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DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURIDICA

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A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ÂMBITO DO DIREITO AMBIENTAL: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO ART. 4º DA LEI 9.605/98 DISREGARD OF LEGAL ENTITY IN ENVIRONMENTAL LAW: A CRITICAL ANALYSIS OF ART. 4 OF LAW 9.605/98 Everaldo Medeiros Dias1 RESUMO O presente artigo busca analisar a aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica no Âmbito do Direito Ambiental. Para isso apresenta inicialmente uma análise do Princípio da Autonomia Patrimonial da Sociedade Empresária e a importância de sua proteção como elemento necessário ao incremento da Livre Iniciativa enquanto Fundamento da República, justificando-se, assim, a adoção de critérios objetivos para a aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica, apresentada como regra de exceção à manutenção desta separação patrimonial. Dados tais fundamentos teóricos, apresenta-se os conceitos referentes ao Dano Ambiental, além de discorrer sobre a obrigatoriedade de repará-lo e a possibilidade, dada pela legislação ambiental, de se Desconsiderar a Personalidade Jurídica de um sujeito de direito quando sua personificação se tornar obstáculo para a reparação do Dano Ambiental causado. Ao final, apresentam-se críticas dirigidas à opção do legislador ambiental em escolher a Desconsideração da Personalidade Jurídica como caminho para a responsabilização de membros da pessoa jurídica causadora de Danos Ambientais. PALAVRAS-CHAVE: Sociedade Empresária. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Autonomia Patrimonial. Dano Ambiental. Defesa do Meio Ambiente. ABSTRACT This paper analyzes the application of the Disregard of Legal Personality in the Field of Environmental Law. For that initially presents an analysis of the Principle of Autonomy Asset Entrepreneur Society and the importance of its protection as a necessary element to increase as the Free Enterprise Foundation of the Republic, justifying thus the adoption of objective criteria for the application of the Disregard Personality legal, presented as an exception to the rule of maintaining this separation sheet. Data such theoretical, presents the concepts for the Environmental Damage, and discuss the obligation to repair it and the possibility given by environmental legislation, to disregard the legal personality of a subject of law when its personification become obstacle for the repair of Environmental Damage caused. At the end, we present the option of the criticism directed at environmental legislature choose Disregard of Legal Personality as a path to accountability of members of the legal entity causing Environmental Damage. KEYWORDS: Entrepreneur Society. Disregard of Legal Personality. Autonomy Sheet. Environmental Damage. Environmental Defense. 1 Professor de Direito Empresarial do curso de Direito da UNIVALI; Pós-graduado em nível de especialização em Direito Societário e Empresarial pelo CESUSC; Mestre em Ciência Jurídica pela UNIVALI. Revista da Unifebe (Online) 2012; 11 (dez):215-228 Artigo Original ISSN 2177-742X 216 INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo estudar e analisar a aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica no âmbito do Direito Ambiental sob a perspectiva crítica dos critérios objetivos e postulados que sustentam teoricamente a adoção de tal técnica jurídica. Objetivando uma melhor estruturação para a apresentação do presente estudo, visando um melhor entendimento do leitor quanto ao desenvolvimento do assunto proposto, este artigo está dividido, além desta Introdução e as Considerações Finais, em três partes, que são: A Personificação das Sociedades Empresárias; A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica; A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Âmbito do Direito Ambiental. Quanto à metodologia empregada, registra-se que na fase de investigação foi utilizado o método indutivo e nas diversas fases da pesquisa foram acionadas as técnicas do referente, da categoria, do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica. Como forma de estruturação básica para a elaboração do presente artigo foram formulados os presentes Problemas de Pesquisa: A) A Desconsideração da Personalidade Jurídica possui critérios objetivos para a sua aplicação? B) A Desconsideração da Personalidade Jurídica é utilizada como instrumento jurídico para a reparação de Danos Ambientais? C) A aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica no âmbito do Direito Ambiental obedece à critérios objetivos? Para responder aos problemas apresentados acima foram formuladas as seguintes hipóteses: A) Sim, para ser aplicada a técnica da Desconsideração da Personalidade Jurídica há a necessidade de observância de determinados critérios objetivos; B) A legislação ambiental autoriza a aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica como forma de reparação de Danos Ambientais causados por pessoas jurídicas; C) A legislação ambiental não apresenta critérios objetivos coerentes com os postulados da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. O presente artigo de pesquisa se encerra com as considerações finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos de estímulos à continuidade dos estudos. 