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[Direito] Doutrinas Essenciais Responsabilidade Civil [Volume II]

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18/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 1/7
Pressupostos para a compreensão da estrutura
axiológica do moderno direito de obrigações
PRESSUPOSTOS PARA A COMPREENSÃO DA ESTRUTURA AXIOLÓGICA DO
MODERNO DIREITO DE OBRIGAÇÕES
Revista dos Tribunais | vol. 897 | p. 9 | Jul / 2010
Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos | vol. 1 | p. 715 | Jun / 2011
Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil | vol. 2 | p. 25 | Out / 2011DTR\2010\234
Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery
Livre-docente, Doutora e Mestre em Direito Civil pela PUC/SP, onde leciona Direito Civil na
Graduação e Pós-graduação. Desembargadora do TJSP.
 
Área do Direito: Civil
 
 
Resumo: Apesar do direito de obrigações se organizar sob um sistema, lógico e axiológico, não é
fácil compreender todas as instituições jurídicas novas e complexas, geradas pelo trato social da
experiência moderna do direito. Com base nisso, o artigo aborda os pressupostos que possibilitam
o entendimento da estrutura axiológica do direito de obrigações. Para tanto, são estudados a
experiência humana sobre eles, o princípio da imputação civil de danos, a lealdade funcional do
vínculo obrigacional, a obrigação natural, as relações contratuais de fato, a autonomia privada,
além da proporcionalidade das prestações, como ideias geradas pela assunção de obrigação.
 
Palavras-chave: Direito de obrigações - Estrutura axiológica - Pressupostos - Direito moderno
Abstract: Although the law of obligations is organized under a logical and axiological system, it is
not easy to understand all the new and complex legal institutions, social interaction generated by
the modern experience of law. On this basis, the article examines the assumptions that enable the
understanding of the structure axiological law of obligations. For this purpose, it is studied the
human experience on them, the principle of attribution of civil damages, loyalty obligatory
functional relationship, the natural obligation, contractual relations in fact, individual autonomy,
and the proportionality of benefits, as ideas generated by the assumption of obligation.
 
Keywords: Law of obligations - Axiological structure - Presuppositions - Modern law
Sumário:
 
1.Experiência humana do direito de obrigações - 2.Princípio da imputação civil dos danos -
3.Solidariedade. Lealdade funcional do vínculo obrigacional - 4.Obrigação natural - 5.Relações
contratuais de fato - 6.Autonomia privada - 7.Proporcionalidade das prestações. Relação jurídica
de razão - 8.Conclusão - 9.Bibliografia
 
