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Mundialização e Cultura Renato Ortiz Tem hoje 56 anos, nasceu em Ribeirão Preto (SP) • Estudou na Escola politécnica (USP) entre 1966 e 1969. • Formou-se em sociologia pela Universidade de paris VIII. • Doutor e sociologia e antropologia pela École des Haute Études en Sciences Sociales (paris) • Lecionou: - Universidade de Louvain de 74 a 75, - UFMG de 77 a 84, - Prog. Pós-grad. Em Ciências Sociais da PUC-SP de 85 a 88. • Pesquisador: - Latin American Institute da Universidade de Columbia, - Kellog Institute da Universidade de Notre Dame, - Escola Nacional de Antropologia e Historia (ENAH) no México. Atualmente é pesquisador e docente no Departamento de sociologia da PUCCAMP, Campinas. Tem uma vasta bibliografia entre artigos e livros. É um antropólogo bastante respeitado no exterior. Principais obras • A consciência fragmentada • Pierre Bourdieu • Telenovela: história e produção • Cultura brasileira e identidade nacional • Cultura e modernidade INTRODUÇÃO A temática cultural no contexto da sociedade global. premissa: a existência de processos globais que transcendem os grupos, as classes sociais e as nações. • Hipótese: a emergência de uma sociedade global. • Sociedade global: seus sinais estão na mídia, na economia, na política (ex. o movimento ecológico). Capítulo I Cultura e Sociedade Global Sociedade global: assunto tratado por diversas disciplinas: economia, administração de empresas, relações internacionais. Faz parte da pauta da mídia, (jornais, revistas, televisão) Fazem falta estudos realmente reflexivos Existem os escritos dos governos e dos administradores de multinacionais: - Aos governos importa defender os interesses de seus países competidores na arena geopolítica - As multinacionais interessa defender os lucros no mercado que se globalizou Existem também os best sellers: Tipo Alvin Toffler: anunciam a boa-vinda de uma sociedade feliz Usam uma profusão de metáforas para descrever as transformações deste final de século: Alexander King: Primeira revolução mundial Alvim Toffler: Terceira onda Adam Shaff: Sociedade informática Keniche Ohmae: Sociedade amébica Marshal McLuhan: Aldeia global Robert Reich: Passagem da economia de high volume para high value Jacques Attali: Universo habitado por objetos moveis Porque o abuso das metáforas? - Elas revelam uma realidade emergente ainda fugidia nas ciências sociais - Sublinham a importância da tecnologia moderna na organização da vida dos homens - Enfatizam uma mudança no campo da economia Já não seria mais a produção em massa que orientaria as estratégias comerciais, mas a exploração de mercados segmentados (customized products) Mas toda metáfora é um relato figurado. Perde-se precisão conceitual. O mundo dificilmente seria entendido como uma aldeia global. Não se pode esquecer que as técnicas se inserem nas condições objetivas da historia Entre os homens que se comunicam nesta aldeia global existem tensões, interesses e disputas que os afastam de qualquer ideal comum (construído pela razão preguiçosa) Dizer que as empresas orientam suas políticas no sentido de uma produção customized (visando o gosto do cliente) capta uma face do que esta acontecendo e leva a associações indevidas. Por exemplo, a desmassificação do consumo é vista como a realização da liberdade individual, sinônimo de democracia. Por isso as metáforas dão um retrato incompleto e nebuloso do que se esta querendo apreender A GLOBALIZAÇAO É UM FENOMENO EMERGENTE, UM PROCESSO AINDA EM CONSTRUÇÃO. Se entendermos por globalização da tecnologia e da economia a internacionalização das trocas, de produtos e de conhecimento, não estamos diante de um fato original. O mesmo pode ser dito da multinacionalização das empresas nacionais que operam em escala internacional Por isso os economistas começam a estabelecer uma distinção entre internacionalização e globalização (esses termos não são sinônimos) Internacionalização = aumento da extensão geográfica das atividades econômicas através das fronteiras nacionais (não é um fenômeno novo) Globalização = É uma forma mais avançada e complexa da internacionalização (implica um grau de integração funcional entre atividades econômicas dispersas) O conceito se aplica à produção, distribuição e consumo de bens e de serviços, organizados a partir de uma estratégia mundial, e voltada para um mercado mundial. Ele corresponde a um nível e a uma complexidade da historia econômica, no qual as partes, antes inter-nacionais se fundem agora numa mesma síntese: o mercado mundial. As metáforas abundam diante da falta de conceitos Nos encontramos apegados a um instrumental teórico construído no final do século XIX: Classe, Indivíduo, Estado e desenvolvimento, são noções forjadas no interior de uma entidade cuja crise se agudiza face as mudanças atuais: a nação O padrão de mercado para a economia continua a ser o nacional O padrão de soberania para a ciência política continua a ser o Estado-Nação O mundo, na sua especificidade enquanto categoria sociológica, escapa a analise conceptual. O pensamento hesita em conferir estatuto cientifico a esta entidade que deveria ser considerada como uma espécie de “mega-sociedade” modificando as relações políticas, econômicas e culturais entre as partes que a constituem. HISTÓRIA DAS IDEIAS A historia das idéias nos ajuda na compreensão do conceito de sociedade global 1950 – Gurvitch: “Macrocosmo dos macrocosmos sociais” - possui originalidade própria - possui vida própria - diversos tipos de SG: a nação, os impérios (Roma, China) e as civilizações (Islão) Críticas: Não é suficientemente amplo para abarcar todo o planeta. A SG seria composto de um conjunto de sociedades que se tocam mas que se excluem Talcott Parsons : “A ordem internacional forma um sistema social”? Resposta: Elabora uma serie de elementos normativos de caráter internacional: a regulação do comercio, a legislação internacional, as religiões, as associaciações cientificas, o sistema de comunicação, radio, imprensa, etc. Mas sua conclusão é dúbia. 1966 - Wilber Moore : “Sociologia global: o mundo como um sistema singular”. Neste texto, o mundo é visto como “supersistema” englobando outros “sistemas” menores em tamanho e complexidade. 1970s – Immanuel Wallerstein: “O moderno sistema social” (New York : 1976) Lança as bases de uma historia sistêmica do capitalismo. Sua critica ao Estado-Nação abre a perspectiva de se pensar a estruturação do mundo. O World System, torna-se uma categoria analítica. COMO PENSAR ESTA REALIDADE MUNDIAL A PARTIR DA PROBLEMATICA CULTURAL? 1964 - Herder: o considera como a totalidade de um modo de vida ou espírito do povo. Se recusa a considerar o “universal”, a “humanidade” e se volta para as entidades particulares. As sociedades seriam análogas aos organismos vivos, centrados sobre si mesmos. Existe uma distancia entre as culturas primitivas entre si, e entre elas e os princípios modernos. Cada “povo” é uma entidade, um “mundo” diverso dos outros. Uma análise que se abre para o entendimento da mundialização da cultura se choca com boa parte da tradição intelectual existente. Voltados para o estudo das sociedades primitivas, ou segmentos das sociedades modernas, os antropólogos conseguiam delimitar um objeto coeso no interior de limites precisos: a tribu, a etnia, a cultura popular, negra, etc. A globalização é também uma questão de escala, por isso requer uma estratégia compreensiva distinta. Uma cultura mundializada corresponde a mudanças de ordem estrutural. Essas transformações constituem a base materialsobre a qual se sustenta sua contemporaneidade. COMO INTEGRAR O MUNDO A UM HORIZONTE QUE BUSCA CONFERIR A CULTURA UMA ENVERGADURA TÃO AMPLA? Os problemas que o paradigma do World System traz: 1. A forte inclinação economicista das análises. A historia do sistema mundial se confunde com a evolução do capitalismo. Como a base econômica constitui a unidade de analise privilegiada, as manifestações políticas e culturais surgem como seu reflexo imediato. 