2 A PERSONIFICAÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS 2.1 A PESSOA JURÍDICA Para que se possa discorrer sobre o entendimento genérico a respeito da Pessoa Jurídica, além de buscar apresentar um conceito específico sobre o referido instituto jurídico, necessário se faz que, preliminarmente, se defina o que vem a ser, de forma ampla, o entendimento sobre o que é a Pessoa em sua acepção jurídica. Assim, com amparo na doutrina civilista de Fábio Ulhoa Coelho2 , se pode dizer que a Pessoa é o sujeito de direito corpóreo, o qual recebe da ordem jurídica vigente uma autorização genérica para praticar atos e negócios jurídicos. Por tal entendimento, trata-se, a Pessoa, de um sujeito de direito que, por sua personificação, é autorizada pelo direito posto à titularizar direitos e obrigações de maneira ampla. Portanto, a pessoa é o sujeito de direito que pode realizar todos os atos e negócios jurídicos que não estejam proibidos. 2 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil Vol. Ed. Saraiva. São Paulo. 2003.p. 139. 217 Porém, a terminologia referente à palavra “Pessoa”, largamente empregada como sinônimo de “ser humano”3 , encontra sua origem no Teatro da Roma Antiga, justamente na prática utilizada pelas representações teatrais, em que os atores que atuavam em anfiteatros ao ar livre, utilizavam máscaras, em latim denominadas de persona, quando da interpretação de seus personagens. Estas máscaras tinham a finalidade de amplificar o som da fala dos atores quando da interpretação de seus papeis na dramaturgia teatral, pois possuíam uma espécie de lâmina na altura da boca, um certo dispositivo que possuía a finalidade de vibrar quando o ator proferia as falas de seu personagem, fazendo, portanto, com que o som ampliasse e se propagasse entre a plateia presente ao espetáculo. De Plácido e Silva4 esclarece que: Persona, de per (por, através de) e sono (som), exprimia, primitivamente, a máscara usada pelos atores nas representações teatrais. Dessa forma, dramatis personae eram os representantes ou personagens dramáticos (...). Então, para o teatro da Antiguidade romana, a máscara, a “persona”, fazia a distinção entre o ator e o personagem. A máscara conferia, portanto, capacidade ao ator de poder, por meio dela, ou seja, do personagem ao qual ela representava, se relacionar no palco teatral com os outros atores investidos em outros personagens. Assim, o exemplo legado pelo teatro da Antiguidade romana foi: o ator é o elemento físico, estático; o personagem é a qualidade ou a faculdade atribuída a este ator para entrar em cena e vir a se relacionar com os outros personagens. Conforme ensina Irineu de Souza Oliveira5 , com o Direito Romano Clássico tal figura passou a ser simbolicamente utilizada para distinguir o ser em si, do sujeito de direito, tal qual o ator se distingue do personagem. Assim, o exemplo legado pelo teatro da Roma Antiga passou a ser utilizado para representara aptidão conferida pela ordem jurídica à certos indivíduos de poder se relacionar juridicamente, de forma ampla, no palco Jurídico. Porém, inicialmente apenas seres humanos, e nem todos, recebiam essa autorização genérica para a prática de atos e negócios jurídicos. Mas na Idade Média, por necessidades de preservação do patrimônio da Igreja Católica, incrementando-se as fundações, denominadas “corpus mysticum”, passa-se a considerar patrimônio autônomo qualquer ofício eclesiástico. A esse respeito, Fábio Ulhoa Coelho6 destaca que: Os alicerces da teoria da pessoa jurídica encontram-se na Idade Média, em noções destinadas a atender as necessidades de organização da Igreja Católica e preservar seu patrimônio. Naquele tempo, o Direito Canônico separava a Igreja, como corporação, de seus membros (os cléricos), afirmando que aquela tem existência permanente, que transcende a vida transitória dos padres e bispos (...). A afirmação da vida da Igreja em separado leva à distinção entre o patrimônio dela e o de cada membro do clero. Falecendo um padre ou bispo, os bens em sua posse não podiam ser transmitidos a sucessores por pertencerem à corporação. 3 “Como se sabe, são distintas as ideias de ser humano e de pessoa; aquele é um conceito biológico, ao passo que o conceito de pessoa, para o Direito, indica o sujeito com capacidade de titularizar direitos e deveres, o agente ou ator do cenário jurídico. E não há identidade entre a condição humana e a condição de pessoa, realidade que tem raízes milenares. A prática de manter escravos já a traduzia, ainda que por restrição: o escravo, embora humano, não era um sujeito de direitos e deveres, mas um objeto de direitos, uma propriedade, uma coisa (servus et res). [...]” MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro Vol. 2. Ed. Atlas. 3ª ed. São Paulo. 2008. p. 32. 4 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Ed. Forense. 1ª ed. p. 365. Rio de Janeiro. 1989. 5 OLIVEIRA. Irineu de Souza. Programa de Direito Romano. Canoas: Ed. ULBRA. 1998. p. 42. 6 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil Vol. Ed. Saraiva. São Paulo. 2003. p. 230. 218 Neste sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald7 reafirmam a ideia de que o Direito Canônico medieval, para atender às necessidades de organização da Igreja Católica, é o responsável pelo desenvolvimento e o alargamento do conceito de personalização de entidades coletivas. Sendo assim, além do ser humano, o Direito Positivo passou a dotar de personalidade, ou seja, de aptidão para o relacionamento no cenário jurídico de forma ampla, certas organizações e coletividades humanas para que estas pudessem titularizar direitos e obrigações jurídicas de forma independente das pessoas físicas que as compõe ou instituem. Fábio Ulhoa Coelho8 discorre que: A pessoa jurídica é o sujeito de direito personificado não-humano. É também chamada de pessoa moral. Como sujeito de direito, tem aptidão para titularizar direitos e obrigações. Por ser personificada, está autorizada a praticar os atos em geral da vida civil – comprar, vender, tomar emprestado, dar em locação etc. -, independente de específicas autorizações da lei. Finalmente, como entidade não humana, está excluída da prática dos atos para os quais o atributo da humanidade é pressuposto, como cas ar, adotar, doar órgãos e outros. Sendo assim, a pessoa jurídica, também conhecida como pessoa moral, é o ente abstrato dotado de aptidão pela ordem jurídica para titularizar direitos e obrigações de forma ampla e de maneira independente de seus membros componentes no cenário jurídico. 