segundo, que é consequência do primeiro: com a divisão das tarefas relacionadas ao “esfor- ço necessário”, o ser humano passou a ter mais tempo livre e, assim, a fim de ocupar esse tempo livre, criou o chamado “esforço supérfluo”, o que possivelmente deu origem às denominadas ativi- dades culturais, como a dança, a crença, a arte e a prática desportiva. Passados os anos e modernizando-se os ins- trumentos de trabalho, o ser humano passou a ter mais tempo para dedicar-se ao “esforço supér- fluo”, e assim, tendo em vista que os estivadores e/ ou trabalhadores dos portos, quando não ocupa- dos no exercício do seu “esforço necessário”, dedi- cavam seu tempo livre a esse “esforço supérfluo”, que eram, dentre outros, “juegos del puerto”, surge, como descrito acima, a palavra desport, que, apor- tuguesada, deu origem à palavra “desporto”. Dessa forma, podemos concluir que esporte, desporte e desporto nada mais são do que sinô- nimos. Tendo em vista a evolução da sociedade, o con- ceito atual de desporto também se modernizou, e “Lo que hoy entendemos por deporte, el ‘deporte moderno’, es un producto cultural que tiene precisados fecha y lugar de origen: Inglaterra, principios del XIX. Ha sido posible merced a la madurez de esta civilización, y como producto cultural recoge, readaptándolos, necesidades e impulsos sentidos en épocas pretéritas que, tal vez desde nuestra óptica, serían los tiempos del ‘predeporte’. Las manifestaciones ancestrales, con las connotaciones que fueran, sirvieron al hombre primitivo para su afirmación individual y social. El hombre moderno actual ha reformulado esa faceta de su cultura, de manera que el deporte sea medio útil para la satisfacción de algunas de sus específicas necesidades. Sin éstas, aquél no existiría” (FERRER, 1991, p. 49). 4 O que é Direito Desportivo? Como descrito anteriormente, o desporto mo- derno é uma atividade cultural que busca a satis- fação específica do ser humano. No início, essa satisfação era restrita aos atletas e aos poucos afi- cionados que compareciam aos locais onde o des- porto era praticado, sendo que, na grande maioria das vezes, a repercussão econômica da sua prática era incipiente ou inexistente. Nesse período surgiu o que podemos chamar de Direito Desportivo Antigo, que era aquele que versava exclusivamente sobre o restrito universo “atleta-clube-federação/confederação”. Basicamente, o Direito Desportivo Antigo era adstrito a regras e regulamentos da modalidade ou no máximo a questões extraesportivas relacionadas à relação “atletas-clubes”. Ocorre que, com o fato de o desporto ter, prin- cipalmente, a partir dos Jogos Olímpicos de Bar- celona, em 1992, deixado de ser um meio de di- vulgação de ideais e ter se tornado uma atividade econômica, a denominada “indústria do esporte”, viu-se necessária uma maior assistência e regula- mentação jurídica sobre a atividade, seja quanto à sua organização, seja quanto à sua exploração. Some-se a isso o fato de que o desporto é uma prática global1 regulada por entes privados, capazes de representar, em caráter não oficial nem jurídico, entes públicos, fato que exige uma regulamentação ainda mais rígida e “internacionalizada”. 1. Frise-se que atualmente o Comitê Olímpico Internacional (COI), ente internacional privado, tem 204 filiados (cabe destacar que é equi- vocado falar que temos países filiados ao COI, pois quem é filiado ao COI são os Comitês Olímpicos Nacionais, e não o país como Estado), enquanto a ONU tem 193 membros (neste caso, Estados). A p re se n ta n d o o D ir ei to D es p o rt iv o . 10 R ev is ta d o A d vo g ad o Em função dessa necessidade, surgiu o que chamamos de Direito Desportivo Atual, o qual engloba não apenas a visão adstrita do Direito Desportivo Antigo mas também a nova faceta das atuais necessidades da “indústria do esporte”. Com isso, podemos afirmar que o Direito Des- portivo, atualmente, é um direito superveniente aos demais, que regula não apenas os aspectos jurídicos relacionados à prática esportiva, mas também todas as outras questões relacionadas às atividades sociais e econômicas vinculadas à ati- vidade esportiva. A grande dificuldade que os teóricos do Di- reito Desportivo encontram é saber se o Direito Desportivo Atual é simplesmente uma variação dos demais ramos do Direito, tais como o Direi- to Civil, Penal, Trabalhista, etc., aplicado a uma atividade social com um objeto esportivo, ou se é a união de todas essas matérias aplicadas a uma nova necessidade social, dando, assim, origem a um novo e específico ramo do Direito. Tal como já destacado em nosso artigo publi- cado no primeiro volume da Revista Brasileira de Direito Desportivo, dessa questão surgiu a divisão do Direito Desportivo em dois sub-ramos, o Direito Desportivo Puro e o Direito Desportivo Híbrido. 5 Direito Desportivo Puro O Direito Desportivo Puro seria aquele que se propõe a “garantir um conhecimento apenas diri- gido ao Direito [Desportivo] e excluir deste tudo que não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito [Desportivo]” (KELSEN, 1985, p. 1). Dessa forma, podemos concluir que o Direi- to Desportivo Puro possui sua origem no Direito Desportivo Antigo e é atualmente materializado pela Justiça Desportiva, posto que essa última possui legislação (Código Brasileiro de Justiça Desportiva), julgadores próprios (auditores – art. 55 da Lei nº 9.615/1998) e jurisdicionados limitados ao espectro desportivo, restando, ainda, exceção feita aos princípios gerais do Direito, desgarrada dos demais ramos do Direito. A Justiça Desportiva somente perde o seu cará- ter de materialização do Direito Desportivo Puro quando a matéria em análise é levada ao Poder Judiciário, pois nessa situação a “célula estéril” do Direito Desportivo Puro é “infectada” pelas demais áreas do Direito, o que, invariavelmente, acaba por desestabilizar e até mesmo implodir todo o sistema desportivo, uma vez que é usual que as decisões do Poder Judiciário acabem por basearem-se em regras estranhas e alheias à pecu- liaridade do desporto. Neste momento, é necessário destacar que, ape- sar de a Justiça Desportiva ter origem constitucional (art. 217), ela não é um órgão do Poder Judiciário brasileiro, pois não consta da lista terminativa in- serida no art. 92 da Constituição Federal (CF). Também frisamos que, por força do art. 217 da CF, a competência da Justiça Desportiva está limitada a conhecer e julgar ações relativas à disciplina e às competições desportivas. Qualquer outra ma- téria relacionada à prática desportiva, se levada ao conhecimento dessa Justiça, não pode ser por ela apreciada sob pena de nulidade. Em contrario sensu, também por força dos termos do art. 217 da CF, o Poder Judiciário só pode analisar questões relacionadas à disciplina e às competições desportivas após esgotadas as ins- tâncias da Justiça Desportiva ou caso a questão levada a essa Justiça não tenha sido sanada em um prazo máximo de 60 dias. Apesar de a Justiça Desportiva ter origem constitucional, ela não é um órgão do Poder Judiciário brasileiro. A p re se n ta n d o o D ir ei to D es p o rt iv o . 