1. Experiência humana do direito de obrigações
Em Direito Civil, mais frequentemente do que em outras áreas do Direito, costuma-se usar a
expressão sistema, para significar o ordenamento conjunto dos fenômenos e relações para o
cumprimento dos fins individuais e sociais da existência humana, dentro do contexto social. E esse
sistema é fruto da evolução histórica, de novos estados de cultura, de transformações contínuas
a que estão submetidos os fenômenos humanos. Deve-se estudar o Direito na vida, para que se
não se degenere em abstração, mas não se pode, nem se deve desconhecer a Ciência, que tem
condições de inspirar com princípios a compreensão desses fenômenos da trajetória cultural da
existência humana. E a função da ciência é a de organizar o dado real sob uma determinada
axiologia, sem que o fenômeno jurídico se perca em intelectualismo malsano y servilismo legal. 1
O direito de obrigações também se organiza sob um sistema, lógico e axiológico, e mesmo assim
não é fácil compreender sob os conceitos de institutos jurídicos bem sedimentados, por tradições
culturais milenares, todas as instituições jurídicas novas e complexas, geradas pelo trato social da
experiência moderna do direito.
São muitas as novidades que merecem meditação, compreensão e disposição de realização
científica desses fenômenos de direito obrigacional, cuja marca central é a de conferir a uma
pessoa um poder sobre a esfera do patrimônio de outra, para exigir-lhe uma prestação de cunho
econômico. E o vínculo obrigacional tem essa característica bipolar: (a) de um lado, o aspecto
ativo do vínculo, relacionado com credor, ou seja, com aquele que tem o título do poder de
exigência sobre o outro (o que tem o crédito); (b) de outro lado, o aspecto passivo do vínculo,
relacionado com o devedor, ou seja, com o que tem o título da prestação para com o outro (o que
tem o débito).
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2. Princípio da imputação civil dos danos
A primeira ideia gerada a partir da obrigação assumida, é voltada para a análise da natureza do
poder de que se reveste aquele que pode exigir do devedor o cumprimento dela. O vínculo que une
o credor e o devedor, fruto dos fatos ou da vontade realizada, provoca consequências marcantes
na trama jurídica das situações vivenciais dos sujeitos das relações obrigacionais e isto já foi
objeto de diferentes formas de abordagem durante o curso da formação histórica do pensamento
jurídico, porque a marca institucional do sistema de direito de obrigações decorre da possibilidade
de o credor poder satisfazer seu crédito, sujeitando o patrimônio do devedor.
Dois aspectos diferentes marcaram a qualidade do vínculo obrigacional e suas consequências, ao
longo da história: (a) um primeiro, antigo, marcado pelo fato de que o devedor respondia com seu
corpo (vida, liberdade) pela dívida; (b) outro, moderno, de que apenas o patrimônio do devedor
era tangível pelo credor. "O incontestável é que a Lex Poetelia Papiria de nexi, seu nome por
inteiro, advinda no ano 314 a.C., segundo Varrão, ou do 327, segundo Lívio, constitui o divisor das
duas concepções". 2
Ainda que não se queira ligar o conceito de obrigação à ideia proposta por algumas teorias, de que
a obrigação seria uma relação entre uma pessoa (o credor) e um patrimônio (o do devedor), 3o
fato é que a marca significativa do direito de obrigações é essa mesma, de impor ao devedor o
receio de submeter-se à execução forçada de seu patrimônio, 4por ter ficado adstrito para com o
credor à realização de uma prestação. 5É nesse sentido que o Código Civil português, em seu art.
397.º conceitua obrigação e é nesse sentido que deve ser, por primeiro, apreciado o conteúdo da
obrigação: sob o aspecto do que se entende por princípio da imputação civil dos danos, princípio
fundamental de direito privado.
O princípio da imputação civil dos danos implica isso: a característica mais importante do direito de
crédito é permitir ao credor a excussão do patrimônio do devedor para a satisfação de seu direito,
caso haja inadimplemento por parte do devedor. Tal poder de excussão, nos limites do exercício
desse direito, dá-se pelas formas processuais do exercício das denominadas ações de
conhecimento, se o credor não tem a precisão do quantum que lhe é devido; pelo exercício das
denominadas ações de execução se o quantum devido já é precisado por liquidez, acrescido ainda
à certeza e à exigibilidade da prestação.
3. Solidariedade. Lealdade funcional do vínculo obrigacional
A segunda ideia gerada pela de obrigação se liga à elaboração dos conceitos de contrato e de
responsabilidade civil que, por sua vez, está impregnada do elemento boa-fé. Mais do que nunca,
como sempre e mais agora, o conceito de obrigação é condicionado pelo de boa-fé. Essa
concepção vem sendo paulatinamente compreendida pela doutrina e pela jurisprudência, por
ocasião dos embates político-jurídicos de compreensão do fenômeno da revisão dos contratos,
principalmente a partir dos períodos de recessão econômica que se evidenciaram após as grandes
guerras do século XX, em que se aclarou a percepção de que na revisão dos contratos "o
argumento dominante é a boa-fé ou a regra moral segundo a qual não é lícito a um dos
contraentes aproveitar- -se das circunstâncias imprevistas e imprevisíveissubsequentes à
conclusão do contrato para onerar o outro contratante além do limite em que ele teria consentido
em se obrigar". 6Hoje, na vigência do Código Civil brasileiro de 2002, a imprevisão não é requisito
essencial para a revisão dos contratos, porquanto incidem também, alargando a perspectiva da
abordagem do tema, as cláusulas gerais da função social do contrato (art. 421, CC/2002) e da
boa-fé objetiva (art. 422, CC/2002), ensejando a revisão pela quebra da base objetiva do negócio
jurídico, 7 independentemente da averiguação de incidência de qualquer aspecto subjetivo durante
a execução do contrato.
A cláusula geral de boa-fé transportou o intérprete para outras consequências. Mais e mais o
direito privado abandonou a perspectiva exclusiva e finalística da busca pelo ter e manter para
aportar sua pertinência teleológica na comunhão participativa dos riscos do viver em sociedade e,
por conseguinte, dos riscos das pesadas obrigações oriundas da responsabilidade civil contratual
ou aquiliana, e das consequências naturais do equilíbrio que se espera entre a dose necessária de
eficiência do sistema para ressarcir o prejudicado e, por outro lado, de preservar o mínimo do
patrimônio do devedor. 8E sob esse enfrentamento necessário dos influxos naturais do princípio da
solidariedade social.
4. Obrigação natural
A terceira ideia, que importuna o intérprete para a compreensão do direito de obrigações, é
relacionada com aqueles vínculos que não habilitam o credor à excussão do patrimônio do
devedor, como é o caso das obrigações naturais (judicialmente inexigíveis - art. 882, CC/2002),
desprovidas de sanção. São causas eficientes para justificar a conduta do devedor de delas se
