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1 Segunda parte: Fundamentos da educação corporativa Capítulo 5 Competência como base para a gestão estratégica de pessoas Joel Souza Dutra e Graziella Maria Comini 1. Introdução Ao longo da década de 80 foi possível verificar no Brasil um descolamento crescente entre os sistemas formais de gestão de pessoas e a realidade das organizações e do mercado de trabalho. Esse descolamento foi se tornando mais claro no Brasil a partir da década de 90, quando foi possível verificar o surgimento de um novo contrato psicológico entre as pessoas e as organizações, um contrato estabelecido em torno do mútuo desenvolvimento. Esse novo contrato emerge como resultado de um ambiente mais competitivo onde há, de um lado, as organizações que percebem que sua sobrevivência está atrelada ao seu contínuo desenvolvimento, e como consequência as pessoas passam a ser valorizadas por sua contribuição para o desenvolvimento organizacional; de outro lado, há as pessoas que percebem a necessidade de seu desenvolvimento profissional de forma continuada como forma de garantir sua mobilidade na empresa e no mercado de trabalho. As organizações e as pessoas percebem a ligação entre o desenvolvimento profissional e o desenvolvimento organizacional e passam a valorizar cada vez mais a sinergia entre ambas. A educação corporativa como forma de estruturar essa relação se torna mais presente nas empresas que atuam no Brasil na primeira década dos anos 2000. A organização do desenvolvimento da empresa e do desenvolvimento profissional das pessoas necessita estar assentada em uma base conceitual sólida que permita a integração das várias políticas e práticas de gestão de pessoas. Essa integração é fundamental para que haja uma relação sinérgica entre as várias ações da empresa, seja nos processos de avaliação, recompensa, movimentação, carreira ou capacitação das pessoas. A base conceitual que nos ajudou a buscar essa integração foi o uso do conceito de competência associado ao de complexidade e espaço ocupacional. Neste capítulo vamos apresentar essa base conceitual, que tem permitido estabelecer o desenvolvimento das pessoas alinhado ao desenvolvimento organizacional, como foco 2 da integração das políticas e práticas de gestão de pessoas. Vamos apresentar, ainda, os desdobramentos dessa base conceitual para as organizações e para as pessoas. 2. Novo contrato entre pessoas e organizações No Brasil, a postura das pessoas em relação ao seu desenvolvimento vem sofrendo grandes transformações ao longo dos últimos 20 anos. Na década de 90, as pessoas passaram a se preocupar muito mais com a sua autonomia e a sua liberdade. Isso muda o panorama da relação entre pessoas e organizações no Brasil. A partir da década de 90, as organizações foram pressionadas a uma postura de maior abertura, de serem mais participativas na relação com as pessoas. As organizações mais abertas e participativas têm melhores condições de criar nas pessoas uma relação de compromisso com seus valores e objetivos, em contrapartida, as organizações mais controladoras e autoritárias têm grande dificuldade de construir esse comprometimento. Ainda na década de 90, observaram-se pessoas mais preocupadas com o seu desenvolvimento e dispostas a investir nesse processo, com ou sem a ajuda da organização. No final da década de 90, as pessoas trocavam remuneração por desenvolvimento e, na primeira década dos anos 2000, as pessoas estão se movimentando nas empresas e no mercado de trabalho em busca de condições concretas de desenvolvimento. As pessoas se deram conta de que vivem e viverão por mais tempo, perceberam de forma objetiva uma maior longevidade. Essa longevidade veio acompanhada de novas possibilidades e novas demandas, como, por exemplo: manter-se útil, manter-se independente financeiramente e manter a qualidade de vida. A essa longevidade são contrapostas novas situações, uma delas é que as carreiras estão mais curtas e, portanto, as pessoas fecham ciclos profissionais em tempo mais curtos, com a necessidade de várias carreiras ao longo de suas vidas. Essa percepção está tornando as pessoas mais e mais preocupadas com seu desenvolvimento em várias dimensões de sua vida, não só a profissional, mas também como cidadãs, membros de família e com a satisfação pessoal. Observa-se, também, que a volatilidade do conhecimento e da informação se acentuou na primeira década dos anos 2000, devendo se acentuar cada vez mais no futuro. As pessoas se sentem desorientadas com essa volatilidade, sem saber como pensar seu desenvolvimento e como filtrar a enorme quantidade de conhecimentos e 3 informações ao seu dispor. No início da década as pessoas necessitavam de uma orientação em relação às exigências do mercado para filtrar os conhecimentos e as informações: o mercado privilegia o especialista ou privilegia o generalista? Ao longo da década, as pessoas perceberam que o mercado privilegia o especialista e o generalista na mesma pessoa, ou seja, a pessoa deve se desenvolver nas duas direções, aprofundando-se em sua área de especialização e, ao mesmo tempo, adquirindo uma visão ampla do contexto onde vive. Essas questões devem se tornar mais evidentes na segunda década dos anos 2000 e surgirão novas demandas que intensificarão a demanda pelo desenvolvimento das pessoas e o seu alinhamento com o desenvolvimento organizacional. Neste momento conseguimos visualizar três tendências importantes. A primeira está relacionada ao trabalho a distância. O chamado “teletrabalho” deverá cresceracentuadamente nos próximos dez anos. Nos últimos quatro anos foi surpreendente o crescimento desse tipo de trabalho nas empresas que atuam no Brasil. O grande desafio é como construir e sustentar o comprometimento das pessoas com a organização e como criar a sinergia entre o