11 R ev is ta d o A d vo g ad o Assim sendo, podemos definir a Justiça Des- portiva como uma Justiça Administrativa mate- rializadora do Direito Desportivo Puro, cuja com- petência está restrita à análise de ações relativas à disciplina e às competições desportivas e cujas decisões devem seguir as suas regras próprias, mas que estão passíveis de revisão do Poder Judiciário nas hipóteses de essas terem sido proferidas de for- ma contrária à sua própria regulamentação, aos princípios gerais do Direito ou à prova. 6 Direito Desportivo Híbrido O Direito Desportivo Híbrido é a materiali- zação do Direito Desportivo Atual, pois ele nada mais é do que a confluência dos demais ramos do Direito à nova faceta da atividade desportiva, qual seja o “esporte como negócio” ou ainda a “indús- tria do esporte”. Outra característica do Direito Desportivo Híbrido é a sua grande relação e até mesmo de- pendência de outras ciências não jurídicas, tais como o Marketing e a Administração Esportiva. Contudo, é importante frisar que, tendo em vista a peculiaridade da atividade esportiva e, principalmente, a necessidade de sempre se res- peitarem as suas características únicas, inclu- sive suas regras, o Direito Desportivo Híbrido é cunhado de exceções às regras usuais de cada área do Direito que o compõe. Regras básicas do Direito do Trabalho e do Direito Civil, como, por exemplo, prazo máximo do contrato de trabalho e valor máximo de uma multa contratual, são totalmente desprezadas no Direito Desportivo Híbrido. No Direito Despor- tivo Híbrido, podemos dizer que a exceção é a regra. Importante destacar que, se em algum mo- mento o desporto deixar de ser visto como in- dústria ou negócio, o Direito Desportivo Híbrido deixará de despertar interesse econômico e, por consequência, interesse jurídico, o que acarretará a sua extinção, fato que jamais ocorrerá com o Direto Desportivo Puro. 7 O Direito Desportivo como ramo autônomo do Direito Os pressupostos determinantes para a autono- mia científica de uma disciplina jurídica são: i) a manifestação de uma realidade social devida- mente delimitada e claramente identificada; ii) a presença de categorias jurídicas próprias e homo- gêneas; e iii) a existência de princípios jurídicos singulares que sirvam para dar um entendimento conjunto, integrado e sistemático das normas que compõem tal ramo. Verificados os pressupostos indicados acima, podemos tranquilamente afirmar que o Direito Desportivo Puro, ou seja, a Justiça Desportiva, por versar sobre uma realidade social delimitada e identificada, por possuir característica jurídica própria e também princípios jurídicos singulares, pode, sem qualquer dificuldade, ser considerado como um ramo autônomo do Direito. Com relação ao Direito Desportivo Híbrido, não é possível nem fácil afirmar que ele pode ser visto como um ramo autônomo do Direito, posto ser claro que, apesar de ele ser uma manifestação de uma realidade social, essa realidade não é deli- mitada e claramente identificada; mais ainda, ele não goza tanto de categorias quanto de princípios próprios; assim: “No estamos, por ende, ante un Derecho del deporte como rama del ordenamiento jurídico con vida propia con respecto a las restantes. No existe un Derecho del deporte en sentido estricto, sino un Derecho administrativo en materia de de- porte, un Derecho tributario en materia de depor- te, un Derecho mercantil en materia de deporte, etc. Existe en rigor un Derecho sobre la materia deportiva, que solo conveniencias denominativas y docentes podría conocerse por Derecho del deporte” (PIETRO, 1993, p. 23). A p re se n ta n d o o D ir ei to D es p o rt iv o . 12 R ev is ta d o A d vo g ad o Também existem aqueles que defendem que o Direito Desportivo Híbrido é apenas a adequação de antigos ramos do Direito a um novo fato social (WEILER; ROBERTS, 1993). Pouquíssimos são aqueles que defendem que o Direito Desportivo Híbrido é um ramo autônomo do Direito, e, via de regra, o entendimento não é lastreado em nenhum fundamento teórico, mas apenas nos fundamentos apaixonados de advoga- dos que amam e trabalham com o esporte. Qual o sentido prático de ser o Direito Des- portivo um ramo autônomo ou não do Direito? Para os estudiosos do tema, a identificação do Direito Desportivo como um ramo autônomo do Direito seria de grande valia para fins acadêmicos, pois, uma vez que inexiste o ramo específico, é difícil a criação de cursos de mestrado ou douto- rado com o tema, posto que não se sabe em que departamento a matéria se enquadraria, e mais, uma vez que inexistem no país doutores em Direito Desportivo propriamente dito, é extremamente difícil encontrar professores orientadores dispos- tos a desbravar esse novo terreno. Atualmente, todos os mestres ou doutores em Direito Desportivo no país ou fizeram seus cursos no exterior e não conseguem validar o seu diploma no Brasil, por inexistência de matéria equivalente, ou são mestres em outras áreas do Direito, como Direito Civil, Penal e Trabalhista, tendo elabora- do a sua tese ou dissertação, conforme o caso, em assunto relacionado ao Direito Desportivo. Toda essa dificuldade, atrelada ao preconceito de que a Justiça Desportiva é pífia, tendenciosa ou “jogo de cartas marcadas”, é extremamente preju- dicial ao desenvolvimento do Direito Desportivo, seja o Puro, seja o Híbrido.2 Independentemente disso, é claro o crescimento do Direito Desportivo no Brasil nos últimos 15 anos. A criação da “indústria do esporte”, a promulgação da Lei Pelé, a fundação do Instituto Brasileiro de Di- reito Desportivo, a criação da Revista Brasileira de Direito Desportivo, a realização de mais de 15 cursos de especialização em Direito Desportivo e agora a edição pela AASP de uma revista sobre o tema de- monstram não apenas o real crescimento do Direito Desportivo no país, bem como o crescimento de todos no tema, que é tão apaixonante quanto o amor do brasileiro pelo esporte. 2. Se no Brasil temos 200 milhões de técnicos, temos também 200 milhões de auditores de tribunais desportivos (na Justiça Desportiva, os julgadores são chamados de auditores, e não juízes). A p re se n ta n d o o D ir ei to D es p o rt iv o . 13 R ev is ta d o A d vo g ad o Bibliografia BARBANTI, Valdir. O que é esporte? Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, Pelotas, v. 11, n. 1, 2006. CASTRO, Luiz Roberto Martins. A natureza do Direito Des- portivo. Revista Brasileira de Direito Desportivo, v. 1, Editora da OAB-SP, primeiro semestre de 2002. FERRER, Gabriel Real. Derecho Público del Deporte. Madrid: Civitas S.A., 1991. FYNN, Alex; GUEST, Lynton. For love or money. Londres: Boxtree, 1998. GARDINER, Simon. Sports law. Londres: Cavedish Publishing Limited, 1997. KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985. LYRA FILHO, João. Introdução ao Direito Desportivo. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1952. MELO FILHO, Álvaro. “Lei Pelé”: comentários à Lei 9.615/98. Brasília: Brasília Jurídica, 1998. ORTEGA Y GASSET, José. El origen deportivo del Estado. In: Citius, Altius, Fortius. [Reeditado], T. IX, Madrid: 1967. PANAGIOTOPOULOS, Dimitrios. Sports law (Lex Sportiva) in the world: regulations and implementation. Atenas: Ant. N. Sakkoulas, 2004. PIETRO, Luis María Cazorla. Reflexiones acerca de la pretensión de autonomía científica del Derecho del deporte. Revista Española de Derecho Deportivo, v. 1, Civitas, enero/junio, 1993. SALCEDO, Mariano Albor. Deporte Y Derecho. México, DF: Trillas, 1989. WEILER, Paul C.; ROBERTS, Gary R. Sports and the law text, cases, problems. Boston: Thomson West, 1993. 14 R ev is ta d o A d vo g ad o Carlos Eduardo Ambiel Advogado. Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP). Professor de Direito do Trabalho nos curso de graduação e pós-graduação da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). Professor dos cursos de especia- lização e pós-graduação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS), Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) e Escola Superior de Advocacia (ESA). Direito de arena dos atletas profissionais: titularidade, abrangência, forma de repasse e natureza jurídica. Sumário 1. Introdução 2. Conceito e evolução do direito de arena 3. Da titularidade e abrangência do direito de arena 4. Da natureza jurídica do repasse da arena 5. Conclusão Bibliografia 1 Introdução O direito de arena constitui peculiar instituto do ordenamento nacional, pois, apesar de envol- ver a autorização de transmissão de espetáculos esportivos, acabou gerando uma anômala forma de renda para os atletas profissionais, fruto da obrigação legal de repassar parte do valor arre- cadado com a transmissão do espetáculo aos que dele participam. Previsto na Lei de Direitos Autorais, o direito de arena acabou migrando para as normas nacionais do desporto, o que gerou evidente e preocupante confusão de conceitos com reflexos negativos na doutrina e jurisprudência. Todavia, a ocorrência de grandes eventos esportivos no país, embora organi- zados por entidades internacionais, demanda uma análise sobre a efetiva abrangência do direito de arena e seus efeitos. D ir ei to d e ar en a d o s at le ta s p ro fi ss io n ai s: t it u la ri d ad e, a b ra n g ên ci a, f o rm a d e re p as se e n at u re za j u rí d ic a. 15 R ev is ta d o A d vo g ad o Para tanto, trataremos do conceito jurídico de direito de arena, sua origem e evolução legislativa. Na sequência, analisaremos a abrangência territo- rial do instituto e seu tratamento em competições esportivas internacionais, além dos critérios para repasse aos atletas, forma de apuração e natureza jurídica, culminando com nossas conclusões. 2 Conceito e evolução do direito de arena O instituto do direito de arena foi estudado por importantes autores nacionais (CHAVES, 1999; ZAINAGHI, 1998; EZABELLA, 2006). Quase todos explicam a palavra “arena” a partir da sua origem latina, que remete a um lugar coberto de areia onde gladiadores se enfrentavam (CHAVES, 1999, p. 778). Atualmente significa o local desti- nado à prática esportiva, sendo bastante comum denominar como “arena” os mais modernos giná- sios e estádios onde se realizam eventos esportivos com presença de público. No aspecto jurídico, no entanto, não corres- ponde à titularidade de uma moderna arena es- portiva. Ao contrário, embora não totalmente dissociado do conceito de espetáculo, o direito de arena tem sentido diverso da “praça esportiva”, vez que se preocupa não com o local onde o evento ocorrerá, mas sim com a proteção e titularidade do direito que decorre do evento realizado naquele recinto. Em outras palavras, a arena é o local onde se realiza o evento esportivo, enquanto o direito de arena corresponde à titularidade jurídica para ex- posição pública e de todos os direitos que surgem a partir do momento que referido evento ocorre, seja por meio da cobrança de ingressos dos es- pectadores presentes, seja pela autorização para captação e transmissão dos fatos por meios audio- visuais. Por isso, absolutamente justificável o direito de arena ter sido previsto originalmente nos arts. 100 e 101 da Lei de Direitos Autorais de 1973 (Lei nº 5.988/1973), que já definia a arena como “o direito de autorizar, ou proibir, a fixação, transmissão ou retransmissão, por quaisquer meios ou processos de espetáculo desportivo público, com entrada paga”. Ou seja, quando tratou dos direitos autorais, o legislador deixou claro que a titularidade de autorizar ou proibir a fixação, transmissão e re- transmissão pública de um espetáculo desportivo decorre do direito do clube à titularidade sobre aquele espetáculo esportivo do qual participou, permitindo estabelecer as regras e valores para ex- posição pública do evento. Interessante notar também que, embora sem utilizar a expressão direito de arena, o art. 5º, in- ciso XXVIII, alínea a, da Constituição Federal de 1988 resguarda esse direito, quando assegura, nos termos da lei, “a proteção às participações individuais em obras coletivas [...], inclusive nas atividades desportivas”, em evidente referência à proteção das participações individuais em obras coletivas, inclusive desportivas. Afinal, quando um atleta participa de um es- petáculo desportivo, em qualquer esporte coleti- vo, e o conjunto dos movimentos que realiza no jogo chama a atenção de milhões de espectadores, que pagam para apreciar aquele evento, alguns presentes ao local e outros acompanhando pela televisão ou internet, é evidente que se está diante de uma obra coletiva de entretenimento, da qual cada um dos atletas é coautor. Isso explica o por- quê da inclusão do conceito de direito de arena na Lei de Direitos Autorais, embora parte da doutri- Embora não totalmente dissociado do conceito de espetáculo, o direito de arena tem sentido diverso da “praça esportiva”. D ir ei to d e ar en a d o s at le ta s p ro fi ss io n ai s: t it u la ri d ad e, a b ra n g ên ci a, f o rm a d e re p as se e n at u re za j u rí d ic a. 16 R ev is ta d o A d vo g ad o na ainda se manifestasse contrária a aceitar que o esportista pudesse ser considerado um artista.1 A partir do momento que foi promulgada uma Lei Geral do Desporto, o direito de arena tam- bém passou a ser regulado pelo art. 242 da Lei nº 8.672/1993 (Lei Zico), em redação muito seme- lhante àquela que ainda constava da antiga Lei nº 5.988/1973. Cinco anos depois, a legislação auto- ral deixou de dispor sobre o direito de arena3 e o assunto passou a ser regulado exclusivamente pelo art. 424 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé). Recentemente, a Lei nº 12.395/2011 alterou a redação do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 para re- duzir e regulamentar o percentual de repasse do direito de arena aos atletas participantes do espe- táculo esportivo, em disposições que atualmente disciplinam a titularidade, abrangência, forma de repasse e natureza do direito, tudo conforme pas- saremos a estudar. 