2. Seu caráter sistêmico. O “sistema-mundo” é um conjunto articulado no interior do qual todos os elementos se encontram funcionalmente determinados pelo todo (Luhman). DENTRO DESSA PERSPECTIVA COMO FICA A PROBLEMATICA DA CULTURA? “Cultura é o sistema-idéia desta economia capitalista mundial, a conseqüência de nossas tentativas de nos relacionarmos com as contradições, as ambigüidades, e a complexidade da realidade sócio-política desse sistema particular (Wallerstein) “Cultura é a esfera ideológica desse world-system” Economia global refere a uma estrutura única, mensurável por meio de indicadores variados: as trocas e os investimentos internacionais. A esfera cultural não pode ser considerada da mesma maneira. Uma cultura mundializada não implica o aniquilamento das outras manifestações culturais, ela co-habita e se alimenta delas. Um exemplo: a língua. A POSSIBILIDADE DO DESAPARECIMENTO DAS LÍNGUAS LOCAIS E NACIONAIS, DIANTE DA PROGRESSAO DE UM IDIOMA MUNDIAL (O INGLES?) São várias as causas que determinam a posição hegemônica de uma língua mundial: 1. A existência de uma potencia colonizadora (a Inglaterra) 2. O papel econômico dos Estados Unidos no século XX. 3. A presença das corporações multinacionais 4. As transformações tecnológicas (invenção do computador e de uma linguagem informatizada) 5. O peso de uma indústria cultural marcada por sua origem norte-americana. Sua abrangência ultrapassa as fronteiras dos povos anglofônicos e penetra domínios como a informática, trafego aéreo, colóquios científicos, intercâmbio entre multinacionais, etc. para se transformar na língua oficial das relações internacionais. Isto não implica o declínio de outros idiomas. O inglês se caracteriza por sua transversatilidade, ele atua no interior de um “espaço transglóssico” no qual outras expressões lingüísticas se manifestam. O desenvolvimento de um espaço transglóssico não abole a função veicular das línguas locais, ele a setoriza. Mundialismo não se identifica com uniformidade - Em alguns casos o inglês será preponderante (tecnologia, mídia, e educação superior). - Em outros, estará ausente ou terá peso menor (família, religião, trabalho) É necessário distinguir entre os termos “global” e “mundial” GLOBAL = refere-se a processos econômicos e tecnológicos MUNDIAL (MUNDIALIZACAO) = refere-se ao domínio específico da cultura A Categoria MUNDO esta articulada a duas dimensões: a) vincula-se ao movimento de globalização das sociedades b) significa também uma “visão de mundo”, um universo simbólico especifico à civilização atual, Nesse sentido ele convive com outras visões do mundo, estabelecendo hierarquias, conflitos e acomodações. “Por isso prefiro dizer que o inglês é uma “língua mundial” Sua transversalidade revela e exprime a globalização da vida moderna, Sua mundialidade preserva os outros idiomas no interior desde mundo transglóssico. OUTRO PROBLEMA REFERE-SE AO GRAU DE INTEGRACAO DOS SISTEMAS O Mundo é realmente sistêmico? O “Quarto mundo”(mas não o terceiro) se integra mal ao mercado mundial. Existem disfunções manifestações de cunho político e cultural que não são apenas “disfunções” do sistema mundial: Ex. o fundamentalismo islâmico pode ser compreendido como uma recusa da modernidade, um rechaço aos valores do ocidente. PROCESSO E TOTALIDADE Seria mais convincente compreender a mundialização como processo e totalidade PROCESSO Processo que se reproduz e se desfaz incessantemente no contexto das disputas e aspirações divididas pelos atores sociais. Mas que se reveste de uma dimensão abrangente, englobando outras formas de organização social: comunidades, etnias e nações. TOTALIDADE A totalidade penetra as partes no seu âmago, redefinindo-as nas suas especificidades. Seria impróprio falar de uma cultura-mundo, cujo nível hierárquico se situaria fora e acima das culturas nacionais ou locais. O processo de mundialização é um fenômeno social total que permeia o conjunto das manifestações culturais. Para existir, ele deve se localizar, enraizar-se nas práticas cotidianas dos homens, sem o que seria uma expressão abstrata das relações sociais. Pensar a mundialização como totalidade nos permite aproxima-la à noção de “civilização”. Civilização = conjunto extranacional de fenômenos sociais específicos e comuns a varias sociedades (Marcel Mauss). Os Artífices Mundiais de Cultura A intenção é: “tentar compreender os desafios e as perspectivas que