desenvolvimento delas e o da organização. A segunda tendência está relacionada às diversas gerações no Brasil que apresentam um comportamento bem particular, diferente, portanto, da Europa e Estados Unidos. No Brasil há uma explosão de nascimentos no período de 1970 a 1985. Os nascidos nesse período são considerados os “babyboomers” brasileiros. Essas pessoas entraram no mercado a partir dos anos 90 e, atualmente, exercem pressão por espaços nas organizações. Essa pressão por parte dos nossos babyboomers faz com que as organizações expulsem do mercado as pessoas com mais de 50 anos. Estima-se que a aposentadoria estabelecida pelo mercado seja hoje de 55 anos; para exemplificar, empresas como Bradesco, Banco Itaú, Grupo Camargo Corrêa, Grupo Votorantim, entre outras, estabeleceram como idade compulsória de aposentadoria os 60 anos. As pessoas nascidas no final da década de 60 e durante a década de 70 são chamadas de geração X e as pessoas nascidas na década de 80 são chamadas de geração Y. Na Europa e Estados Unidos há nítidas diferenças entre essas duas gerações, mas no Brasil todas as nossas pesquisas mostram que não há diferenças entre as gerações X e Y. Pressupomos que não há diferenças porque não houve em nosso país grandes transformações dos anos 70 para os anos 80, como houve na Europa e Estados Unidos. Acreditamos, entretanto, que haverá grandes diferenças para a geração nascida a partir dos anos 90, chamada de geração do milênio, exatamente porque houve grandes 4 transformações no Brasil na década de 90, abertura da economia, estabilidade política e econômica, desenvolvimento acelerado das comunicações e informática, entre outros. Pois bem, essa geração do milênio chegará ao mercado de trabalho na segunda década dos anos 2000, com valores bem diferentes da geração X e Y, e sendo gerenciada pela geração X. A geração do milênio é mais exigente em relação ao seu portfólio de interesses, mais generosa e ligada no mundo. A terceira tendência é das pessoassubordinando cada vez mais sua vida profissional às questões familiares e do ambiente onde se inserem. Essa tendência já pode ser observada nesta década nos Estados Unidos (MAINIERO E SULLIVAN, 2006) e nossas pesquisas apontam para sua ocorrência no Brasil nos próximos anos. Temos duas evidências importantes: uma é a dos jovens priorizando a criação dos filhos em detrimento da vida profissional e a outra é o fato de várias gerações estarem atuando no mercado ao mesmo tempo, fazendo com que as pessoas comecem a se preocupar cada vez mais com o desenvolvimento profissional do cônjuge, dos filhos e dos netos. Nesse contexto de transformações surgiu, nos últimos 20 anos, um novo contrato psicológico assentado no desenvolvimento mútuo, ou seja, a relação entre pessoa e organização se mantém na medida em que a pessoa contribui para o desenvolvimento da organização e a organização para o desenvolvimento da pessoa. O desenvolvimento organizacional está cada vez mais atrelado ao desenvolvimento das pessoas e, ao mesmo tempo, as pessoas valorizam cada vez mais as condições objetivas oferecidas pela empresa para o seu desenvolvimento. Esse novo contrato envolveu inicialmente os segmentos mais competitivos do mercado e hoje abrange toda a nossa sociedade e todos os tipos de organização: públicas, privadas e organizações da sociedade civil (terceiro setor). Esse novo contrato psicológico altera substancialmente o papel das pessoas e da empresa na gestão de pessoas. Entretanto, observamos que a maior parte das empresas brasileiras tem suas práticas baseadas em um modelo tradicional de gestão de pessoas, considerando modelos de gestão como sendo constituídos por um conjunto de pressupostos, práticas e instrumentos de gestão (BREWSTER E HEGEWISCH, 1994; FISCHER, 2002; ULRICH, 1996). Esse modelo tradicional tem sua gênese nos movimentos de administração científica, na busca da pessoa certa para o lugar certo, e estão ancorados no controle como referencial para encarar a relação entre as pessoas e a organização (BRAVERMAN, 1974; GORZ, 1973; FRIEDMANN, 1964; SALERMO E COLS., 1992; FLEURY E FISCHER, 1992). O controle do qual falamos é o 5 pressuposto de que a empresa sabe o que é melhor para seus empregados e, portanto, determina treinamentos e ações de desenvolvimento a serem empreendidas pelas pessoas, determina movimentações e as condições de trabalho. No modelo tradicional, a pessoa tem um papel passivo e submisso, já que é o objeto do controle, enquanto a realidade do mercado exige uma pessoa com papel ativo em relação ao seu desenvolvimento como condição necessária para a sua contribuição para o desenvolvimento organizacional. No Brasil a efetividade de uma prática calcada no mútuo desenvolvimento esbarra em questões culturais. Embora o brasileiro esteja preocupado com o sua trajetória profissional raramente assume a gestão de sua carreira e de seu desenvolvimento, normalmente cobra da empresa a oferta de situações e de oportunidades de aprendizagem (DUTRA, 1996). De outro lado, a empresa brasileira tem normalmente uma postura de proteção e provimento, o que vai ao encontro das ansiedades das pessoas, mas camufla uma forma sutil de controle. Esses comportamentos são fruto de como as pessoas foram educadas para trabalhar as suas carreiras, como discutiremos a seguir, e da forma como as organizações veem o desenvolvimento das pessoas. O conhecimento sobre o modo como as pessoas se movimentam nas organizações e no mercado ajuda a criar uma gestão mais adequada do desenvolvimento das pessoas, onde as responsabilidades possam ser compartilhadas pelas próprias pessoas e pela empresa. Para permitir que o leitor acompanhe esse processo de reflexão e de descobertas, é apresentada, a seguir, uma revisão dos conceitos de competência e complexidade. Esses conceitos foram incorporados ao longo da realização dos estudos sobre gestão de pessoas. 