3 Da titularidade e abrangência do direito de arena A titularidade e abrangência do direito de are- na podem ser analisadas sobre aspectos distintos, embora complementares: i) por um lado, a titu- laridade e abrangência do direito de autorizar a exposição e reprodução de um espetáculo despor- tivo; e ii) por outro, a copropriedade nas receitas que decorrem da autorização onerosa do direito de exposição pública do evento, com obrigação de repasse de percentual aos atletas. O legislador deixou muito claras essas diferen- ças no próprio art. 42 da Lei nº 9.615/1998, afinal o caput fala da titularidade do direito de autorizar a transmissão do espetáculo, enquanto o § 1º deter- mina a divisão das receitas com os atletas, consi- derados coproprietários do direito. Nesse sentido, pertinente a transcrição dos citados dispositivos, a começar pelo caput, que assim dispõe: “Art. 42 - Pertence às entidades de prática des- portiva o direito de arena, consistente na prerro- gativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo despor- tivo de que participem”. A leitura é absolutamente clara e não deixa dú- vidas sobre o conceito do direito de arena, definido pelo legislador como a “prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixa- ção, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens de espetáculo desportivo”. Além disso, fica evidente que, pelo menos no Bra- sil, o titular desse direito é sempre a entidade de prática desportiva, ou seja, a empresa ou associa- ção desportiva que efetiva aquela atividade. Por isso, quando um evento esportivo é orga- nizado ou praticado por entidades brasileiras, às quais se aplica o art. 42 da Lei nº 9.615/1998, o di- reito de autorizar sua transmissão comercialmente será sempre dos clubes praticantes (entidades de prática), e jamais da entidade organizadora ou dos atletas. Dessa forma, para poder transmitir um evento esportivo nacional, a emissora de televisão interessada deve obter autorização formal – one- rosa ou gratuita – das equipes participantes, pois a elas pertence o direito de arena. No caso do futebol, em que há notório valor econômico envolvido na transmissão de uma par- tida, haverá necessidade de as duas equipes que se 1. Essa era a posição de Walter Morais (1977), para quem não existia no espetáculo esportivo uma produção intelectual. 2. “Art. 24 - Às entidades de prática desportiva pertence o direito de autorizar a fixação, transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo desportivo de que participem. § 1º - Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço da autorização serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas partici- pantes do espetáculo.” 3. A Lei nº 9.610/1998, sobre direitos autorais e que substitui a antiga Lei nº 5.988/1973, nada mais dispôs sobre direito de arena em ativi- dades esportivas. 4. “Art. 42 - Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem. § 1º - Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento.” D ir ei to d e ar en a d o s at le ta s p ro fi ss io n ai s: t it u la ri d ad e, a b ra n g ên ci a, f o rm a d e re p as se e n at u re za j u rí d ic a. 17 R ev is ta d o A d vo g ad o enfrentarão autorizarem a transmissão, prerroga- tiva que cabe exclusivamente aos clubes despor- tivos, não podendo tal decisão ser tomada pelas federações e confederações. Questão um pouco mais complexa envolve a abrangência e titularidade do direito de arena quando as entidades de prática desportivas nacio- nais participam de competições esportivas orga- nizadas por entidades sediadas em outros países e, por isso, não sujeitas à legislação brasileira. Tal problema surge, por exemplo, quando clubes de futebol brasileiros vão disputar a Taça Libertado- res da América ou a Copa Sul-Americana, compe- tições internacionais organizadas pela Confedera- ção Sul-Americana de Futebol (Conmebol), que tem sede no Paraguai. A Conmebol, como não se sujeita à legislação brasileira, pois sediada fora do território nacio- nal, desconsidera completamente o disposto no art. 42 da Lei Pelé e negocia a transmissão de todas as partidas da Taça Libertadores da Améri- ca diretamente com a emissora de televisão que escolher, inclusive aquelas partidas entre clubes brasileiros, que, por isso, não poderão exercer o direito de arena para autorizar a transmissão por outra emissora. Isso porque, em relação aos clubes desporti- vos, a abrangência do direito de arena, assim con- siderada a prerrogativa de autorizar a transmissão dos espetáculos desportivos, se limita apenas às competições organizadas por entidades que se sujeitam à legislação nacional, não abrangendo entidades internacionais, nem mesmo quando as partidas forem realizadas no território brasileiro. Para exemplificar, se dois clubes mineiros se enfrentam no domingo em partida válida pelo Campeonato Brasileiro de Futebol, caberá aos dois o direito de autorizar a transmissão daquela partida pela emissora de televisão que desejarem, inclusive recebendo os valores cobrados pela autorização. No entanto, se três dias depois, na quarta-feira da mesma semana, os mesmos clubes se enfrentarem na cidade de Belo Horizonte em partida válida pela semifinal da Taça Libertado- res da América, como a competição é organizada pela Conmebol, que não se sujeita às leis brasi- leiras, os clubes não teriam o direito de autorizar a transmissão daquela nova partida, agora pela competição internacional, vez que o art. 42 da Lei nº 9.615/1998 não se aplicaria ao caso. Idêntica situação ocorre nas competições or- ganizadas pela Fifa, como é o caso de mundial de clubes, recentemente disputado no Japão ou no Marrocos. Os clubes brasileiros que se classi- ficaram para referida disputa não tiveram direito de arena sobre as partidas daquele campeonato, porque não podiam autorizar a transmissão das partidas, prerrogativa exclusiva da Fifa. Afinal, au- sente o direito de autorizar a transmissão, não se pode falar em direito de arena ou em obrigação de repasse aos atletas participantes. A Fifa, inclusive, faz questão absoluta de preser- var para si o direito de comercializar a transmissão de todos os campeonatos que organiza, inclusive a Copa do Mundo de 2014, que será realizada no Brasil, motivo pelo qual o art. 12 da Lei Geral da Copa5 (Lei nº 12.6663/2012) declarou que a Fifa é titular exclusiva de todos os direitos relaciona- dos à autorização para transmissão das partidas do mundial, mesmo disputado em território nacional, o que afasta a aplicação do art. 42 da Lei Pelé às equipes e atletas que jogarão o mundial no Brasil. 