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desincumbir, mas não aparelham os credores com os poderes próprios para a sujeição do devedor.
O Código Civil português, em seu art. 402.º, define a obrigação natural: "A obrigação diz-se
natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é
juridicamente exigível, mas corresponde a um dever de justiça". São hipóteses que fogem à
cadência natural do direito de obrigações, porque se põem como exceção ao princípio da
imputação civil dos danos.
5. Relações contratuais de fato
A quarta ideia, que também chama o observador à reflexão, decorre da circunstância de que o
princípio da autonomia privada precisa ser visto com outros olhos.
Na tradição do direito privado a autonomia privada exterioriza-se pelo negócio jurídico, como
declaração do ente privado, transformada em ato e atividade, dirigida a um fim protegido pelo
ordenamento jurídico. 9Pressupõe o direito como sistema, como fruto da experiência científica que
vai do magistério de Irnério até a pandectística de oitocentos, e pressupõe uma sociedade civil
organizada em função da vontade do sujeito. 10
Nesse sentido, a observação fundamental de Betti, para quem, no negócio jurídico, o sujeito não
se limita a declarar o que quer, mas viabiliza ao sujeito o poder de declarar a coisa que quer. Para
ele o essencial do negócio é o seu conteúdo precettivo; não é apenas manifestação do querer,
mas a busca dos "effetti ordinativi corrispondenti nella vita di relazione". 11
Ora, as circunstâncias de que, em nossa sociedade de massa, admite-se a existência de condutas
geradoras de obrigações que não se realizam exatamente pela mesma tradicional disposição
volitiva de alguém se obrigar, ou seja, que não decorrem exatamente de declarações de vontade
que se dirigem para a finalidade de celebrar negócios como o direito privado tradicionalmente os
concebia e que, também, existem obrigações nascidas a partir de cláusulas predispostas
unilateralmente, que não demandaram livre discussão entre os negociadores, ainda que
formalmente se diga que compõem a estrutura de um negócio jurídico bilateral, como se disse,
essas circunstâncias demandam uma outra reflexão.
São exemplos dessas hipóteses, respectivamente, os chamados contratos em massa
(Massenverträgen) e os chamados contratos de adesão, fenômenos que c ontribuíram para que o
moderno direito privado tivesse se servido de elementos coletivos (Kollektiven Elementen) 12para
sua estruturação.
Essas situações jurídicas que o sujeito pode vivenciar, de certa forma fogem da compreensão
tradicional de que o vínculo obrigacional é fruto da expressão da liberdade negocial, sem contar as
numerosas ocasiões em que a obrigação de prestar aparece como fruto dos mecanismos capazes
de permitir verdadeira cooperação social, ou decorrentes de instrumentos de estruturação do
sistema, que guardam relação com a efetividade do negócio e não, exatamente, com a liberdade
contratual das partes, como é o caso, nos contratos de direito privado internacional, das regras
de contratos-tipo, de contratos como os do tipo "cartões de crédito", das cláusulas comerciais
dos incoterms, das condições homogêneas de documentos de crédito ou de condições
homogêneas de cobrança, assim como é o caso daquilo que se costuma denominar de "relações
contratuais de fato". 13
Guardadas as devidas diferenças, tudo isto se insere na sequência paulatina de uma evolução
cultural que tem como ponto central a forma pela qual o credor conseguirá fazer valer seu poder
de dominação sobre o patrimônio do devedor. E isto remonta a um tempo em que não eram todos
os vínculos que geravam ação e, por isso, não eram todos os contratos que permitiam a execução
da dívida. Desde remoto tempo, das distinções entre actiones bonae fidei e actiones stricti iuris,
no Direito Romano, celebra-se a evolução de que "relações" similares aos "contratos" desafiam,
também, proteção jurídica. Tanto que a marca das actiones bonae fidei era, justamente, o fato de
elas se constituírem em ações nelle quali al giudice è permessa una certa latitudine di giudizio per
vedere l'ammontare di quanto il debitore deve al creditore. 14Em certa medida, é exatamente
como hoje tem que ocorrer - em pleno terceiro milênio - com os fenômenos jurídicos de direito de
obrigações em que é necessária a intervenção do juiz para compreender pontos relativos à força
obrigatória do vínculo obrigacional, da qualidade do poder de excussão do credor, bem como de
seus limites. Provam isso mecanismos legais modernos como os dos arts. 421, 422 e 2.045 do CC/
2002 brasileiro, que celebram outra incidência axiológica, da lealdade funcional dos institutos, do
sistema e da ciência.
Por isso que, em grande parte dos fenômenos que interessam ao direito de obrigações, essa
realidade supera a classificação tradicional do contrato como fruto exclusivo de expressão da
liberdade, classificação essa que sempre buscou compreendê-la (liberdade) como a causa motriz
do fenômeno do vínculo obrigacional, para hoje aportar numa constatação mais singela, da
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obrigação nascida a partir de um vínculo, que não necessariamente decorre, com exclusividade, da
autonomia privada.
E o curioso desse fato é que se pode continuar considerando a obrigação a partir da situação
jurídica vivenciada pelos sujeitos, do vinculum iuris "que se estabelece entre as pessoas, tendo
por objeto coisas corpóreas e incorpóreas". 15O que muda é a principiologia que está por detrás
do fenômeno gerador do vínculo. Se se parte de:
a) elementos puramente individuais (que desafia o princípio da autonomia da vontade), produz-se
a geração de vinculum iuris (ex voluntate) decorrente da liberdade e, por conseguinte, o dever de
prestar;
b) elementos (também) coletivos (massificação da vontade que desafia também os princípios da
solidariedade social e da boa-fé objetiva), produz-se a geração de vinculum iuris (ex voluntate
mais elementos ex re ou, também, ex lege) oriundo da vontade e de expressões coletivas e, por
conseguinte, o dever de prestar.
6. Autonomia privada
Todosesses são temas que desafiam uma concepção moderna do princípio da autonomia privada.
O que se não pode permitir é que para expressões de vínculos ex voluntate, se deixe de aplicar o
princípio da autonomia privada; ou então, que para hipóteses de vínculos nascidos, também, ex re
ou ex lege, se deixe de aplicar os princípios da solidariedade social e da boa-fé objetiva.
Tudo é uma questão de ver a estrutura sistêmica do direito a partir de pressupostos axiológicos e
não meramente conceituais. 16
7. Proporcionalidade das prestações. Relação jurídica de razão
Um último aspecto, talvez o mais importante, do direito de obrigações, resulta da investigação
sobre a base objetiva do negócio realizado. A tradição do sistema de direito privado é a de
analisar o conteúdo do negócio jurídico a partir da volição das partes, ou seja, sob o seu aspecto
subjetivo. O conceito de relação jurídica é trabalhado como uma relação entre pessoas e, por