3. Referenciais conceituais para compreender a gestão de pessoas na empresa moderna 3.1. Revisitando o conceito de competência Durante os anos 80 no Brasil, era possível constatar a existência de uma organização “subterrânea” em termos de gestão de pessoas. Subterrânea por não existir de forma consciente, nem para os profissionais da área de recursos humanos, nem para os gestores da empresa. Essa organização subterrânea operava da seguinte forma: o 6 gestor toma uma decisão sobre alguém de sua equipe e depois verifica a possibilidade de implementá-la dentro do sistema formal. Caso este não conseguisse dar as respostas adequadas, o gestor e/ou o profissional de recursos humanos efetuava “acertos” e “gambiarras” ou sabotava o sistema formal. Exemplo típico dessa sabotagem era a criação de cargos para justificar aumentos salariais ou para distinguir certas pessoas das demais em função de sua contribuição para a empresa ou negócio. No final dos anos 80 e início dos anos 90, buscando compreender melhor esse fenômeno, foi possível observar que, nessa organização subterrânea, os gestores tomavam decisões sobre as pessoas em função de sua agregação de valor para o meio. Em empresas sadias, a agregação de valor é para a empresa ou para o negócio, mas em empresas em processo patológico, essa agregação de valor é para um feudo ou para a chefia imediata ou mediata. Para explicar esse fenômeno, o conceito encontrado foi o da competência, utilizado inicialmente pelos franceses. Essa abordagem foi desenvolvida para oferecer suporte a movimentos de qualificação profissional em pequenas e médias empresas do setor moveleiro, em meados da década de 80 (ZARIFIAN, 2001). A base desse conceito é o deslocamento do foco sobre a qualificação do trabalhador e suas características (MCCLELLAND, 1973) para a forma como a pessoa mobiliza sua qualificação, características e repertório de vida em um determinado contexto, de modo a agregar valor para o meio no qual se insere (LE BOTERF, 1995; 2000; 2001; 2003; FLEURY E FLEURY, 2000). São autores como Le Boterf (LE BOTERF, 1995; 2000; 2001; 2003) e Zarifian (ZARIFIAN, 2001) que exploram o conceito de competência associado à ideia de agregação de valor e entrega em um determinado contexto de forma independente do cargo, isto é, a partir da própria pessoa. Essa construção do conceito de competência explica de forma mais adequada o que observamos na realidade das empresas atuando no Brasil. Vários autores procuraram estruturar o desenvolvimento do conceito de competência e/ou efetuar uma revisão bibliográfica, juntando as várias abordagens. Dentre eles, cabe destacar os seguintes: Parry (PARRY, 1996) McLagan (MCLAGAN, 1997) e Woodruffe (WOODRUFFE, 1991). A partir do início dos anos 90, empregou-se o conceito de competência em trabalhos de intervenção em empresas brasileiras e na adaptação, em empresas multinacionais, de estruturas de gestão de pessoas globais para a realidade brasileira. Os resultados foram bons, mas a aplicação do conceito de competência abrangia apenas alguns aspectos da gestão de pessoas nessas empresas. A primeira oportunidade de aplicação do conceito em um sistema integrado de gestão de 7 pessoas no Brasil ocorreu em 1996 e 1997 em uma empresa do setor de telecomunicações (DUTRA E COLS., 2000). A partir da pesquisa-ação, em que os conceitos foram transformados em instrumentos de gestão e, ao mesmo tempo, em que o conjunto de gestores da empresa era partícipe da construção desses instrumentos, foi possível discutir aspectos importantes da gestão de pessoas. Destacam-se os seguintes: • Entrega exigida pela organização — foram questionadas as abordagens metodológicas para a determinação das entregas requeridas das pessoas. A origem dessas entregas deveria estar no intento estratégico da empresa. Ao mesmo tempo, não era possível pensar que haveria o mesmo padrão de entrega para diferentesgrupos profissionais dentro da empresa; • Caracterização da entrega — a forma de descrever a entrega requerida das pessoas deveria ser facilmente identificável e o mais objetiva possível. Essa era uma questão da maior relevância, pois teria influência nos parâmetros remuneratórios e deveria contemplar as limitações impostas pela legislação trabalhista brasileira. Forma de mensurar a entrega — além da descrição objetiva da entrega, havia o desafio de criar uma escala para mensurá-la. Essas discussões foram importantes para a validação do conceito de competência e sua transformação em instrumento de gestão. Foi também importante para consolidar a agregação do conceito de complexidade ao de competência visando à obtenção dos resultados necessários. Finalmente, vale ressaltar a percepção, com maior nitidez, da possibilidade de integrar a gestão de pessoas ao intento estratégico da empresa através da discussão das competências organizacionais. Essa temática já vinha sendo trabalhada no Brasil por Maria Tereza Fleury (FLEURY E FLEURY, 2000) a partir “da abordagem dos recursos da firma”, através da qual se verifica a interação entre o intento estratégico, as competências organizacionais e as competências individuais (FLEURY E FLEURY, 2000; RUAS, 2002). Na literatura acadêmica e na prática empresarial, a gestão por competências é com frequência apresentada como um referencial que não só integra instrumentos de gestão de pessoas como também aporta uma contribuição singular à implantação das estratégias. Este segundo entendimento decorre da visão da empresa baseada em recursos (VBR), que enfatiza que a geração de riquezas e implantação de estratégias deriva da utilização e desenvolvimento de recursos únicos de que uma organização dispõe. Nesta lógica, as competências profissionais enfatizadas pelas organizações em seus modelos de gestão por competências podem ser entendidas como um dos 8 “recursos” que traduzem as especificidades de suas estratégias e, nesta medida, seriam únicas e singulares para cada organização. 