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Caso Mensalão: STF vs. TCU Efeitos penais das instâncias administrativas Autor(a): Marília Lessa Narrativa: Histórico: Em maio de 2005 foi divulgada pela revista Veja a gravação de um vídeo que mostrava o chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), Maurício Marinho, recebendo vantagem indevida para fraudar uma licitação. Ele era ligado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), partido do qual Roberto Jefferson, então Deputado Federal, era presidente. Em junho do mesmo ano, Roberto Jefferson revela - em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo - a existência de um esquema de pagamento de propina à parlamentares e desvio de verbas públicas, que passa a ser denominado pela mídia de “mensalão”. Pouco depois iniciam-se investigações promovidas pelo Ministério Público Federal. Ainda em 2006 a Procuradoria Geral da República (PGR) apresenta ao STF1 denúncia contra 40 pessoas que teriam se beneficiado do esquema2. Em 2007 é instaurada a Ação Penal 470, cujo julgamento será iniciado apenas em agosto de 2012. As investigações mostraram que o esquema era composto por três núcleos: político, operacional e financeiro3. De acordo com o entendimento do Supremo, o líder do núcleo operacional, o empresário Marcos Valério, utilizou suas agências publicitárias, que possuíam contratos com o governo, para transferir verbas de campanhas políticas e pagar os parlamentares participantes do esquema. Tal uso das 1 A competência do STF foi justificada, uma vez que alguns dos denunciados possuíam o denominado “foro privilegiado”. 2 Para saber mais acerca da cronologia do caso „mensalão” no STF: http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/destaquesNewsletter.php?sigla=new sletterPortalInternacionalNoticias&idConteudo=214544 3 Para compreender o fluxo do mensalão, de acordo com a denúncia da PGR: http://www.estadao.com.br/infograficos/2012/07/mensalao-fluxo-2.pdf empresas como “laranjas” para o desvio das verbas ficou conhecido como “valerioduto”. Parte do esquema do valerioduto consistia no recebimento de dinheiro público pelas agências de Valério por meio de repasses irregulares do Banco do Brasil. Caso: O Banco do Brasil contrata a agência de publicidade X, do empresário MV, para vender propagandas do banco nos veículos de comunicação. Por se tratar de um volume grande de anúncios, a agência X teria que comprar muito espaço de propaganda dos veículos de comunicação, envolvendo tal contrato expressiva quantia de dinheiro. Nestes casos, consiste em prática de mercado que o veículo conceda à agência de publicidade o denominado “bônus de volume (bv)”, que são geralmente descontos ou compensações pagas pela mídia à agência4. Porém, no contrato entre o Banco do Brasil e a agência X havia cláusula expressa estabelecendo que o dinheiro oriundo de bônus de volume recebido pela agência deveria ser devolvido ao banco. Tal prática costuma ser exigida pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para contratos de publicidade com órgãos públicos. Como o empresário MV bem como funcionários do banco faziam parte do esquema do “mensalão” , ocorreu que as verbas oriundas do bônus de volume estavam sendo embolsadas pela agência X sob ordem do empresário MV. Além disso, o funcionário do Banco do Brasil HP, que seria o responsável por fiscalizar o retorno do dinheiro pela agência, por estar também envolvido com o mensalão, omitiu-se dolosamente de realizar tal atividade, permitindo assim a apropriação dos recursos pela agência X. Com a denúncia do caso do mensalão pela PGR diante do STF, ambos o empresário MV e o funcionário do Banco do Brasil HP foram indiciados pelo 4 Sobre o bônus de volume: http://www.arcos.org.br/monografias/a- contratacao-de-publicidade-pela-administracao-publica-desafios-juridicos-para- conciliacao-de-interesses-dispares/3-a-problematica-em-casos-concretos-e- propostas-de-solucoes/31-o-acordao-2062-tcu-plenario-e-recentes- julgados/313-bonus-sobre-volume crime de peculato5 (Art. 312 CP). Uma das principais provas apresentadas pela PGR consisia em laudos periciais produzidos pelo Instituto Nacional de Criminalística6. Entretanto, antes do julgamento em matéria penal chegar ao fim no Supremo, o TCU avaliou no âmbito administrativo a regularidade do contrato firmado entre a agência X e o Banco do Brasil e a possibilidade de não devolução da agência X do bônus de volume. O Tribunal considerou o contrato regular e confirmou a possibilidade da agência X manter para si o bônus, negando portanto a hipótese de apropriação indevida de recursos pelo empresário MV e o dever de fiscalização das verbas do funcionário HP. Dispositivos legais relevantes: Lei 8112/90, Arts. 125 e 126 Código de Processo Penal, Art. 386 Questões: 1) Tendo em vista a decisão no âmbito administrativo do TCU, poderia o STF ainda assim condenar o empresário MV pelo crime de peculato? Ou estariam as decisões judiciais vinculadas? [Em sua resolução explique o princípio de independência das instâncias penal, administrativa e cível e comente sobre os desafios que os crimes contra o sistema financeiro lhe impõe.] 5 Para a resolução do caso é indiferente o cabimento do crime de peculato para o empresário MV. Sobre a matéria, o STF se pronunciou da seguinte forma: “Nada obsta que o delito seja praticado por particulares, em co-autoria com o funcionário público. Com efeito, desde que o estraneus [ou seja, aquele que está fora da administração pública] conheça a situação do intraneus [ou seja, aquele que é funcionário público] pode responder como co-autor pelo crime próprio.[...]” Inq 2245/MG, plenário, rel. Min. Joaquim Barbosa., voto do Ministro Ricardo Lewandwski. 6 Não é necessária a discussão deste tópico para a resolução do caso. Porém é importante notar que o presente caso sucita a discussão acerca da validade de laudos policiais enquanto prova no processo penal, uma vez que tal uso nem sempre garante a parte o exercício de seu direito ao contraditório, conforme o Art. 5°, LV, CF. Notícias sobre o tema: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/outros-destaques/revisor-vota- por-condenacao-mas-critica-acusacao/; http://oglobo.globo.com/brasil/laudos- periciais-se-tornam-armas-contra-reus-do-mensalao-6036186 2) Alteração do caso: Suponha que o julgamento no STF houvesse ocorrido antes do TCU, e que em sua decisão a Corte inocentou o funcionário público HP do crime de peculato pela inexistência de desvio irregular de verbas. Poderia HP ser posteriormente demitido de seu cargo no Banco do Brasil em processo administrativo? [Responda com base no Art. 386 CPC e Art. 126 da Lei 8112/90]
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