isso, o fundamental do jurídico é esse seu aspecto: " Rechtsverhältnis als Rechtsbeziehung
zwischen Personen" (relação jurídica como vinculo jurídico entre pessoas). 17
Somos herdeiros, em certa medida, da escola de Savigny, para quem a obrigação consistia
principalmente na dominação parcial do credor sobre a vontade do devedor.
Mas prestação é um comportamento que tem potencialidade para propiciar o aproveitamento legal
de determinado bem da vida por um sujeito, que se diz credor, e que se coloca em condições
jurídico-objetivas de impor a outrem (o devedor) o dar, o fazer, ou o não fazer necessários à sua
satisfação. Segundo a prescrição do art. 398.º, segunda parte, do CC português, "a prestação
não necessita de ter valor pecuniário; mas deve corresponder a um interesse do credor, digno de
protecção legal".
Esse conceito, perfeitamente compatível com a própria realidade científica do direito de
obrigações e com as decorrências do princípio da autonomia privada - com a liberdade da vontade
declarada, com a igualdade das partes, com a ausência de entraves que possam macular a volição
do sujeito - não excluem o necessário enfrentamento do aspecto objetivo do negócio. Nossos
autores tradicionais não se esquecem desse aspecto: "Vínculo outra coisa não é que a exacta
prestação, do modo estipulado, leal, não outro, do objeto da obrigação, o adimplemento é
naturalmente o escopo que a obrigação mira e a um tempo a causa normal de sua extincção, e a
lealdade e a boa-fé constituem a alma das relações sociaes" (grifei). 18Obrigação é vínculo jurídico
puramente patrimonial pelo qual "alguém é adstricto a dar, ou fazer, alguma coisa. Aquelle que
assim fica adstricto, chama-se devedor; o outro a quem compete o direito correspectivo, chama-
se credor". 19
Por trás de todo negócio jurídico há, portanto, a par de seu arcabouço de vínculo subjetivo, um
aspecto objetivo a ser realçado, relacionado com a prestação devida pelas partes, uma com
relação a outra, prestação que deve ser, principalmente nos denominados negócios de cunho
comutativo, proporcionalmente exigida. O maior peso da obrigação está no objeto da prestação.
A doutrina da proporcionalidade das prestações inspira a funcionalidade do direito à proteção
daquele que, ao contratar, possa ter ficado desfavorecido com o contrato, a partir das
disparidades suscitadas por interesses em torno do objeto da prestação.
Na verdade, não se pode negar a importância socioeconômica da estrutura jurídico-sistemática do
contrato, pena de ver-se comprometida a segurança da vida do direito, a estabilidade da
economia e a própria essência da liberdade humana, pois uma base econômica "inspira e
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condiciona as relações jurídicas negociais" 20e o cumprimento exato do contrato "pressupõe a
existência e o normal desempenho do que, em linguagem analógica, se poderia chamar equilíbrio
homeostático entre a vontade negocial e o seu entorno. Em que consiste este equilíbrio? Consiste
em que entre a exigibilidade da obrigação e a vontade de se obrigar subsiste uma correlação tal
de interesses, sem a qual o particular não teria assumido o vínculo nem o Estado imposto sua
observância compulsória". 21
A busca da efetiva proporcionalidade das prestações devidas em virtude de obrigação assumida,
fruto do princípio da dignidade humana, é o tema que dá sustentáculo lógico ao debate em torno
de princípios como o da solidariedade social e da boa-fé objetiva; é o mote estrutural de institutos
como a responsabilidade objetiva e a base objetiva do negócio; é a forma como melhor se pode
buscar a estruturação da denominada função social do contrato. 22
8. Conclusão
O direito de obrigações pressupõe, portanto, o direito como um sistema lógico e axiológico dentro
da sociedade organizada, que se interessa pelas relações entre as pessoas e busca garantir-lhes
segurança pessoal e social, principalmente considerando os bens e interesses sobre os quais o
homem pode exercer direitos, prevenindo ou solucionando os problemas econômicos, sociais ou
políticos que ele vivencia diuturnamente na sociedade.
O direito de obrigações se caracteriza pela possibilidade de o credor poder submeter o devedor à
execução forçada de seu patrimônio, por ter ficado adstrito para com o credor à realização de
uma prestação, que pode ter sido derivada, tanto da vontade livre dirigida para esse fim, como em
decorrência de uma situação jurídica de que lhe resultou responsabilidade civil.
O conceito fundamental do direito de obrigações é o vínculo obrigacional. E o vínculo obrigacional
possui duas diferentes vertentes lógicas:
a) uma, ligada a sua natureza subjetiva (relação pessoal), de que decorre a obrigatoriedade da
prestação, em virtude da liberdade da parte ou da realidade vivida pelos sujeitos, que os leva a
vivenciar situação jurídica de credor-devedor, acerca de uma prestação, no mundo fenomênico do
direito (é o aspecto subjetivo do vínculo);
b) outra, ligada à quantidade e à qualidade da prestação (relação de razão), sob cujo aspecto
identifica-se uma relação jurídica de razão, que se impõe para que seja decifrada a
proporcionalidade da prestação devida pelo devedor ao credor (é o aspecto objetivo do vínculo).
9. Bibliografia
Andrade, Manuel Domingues de. Teoria geral das obrigações. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1966.
Barros Monteiro, Washington de. Das modalidades de obrigações, Tese para professor titular, São
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Dantas, San Tiago. Programa de direito civil: parte geral. 4.ª tir. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1979.
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Nery, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade; Nery Junior, Nelson. Código Civil anotado e
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______. Vínculo obrigacional: relação jurídica de razão (técnica e ciência de proporção) - uma
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Noronha, Fernando.O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva,
1994.
______. Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações: introdução à
responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. vol. 1.
Peixinho, Manoel Messias et al (orgs.). Os princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro:
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Savatier, René. La théorie des obligations. 4. ed. Paris: Dallozs, 1979.
Scialoja, Vittorio. Corso di istituzioni di diritto romano. Roma: Anonima Romana, 1934.
Sidou, Othon. Três figuras controvertidas do velho direito: "vindex" - "nexus" - "abductus".
Estudos em homenagem ao Prof. Washington de Barros Monteiro. São Paulo: Saraiva, 1982, p.
285-305.
Trabucchi, Alberto. Istituzioni di diritto civile. 41. ed. Padova: Cedam, 2004.
Vampré, Spencer. Manual de direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia. vols. 1
(1920), 2 e 3 (sem data).
Villela, João Baptista. Plano Collor e a teoria da base negocial. Repositório IOB de Jurisprudência,
n. 19/90, out. 1990, p. 379-385.
 