2.2 A SOCIEDADE EMPRESÁRIA Neste ponto em particular, para se discorrer sobre a Sociedade Empresária e a sua importância para o desenvolvimento do tema central abordado no âmbito do presente artigo, é fundamental que seja definido o que é a Empresa, enquanto objeto de direito, e empresário, que se constitui em um sujeito de direito9 . Sendo assim, amparando-se na lição de Sérgio Campinho10, pode-se afirmar que a Empresa se apresenta como um elemento abstrato que se constitui da ação intencional praticada pelo empresário, o qual se configura em seu titular. Desta forma, mais do que a simples ideia de ato de comércio, preconizada pela Teoria dos Atos de Comércio11, a Empresa se revela como a organização dos fatores de produção, ou seja, a prática derivada da articulação de elementos, tais como o capital, a mão de obra, a matéria prima, os insumos, a tecnologia, a logística, o marketing, etc., os quais, seguindo uma lógica e intenção, são sistematizados com o objetivo de auferir uma vantagem econômica. Assim, a Empresa se constitui nesse complexo de procedimentos organizados com o intuito lucrativo. Porém, como já referido, a Empresa não se constitui em um sujeito de direito, pois sujeito de direito é o Empresário, sendo a Empresa o objeto de atuação deste. Portanto, o 7 CHAVES DE FARIAS, Cristiano. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. p. 263. 8 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil Vol. 1. Ed. Saraiva. 1ª ed. p. 232. São Paulo. 2003. 9 MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro. Vol. 1. Ed. Atlas. 3ª ed. São Paulo. 2009. p. 37/38. 10 CAMPINHO, Sérgio. O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Ed. Renovar. 3ª ed. Rio de Janeiro. 2003. P. 13/14 11 “Significava que certos atos estavam sujeitos ao direito comercial e outros não. Os atos de comércio eram atos sujeitos ao direito comercial; os demais estavam sujeitos ao direito civil. Atos com conteúdo econômico poderiam ser civis ou comerciais. Tentou-se elenca-los no Regulamento 737/1850, mas como sempre foi complicado estabelecer um conceito científico do que seria ato de comércio , a doutrina tentava fazê-lo sem sucesso, podendo o ato de comércio ser o que o legislador estabelecesse que teria regime jurídico mercantil.” ZUCCHI, Maria Cristina. Direito de Empresa. Editora Harbra. São Paulo. 2004. p. 21. 219 Empresário se revela como sendo o sujeito de direito personificado que tem por objeto o exercício da empresa, entendida essa como a atividade de organização dos fatores de produção. Neste particular, Fábio Ulhoa Coelho12 leciona que: Empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. Essa pode ser tanto a física, que emprega o seu dinheiro e organiza a empresa individualmente, como jurídica, nascida da união de esforços de seus integrantes. Assim sendo, conclui-se, com amparo na lição de Maria Helena Diniz13, que a Sociedade Empresária é a pessoa jurídica constituída pela união de pessoas, a qual atua profissionalmente no desenvolvimento de atividade econômica, organizando a produção ou a circulação de bens ou, ainda, a prestação de serviços. Portanto, a Sociedade Empresária é a pessoa jurídica, formada a partir da união de pessoas, a qual atua, ela própria, como empresário e não os seus sócios componentes. 2.3 A AUTONOMIA PATRIMONIAL DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA E O PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA Da personificação da Sociedade Empresária decorre a sua Autonomia Patrimonial em relação a seus sócios componentes. Essa autonomia deriva do entendimento de que, conforme é o magistério de Fábio Ulhoa Coelho14, sócios e sociedade não são a mesma pessoa. Sendo assim, em regra geral, não se pode responsabilizar uma pessoa por dívida constituída por outra. Assim, em específico, é no patrimônio da própria pessoa jurídica da Sociedade Empresária que seus credores terão que saciar os seus créditos, estando, em princípio, os bens dos sócios imunes às obrigações sociais. Essa autonomia patrimonial da sociedade em relação aos seus sócios componentes se constitui, de sobremaneira, em importante incentivo aos investidores para que estes empreguem seu capital em uma atividade geradora de riquezas. Fábio Ulhoa Coelho15 , lecionando sobre a Autonomia Patrimonial da Sociedade Empresária, discorre que: Como técnica de segregação de riscos, a autonomia patrimonial das sociedades empresárias é um dos mais importantes instrumentos deatração de investimentos, na economia globalizada. Trata-se de expediente que, em última instância, aproveita a toda coletividade, como proteção de investimento. A segregação de riscos motiva e atrai novos investimentos por poupar o investidor de perdas elevadas ou totais, em caso de insucesso da empresa. Se determinada ordem jurídica não contemplar a autonomia patrimonial (ou outras técnicas igualmente disseminadas de segregação de risco), é possível que muitos investidores receiem investir na economia correspondente. Afinal, a empresa não prosperando e vindo a experimentar perdas que acabem por leva-la à quebra, se isto, num determinado país, colocar em risco a totalidade do patrimônio do investidor (e não somente o que investiu no negócio), é provável que ele opte por direcionar seu capital para outro lugar. Desta forma, a Autonomia Patrimonial da Sociedade Empresária acaba por se constituir em um importante incentivo ao investimento de particulares na atividade 12 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial Vol. 1. 