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Os erros perversos do “efeito jabuticaba” Debate sobre os rumos da economia brasileira deve priorizar não o déficit fiscal – que nenhum país do mundo discute, exceto o Brasil –, mas sim o déficit nominal, que inclui o pagamento de juros, diz professor da FEA O déficit fiscal – que levou o governo a propor, na semana passada, um pacote com medidas visando à diminuição das despesas e elevação da receita – não é o tema mais importante na discussão sobre como equilibrar as contas públicas. O que realmente importa é o déficit nominal, que inclui o pagamento de juros. É o que afirma o professor Paulo Roberto Feldmann, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP. “Somente no Brasil, e em nenhum outro país do mundo, se discute o déficit fiscal, e sim o déficit nominal”, diz o professor. “Nas minhas aulas, chamo isso de ‘efeito jabuticaba’: só dá no Brasil.” Segundo o professor, o déficit fiscal não dá ideia da real dimensão dos problemas financeiros do Brasil. Neste ano, com gastos de R$ 1,2 trilhão e receita de R$ 1,17 trilhão, o País contabiliza um rombo fiscal de R$ 30 bilhões – que o governo tenta cobrir com o pacote anunciado na semana passada. Acontece que, se considerados os juros (na taxa atual de 14,5%), os gastos do governo sobem para R$ 1,7 trilhão. “O déficit fiscal esconde o valor dos juros, que é o grande problema da economia brasileira”, diz Feldmann. Para Feldmann, um dos benefícios de se olhar para o déficit nominal – e não para o déficit fiscal – é que, com isso, a sociedade passa a conhecer a verdadeira situação econômica do País. “Ao ver a conta certa, as pessoas vão perceber claramente e se conscientizar de que nós temos que mexer na taxa de juros.” Manter a taxa de juros elevada para combater a inflação – principal argumento dos economistas do governo para fixar essa taxa em estratosféricos 14,5% – é equivocado, na opinião de Feldmann. Segundo ele, essa estratégia não derruba os índices de inflação e causa recessão, como se verifica no Brasil hoje. “É uma política econômica ultrapassada, que já foi abandonada há muito tempo pelos outros países”, enfatiza o professor, insistindo na necessidade de baixar a taxa de juros. “Os juros devem ser de, no máximo, 1% acima do índice de inflação. Se essa taxa, no Brasil, fosse de 9%, por exemplo, neste ano pagaríamos R$ 350 bilhões de juros, ou seja, R$ 150 bilhões a menos do que os R$ 500 bilhões que vamos pagar. Sobraria dinheiro para abater a dívida.” O professor Paulo Roberto Feldmann, da FEA: "O problema da economia brasileira são os juros". foto: Cecília Bastos Feldmann aponta outra razão para a atual taxa de juros. Segundo ele, essa política reflete a visão ideológica dos diretores do Banco Central (BC) e do ministro da Fazenda, todos eles ligados a bancos, os grandes beneficiários da política de juros altos. Além disso, os bancos são os maiores doadores de recursos para as campanhas eleitorais dos partidos políticos – como ocorreu nas últimas eleições presidenciais, em que tanto a candidata vitoriosa, Dilma Rousseff, como o candidato derrotado, Aécio Neves, foram financiados por grandes corporações ligadas ao sistema financeiro. “Com isso, como os governantes eleitos vão lutar contra a alta na taxa de juros?”, questiona Feldmann. O professor lamenta ainda que a grande imprensa não dê espaço para a discussão do déficit nominal, insistindo meramente em propagar a ideia da necessidade de ajustes para reduzir o déficit fiscal. Segundo ele, isso ocorre porque também a imprensa é financiada pelos bancos, responsáveis por boa parte da publicidade veiculada nos jornais, rádios e emissoras de televisão do País. “O déficit nominal é a verdadeira discussão. É um equívoco se ater ao déficit fiscal”, reforça Feldmann. “O problema está na taxa de juros.” Desperdício – O professor Carlos José Caetano Bacha, do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, também vê um equívoco na forma como o governo combate o déficit fiscal. Para ele, as medidas anunciadas na semana passada – que enfatizam o corte de gastos públicos – não mostram o principal problema da administração do País: o desperdício. Segundo Bacha, em vez de cortar gastos, o governo deveria oferecer mais e melhores serviços com os recursos e a infraestrutura disponíveis. Para Bacha, há uma série de iniciativas que, uma vez executadas, “automaticamente” gerariam economia para o governo e aumentariam a produtividade do setor público. Entre essas iniciativas estão a cobrança por serviços até agora não taxados, o fim da estabilidade do funcionalismo e a ampliação do horário de funcionamento de repartições públicas. “Simplesmente cortar gastos é um caminho errado. Precisamos de um outro mecanismo, que leve o setor público a produzir mais com o que existe hoje”, defende o professor.
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