 
 
1. "Non son malas las construcciones por sí, ni son funestos por sí los sistemas; lo son aquellos
que, por non tomar por punto de mira la realidad, no se ajustán á ella" (DIEGO Y GUTIÉRREZ,
Transmisión de las obligaciones según la doctrina y la legislación española y extranjera: la
transmisibilidad de las obligaciones, p. 31).
 
2. SIDOU, Othon. Três figuras controvertidas do velho direito: "vindex" - "nexus" - "abductus".
Estudos em homenagem ao Prof. Washington de Barros Monteiro, p. 301.
 
3. ANDRADE, Teoria geral das obrigações, p. 33.
 
4. Washington de Barros Monteiro diz que essa é a ideia central de obrigação que remanesce
desde os tempos mais remotos da história do Direito Romano, após a Lex Papiria: " pecuniae
creditae bona debitoris non corpus ab noxium esset" (BARROS MONTEIRO, Das modalidades de
obrigações, p. 10).
 
5. Por esse aspecto fala-se da eficácia jurídica do crédito, no sentido de que em favor do credor é
posta uma força pública para atender-lhe a demanda, fenômeno que define os contornos de seu
valor jurídico e de seu valor econômico. Assim: SAVATIER, La théorie des obligations, n. 141, p.
187.
 
6. CAMPOS, Revisão dos contratos: teoria da imprevisão. Direito civil, p. 8.
 
7. NERY; NERY, Código Civil anotado, comentários aos arts. 421 e 422.
 
8. V. sobre o tema, MORAES, O princípio da solidariedade. In: PEIXINHO; GUERRA; NASCIMENTO
FILHO (orgs.). Os princípios da Constituição de 1988, p. 181.
 
9. CALASSO, Il negocio giuridico, p. 34.
 
10. TRABUCCHI, Istituzioni di diritto civile, § 52, p. 130.
 
11. BETTI, Teoria generale del negozio giuridico, n. 3, p. 53.
 
12. LARENZ; WOLF, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, § 2, III, 2, 74, p. 44.
 
13. Larenz faz referência às Einheitlichen Bedingungen für Dokumenten-Akkreditiv (Era) e às
Einheitlichen Inkassobedingungen (Ira) (Idem, § 2, IV, 4, 120, p. 57). Noutra passagem, alude à
"relação" contratual de fato ( faktiches Vertragsverhältnis), admitindo a existência de condutas
geradoras de vínculos obrigacionais que independem da disposição volitiva de alguém se obrigar,
ou seja, que não decorrem de declarações de vontade que se dirigem para a finalidade de celebrar
negócios, apontando como exemplos dessas situações alguns fenômenos das relações de trabalho,
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de vínculos societários e daquilo que denominou de Dauerschuldverhältinis ("relações"
permanentes de dívida) (Idem, § 44, I, 8, 120, p. 826).
 
14. SCIALOJA, Corso di istituzioni di diritto romano, II, 16, 205.
 
15. DANTAS, Programa de direito civil: parte geral, p. 245.
 
16. Ver quanto a esse ponto a explanação de NORONHA, Direito das obrigações: fundamentos do
direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil, vol. 1, 1.8.2, p. 102-105.
 
17. LARENZ; WOLF, Op. cit., § 13, I, 2, 11, p. 255.
 
18. LACERDA (coord.), Manual do Código Civil brasileiro, vol. 10, p. 29.
 
19. VAMPRÉ, Manual de direito civil brasileiro, vol. 2, § 128, p. 269-270.
 
20. VILLELA, Plano Collor e a teoria da base negocial, p. 385.
 
21. Idem, ibidem.
 
22. V. sobre o tema, NERY, Vínculo obrigacional: relação jurídica de razão (técnica e ciência de
proporção) - uma análise histórica e cultural, Tese de livre-docência, São Paulo, PUC, 2004,
passim.
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IDÉIAS DO MUNDO ANTIGO. A EQUAÇÃO DO JUSTO
E O DIREITO DE OBRIGAÇÕES
IDÉIAS DO MUNDO ANTIGO. A EQUAÇÃO DO JUSTO E O DIREITO DE
OBRIGAÇÕES
Revista de Direito Privado | vol. 20 | p. 11 | Out / 2004
Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil | vol. 2 | p. 37 | Out / 2011DTR\2004\614
Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery
 
Área do Direito: Civil
 
 
; Fundamentos do Direito
Sumário:
 