16ª ed. Ed. Saraiva. São Paulo. 2012. p. 123. 13 DINIZ, Maria Helena. Lições de Direito Empresarial. Ed. Saraiva. São Paulo. 2011. 72. 14 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial Vol. 2. 14ª ed. Ed. Saraiva. São Paulo. 2010. p. 14/16. 15 COELHO, Fábio Ulhoa. Princípios do Direito Comercial. Ed. Saraiva. São Paulo. 2012. p. 42. 220 empresarial, sendo, portanto, vital ao incremento da economia e, por consequência, à produção e disseminação de riquezas. Sendo assim, tendo o legislador constituinte de 1988 elegido a Livre Iniciativa como fundamento da República (art. 1º, IV da CRFB), tal fundamento que, conforme é a lição de Gladston Mamede16, se constitui pela opção de liberdade de ação econômica, deve não só ser incentivado, mas também garantido pela ordem jurídica. Portanto, pode-se concluir que, se a Autonomia Patrimonial da Sociedade Empresária se constitui em um incentivo aos investidores, a garantia desta pode se traduzir em uma importante forma de garantia ao Princípio da Livre Iniciativa. 3 A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 3.1 UMA INTRODUÇÃO CONCEITUAL Conforme é a lição de Bruno Matos e Silva17, o direito, ao conferir personalidade jurídica às entidades coletivas, tem por objetivo, principalmente, incrementar a atividade econômica. Ocorre que, conforme assevera César Fiúza18, os fins alcançados podem ser diversos e a personificação de tais entes pode vir a ser utilizada com objetivos fraudulentos. Ante a tais circunstâncias, conforme leciona Ana Caroline Santos Ceolin19, a jurisprudência e a doutrina passaram a desenvolver um remédio jurídico, como um antídoto, visando considerar ineficaz, episodicamente, a estrutura da pessoa jurídica utilizada de maneira desvirtuada. Esse remédio jurídico passou a ser denominado como “Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica”, ou, conforme é chamada nos países anglosaxônicos que lhe deram origem, “disregard of legal entity” ou “disregard doctrine”. De acordo com o que salienta José Hurtado Cobles20, pode-se dizer que o objetivo da Desconsideração da Personalidade Jurídica é alcançar os membros da pessoa jurídica utilizada indevidamente e responsabilizá-los por atos praticados em nome dela que visem, objetivamente, fraudar ou lesar credores. Verifica-se pela perspectiva do magistério de César Fiuza21 que a aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica, ao contrário do que pode aparentar, constitui-se em uma confirmação do instituto da personificação da pessoa jurídica, pois não a anula, apenas deixa de considerá-la em certos atos praticados com desvio de finalidade. Portanto, a estrutura jurídica da pessoa jurídica não é alterada com a sua desconsideração. Também, a aplicação de tal decisão é realizada de forma episódica e se limita a solucionar um caso concreto, não beneficiando, portanto, outros credores por tal decisão. 16 MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro Vol. 1. 3ª ed. Ed. Atlas. São Paulo. 2009. p. 43. 17 SILVA, Bruno Mattos e. Direito de Empresa: Teoria da Empresa e do Direito Societário. São Paulo: Atlas, 2007. p. 222. 18 FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 145. 19 CEOLIN, Ana Caroline Santos. Abusos na Aplicação da Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica. Belo Horizonte. Ed. Del Rey. p. 1/3. 2002. 20 COBLES, José Hurtado. La Doctrina del Levantamiento del Velo Societário. Barcelona: Atelier, 2000. p. 62. 21 FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 154. 221 3.2 A ORIGEM DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO ANGLO-SAXÔNICO César Fiuza22 destaca que o julgado que pioneiramente desconsiderou a personalidade jurídica de uma sociedade personificada foi no caso Bank of United States vs. Deveaux, ocorrido em 1809, nos EUA, em que o juiz desconsiderou a personalidade jurídica da devedora para atingir o patrimônio de seus sócios. Porém, o caso mais famoso ocorreu na Inglaterra, em 1897, em decisão proferida no famoso caso Salomon vs. Salomon & Company, o qual tratava de uma S/A cujas ações pertenciam unicamente aos membros de uma mesma família, encobrindo fraudulentamente uma sociedade unipessoal. Muito embora a paternidade referente ao pioneirismo da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica possa ser disputada entre Inglaterra e Estados Unidos, ambos os países com tradição jurídica fundamentada na common law23 , pode-se dizer que foi no direito estadunidense que a técnica da Desconsideração da Personalidade Jurídica ganhou forma. É importante destacar que a Desconsideração da Personalidade Jurídica nasceu e se desenvolveu em países (Inglaterra e Estados Unidos) cuja tradição jurídica se fundamenta na common law24, como é o caso dos Estados Unidos e da Inglaterra e não em países ligados à família romano-germânica, como o Brasil. A esse respeito, Suzy Elizabeth Cavalcante Koury25, conclui asseverando que: [...] é fácil perceber, então, que a disregard é um procedimento normal na common law, onde é a análise do problema concreto que conduz a um principio específico, sendo, ao contrário, de difícil aplicação em sistemas jurídicos fechados, pertencentes à ‘família’ romano-germânica, como o brasileiro, em que se procura fixar um princípio de alcance geral que seja aplicável ao caso em exame. Desta forma, de acordo com o magistério de Ana Caroline Santos Ceolin26, se pode concluir que, diferentemente do modelo estadunidense, o qual concede excepcional autonomia aos magistrados para que desenvolvam soluções práticas em casos concretos, na sistemática jurídica brasileira não foi possível, inicialmente, a aplicação desse importante remédio legal. Ocorre que, no âmbito do Direito Brasileiro, encontrou-se como obstáculo a 22 FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 153. 