5. “Art. 12 - A FIFA é a titular exclusiva de todos os direitos relaciona- dos às imagens, aos sons e às outras formas de expressão dos Eventos, incluindo os de explorar, negociar, autorizar e proibir suas transmis- sões ou retransmissões.” A abrangência do direito de arena se limita apenas às competições organizadas por entidades que se sujeitam à legislação nacional. D ir ei to d e ar en a d o s at le ta s p ro fi ss io n ai s: t it u la ri d ad e, a b ra n g ên ci a, f o rm a d e re p as se e n at u re za j u rí d ic a. 18 R ev is ta d o A d vo g ad o Portanto, em relação ao que consta do caput do art. 42 da Lei Pelé, podemos concluir que a titula- ridade do direito de arena pertence à entidade de prática desportiva, mas sua abrangência se limita apenas às competições organizadas por entidades nacionais de administração do desporto (federa- ções, confederações e ligas), não se aplicando aos campeonatos organizados por entidades com sede em outros países, mesmo que os jogos ocorram no território nacional. Ao lado da titularidade e abrangência do di- reito dos clubes de autorizarem a transmissão dos seus jogos, encontra-se a posição dos atletas que participam do espetáculo transmitido e, assim, por disposição reflexa da legislação, passam a ter a titularidade sobre parte dos valores recebidos pelo clube, desde que concedida autorização onerosa de transmissão de evento do qual referido atleta participou. O assunto é integralmente regulado pelo § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998, que assim determi- na, já com a redação alterada em março de 2011: “Art. 42 - [...] § 1º - Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do es- petáculo, como parcela de natureza civil”. Como se observa, o dispositivo é claro ao de- terminar que parte dos valores auferidos pela enti- dade de prática desportiva, pela autorização para exploração de direitos desportivos audiovisuais do espetáculo, deve ser repassada a todos os atletas que participaram do evento, ou seja, que contri- buíram como coautores para a criação daquele espetáculo. Ou seja, ao se observar o outro lado do direito de arena, representado pelos valores devidos aos atletas que integraram o espetáculo, identifica- mos um direito cuja titularidade cabe exclusiva- mente a cada atleta que participou do espetáculo, na proporção da divisão que considera a totalida- de de autores, e não o tempo de atuação. Portanto, quando se fala do direito ao repasse da arena, não estamos mais preocupados com quem pode auto- rizar a transmissão do evento esportivo, mas sim com o valor que o atleta profissional deve receber por ser parte daquele espetáculo. Na atual legislação, o valor que cabe aos atle- tas corresponde a 5% do montante obtido pelo seu empregador com a autorização da transmissão das partidas, montante que deve ser distribuído igual- mente entre todos os atletas que entraram na par- tida, exatamente como determina o § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998, anteriormente transcrito. Nas legislações anteriores, o percentual de re- passe aos atletas poderia ser de 20%, desde que as partes não convencionassem de forma diversa. Em compensação, o valor era apurado apenas so- bre o montante obtido pela entidade de prática com a autorização de transmissão, desconside- rando receitas diversas como licenciamento de marcas, símbolos e nomes do campeonato e das equipes participantes. A atual redação do art. 42 da Lei Pelé reduziu a alíquota para 5%, mas ampliou a base de cálcu- lo para considerar todos os valores recebidos pelas entidades de prática juntos às emissoras. Na ver- dade, o legislador apenas trouxe para o texto legal as normas que constavam de uma transação nego- ciada entre os representantes dos empregadores e dos trabalhadores, por intermédio dos sindicatos de classe, que resultou na homologação de um acordo judicial que, por muitos anos, serviu para pacificar o conflito entre a maioria dos clubes e atletas, embora ainda questionado por alguns atle- tas no Poder Judiciário. Isso explica por que o legislador determinou, no § 1º do art. 42, anteriormente citado, que os va- lores correspondentes aos 5% do direito de arena “serão repassados aos sindicatos de atletas profis- sionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos D ir ei to d e ar en a d o s at le ta s p ro fi ss io n ai s: t it u la ri d ad e, a b ra n g ên ci a, f o rm a d e re p as se e n at u re za j u rí d ic a. 19 R ev is ta d o A d vo g ad o atletas profissionais participantes do espetáculo”. Trata-se de resquício do modelo utilizado ainda quando prevalecia o acordo judicial e cabia ao sindicato o papel de receber e distribuir os valores de cada atleta, por sua participação na criação do evento esportivo comercializado. Na época do acordo judicial, os sindicatos apa- reciam como meros agentes repassadores do valor devido e pago pelas entidades de prática desporti- va aos seus respectivos atletas. A revisão legislativa que prevê o repasse dos valores ao sindicato de classe, embora não altere a natureza do pagamento, vez que a origem dos recursos continua sendo do clube empregador, acabou criando algumas anomalias de difícil so- lução prática, especialmente quando o assunto se referir a discussão sobre eventual regularidade nos valores repassados aos atletas individualmente considerados. Afinal, se a obrigação de a entidade de prática desportiva agora se limita a entregar o percentual de 5% devido ao sindicato de classe, para que aquele apure os valores e efetue a distribuição para cada atleta, caso algum atleta ajuíze reclamação de- mandando por supostas diferenças de direito de arena, haverá necessidade de inclusão do sindica- to no polo passivo da demanda, vez que ao empre- gador bastará comprovar o repasse do percentual à entidade profissional, sem poder ser demandado sobre os motivos e critérios do repasse, vez que essa prerrogativa passou a ser do sindicato. E nesse ponto a redação legal merece críticas, pois conferiu ao sindicato papel absolutamente diverso do que estabelecem os arts. 513 e 514 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), além de criar potencial conflito de interesse en- tre os atletas e seu sindicato, afinal a entidade que deve representar os interesses dos atletas e buscar melhores condições de trabalho passará a ser réu em demandas judiciais sempre que o atleta entender que ocorreu inadequação nos critérios de repasse. Melhor teria agido o legislador se tivesse man- tido a obrigação de o próprio empregador apurar a quantidade de jogos e repassar os valores de arena a cada atleta, primeiro, porque a apuração e re- passe observariam o fluxo natural de pagamentos e, segundo, porque qualquer diferença poderia ser exigida em demanda diretamente em face do empregador, sem a necessidade da inclusão do sindicato como réu, com claros prejuízos para a celeridade do processo. Além disso, a nova dinâmica de repasse do direito de arena gera prejuízos fiscais, afinal, se o sindicato é um mero repassador dos valores de arena, como nos parece, o montante pago a cada mês ao atleta deveria se somar aos demais valores recebidos do empregador no mesmo período, para apuração da base de cálculo do IRPF e correta aplicação das alíquotas do imposto na fonte. Na prática, no entanto, isso não ocorre, pois o valor pago pelos clubes é dividido e repassado direta- mente pelo sindicato, que faz sua própria apura- ção e retenção de IRPF como se fosse uma fonte pagadora distinta, desconsiderando as outras ver- bas pagas pelo empregador. Na prática, portanto, a entidade de prática desportiva empregadora, a quem compete o pa- gamento do direito de arena, não consegue mais saber quanto é repassado