3.2. Agregando o conceito de complexidade ao de competência Nos primeiros trabalhos em que foi utilizado o conceito de competência, verificou-se uma limitação natural na sua aplicação. Oriundo da escola americana, o conceito tinha como ponto de partida o cargo e depois a adequação da pessoa a ele. Mesmo em autores como Boyatzis (BOYATZIS, 1982), que procuram ampliar o conceito de cargo para um conjunto de expectativas em relação à pessoa no contexto organizacional, não há um aprofundamento da questão. Os autores que buscam efetuar uma discussão mais profunda do cargo, como Lawler (LAWLER, 1990; 1992; 1996), não conseguem propor algo consistente que possa substituí-lo como referência na gestão de pessoas dentro das organizações. A análise das empresas, entretanto, revelou que o cargo estava longe de expressar a realidade da gestão de pessoas. No final dos anos 80 e início dos anos 90, já era comum encontrar várias pessoas no mesmo cargo, com o mesmo salário e entregando coisas bem diferentes para a organização, sem que esta tivesse ferramentas confiáveis para mensuração, avaliação e tomada de decisão. Os autores franceses, por sua vez, apesar de centrar a avaliação nas pessoas e revendo a ideia de cargo (ZARIFIAN, 2001), não propunham alternativas. Procurou-se responder às seguintes questões: Como mensurar a entrega e a agregação de valor da pessoa para a empresa, o negócio ou o meio em que se insere? Como estabelecer parâmetros para a valorização da pessoa em função da entrega? Como orientar as pessoas para que ampliem sua capacidade de agregar valor? Sabia-se que o cargo já não era uma referência. Algumas ocorrências ajudaram a encontrar o caminho. Uma delas foi a possibilidade de efetuar trabalhos em uma subsidiária no Brasil de uma empresa inglesa, onde foi possível entrar em contato com a adaptação do sistema de gestão por competências desenvolvido por McClelland (Mcclelland, 1973) e Spencer e Spencer (SPENCER E SPENCER, 1993). Essa adaptação é trabalhada por Boulter (BOULTER, 1992) e mostra a necessidade da empresa de criar gradações nas competências para avaliação mais adequada de seus gerentes. Observou-se que as gradações, nas empresas estudadas, apresentavam formatações diferentes, mas todas tinham em comum a tentativa de estabelecer padrões de complexidade. 9 A demanda de algumas empresas para revisar seus sistemas de remuneração sem utilizar a forma tradicional de fatores e pontos foi outra ocorrência importante. Essas empresas queriam sistemas mais simples e amigáveis. A busca de alternativas nos conduziu novamente ao uso de padrões de complexidade para explicar as diferenças de contribuição das pessoas. Padrões para mensuração de complexidade não eram novidade, já que existiam de forma estruturada desde a década de 50. Foram padrões desse tipo que a Hay, empresa internacional de consultoria, utilizou para desenvolver sua sistemática de remuneração e que a tornaram mundialmente conhecida. Seu sistema de diferenciação de cargos não considerava unicamente o posicionamento do cargo na estrutura de comando, incluindo uma série de fatores que mensuravam a complexidade da posição. Desse modo, pessoas em mesmo nível de comando poderiam ter padrões de remuneração diferenciados em função da complexidade de suas posições. Sempre houve, por trás dessa proposta, a premissa de que a agregação de valor estava vinculada ao nível de complexidade das atribuições e às responsabilidades do cargo. Para definir complexidade, a Hay utilizou as seguintes variáveis: amplitude gerencial, conhecimentos técnicos, complexidade das atribuições (quanto menos estruturada, maior a complexidade) e complexidade das responsabilidades (medida em termos de grau de autonomia decisória, de impacto nos resultados e de abrangência da decisão). A Hay, entretanto, sempre utilizou o cargo como referência. Com a falência do cargo como elemento de caracterização da contribuição da pessoa para a organização, algumas empresas começaram a contestar a eficiência dessa sistemática. O conceito de complexidade sempre esteve implícito na classificação dos cargos. Ainda que fosse um conceito explícito às pessoas, se mostrou muito adequado quando atribuído aos que exerciam os cargos. Para desenvolver métricas aplicáveis às pessoas, investigamos e pesquisamos trabalhos já elaborados e encontramos vários autores que vinham refletindo na mesma direção. Cabe destacar os seguintes: Dalton e Thompson (DALTON E THOMPSON, 1993), Jaques (JAQUES, 1961; 1988; 1990; 1994), Rowbottom e Billis (ROWBOTTOM E BILLIS, 1987) e Stamp (STAMP, 1989; 1993; 1993a; 1994; 1994a). Ao abandonar-se o cargo como referência foi gerada a necessidade de cunhar um termo que explicasse o conjunto de atribuições e responsabilidades das pessoas dentro de uma organização. Os autores de língua inglesa utilizavam job como expressão genérica e que se confundia com a ideia de cargo. Passamos a utilizar a expressão 10 “espaço ocupacional” para expressar o conjunto de atribuições e responsabilidades das pessoas, e constatamos que o espaço que elas ocupam é dinâmico. O que no início era uma expressão experimental se tornou gradativamente um conceito. Verificou-se, também, que a dinâmica do espaço ocupacional de uma pessoa na organização e sua demarcação em determinado momento são estabelecidas, de um lado, pelas necessidades da empresa, negócio ou meio ambiente, e, de outro, pela capacidade da pessoa de atender a essas necessidades. Para explicar melhor, é necessário estabelecer uma distinção entre complexidade e dificuldade. Se uma atividade de difícil execução puder ser sistematizada e reproduzida com facilidade por outros profissionais de mesmo nível, deixa de ser complexa, mas