23 “A expressão common law, usada na Inglaterra desde o século XIII, é geralmente empregada para indicar o sistema jurídico que começou a se formar na Inglaterra a partir da conquista normanda, e que foi sucessivamente adotado, com algumas diferenças, nos Estados Unidos, no Canadá anglófono, na Austrália, na Nova Zelândia, na Índia e em grande parte de outros países que foram colônias inglesas, na chamada common wealth, ou comunidades britânica de nações. É também chamado como sistema inglês ou direito anglo-saxônico e tem como característica principal o precedente judicial como fonte de direito , isto é, a ratio decidendi de uma decisão adotada por um juíz, com base em um caso análogo ao que é submetido à sua apreciação.” CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Introdução à História do Direito – Estados Unidos X Brasil. IBRADD, CESUSC, p. 24. 2001. 24 [...] as características tradicionais da common law são muito diferentes das da família de direito romanogermânica. A common law foi formada pelos juízes, que tinham de resolver litígios particulares, e hoje ainda é portadora, de forma inequívoca, da marca desta origem. A regra de direito da comoon law, menos abstrataque a regra de direito da família romano-germânica, é uma regra que visa dar solução a um processo, e não formular uma regra geral de conduta para o futuro. DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. Trad Hermínio A. Carvalho. São Paulo. Ed. Martins Fontes p. 19. 1998. 25 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A Desconsideração da Personalidade Jurídica (disregard doctrine) e os Grupos de Empresas. Rio de Janeiro. Ed. Forense. p. 80. 2000. 26 CEOLIN, Ana Caroline Santos. Abusos na Aplicação da Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 8. 222 tradição positivista da magistratura e ausência de leis que autorizassem a aplicação desse novo instituto. 3.3 OS CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA A APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E OS POSTULADOS DE ROLF SERICK Conforme é o magistério de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho27, os fundamentos dogmáticos que fundamentam a doutrina da Desconsideração da Personalidade Jurídica foram dados pela obra do alemão Rolf Serick, em trabalho apresentado na década de 50, cujo modelo passou a ser debatido e discutido em todo o mundo. Fábio Ulhoa Coelho28 destaca que Rolf Serick observando, de forma científica, vários julgamentos proferidos pelo judiciário estadunidense, nos quais se optou por desconsiderar a personalidade jurídica com o intuito de se realizar uma decisão justa, sistematizou tal procedimento em sua tese de doutorado, a qual foi defendida em 1953 perante a Universidade de Tübingen, na Alemanha. Assim, Rolf Serick identificou um padrão que fundamenta tais decisões, consubstanciada nos seguintes atos: A) o Abuso de Direito; B) a Fraude (em sentido amplo). Fábio Ulhoa Coelho29 observa que o trabalho de Rolf Serick direciona à quatro postulados básicos, que são 1) o juiz, diante de qualquer ato que, por meio do instrumento da pessoa jurídica, vise frustrar a aplicação da lei ou cumprimento contratual, ou, ainda, prejudicar terceiros de modo fraudulento, deve desconsiderar o princípio da separação entre o sócio e pessoa jurídica; 2) a simples frustração de crédito devido por pessoa jurídica não é hipótese autorizadora da teoria em comento; 3) para o atendimento dos pressupostos da norma jurídica, devem-se levar em conta as pessoas físicas que agiram pela pessoa jurídica; 4) não se pode admitir negócio jurídico realizado consigo mesmo, ou seja, aquele realizado entre um sócio (pessoa natural) e a pessoa jurídica da qual é membro. 3.4 A RECEPÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PELO DIREITO BRASILEIRO Conforme lembra Fábio Ulhoa Coelho30, no Brasil, apesar dos obstáculos, o debate sobre a aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica teve origem em torno do estudo realizado por Rubens Requião e apresentado na Universidade Federal do Paraná, em 196931. Após a apresentação do trabalho de Rubens Requião, o tema passou a ser debatido e sofreu um amadurecimento. Segundo é o relato de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald32, com o amadurecimento do tema em sede doutrinária, passou-se a observar os primeiros julgados, porém ainda sem base legal específica. 27 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, Volume I: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 227. 28 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial, Vol. 2. 14ª ed. Ed. Saraiva. São Paulo. 2010. p. 41. 29 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial, Vol. 2. 14ª ed. Ed. Saraiva. São Paulo. 2010. p. 37. 30 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial, Vol. 2. 14ª ed. Ed. Saraiva. São Paulo. 2010. p. 38. 31 Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. 32 CHAVES DE FARIAS, Cristiano. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. p. 315. 