1.Idéias do mundo antigo - 2.Negotia per æs et libram - Bibliografia
 
1. Idéias do mundo antigo
As idéias que são expostas neste artigo, longe de representarem um exercício filológico ou
semiótico de busca científica da linguagem perfeita, cuja empreitada não me vejo em condições
técnicas de realizar, evidenciam, na verdade, um esforço ético e hermenêutico de buscar
explicação para um aspecto da terminologia técnico-jurídica do direito de obrigações que, nesses
novos tempos, exige especial enfoque exegético, condizente com as finalidades atuais e urgentes
da aplicação dos institutos civis do sistema de direito de obrigações.
Busca-se na história a reconstrução do passado, para saber como o homem foi antes e pode ser
hoje, em razão de sua estrutura temporal, porque a história é a reafirmação mais solene e mais
plena da humanidade do homem; ela expressa a solidariedade co-existencial dos homens no seu
transcender comum em direção ao eterno. 1
E isto porque, muitas vezes, ao enfrentar o conteúdo de termos técnicos do Direito o jurista se vê
como quem descumpre um apelo natural da existência, relativo à formação do espírito de justiça,
que se formou na história e somente em confronto com a tradição pode desenvolver-se e, sem a
tradição, jaz como um continente sem conteúdo, pobre e sem sentido, quase uma mentira.
É assim, por exemplo, que se podem ver hoje termos utilizados em nossa vida jurídica: eqüidade,
dignidade do homem, vínculo jurídico, solidariedade, boa-fé. Palavras que rolam nas bocas e nos
argumentos jurídicos sem nenhum sentido, ou com muitos sentidos que se anulam, por causa da
perda do conteúdo cultural de que elas se revestem.
Enquanto os gregos reivindicavam para si o mérito de manejar a língua da razão - a língua pela
qual ensinaram ao mundo a descoberta da razão -, que foi o veículo de seu pensamento e de seu
discurso ( logos); enquanto novas línguas se formavam, lentamente, a partir do fim do século V de
nossa era; enquanto o hebraico foi reconhecido na Idade Moderna como a língua-mãe, língua que
correspondia à própria natureza das coisas, 2transformações espetaculares se desenvolviam no
seio da transposição das idéias da antiguidade para a modernidade.
Bem assim, os estudos da linguagem permitiram a afirmação de que o conteúdo das palavras, a
partir de suas seqüenciais representações e de suas constantes evoluções, não se prestou a
revelar tudo aquilo que no campo das idéias de ciências humanas e no das idéias da filosofia tinha
sido o mote de sua criação. Ao contrário, as palavras variaram de sentido conforme o pensamento
que as animou e conforme a intenção de quem pretendeu delas se utilizar. 3Tanto na linguagem
erudita e técnica, quanto na linguagem popular, vocábulos novos renomearam coisas velhas;
vocábulos velhos batizaram coisas novas e, o que se mostrou mais interessante e de difícil
compreensão, vocábulos velhos nomearam coisas novas e velhas com sentido diverso do de seu
conteúdo primitivo.
Mas, ainda que as palavras em seu sentido inicial tivessemse prestado a simplesmente adaptar-se
às necessidades materiais da existência humana, de acordo com a realidade dos antigos, ou ainda
que em seus primórdios a linguagem tivesse dependido de imagens concretas e de metáforas
("lógica poética" de Vico), as palavras também mantiveram uma simbologia reveladora de idéias
que vale a pena resgatar. Para Vico a língua de uma nação antiga é um grande testemunho dos
primeiros tempos porque, quando os homens não sabem a verdade das coisas, procuram ater-se
ao certo, eis que, não podendo satisfazer sua inteligência com a ciência, repousam a vontade na
consciência. E disto resulta a conclusão de que, enquanto a filosofia contempla a razão, donde
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vem o conhecimento da verdade, a filologia observa a autoridade do arbítrio humano, de onde vem
a consciência do certo. 4
E a simbologia da linguagem tinha esse caráter arbitrário e humano da consciência do homem.
Desse encontro da história e da filologia brotam idéias capitais contidas em alguns vocábulos,
ocultadas por novos usos, mas que ainda desafiam a curiosidade lógica da busca de seus
mistérios, de sua alegoria, de sua representação simbólica. Poder-se-ia dizer, com Hegel, que,
como um resultado engloba sempre o processo que o levou até ele, também a palavra nunca
rejeita totalmente os seus significados passados.
Ademais, a história nos mostra uma comunhão cultural dos povos antigos pela língua, reveladora
de estágios evolutivos da civilização 5e, por conseguinte, esclarecedora de chaves lógicas da
cultura antiga, fundamentais para a compreensão das ciências que se desenvolveram alicerçadas
naquelas idéias. Não sem razão dizer-se ter a filologia uma vocação de mediatriz da eternidade,
por nos fazer atravessar os anos e manter uma identidade não interrompida com as maiores e mais
nobres nações do mundo antigo. 6
O que se pretende aqui expor está relacionado com essa evolução civilizatória, com essa
exteriorização espetacular das conquistas humanas, com esse mínimo de ciência, de arte, de
ordem e de virtude7que passou a reger esse processo, como elemento de grande valia para
desvendar engrenagens lógicas de cultura. Está relacionado com essa biografia de idéias que
guarda o segredo da lógica da história do Ocidente.
O Direito, que também é fruto da civilização, contém temas de difícil intelecção. Entre tantos, um
dos que mais tem suscitado dificuldades para aplicação das normas e para a realização plena das
finalidades da ciência do direito, é aquele relacionado com a idéia de igualdade. Igualdade de