se abrem para todos, quando se descortinam os horizontes da mundialização (...), na qual multiplicam- se as convergências e proliferam as diversidades”. (Otávio Ianni) É no âmbito da cultura que se expressam de modo particularmente nítido algumas das características mais originais e surpreendentes da mundialização : - a desterritorialização das coisas, gentes e idéias, - a proliferação de colagens, pastiches e simulacros, - a transfiguração da realidade em virtualidade ou vice-versa.” (Otávio Ianni) Temática cultural no contexto da sociedade global Recorte => sociedade de consumo A sociedade de consumo é uma expressão da contemporaneidade; é uma das principais instâncias mundiais de definição dos comportamentos e dos valores. Cidadãos ou consumidores? Globalização => modela um tipo de cultura calcada no consumo mundializado. Administradores globais => são os “intelectuais” que fazem a mediação entre o pensamento e os interesses econômicos. Esta passagem provoca mudanças no discurso e no comportamento empresarial. • Pensamento empresarial influencia a nova organização social emergente - inclinações ideológicas • Falácia da descentralização: descentralização = autonomia = democracia Pós-modernidade e o discurso do mundo dos negócios - Pluralidade estética, produção e nacionalidades “Compromisso ético com a demanda” - A descentralização - Padronização - Segmentação - fusões e oligopólios - competição Graves conseqüências “as agências transnacionais são instâncias mundiais de cultura, sendo responsáveis pela definição de padrões de legitimidade social” => É preciso reconhecer que o mecanismos existentes no seu interior são em boa parte (mas não exclusivamente) moldados pelas “indústrias culturais globalizadas”. O alcance Essas indústrias representam um tipo de instituição que supera em muito o alcance de outras instâncias, cujo raio de ação é limitado. Tanto a escola como as tradições populares têm um âmbito de atuação restrito aos domínios regional ou nacional. Todas essas influências comprometem a constituição de um “espaço público” (Habermas), que restringe a liberdade e o debate público. O Estado-nação A capacidade para o Estado-nação é restrita e específica para as ações internacionais. Já os conglomerados possuem uma grande margem de manobra. Sistema gerencial sinérgico A afirmação do todo não nega a fragmentação ou a diversidade do mercado mundial. No plano teórico, a sinergia é a noção que dá conta desta realidade múltipla. Os oligopólios, na disputa pelos mercados, ao abrigarem sob um mesmo teto “janelas”diferentes, aumentam seu poder de fogo. Poder Fragmentação,diversidade e descentramento, não significam descontrole, muito menos democracia. Diante disso são necessárias estratégias globais - tempo é essencial. Há a necessidade de novos tipos de controle,não mais centralizados como nas multinacionais, mas materializados em “núcleos globais de decisão”, compostos por executivos de nacionalidades diversas, e munidos de um complexo instrumental tecnológico e de comunicação. A modernidade-mundo, se expande e se consolida em nível planetário. Lá onde ela se realiza plenamente, a convergência dos comportamentos se impõe. Já nos países a que costumamos chamar de “em desenvolvimento”, ela confina sua presença a alguns setores da sociedade. Terceiro Mundo Os aspectos da globalização e da modernidade para os países “periféricos” são perversos, selvagens, mas reais. A globalização provoca um desenraizamento dos segmentos econômicos e culturais das sociedades nacionais, integrando-os a uma totalidade que os distancia dos grupos mais pobres, marginais ao mercado de trabalho e de consumo. => A mundialidade da cultura penetra os pedaços heterogêneos dos países “subdesenvolvidos”, separando-os de suas raízes nacionais Se as transformações recentes nos levam a afirmar a existência de uma sociedade global, isto significa que a problemática nacional adquire um outro sentido. Só iremos entendê-la quando a situarmos dentro desta nova totalidade. ORTIZ, Renato, Mundialização e Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1996.
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