continua sendo de difícil execução, comointervenções cirúrgicas para extração de apêndice ou tonsilas; embora difíceis, porque uma pessoa sem um preparo em medicina dificilmente poderia executá-las, não são complexas, pois são atividades facilmente incorporáveis ao repertório de um cirurgião. Um transplante de coração, por sua vez, mesmo que possa ser sistematizado, requer o conhecimento de especialidades diferentes e a possibilidade de ocorrências inesperadas é muito grande. Desse modo, o transplante de coração é uma atividade de grande complexidade e irá exigir do profissional, que lidera uma equipe de cirurgiões, larga experiência, legitimidade perante seus colegas e que tenha dado mostras para seus clientes de que é competente para executar esse tipo de intervenção cirúrgica. Pode ser que, em futuro próximo, com os avanços da medicina, essa intervenção deixe de ser complexa, mas continuará sendo de difícil execução. Analogamente, na realidade vivida nas organizações modernas, em ambiente em constante transformação, a complexidade não está na situação em si, mas no que ela exige da pessoa. Esse padrão de exigência é a base para a construção de nossas fitas métricas. A complexidade permitiu estabelecer uma definição operacional de desenvolvimento: a pessoa se desenvolve quando é capaz de realizar atribuições e assumir responsabilidades mais complexas. A complexidade nos permitiu compreender que a carreira é uma sucessão de degraus de maior complexidade. Por exemplo: temos uma empresa que cresceu nos últimos três anos a uma razão de 100% ao ano e, nessa empresa, há um gestor que, ao longo desses três anos, ocupou o mesmo cargo e a mesma posição no organograma. Porém, três anos atrás, ele estava em uma empresa de tamanho x, e hoje encontra-se em uma empresa de tamanho 8x, ou seja, oito vezes maior, o seu cargo tem uma complexidade muito maior do que há três anos. Portanto, 11 nos equivocamos quando tomamos como referência o cargo ou posição no organograma para analisarmos o posicionamento na carreira ou o desenvolvimento da pessoa. O estudo da complexidade nos permitiu observar como a pessoa se qualifica para lidar com níveis de complexidade crescente. Em trabalhos realizados por Stamp (STAMP, 1989; 1993; 1993a; 1994; 1994a), foi possível associar o nível de compreensão do contexto pela pessoa ao nível de complexidade com o qual a pessoa consegue lidar. O nível de compreensão do contexto foi chamado por Stamp (STAMP, 1989) de nível de abstração, que é ampliado quando a pessoa enfrenta uma situação mais exigente, a ampliação do nível de abstração permite que a pessoa possa enfrentar situações mais exigentes e, portanto, mais complexas num ciclo contínuo de desenvolvimento. Há uma correspondência entre o nível de abstração e o nível de complexidade no qual a pessoa é capaz de atuar. Essa constatação é importante porque uma pessoa que atua em um determinado nível de complexidade e em uma determinada carreira, ao decidir mudar de carreira, terá a condição de mudar para a nova carreira no mesmo nível de complexidade. A pessoa consegue atuar em uma nova carreira que exige novos conhecimentos e habilidades no mesmo nível de complexidade porque a pessoa consegue compreender as demanda do novo contexto sobre ela, mobilizar seu repertório para atender essas demandas e perceber imediatamente quais são suas carências em termos de conhecimento, habilidades e comportamento. Há uma tendência para que os conhecimentos e habilidades se tornem desatualizados com muita velocidade; o que nos diferencia é o que fazemos com nossos conhecimentos e habilidades, portanto, o nível de abstração da pessoa é o seu grande patrimônio, ela o levará para onde for. A forma para ampliarmos nosso nível de abstração é através da experiência, enfrentando desafios crescentes, e da formação, desse modo, se uma pessoa permanecer fazendo repetitivamente a mesma tarefa ou atividade estará se desenvolvendo muito pouco, ao contrário, se uma pessoa for continuamente desafiada a realizar atividades de complexidade crescente, experimentará um desenvolvimento contínuo. 4. Impacto dos conceitos na compreensão do desenvolvimento profissional 4.1. Desajustes entre a realidade organizacional e o sistema formal de gestão de pessoas 12 Ao pensarmos a carreira como uma sucessão de degraus de complexidade e o desenvolvimento como a incorporação de atribuições e responsabilidades mais exigentes, podemos compreender alguns fenômenos organizacionais: • Há um descompasso em como o sistema formal da empresa percebe as pessoas e como se dá a realidade organizacional, como, por exemplo, as pessoas são tratadas como se desenvolvessem e crescessem em suas carreiras aos soluços, uma pessoa ocupa a posição de júnior e, do dia para a noite, como se ungida por obra divina, passa a ocupar a posição de pleno. Na prática, essa pessoa foi assumindo gradativamente situações mais exigentes e, quando passa a assumir atribuições e responsabilidade de complexidade equivalente ao nível pleno, é reconhecida e promovida. Nesse intervalo, entretanto, não recebeu nenhum reconhecimento ou sinalização sobre o seu desenvolvimento. Essa postura da organização coloca em risco sua capacidade de retenção das pessoas que estão em processo de desenvolvimento; • Há um desequilíbrio perigoso na remuneração de pessoas com diferentes níveis de contribuição para a empresa. O sistema formal leva em conta, geralmente, o que a pessoa faz para definir o nível remuneratório, entretanto, todas as decisões sobre a pessoa são tomadas em função de sua contribuição. Naturalmente, o gestor, mais próximo das pessoas, percebe esse diferencial de contribuição, mas tem poucos recursos, através do sistema formal de gestão, para efetuar as recompensas adequadas aos diferentes níveis de contribuição; • O desenvolvimento das pessoas está diretamente ligado aos desafios enfrentados por elas, como vimos. Os programas de capacitação, na maior parte das organizações, visam o aumento da eficiência das pessoas na posição que ocupam. Foi possível verificar, através do estudo em diferentes empresas brasileiras, que raramente os programas de desenvolvimento ou capacitação estimulam nas pessoas o confronto com situações mais exigentes, quer na formulação dos conteúdos, quer na orientação oferecida para as lideranças. A partir dessas constatações, podemos efetuar uma discussão sobre a gestão estratégica de pessoas nas organizações. Para isso, escolhemos alguns temas que têm gerado grande impacto nas organizações. 