mensalmente de arena a cada atleta, ficando impossibilitada de verificar a regularidade do pagamento ou mesmo de efetuar a retenção do Imposto de Renda. As entidades sindicais, por sua vez, apesar de tratarem os va- lores como modalidade de repasse de uma verba dos clubes, pois não emitem documento fiscal A revisão legislativa que prevê o repasse dos valores ao sindicato de classe acabou criando algumas anomalias de difícil solução prática. D ir ei to d e ar en a d o s at le ta s p ro fi ss io n ai s: t it u la ri d ad e, a b ra n g ên ci a, f o rm a d e re p as se e n at u re za j u rí d ic a. 20 R ev is ta d o A d vo g ad o nem recolhem imposto sobre o valor que recebem e repassam aos atletas, de forma absolutamente contraditória, conferem ao valor repassado a na- tureza de pagamento ao empregado por meio de uma fonte diversa do empregador, com a qual o sindicato não compartilha dados fiscais. Aos que entendem que o repasse do direito de arena aos atletas tem natureza salarial, a nova dis- posição legal traria uma última dificuldade adi- cional, pois a falta de informação de quanto e para quem o sindicato repassou valores a cada mês im- pediria a regular apuração e pagamento dos refle- xos do repasse mensal da arena nas demais verbas, muito embora não seja essa a interpretação mais correta, especialmente após a alteração do art. 42 da Lei Pelé, que expressamente afastou a natureza salarial do repasse de arena. 4 Da natureza jurídica do repasse da arena A natureza jurídica dos valores de direito de arena que são repassados aos atletas profissionais sempre foi objeto de grande controvérsia na dou- trina, havendo quem sustentasse sua natureza sa- larial (SOARES, 2008, p. 108), porque decorreria do trabalho prestado durante a partida, sua natu- reza remuneratória (ZAINAGHI, 1998, p. 148), porque corresponderia a parcela de salário paga por um terceiro – sindicato –, e até mesmo sua na- tureza indenizatória (EZABELLA, 2006, p. 153), como forma de reparar o uso não autorizado da imagem coletiva do atleta durante a transmissão. A nosso ver, no entanto, nenhuma das teorias explicava corretamente a natureza do repasse aos atletas. A alegação de salário, embora encontre respaldo em jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), não resiste à análise da ori- gem do repasse, que não decorre de contrapres- tação de serviço realizado. Para a doutrina de Amauri Mascaro Nascimento (2007, p. 793), salá- rio constitui a contrapartida do empregador pelo serviço prestado ou pelo período no qual o atleta esteve à sua disposição. No caso do repasse de percentual do direito de arena, o pagamento não está vinculado a qual- quer trabalho ou tempo à disposição do atleta no clube, mas sim à participação em uma obra cole- tiva, afinal o valor é distribuído apenas aos atletas que ingressam na partida, afastando os demais que ficaram à disposição no banco de reservas. Se salário fosse, todos que ficaram à disposição do empregador, mesmo sem entrar no jogo, deveriam receber – reservas e titulares –, mas a arena so- mente é devida aos que ingressaram em campo. Em outras palavras, se a contraprestação do trabalho do atleta decorre do fato de estar à dis- posição do empregado, não pode ser salário valor que se paga apenas aos que atuaram no campo de jogo, excluindo os demais, que também estavam à disposição. Ademais, não há qualquer justificativa para se afirmar que o pagamento seria modalidade de remuneração, por ser pago por terceiro repre- sentado pelo sindicato profissional, afinal, como se demonstrou anteriormente, não é o sindicato quem paga o atleta, cabendo-lhe apenas o papel de agente repassador do valor que sempre teve ori- gem no próprio empregador. Por isso, descabida a diferenciação entre salário e remuneração. Da mesma forma, entendemos que os repasses não têm natureza de indenizatória, até porque não se pretende compensar os danos pelo uso coletivo da imagem. Na verdade, o objetivo a ser alcan- çado pela Lei nº 9.615/1998 no tocante ao direito de arena é oferecer aos atletas que participaram da uma obra coletiva (partida de futebol) parte do valor gerado pela transmissão daquele espetáculo, do qual o atleta foi coautor. Ora, conforme amplamente demonstrado, o direito de arena teve sua origem na Lei de Direitos Autorais (Lei nº 5.988/1973) e sempre representou parcela paga como contrapartida por uma criação coletiva, qual seja um espetáculo esportivo. Nas palavras de Carlos Alberto Bittar (2001, p. 152), D ir ei to d e ar en a d o s at le ta s p ro fi ss io n ai s: t it u la ri d ad e, a b ra n g ên ci a, f o rm a d e re p as se e n at u re za j u rí d ic a. 21 R ev is ta d o A d vo g ad o constitui modalidade de direitos conexos, que são aqueles “reconhecidos, nos planos dos de autor, a de- terminadas categorias que auxiliam na criação ou na produção ou, ainda, na difusão da obra inte- lectual. São denominados direitos ‘análogos’ aos de autor, ‘afins’, ‘vizinhos’, ou, ainda, ‘parautorais’, também consagrados universalmente ”. Foi nesse sentido que o legislador, visando aca- bar com as interpretações divergentes, alterou o art. 42 da Lei Pelé por meio da Lei nº 12.395, de 16/3/2011, para passar a declarar de forma clara e pacificadora que o repasse do direito de arena constitui uma parcela de natureza civil. Ora, se o próprio legislador afirma que o re- passe tem natureza civil, desaparecem as teorias salariais e ganha força o entendimento de que estamos diante de um valor repassado ao atleta como forma de retribuir pela sua autoria conjunta na criação de uma obra coletiva chamada de espe- táculo desportivo. 5 Conclusão O direito de arena, que tem origem na Lei de Direitos Autorais, significa o direito conferido às entidades de prática desportiva para autorizar a transmissão dos eventos de que participam. Sua abrangência é limitada às competições organizadas por entidades sediadas no território nacional, sem produzir efeitos nas competições internacionais. Aos atletas profissionais que participam dos eventos esportivos nos quais ocorre transmissão onerosa, é devido um repasse do valor que lhes cabe pela coautoria do espetáculo desportivo, afastando-se assim a natureza salarial do paga- mento. Na atual legislação, o repasse se dá por intermédio do sindicato de classe, fato que pro- porciona conflitos de interesses e passivos fiscais que poderiam ser evitados se o pagamento fosse feito pelos clubes, apenas com a fiscalização dos sindicatos. Bibliografia BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. CHAVES, Antonio. Direito Conexos. São Paulo: LTr, 1999. EZABELLA, Felipe Legrazie. O Direito Desportivo e a Imagem do Atleta. São Paulo: IOB Thomson, 2006. MORAES, Walter. Questões de Direito Autoral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2007. SOARES, Jorge Miguel Acosta. Direito de Imagem e Direito de Arena no Contrato de Trabalho do Atleta Profissional. São Paulo: LTr, 2008. ZAINAGHI, Domingos Sávio. Os Atletas Profissionais de Futebol no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998. 