223 Conforme destaca Fábio Ulhoa Coelho33, o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8078/9034, foi o primeiro dispositivo legal a se referir, de maneira expressa, à Desconsideração da Personalidade Jurídica no Brasil. Após a Lei nº 8078/90, o Código de Defesa do Consumidor, entraram em vigor no Brasil outras leis que estabeleceram a aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica em sede de seus respectivos microssistemas. É o caso da Lei 8.884/97, Lei Antitruste, que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, a qual, em seu art. 18, se refere à Desconsideração da Personalidade Jurídica. Posteriormente veio a Lei 9.605/98, Lei de Crimes Ambientais, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, a qual, em seu art. 4º se refere à aplicação da técnica da Desconsideração da personalidade Jurídica, cujo inteiro teor e críticas serão apresentados mais adiante. Porém, em que pese a existência anterior dos dispositivos legais mencionados anteriormente, foi somente a partir da entrada em vigor do atual Código Civil, Lei 10.406/02, que a legislação brasileira, conforme destaca César Fiuza35, incorporou o verdadeiro “espírito” da Desconsideração da Personalidade Jurídica, conforme se verifica pela transcrição de seu art. 50, a seguir: Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Muito embora o art. 50 do Código Civil atual não se apresente em seu texto, de forma explícita, referência à Desconsideração da Personalidade Jurídica, não há dúvida de que sua disciplina regula tal instituto no âmbito das relações civis. Assim, pode-se entender, pela análise do texto legal acima citado, que o amadurecimento por que passou tanto a doutrina quanto a jurisprudência brasileira refletiu de forma positiva na lei, pois o texto normativo apresentado pelo art. 50 do Código Civil vai ao encontro dos postulados formulados por Rolf Serick, apresentados anteriormente, o que não se pode dizer dos dispositivos legais que entraram em vigor no Brasil antes de 2002. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho36 esclarecem que a legislação civil supracitada destaca, assim, os elementos necessários para que o juiz possa aplicar a Desconsideração da Personalidade Jurídica, que são: A) o Desvio de finalidade; B) a Confusão Patrimonial. No que se refere ao primeiro caso, ao se perseguirem fins não previstos contratualmente, desrespeita-se também a função social que a pessoa jurídica deve exercer. Quanto ao segundo elemento, ocorre confusão patrimonial quando o patrimônio da pessoa jurídica é misturado com o patrimônio de seus sócios ou administradores. Ocorre que, muito embora o art. 50 do Código Civil de 2002 tenha disciplinado a matéria atinente à Desconsideração da Personalidade Jurídica de forma criteriosa, os legisladores, de uma forma geral, ainda carecem de um entendimento preciso sobre a matéria. 33 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial, Vol. 2. 14ª ed. Ed. Saraiva. São Paulo. 2010. p. 50. 34 BRASIL. Código Defesa do Consumidor. Obra Coletiva de autoria da Editora Saraiva com elaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 722. 35 FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. Ed. Del Rey. Belo Horizonte. 2010. p. 157. 36 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume I: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 232-233. 224 É o que se pode observar pela análise do art. 34 da Lei 12.529/11, a chamada lei do Super CADE, a qual insiste na prática de ato ilícito como fundamento para a aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica, o que, como visto, não se constitui, de fato, em critério objetivo para a aplicação da referida técnica jurídica. Porém, em que pese existirem já vários dispositivos legaisno Brasil que, de forma expressa, tratam da Desconsideração da Personalidade Jurídica, Fábio Ulhoa Coelho37 assevera que: A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica independe de previsão legal. Em qualquer hipótese, mesmo naquelas não abrangidas pelos dispositivos das leis que reportam ao tema (Código Civil, Lei do Meio Ambiente, Lei Antitruste ou Código de Defesa do Consumidor), está o juiz autorizado a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica sempre que ela for fraudulentamente manipulada para frustrar interesse legítimo do credor. Por outro lado, nas situações abrangidas pelo art. 50 do CC e pelos dispositivos que fazem referência à desconsideração, não pode o juiz afastar-se da formulação maior da teoria, isto é, não pode desprezar o instituto da pessoa jurídica apenas em função de desatendimento de um ou mais credores sociais. Portanto, conforme é o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho, nos casos não contemplados de forma expressa em lei, mesmo assim a Desconsideração da Personalidade Jurídica poderá ser aplicada, uma vez presentes os pressupostos que a fundamentam. Para concluir esse ponto, é oportuno acrescentar que o Projeto de Lei nº 1.572/2011, em tramitação no Congresso Nacional, que deve instituir no Brasil um novo Código Comercial, prevê, em seu art. 128, a Desconsideração da Personalidade Jurídica nos seguintes termos: Art. 128. Em caso de fraude perpetrada por meio da autonomia patrimonial da sociedade empresária, o juiz poderá ignorar a personalidade jurídica própria desta para imputar a responsabilidade ao sócio ou administrador. § único. A confusão patrimonial ou o desvio de finalidade importam a presunção relativa de fraude. Sendo assim, verifica-se que o instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica no Brasil se consolidou e deve se reafirmar com a aprovação e entrada em vigor do novo Código Comercial. É importante ressaltar que não é objetivo do presente artigo discorrer de forma mais detida sobre os diversos dispositivos legais referentes à Desconsideração da Personalidade Jurídica e sim apresentá-los de forma geral e ilustrativa, pois na última parte deste trabalho o foco será direcionado à regra específica contida na Lei de Crimes Ambientais, no que se refere à aplicação da técnica em comento. 