4.2. Limitações impostas pelo pacto de mútuo desenvolvimento 13 O novo pacto psicológico, descrito neste capítulo, levou as empresas a oferecerem mais condições para o desenvolvimento das pessoas, sem que houvesse, entretanto, condições para absorver todas as pessoas desenvolvidas. Essa nova realidade foi ocasionando transformações na configuração dos quadros das empresas, exigindo pessoas mais capacitadas. A estrutura dos quadros operacionais em empresas de base tecnológica, dos quadros de profissionais técnicos e dos quadros gerenciais foi deixando de se assemelhar a uma pirâmide para se assemelhar a um pote. Nessa nova configuração, há uma baixa demanda por pessoas para lidar com situações pouco exigentes e por pessoas para lidar com situações que exigem altíssima especialização. Há uma grande demanda por pessoas para lidar com situações exigentes, mas com um nível de maturidade equivalente ao que o mercado classifica como pleno e sênior, como, por exemplo, o quadro de engenheiros em uma empresa de base tecnológica, onde há baixa demanda por engenheiros muito juniores e por engenheiros acima do nível sênior e uma maior demanda por engenheiros de nível pleno e sênior. Pesquisando empresas do setor petroquímico e do elétrico no início desta década, foi possível notar que as posiçõesde alto nível das carreiras técnicas estavam totalmente preenchidas, obstruindo as possibilidades de progressão na carreira dos níveis inferiores. Os jovens engenheiros, ao entrarem nessas empresas, percebiam um horizonte muito curto para seu desenvolvimento e saíam das empresas ou do setor. Com o tempo, o nível intermediário da carreira, onde havia a maior demanda por profissionais, foi se esvaziando e gerando alguns efeitos perversos: • Jovens engenheiros sendo chamados a assumir precocemente responsabilidades de maior nível de complexidade, porém sem perspectivas de crescimento no longo prazo, provocando a rotatividade da carreira desses profissionais no nível júnior e pleno. Essa rotatividade era ocasionada por não haver perspectivas concretas de crescimento na carreira em um espaço de tempo compatível com outras carreiras existentes no mercado; • Como a demanda da empresa se concentra em níveis de complexidade equivalentes ao nível intermediário da carreira e como havia poucas pessoas para fazer frente a essa demanda, os engenheiros mais experientes tiveram que acumular responsabilidades de menor complexidade, frustrando-os por terem sua capacidade subutilizada; • Mesmo assim, havia necessidade de suprir essa demanda e as alternativas foram: buscar pessoal sênior no mercado, pagando salário de mercado, mas com 14 baixa capacidade de retenção, já que não viam possibilidade de crescimento no longo prazo, e buscar pessoal já aposentado, agravando o quadro de progressão dentro da carreira para o pessoal mais jovem; • Pressão sobre a massa salarial pela retenção por muito tempo das pessoas muito seniores e pela necessidade de trazer do mercado pessoas com maior experiência; • Dificuldade de repor o pessoal no topo da carreira por não haver pessoas preparadas no nível intermediário; • Dificuldade para gestão do conhecimento; na medida em que o pessoal se aposenta leva consigo capacidade técnica e gerencial da empresa, por não haver para quem passar o conhecimento, já que existe a falta de pessoas para fazer a ligação entre os profissionais muito seniores e o pessoal que está no início da carreira. Em pesquisas em setores de grande mobilidade, como o financeiro e de operações em telefonia, observamos fenômeno semelhante em termos de configuração de carreira e efeitos perversos. Os motivos são diferentes: enquanto no setor petroquímico e elétrico o fenômeno se dá pela baixa mobilidade, no setor financeiro e de operações em telefonia, se dá pelo fato de essas empresas não terem paciência em esperar a formação das pessoas. Qual a solução? Criar uma rotatividade mais ampla, ou seja, perder aqueles profissionais mais experientes? Administrar por crise e solucionar o caso a caso? Criar outras opções de carreira? O que temos visto são empresas agindo de forma intuitiva e fazendo todas essas coisas ao mesmo tempo. Entretanto, por ser de forma intuitiva, não têm consciência do problema, já que atuam sobre as consequências e não sobre as causas. Não conseguem, portanto, eliminar o agente causador do problema. Para eliminar o agente causador, haveria necessidade de uma revisão na lógica do fluxo de carreira. Essa lógica deveria prever um crescimento das pessoas até o nível sênior e, após esse momento, preparar as pessoas para saírem da carreira ou da empresa. Isso é importante porque alguns cenários foram se alterando ao longo desta década no Brasil: • As carreiras estão mais curtas, as pessoas estão percorrendo o espectro de suas carreiras em um intervalo de tempo menor; • As pessoas estão mais ligadas ao seu desenvolvimento e o mercado tem oferecido, como um fator de atração e retenção, a aceleração na carreira, ou seja, 15 em um intervalo de tempo menor a pessoa se desenvolve mais e passa a valer mais no mercado; • As pessoas estão se preparando para vivenciar diferentes carreiras ao