22 R ev is ta d o A d vo g ad o Domingos Sávio Zainaghi Doutor e mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-doutorado em Direito do Trabalho pela Universidad de Castilla-La Mancha, Espanha. Presidente honorário do Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo e da Asociación Iberoame- ricana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social. Membro da Academia Paulista de Direito e da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo (OAB-SP). Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) da Associação Paulista de Futebol. Advogado e cronista esportivo. Ainvasão de centros de treinamento por torcedores e a (im)possibilidade de rescisão indireta dos contratos de trabalho. Após a invasão do Centro de Treinamentos do Sport Club Corinthians Paulista por membros de uma torcida organizada, muito se discutiu sobre o que fazer para conter esses atos (que são prati- cados por torcedores de vários clubes no Brasil), sendo que, inclusive, os jogadores de futebol ame- açaram deflagrar uma greve para reivindicar mais segurança para a prática de suas atividades, tendo algumas vozes se levantado no sentido de que os jogadores do Corinthians poderiam (deveriam) ingressar com ações de rescisão indireta de seus contratos de trabalho em razão do ocorrido. Pretendemos demonstrar o equívoco de tal conclusão, mais baseada no ódio que torcedores não corintianos nutrem contra o clube da zona leste da capital paulista do que numa posição juri- dicamente defensável. A lei brasileira (art. 483 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT) adotou o sistema da enunciação rígida das justas causas (ou taxativa), ou seja, só podem ser invocados os motivos previa- mente previstos pela lei, e nenhum outro, como justificativa da rescisão. Aqui temos o mesmo sis- tema previsto no Direito Penal do nullum crimen nulla poena, sine lege. A i n va sã o d e ce n tr o s d e tr ei n am en to p o r to rc ed o re s e a (i m )p o ss ib il id ad e d e re sc is ão i n d ir et a d o s co n tr at o s d e tr ab al h o . 23 R ev is ta d o A d vo g ad o Logo, o primeiro desafio que se enfrenta é o de se localizar em qual ou quais alíneas do art. 483 da CLT se enquadraria o fato ocorrido com os atletas corintianos. Vejamos a lei. Consolidação das Leis do Trabalho: “Art. 483 - O empregado poderá considerar res- cindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr perigo manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato; e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; f) o empregador ou seus prepostos ofenderem- -no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivel- mente a importância dos salários. § 1º - O empregado poderá suspender a pres- tação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompa- tíveis com a continuação do serviço. § 2º - No caso de morte do empregador consti- tuído em empresa individual, é facultado ao em- pregado rescindir o contrato de trabalho. § 3º - Nas hipóteses das letras ‘d’ e ‘g’, poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indeniza- ções, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo”. A própria Lei nº 9.615/1998 também traz os deveres dos clubes: “Art. 34 - São deveres da entidade de prática desportiva empregadora, em especial: I - registrar o contrato especial de trabalho des- portivo do atleta profissional na entidade de ad- ministração da respectiva modalidade desportiva; II - proporcionar aos atletas profissionais as condições necessárias à participação nas competi- ções desportivas, treinos e outras atividades prepa- ratórias ou instrumentais. III - submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva”. Entendemos que, num exagero de interpreta- ção, uma eventual reclamação trabalhista poderia ser fundamentada nas alíneas c e d do art. 483 da CLT e no inciso II do art. 34 da Lei nº 9.615/1998. Passemos à análise dos dispositivos legais citados. Correr perigo manifesto de mal considerável Pelo noticiado, os atletas do Corinthians che- garam a se refugiar em cômodos minúsculos no Centro de Treinamento, e até um deles, o atacante peruano Paolo Guerrero, teria sido agredido fisica- mente por alguns torcedores. Por perigo entende-se o estado ou a situação de uma pessoa que corre grandes riscos. Este deve ser manifesto, ou seja, claro, notório, evidente. Comentando essa alínea, assim se pronuncia Wagner Giglio (1992, p. 330): “Pouco importa se o perigo manifesto resulta das instalações, das máquinas, do serviço ordenado ou da maneira de executá-lo”. Manifesto é aquele perigo que ameaça a integri- dade física do trabalhador, não sua saúde, a não ser, como leciona Antônio Lamarca, por via reflexa, ou seja, se do dano físico sua saúde é prejudicada. Já mal considerável é aquela situação em que o trabalhador corre um risco de dano ponderável, Perigo deve ser manifesto, ou seja, claro, notório, evidente. A i n va sã o d e ce n tr o s d e tr ei n am en to p o r to rc ed o re s e a (i m )p o ss ib il id ad e d e re sc is ão i n d ir et a d o s co n tr at o s d e tr ab al h o . 24 R ev is ta d o A d vo g ad o podendo se recusar a obedecer a uma ordem ou se submeter a um ambiente onde sua integridade física corra riscos. Evidentemente, praticar a atividade de atleta profissional de futebol não implica necessaria- mente riscos à integridade física, mas é uma ativi- dade na qual os trabalhadores necessitam de pro- teção, sobretudo aqueles que atuam em grandes clubes brasileiros, em razão da paixão que acomete seus torcedores. Nos dias de jogos, os atletas têm proteção de seguranças contratados pelos clubes, que evitam o assédio dos torcedores, que tanto podem querer dar um simples abraço e tirar uma foto como po- dem agredir um atleta. Os clubes devem dar total segurança aos seus atletas em dias de jogos e nos dias de treinamento. No caso do Corinthians, o Centro de Treinamen- to tem vários seguranças, homens fortes e prepara- dos para proteger os atletas e garantir o exercício de sua atividade profissional. Logo, para dias normais de trabalho, com a afluência apenas de fãs que querem um simples autógrafo ou tirar uma foto com o seu ídolo, os clubes, e, no caso em discussão, o Corinthians, têm um grupo de profissionais que garante a pro- teção e a segurança dos atletas. Pelo que foi divulgado, o Centro de Treina- mento do Corinthians foi invadido por mais de cem torcedores, inclusive por meio de cortes em telas de proteção, munidos de instrumentos de agressão, como paus e ferros. Ora, tratou-se de uma situação extraordinária, para a qual o clube não poderia estar previamente preparado, pois isso foi uma situação extraordiná- ria para a qual nenhum clube pode manter uma segurança efetiva e contínua. O que deveria o clube fazer na situação supra? Para responder a questão, façamos outra. Um banco que sofresse uma invasão de mais de cem clientes revoltados que quisessem quebrar suas instalações e agredir os bancários empregados. Os bancos mantêm seguranças, mas estes dariam conta de barrar o ingresso de um número tão grande de clientes revoltados? O