tratamento dos cidadãos pelo Estado; igualdade das partes contratantes; igualdade das partes no
processo; igualdade social; igualdade entre os povos.
Principalmente, é importante analisar a idéia de igualdade diante da idéia de liberdade e de
eqüidade nas relações negociais, num tempo de grandes desigualdades sociais, que é o que nos
interessa de perto compreender, neste momento. Já houve quem dissesse, com total acerto, que
o Direito como organismo evolui com o organismo social "e do mesmo modo que elle, seguindo a
marcha da história, movendo-se no tempo e no espaço atravez dos povos e dos paizes, surgindo
do plasma primitivo do facto ou do costume para especialisar-se nas regras legislativas e nos
códigos". 8
Dentro do sistema lógico do direito privado, essa questão não despertava tanta atenção porque a
busca da igualdade entre os contratantes sempre foi condição sine qua non para a própria
realização do negócio: é, e sempre foi, requisito fundamental para a existência e validade do
vínculo negocial. Poder-se-ia dizer, com tranqüilidade, que entre as disciplinas de direito privado o
direito de obrigações era seara exclusiva de igualdade e de liberdade porque a regra é de que o
direito privado se realiza plenamente com o exercício da igualdade e da liberdade, não carecendo
de nenhum outro acréscimo para sua efetividade específica.
O Direito Privado - e nisto está sua marca original - não se realiza a partir de mecanismos jurídicos
de organização de limitações impostas à liberdade do sujeito de direito; não se organiza a partir de
estruturas para prover técnicas que dêem solução aos efeitos nefastos das desigualdades de fato
já verificadas entre os sujeitos. Não. O direito privado sempre se estruturou a partir da liberdade
realizada, plena e inquestionavelmente realizada. Muitos institutos do direito privado sempre
tiveram como finalidade, especificamente, a de prevenir (com muita eficiência e com técnica
especial) conseqüências decorrentes de desigualdades de fato entre as pessoas. São exemplos
disso, os institutos civis da tutela, curatela, ausência, poder familiar, de um lado; os institutos
ligados à autonomia da vontade, como os sistemas de validade e invalidade do negócio jurídico;
ou, ainda, os institutos ligados à autonomia privada, os mecanismos de equilíbrio das prestações
devidas pelos obrigados (exceção de contrato não cumprido etc.) que, entre tantas outras
finalidades, tinham também como escopo a garantia da igualdade das pessoas no seio de suas
interações sócio-jurídicas, permitindo-lhes a vantagem de, sempre, em paridade de situações
jurídicas, realizar negócios.
Na atualidade, entretanto, essa tradicional estrutura lógica não basta.
Paradoxalmente, na mesma proporção em que o direito público avançou na técnica dos institutos
jurídicos para o resguardo da liberdade, o direito privado perdeu aquela marca de igualdade das
relações negociais. Nunca foi tão evidente a desigualdade real entre contratantes e tão
calamitosa a dificuldade de conciliar o binômio "liberdade de contratar e igualdade", principalmente
diante das contratações celebradas a partir de ofertas feitas em massa, ou de vínculos nascidos a
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partir de estipulações confeccionadas unilateralmente. E mais. Nunca foi tão comum o
reconhecimento de vínculos jurídicos obrigacionais sem que houvesse, sequer, prévia disposição
negocial entre as partes. E veja-se, repita-se, que a doutrina admite a existência de condutas
geradoras de vínculos obrigacionais que independem da disposição volitiva de alguém se obrigar,
ou seja, que não decorrem de declarações de vontade que se dirigem para a finalidade de celebrar
negócios, e que, também, existem vínculos obrigacionais nascidos a partir de cláusulas
predispostas unilateralmente, que não demandaram livre discussão entre os negociadores.
Tudo isso foi motivo da escolha metodológica da análise que é feita a seguir, a partir de
passagens importantíssimas da literatura latina que são de grande valor simbólico e de especial
conteúdo cultural para o início da compreensão de dois pontos nodais da ciência do direito e,
especialmente, do direito de obrigações: eqüidade e vínculo negocial.
Essas passagens referidas da literatura são os seguintes textos de Varrão: "a) Æquor mare
appelatum, quod æquatum quom commotum vento non est; 9b) Nexum Mamilius scribit, omne
quod per libram et æs geritur, in quo sint mancipia". 10
O primeiro texto a nos revelar o conteúdo simbólico do termo que gerou em nossa língua a palavra
eqüidade; o segundo a desvendar mistérios da qualidade do vínculo que une credor a devedor.
Pois bem. O cerne desse enfoque investigativo e comparativo é o de tentar, a partir de textos
clássicos, autorizados e originais, inserir o direito romano no contexto da fidelidade lógica do
pensamento antigo e o de tentar resgatar para esse ramo do conhecimento pontos fulcrais da
mesma lógica que norteia todas as coisas que concernem à harmonia do universo, ao menos, a
partir dessa visão mágica dos antigos, laicizadas depois pelos mecanismos racionais do direito
romano.
1.1 A harmonia do cosmos
Cornford sintetiza e explica de maneira excepcional a cosmogonia iônica. 11De seu relato primoroso
ressaltam idéiasbásicas da antiguidade, idéias que analisamos sob três aspectos para a
compreensão do processo cosmogônico: a) ordem do mundo; b) a existência de "contrários"
hostis; c) a existência de "contrários" que se harmonizam.
Ou seja: o princípio do universo é uma unidade, 12com forma única e natureza mista, em estado