4 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ÂMBITO DO DIREITO AMBIENTAL 4.1 A LIVRE INICIATIVA E O PRINCÍPIO DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE Conforme já referido anteriormente e de acordo com o magistério de Fábio Ulhoa Coelho38, a Livre Iniciativa é o combustível, o alimento de toda a economia capitalista e está 37 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial, Vol. 2. 14ª ed. Ed. Saraiva. São Paulo. 2010. p. 55. 225 focado, justamente, no entendimento de que o motor da economia está centrado na iniciativa dos particulares em empreender atividades econômicas e produzirem riquezas. Em uma economia capitalista como a brasileira, ao Estado, portanto, cabe tão somente regular, disciplinar o desenvolvimento de atividades econômicas sem, contudo, freá-lo. Porém, o Princípio da Livre Iniciativa, um dos fundamentos da República (art. 1º, IV da CRFB), não confere ao empreendedor atuação ilimitada. O art. 170 da CRFB disciplina que a ordem econômica tem por fundamento a Livre Iniciativa harmonizada com a valorização do trabalho, sendo ainda pautada pela observância de determinados Princípios, dentre os quais está o da Defesa do Meio Ambiente. Sendo assim, a liberdade de iniciativa em implementar e desenvolver uma atividade econômica, que é pela CRFB garantida aos empreendedores particulares, deve respeitar, entre outros valores caros á sociedade brasileira, a Defesa do Meio Ambiente. Então, por tal ótica, a atividade empresarial, a qual deve ser incentivada e garantida pelo Princípio da livre Iniciativa, encontra limites quando esta, por sua atuação, vem a causar danos ao meio Ambiente. 4.2 O DANO AMBIENTAL Inicialmente se deve destacar que o Dano Ambiental, por suas especificidades, possui características próprias e, portanto, se diferencia do dano tradicional. Isto se dá, principalmente, em razão de que este infringe deterioração a um bem considerado de uso comum, de toda a coletividade humana, o qual se constitui em bem incorpóreo, imaterial, autônomo e insuscetível de apropriação exclusiva. Trata-se, portanto, de um direito difuso, sendo que do uso deste bem ambiental decorre também um dever de preservação do mesmo, visando às gerações presentes e futuras. Não sendo objeto do presente artigo tratar, de forma ampla, a cerca da natureza do Dano Ambiental, cabe portanto, tão somente, trazer um conceito para Dano Ambiental para após discorrer sobre a sua reparação e a possibilidade de responsabilização dos sócios ou administradores de uma sociedade empresária por tais danos. Sendo assim, apresenta-se o conceito de Dano Ambiental formulado por Sandro D’Amato Nogueira39: [...] é um prejuízo causado por um agente ao meio ambiente, ou seja, a modificação ou alteração danosa a um bem ambiental, que muitas vezes, pelos seus resultados, o bem ambiental não poderá voltar ao status quo, ou seja, como antes era o bem, pois o dano poderá ser irreversível. Desta forma, se pode concluir, sinteticamente, que o Dano Ambiental se configura em um prejuízo causado a um bem específico, qual seja, o meio ambiente. 4.3 O DEVER DE REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL Porém, por regra geral contida junto ao art. 927 do Código Civil, se alguém causar dano ou violar direito, de tal pratica emerge o dever de reparação. Em específico, a reparação de danos causados ao meio ambiente está disciplinada no art. 225, § 3º da CRFB e também junto ao art. 4º, VII, da Lei 6.938/81. A seu turno, a Lei 6.938/81, em seu art. 4º, VII, estabelece que um dos objetivos da Política Nacional de Meio Ambiente será, justamente, imputar ao poluidor e predador, a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos por ele 38 COELHO, Fábio Ulhoa. Princípios do Direito Comercial. Ed. Saraiva. São Paulo. p. 28. 2012. 39 NOGUEIRA, Sandro D’Amato. Direito Ambiental. Coleção Estudos Direcionados. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 17 226 causados ao meio ambiente. Portanto, ambas as imposições constantes no referido dispositivo buscam infringir um custo ao agente que causar dano ao meio ambiente. De acordo com Edis Milaré40: A reparação ambiental, como qualquer outro tipo de reparação, funciona através das normas de responsabilidade civil, que por sua vez, pressupõe prejuízo a terceiro, ensejando pedido de reparação do dano, consistente na recomposição do bem ambiental ao e stado em que se encontrava antes de ser atingido ou numa importância em dinheiro (indenização). Sendo assim, uma vez causado um dano ao meio ambiente deverá ser imputado ao agente causador o dever de reparação e/ou indenização. 4.4 A DISCIPLINA DO ART. 4º DA LEI 9.605/98 E A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ÂMBITO DO DIREITO AMBIENTAL A Lei 9.605/98, Lei de Crimes Ambientais, já citada anteriormente, adotando o critério de estender a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente às pessoas físicas mandatárias das pessoas jurídicas causadoras do respectivo dano, autoriza a Desconsideração da Personalidade Jurídica de tal ente personificado, nos moldes estabelecidos em seu art. 4º, como se verifica a seguir: Art. 4º. Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Em atenção ao imperativo constitucional contido no inciso VI do art. 170 da CRFB, a Defesa do Meio Ambiente se apresenta como um Princípio Constitucional, ao qual a Livre Iniciativa deve respeitar. Assim, em atenção à ordem constitucional, a liberdade de empreendimento em atividade econômica há que ser interpretada de forma ampla, porém não ilimitada, encontrando limites no que dispõe a própria constituição, a qual apresenta, entre outros princípios limitadores, a própria Defesa do meio Ambiente. Sendo assim, assiste razão ao legislador infraconstitucional quando estendea responsabilidade por danos causados ao meio ambiente às pessoas físicas protagonistas das ações praticadas pelas pessoas jurídicas. Ocorre, porém, que inobstante ao acerto do legislador ambiental em imputar responsabilidade aos mandatários das pessoas jurídicas por Danos Ambientais decorrentes da ação das pessoas jurídicas por elas administradas, este foi infeliz quando autorizou a realização de tal objetivo por meio da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Responsabilizar administradores de pessoas jurídicas por atos praticados pelo respectivo ente personificado não se trata, necessariamente, de Desconsiderar a Personalidade Jurídica. Ana Caroline Santos Ceolin41 destaca que “malgrado a igualdade finalística, os institutos da desconsideração da pessoa jurídica e da responsabilidade pessoal dos administradores não se confundem e devem ser amplamente diferenciados”. Ao apresentar como critério para se ignorar a autonomia da pessoa jurídica a mera insatisfação de crédito perante o patrimônio do ente personificado, autorizando-se assim a responsabilização da pessoas físicas que a integram, o legislador afastou-se dos critérios básicos e objetivos fundantes da chamada Teoria da Desconsideração da Personalidade 40 Milaré, Edis. Direito do Ambiente. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 420 41 CEOLIN, Ana Caroline Santos. Abusos na Aplicação da Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica. Belo Horizonte. Ed. Del Rey. 2002. p. 12. 227 Jurídica, desenvolvidos pela jurisprudência do Direito Anglo-saxônico e contidos nos postulados sistematizados por Rolf Serick, aos moldes aprestados no item nº 2 deste artigo. Sendo assim, em que pese ter apresentado aqui a concordância com o legislador ambiental em autorizar a responsabilização das pessoas físicas mandatárias das pessoas físicas causadoras de Dano Ambiental, não se pode, por outro lado, concordar com a opção de se alcançar tal objetivo por meio da Desconsideração da Personalidade Jurídica, em razão de sua inteira incompatibilidade com os preceitos teóricos e estruturantes de tal técnica jurídica. Ou seja, se por um lado acertou o legislador ambiental ao permitir a responsabilização das pessoas, físicas ou jurídicas, integrantes dos entes personificados causadores de danos ambientais, por outro, o caminho que optou para a concretização de tal objetivo não se mostra adequado, por total incompatibilidade para com os postulados justificadores da aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Sendo assim, a responsabilização de membros de pessoas jurídicas por Danos Ambientais praticados por esta não deve ser considerada como aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica, apesar de o texto normativo contido no art. 4º da Lei 9.605/98 assim tratar, mas sim como uma forma de responsabilização objetiva de integrantes de pessoas jurídicas por atos praticados em nome do ente personificado, isto em virtude dos elevados princípios que resguardam o meio ambiente. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente artigo científico procurou discorrer de forma crítica sobre a adoção da Desconsideração da Personalidade Jurídica como forma de reparação de Danos causados ao meio ambiente por ação de Sociedades Empresárias enquanto entes personificados. Para alcançar o objetivo principal do presente artigo, realizou-se um estudo acerca da personificação das Sociedades Empresárias e a consequente autonomia patrimonial gerada a partir desta personificação. Posteriormente foi apresentado estudo referente aos critérios para aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica como regra de exceção desta autonomia. Por fim, procurou-se apresentar uma análise crítica referente à adoção da Desconsideração da Personalidade Jurídica por parte da legislação ambiental. Ao longo da pesquisa se constatou que a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica apresenta, como critérios objetivos para a sua aplicação, alguns postulados que foram sistematizados por Rolf Serick em sua tese de doutorado apresentada em 1953. Sob a perspectiva dos postulados formulados por Rolf Serick foi analisada a adoção da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica pela legislação ambiental, verificando-se que a referida técnica jurídica não é adotada no âmbito do Direito ambiental de forma a obedecer tais critérios objetivos. Sendo assim, o estudo é finalizado com a formulação da crítica no sentido de que a responsabilização de membros da pessoa jurídica causadora de Danos Ambientais, autorizada pela legislação ambiental, não se trata, portanto, de adoção da teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, mas sim de responsabilização direta de administradores, instituto que, embora possua igualdade finalística, apresenta fundamentos diversos e, por isso, deve ser amplamente diferenciado. Ao encerrar o presente artigo, constata-se que seus objetivos foram alcançados, muito embora o tema seja profundamente amplo o que motiva a continuidade da pesquisa. Por sua vez, as hipóteses apresentadas na Introdução foram plenamente confirmadas. 228 REFERÊNCIAS CAMPINHO, Sérgio. O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Ed. Renovar. 3ª ed. Rio de Janeiro. 2003. CEOLIN, Ana Caroline Santos. Abusos na Aplicação da Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica. Belo Horizonte. Ed. Del Rey. 2002. 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