longo de suas vidas. O auxílio às pessoas para se tornarem aptas para outras carreiras torna-se algo cada vez mais valorizado pelo mercado; • Outras dimensões da vida das pessoas vêm ganhando importância e, cada vez menos, estão dispostas a abrir mão da família, amigos e ações comunitárias em prol de sacrifícios profissionais. Frente a esse quadro, a revisão do fluxo de carreira implica em: • Oferecer para os profissionais uma progressão profissional ajustada às características do setor onde a empresa atua; • Abrir posições no topo da carreira estimulando as pessoas que lá chegam a pensarem em alternativas de carreira; • Preparar as pessoas para saírem da carreira ou da empresa a partir de um determinado ponto de suas trajetórias; • Oferecer aos profissionais localizados no topo de suas carreiras, desafios ligados à formação de profissionais que estão iniciando suas carreiras. Enfim, o discurso da retenção de talentos necessita ser revisitado, é necessário considerar que perder talentos seja o caminho para formar talentos em um fluxo contínuo. Um fluxo necessário ao contínuo rejuvenescimento da empresa. 4.3. Lacuna de complexidade nos processos de desenvolvimento profissional Um aspecto importante da constatação de que a carreira é uma sucessão de degraus de complexidade é analisarmos a inexistência de determinados degraus nas trajetórias propostas pelas organizações. Vamos supor que um analista esteja se desenvolvendo, porém o limite de complexidade do seu trabalho está bem abaixo do menor nível de complexidade da trajetória para onde poderia ir como, por exemplo, uma trajetória gerencial. Nesse caso, jamais os analistas estarão preparados para assumir a posição gerencial e, portanto, toda vaga gerencial terá que ser preenchida por alguém vindo de fora da empresa ou da área. Vamos utilizar uma empresa de leasing, que foi objeto de estudo, como exemplo: nessa empresa havia uma equipe de retaguarda composta por 35 pessoas, em que as posições de maior complexidade entre os analistas 16 ficavam bem abaixo do menor nível de complexidade do gerente. As consequências neste caso foram as seguintes: • Inexistência de pessoas preparadas para as posições gerenciais; • A lacuna de complexidade tende a ser ocupada por quem está na posição de maior complexidade, gerando um sobre trabalho para os gerentes; • Tendência dos gerentes de assumirem uma grande carga de trabalho operacional, gerando pouco espaço para o seu desenvolvimento. Desse modo, as posições diretivas também não eram ocupadas pelo pessoal interno. Essas lacunas têm sido responsáveis pela dificuldade em muitas empresas para a preparação de sucessores, na medida em que, entre os diferentes níveis gerenciais da organização são encontradas lacunas de complexidade. 5. Contornos do desenvolvimento profissional na empresa contemporânea Quanto aos objetivos e parâmetros dos processos de gestão de pessoas, podemos classificá-los, em função de sua natureza (conforme Figura 1), em: • Movimentação — os processos classificados na categoria de movimentação têm como objetivos básicos oferecer suporte a toda ação de movimento da pessoa que estabelece uma relação com a empresa independentemente de seu vínculo empregatício. Essa categoria compreende as seguintes práticas: captação, internalização, transferências, promoções, expatriação, recolocação. • Desenvolvimento — desenvolvimento é uma categoria que congrega processos cujo objetivo é o de estimular e criar condições para o desenvolvimento das pessoas e da organização. As práticas agrupadas nessa categoria são: capacitação, carreira e desempenho. • Valorização — na categoria de valorização, estão os processos que têm como objetivo estabelecer parâmetros e procedimentos para distinção e valorização das pessoas que estabelecem alguma relação com a empresa. São compreendidas nessa categoria as práticas: remuneração, premiação,serviços e facilidades. 17 Figura 1. Processos de gestão de pessoas A categoria desenvolvimento congrega ações que permitem à pessoa atuar de forma mais efetiva e diligente em suas atividades, por conhecer novas informações, técnicas e/ou instrumentos para o seu trabalho. Ao mesmo tempo, essas ações podem estimular e criar as condições objetivas para que a pessoa passe a lidar com atribuições e responsabilidades de maior complexidade. Essas ações, em função de sua natureza, podem ser divididas em duas categorias: • Ações de desenvolvimento formais — estruturadas através de conteúdos programáticos específicos, envolvem metodologias didáticas, instrutores ou orientadores, material bibliográfico e uma agenda de trabalhos ou aulas. Exemplos: cursos, ciclo de palestras, seminários, programa de cultura compartilhada e orientação. • Ações de desenvolvimento não formais — estruturadas através de atuações no próprio trabalho ou de situações ligadas à atuação do profissional. Podem ser concebidas de diferentes formas, mas sempre envolvem o profissional a ser desenvolvido. Exemplos: coordenação ou participação em projetos interdepartamentais ou interinstitucionais, trabalhos filantrópicos, visitas, estágios etc. Quanto maior a complexidade das atribuições e responsabilidades, maior deve ser o percentual das ações de desenvolvimento não formais. A explicação está no fato de que a complexidade demanda mais o uso diversificado do repertório de Mo vim en taç ão D esenvolvim ento Valorização Gestão de Pessoas 18 conhecimentos e experiências das pessoas e menos o uso de novos repertórios. Profissionais que atuam em níveis de maior complexidade tendem a concentrar seu desenvolvimento em novas formas de articular seu repertório com o contexto no qual se inserem. As ações de desenvolvimento devem, portanto, estimular o uso diferenciado do patrimônio de conhecimento que o profissional já possui. Em contrapartida, profissionais que atuam em