gerente, nesse caso, deveria chamar a Polí- cia para que esta, instituição do Estado respon- sável pela segurança pública, fosse até a agência invadida e tomasse as atitudes cabíveis, protegen- do os empregados, o patrimônio do empregador e dos trabalhadores, e prendendo os invasores/ agressores. O que teriam feito os dirigentes do Corin- thians? Noticiou-se que estes acionaram a Polícia Militar do Estado de São Paulo. Pois bem. Por que seria diferente no caso de um banco e no caso do Corinthians? Logo, entendemos que não se aplica o disposto na alínea c do art. 483 da CLT. Não cumprir o empregador as obrigações do contrato Ao assinar o contrato de trabalho, o clube assu- me as obrigações ali constantes e aquelas previstas na lei. Deixando de cumpri-las, evidentemente o empregador torna-se inadimplente. Há que se ressaltar que existem duas correntes doutrinárias a tratar do tema. Uma entende que a expressão “obrigações do contrato” deve ser inter- pretada restritivamente, ou seja, somente aquelas obrigações constantes de um contrato, geralmen- te escrito; outra dá ao dispositivo legal uma inter- pretação extensiva, ou seja, não só o que está no contrato de trabalho, mas qualquer disposição legal descumprida dará ensejo à rescisão do contrato de trabalho por justa casa pelo empregado. Sempre nos manifestamos no sentido da segunda corrente.1 Dar segurança para que o atleta exerça suas ati- vidades é, parece-nos, uma das obrigações do em- pregador. Logo, como afirmado antes, o Corinthians cumpriu tal obrigação, já que mantém corpo de se- gurança apropriado para situações ordinárias; quan- do se deparou com uma situação extraordinária, 1. Vide nosso A justa causa no Direito do Trabalho (1995). A i n va sã o d e ce n tr o s d e tr ei n am en to p o r to rc ed o re s e a (i m )p o ss ib il id ad e d e re sc is ão i n d ir et a d o s co n tr at o s d e tr ab al h o . 25 R ev is ta d o A d vo g ad o acionou o Poder Público, no caso a Polícia Militar, e, ainda, levou ao conhecimento da autoridade policial os crimes cometidos contra seu patrimônio e seus empregados, para que esta instaurasse o competente inquérito policial, o que de fato ocorreu. Passemos à análise do art. 34 da Lei nº 9.615/1998. Entendemos que a situação só poderia se encaixar no inciso II do art. 34. Proporcionar aos atletas profissionais as condições necessárias à participação nas competições desportivas, treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais Sem dúvida, é dever dos clubes proporcionar as devidas condições aos atletas para exercerem suas atividades, e nesse caso incluem-se a segu- rança e as boas condições dos locais de trabalho. Realmente é a atividade de atleta profissional de futebol uma atividade distinta das demais, pois envolve a prática do esporte mais popular do mundo, sendo seus praticantes ídolos, amados e odiados, pessoas que não têm, muitas vezes, direito a sair às ruas para um simples passeio em um shopping center, pois correm riscos de serem assediados e até mesmo agredidos. Ora, na situação aqui analisada, o Corinthians, como visto, cumpriu e tomou todas as medidas necessárias para que seus atletas exercessem sua atividade profissional com a presença das condi- ções necessárias exigidas pela lei, e quando se de- parou com uma situação especial, buscou apoio e ajuda no órgão estatal específico e preparado para combater crimes: a Polícia. Por qualquer ângulo que se analise a situação, não se pode responsabilizar o Sport Club Corin- thians Paulista pela invasão do local de trabalho e treinamento de seus atletas, bem como pelas agressões porventura cometidas contra estes, pois as condições normais para o exercício do trabalho o clube oferecia, sendo o ocorrido um fato não previsível; e quando este aconteceu, a entidade de prática desportiva empregadora tomou imediata- mente as providências esperadas para o caso. A culpa é elemento essencial da inexecução das obrigações, e no caso aqui estudado ocorreu um fato alheio à vontade do empregador e imprevisto, ou seja, um fato típico de força maior. É claro que a responsabilidade do empregador não se limita ape- nas a situações previsíveis, mas também a fatos não previsíveis, mas de ocorrência previsível. Fato de ocorrência previsível é o protesto de torcedores nos estádios em dias de jogos e até mesmo nos portões do clube, mas ninguém pode imaginar um assalto de uma turba a um local de trabalho e estar sempre com um aparato de guerra preparado para a repressão. O ocorrido se deveu a fatores externos total- mente fora do controle da vontade humana e cau- sou o impedimento do desenvolvimento normal da relação de trabalho, o que isenta o clube, uma vez que se tratou de interferência eventual de terceiros. Ademais, a própria CLT assim dispõe: “Art. 501 - Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente”. Mozart Russomano (1982, p. 608) legou-nos oportuna lição sobre o assunto: “A força maior na sistemática da Consolidação é aquele fato que tem três características: a) é irresistível, superando a vontade do em- pregador, que não concorreu, de nenhum modo, para o evento; b) é imprevisível, surpreendendo tanto o em- pregado quanto o empregador; c) afeta ou ameaça a estrutura econômico- -financeira da empresa, pois, caso contrário, não É dever dos clubes proporcionar condições aos atletas para exercerem suas atividades. A i n va sã o d e ce n tr o s d e tr ei n am en to p o r to rc ed o re s e a (i m )p o ss ib il id ad e d e re sc is ão i n d ir et a d o s co n tr at o s d e tr ab al h o . 26 R ev is ta d o A d vo g ad o há motivo grave que autorize o sacrifício, embora parcial, dos direitos do trabalhador”. As duas primeiras alíneas mencionadas deixam de forma límpida que, em se tratando de situação na qual ocorra a imprevisibilidade e a existência de uma situação irresistível que supere a vontade do empregador, e para a qual este não concorreu, estaremos diante de um típico fato de força maior, que é, ao que nos parece, o que aconteceu no caso ora analisado. É sempre muito delicado discutir temas jurídi- cos a partir de fatos que ocorrem envolvendo fute- bol, pois a paixão clubística acaba por falar mais alto, levando a conclusões precipitadas e desprovi- das de fundamentos técnicos. Portanto, eventuais reclamações trabalhistas buscando a rescisão indireta dos contratos de tra- balhos dos atletas estariam fadadas, data venia, a serem julgadas improcedentes. Esse é o nosso entendimento, SMJ. Bibliografia GIGLIO, Wagner D. Justa causa. 3. ed. São Paulo: LTr, 1992. RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à CLT. Rio de Janeiro: Forense, 1982. ZAINAGHI, Domingos Sávio. A justa causa no Direito do Trabalho. São Paulo: Malheiros, 1995. 27 R ev is ta d o A d vo g ad o João Henrique Cren Chiminazzo Advogado graduado pela PUC-Campinas. Mestrando em Direito Desportivo pela Universitat de Lleida/ INEFC – España. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). Autor/coautor de diversas obras sobre Direito Desportivo.
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