níveis de menor complexidade são incentivados a ampliar o repertório de conhecimentos e experiências para seu desenvolvimento. A Figura 2 procura sintetizar o fluxo para a construção do plano de ação. Figura 2. Estrutura das ações de desenvolvimento (DUTRA, 2002) • Atribuições e Responsabilidades • Requisitos de Acesso SISTEMA Ações de Desenvolvimento ESCALA DE AVALIAÇÃO A NA NA - Não atende A - Atende S - Supera 0 10 20 PLANO DE AÇÃO Foco nas Competências • Ações de Desenvolvimento • Compromissos de Desenvolvimento • Foco nos Requisitos Compromissos de Educação e Capacitação PORTFÓLIO DE AÇÕES DE DESENVOLVIMENTO Ní v el de Co m pl ex id ad e da s At rib u iç õe s e R es po n sa bi lid ad e s Ações formais • Educação continuada • Treinamento • Educação básica Ações não formais • Grupos de trabalho • Trabalho com a comunidade • Tutoria (coaching) • Estágios • Visitas • Rotação • Auto- instrução S 6. Considerações finais Pode-se dizer que há um grande caminho a ser percorrido e desafios a serem enfrentados no que se refere à estruturação de ações de desenvolvimento pessoal que 19 viabilizem o desenvolvimento de competências, particularmente relacionados a problemas estruturais como culturais. No primeiro caso, destacam-se problemas, como já mencionado por Hipólito e Reis (HIPÓLITO E REIS, 2002), de inadequação entre fatores avaliados e ações concretizadas, ou então, julgamentos associados a questões que avaliam parcialmente a contribuição do profissional e não mensuram a entrega em um determinado nível de complexidade. No segundo caso, nota-se, por parte dos gestores, uma visão limitada do que se significa efetivamente gerir pessoas e, por parte das pessoas, a ausência de responsabilidade pelo próprio desenvolvimento. Um fator muito relevante que mereceria estudos mais amplos e profundos relaciona-se à dificuldade criativa e propositiva dos gestores em termos de ações de desenvolvimento: eles conseguem identificar os seus gaps e dos seus colaboradores, mas não têm ideias de como superá-los. Há uma forte tendência de se optar por ações de treinamento ou educação continuada para todo e qualquer tipo de gap observado nas competências, levantando uma hipótese de que há grande desconhecimento da potencialidade de práticas de aprendizagem informal nas organizações. Acredita-se na existência de um grande potencial da ação dos profissionais de recursos humanos: sugerir diferentes alternativas de ações de desenvolvimento formais e informais de acordo com a competência-alvo e subsidiando a elaboração dos Planos de Desenvolvimento Individuais. O desenvolvimento de competências gerenciais requer tanto uma transformação interior como uma performance externa modificada e, por isso, métodos de aprendizagem autodirigidos seriam bastante recomendados. O princípio básico é de que os gestores devem reconhecer a necessidade de desenvolver a si próprios e estarem dispostos a aprender. Pode-se dizer, portanto, que a efetividade de uma ação de desenvolvimento está intimamente ligada à mudança de comportamento que só ocorre por meio da reflexão e experimentação (aprendizagem na ação e aprendizagem experiencial). Neste sentido, a oportunidade de troca de experiências e o exercício da tutoria (learning through teaching) são consideradas ferramentas poderosas para viabilizar a aprendizagem individual, dando luz a aspectos relacionados à aprendizagem informal que ocorre por meio da prática. A compreensão da dinâmica das pessoas nas organizações e no mercado de trabalho permite enxergar problemas e armadilhas na gestão de pessoas que não conseguiríamos perceber de outra forma. Se olharmos para o futuro, é possível visualizar situações muito mais exigentes e que demandarão sistemas de gestão de 20 pessoas muito mais precisos e ajustados à realidade organizacional. Como exemplo, podemos imaginar que, em algum momento na década de 2010, o trabalho a distância se tornará irresistivelmente vantajoso em termos econômicos: nessa situação como será a gestão de pessoas? Como poderemos trabalhar carreira e remuneração a distância? Como dar mais sentido às ações de desenvolvimento e capacitação? Como preparar as lideranças? Enfim são muitas as questões que surgem, mas a questão principal será como criar e sustentar o comprometimento das pessoas com os objetivos e propostas organizacionais? Como criar e sustentar o vínculo das pessoas com os valores organizacionais? Em uma realidade mais exigente, a compreensão sobre o que as pessoas passarão a valorizar, sobre suas necessidades e expectativas, sobre as pressões às quais estarão submetidas fará uma grande diferença na construção do comprometimento, na capacidade de captação e retenção de pessoas pela empresa contemporânea, em como desenvolver as pessoas para uma realidade cada vez mais exigente. A educação corporativa deve se inserir em uma proposta estratégica de gestão de pessoas que permita uma ação articulada por todos os atores. Dessa forma, a educação corporativa passa a ser um ponto de intersecção para ações estratégicas e de transformação cultural. Referências bibliográficas Boulter N. Developing the leaders of tomorrow at unilever. In: Boulter N, Dalzier M, Hill J. People and competencies: the route to competitive advantage. Londres: Hay/McBer; 1992. Boyatzis RE. The competent management: a model for effective performance. New York: Wiley & Sons; 1982. Braverman H. Labor and monopoly capital: the degradation of work in the twentieth century. New York: Monthly Review Press; 1974. Brewster C, Hegewisch A. Human resource management in Europe: issues and opportunitiesin policy and practice in European human resource management. In 21 Brewster, C. Hegewisch (eds.) Policy and practive in European human resource management – The Price Waterhouse Cranfiel Survey. 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