de fusão de todas as partes que depois vão se diferenciar. Dessa unidade surgem forças que vão
separando as coisas em pares: quente e frio; úmido e seco. Da posterior interação entre os
opostos surgem novas combinações que acabam produzindo coisas vivas individuais. Antes de
tudo há o caos, a desordem primitiva, o abismo entre o céu em fogo e a terra, abismo que podia
ser descrito como "vazio" ou como ocupado pelo ar. 13
Essa cosmogonia não difere daquela que nos é transmitida pelo monoteísmo hebraico, que reteve
o Criador divino como causa primeira, 14pois a idéia de criação do cosmos, em todas as línguas
semíticas, parte também do caos aquático e do caos terrestre, e o oceano primevo tem
significação de abismo. A união entre o céu e a terra é um traço marcante da criação evolutiva. O
mesmo fenômeno pode ser verificado, também, em outras culturas, pois aparece nos mitos
cosmogônicos dos povos oceânicos; no mito das ilhas Gilbertas Centrais; no mito polinésio; no
Yang e Yin dos chineses e no eterno conflito que desenvolvem na alternância do dia e da noite,
do verão e do inverno, do calor e do frio. 15
Não é difícil, portanto, a partir desse intróito, identificar alguns componentes elementares do início
de tudo, amalgamados ou separados, em harmonia ou em conflito: o céu, a terra, o fogo, a água,
o ar, o oceano e, conseqüentemente, o tempo, o espaço sideral, o vento, a harmonia e o conflito,
mesmo porque a "cosmogonia propriamente dita termina assim com o estabelecimento dos quatro
elementos populares - o fogo, o ar, a água e a terra - nos seus respectivos domínios". 16Em
seguida desses episódios extraordinários, começa o Hino a Zeus, cuja significação é o de
estabelecer, a exemplo do que já havia se passado com a ordem física das coisas, a ordem social
e política instituída.
E é nesse passo que devemos nos dar trégua para meditação, para verificar, na evolução
civilizatória, e a partir dessa evolução do pensamento, que o fogo é o elemento que provoca as
alternâncias das coisas e é ele que contém a simbologia em torno da mutação, da fusão, da
separação, da ebulição, dos elementos, bem como é o fogo que guarda a idéia da expiação, de
purificação, de transformação, regressão ou evolução, das estruturas ordenadas.
Na medida em que ele fornece o calor, é dele que partem os sinais do ser, do vir a ser, ou do não
ser.
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Sob o aspecto antropológico, é com o fogo que o homem passa a servir-se de processos naturais
para dominar a natureza. O descobrimento do fogo está ligado ao aperfeiçoamento da tecnologia,
progresso da segurança e da vida social. Não é sem razão, como veremos, que, por causa dessas
idéias em torno do fogo, as línguas indo-européias registram raízes lexicais que vão gerar uma
série de termos lógicos que interessam à mística, à teologia, à psiquiatria, à medicina e,
principalmente, que é o que nos interessa neste estudo, não é sem razão que essas idéias vão
gerar uma série de termos e de institutos de conteúdo axiológico de grande interesse para o
direito.
Diante da importância do elemento fogo, o mais natural para o intérprete é indagar sobre a origem
dessa palavra em sua própria língua. Desconfiemo-nos, contudo, das palavras latinas começadas
com f. O f não era letra dos romanos. Ele foi inventado pelo imperador Cláudio que fazia uso dela
às avessas. 17A etimologia das palavras que começam por f admitem origens múltiplas, pois podem
vir de raízes com bh, dh, gwh, ghw, dhw, s, m, gh. 18Para se medir a dificuldade dessa análise,
observe-se que é encontrada para fogo a raiz celta dhegwh, ou daig, irlandês. 19A palavra fogo
deriva, segundo alguns, de phós (gr), que quer dizer luz; segundo outros deriva de focus; há
também um outro radical grego ignis que tem esse sentido.
As palavras da língua latina que têm relação com a idéia do fogo que aquece e permite a vida, de
calor, de ardor, de ardência não derivam dessas raízes, contudo. Parece que se ligam a uma idéia
presa a um termo, æ-æs-es, que não é muito compreendido em latim, mas que foi a raiz de
numerosas palavras ligadas à idéia de calor nas línguas latinas. E mais. Deu origem a numerosos
vocábulos que, muito embora não tragam consigo o sentido de fogo/calor, nos transmitem a
simbologia do convívio harmônico ou tenso dos quatro elementos: água, fogo, terra e mar. Esses
vocábulos veremos a seguir.
Embora a derivação æs não seja bem compreendida em latim, ela pode ter raízes num termo da
língua hebraica, es, 20que tem o sentido de fogo.
1.2 Æ -ÆS- ES. Onde se está. Onde não se está. Onde há ordem. Como se mede a
harmonia. O ritmo das coisas. O fogo. A terra. O ar. A água. A medida e o tempo. A
travessia
1.2.1 O ritmo das coisas
Nos primórdios das idéias gregas de uma moral positiva, o que se encontra é a preocupação do
homem com o duradouro. É mais importante a comunidade, que permanece, do que o homem, cuja
vida é efêmera. Há na vida uma marca duradoura, divina, que tempera cada ação a partir de
escala axiológica que supera os interesses pessoais.
É a mutabilidade da trajetória da vida que induz o homem da era arcaica a aprofundar a
meditação moral. A primeira idéia, é expressada pelo vocábulo grego areth: o homem pode aspirar
à valentia e à capacidade até mesmo por motivos egoístas, "mas a comunidade confere a essa
aspiração um valor bem diferente da ânsia de vantagens ou de felicidade". 21
Essa noção de ritmo vem de Arquíloco, para quem a vida é um contínuo sobe-e-desce, estrutura e
desestrutura, apogeu e decadência, grandeza e insignificância. Ao seu pensamento Sólon
acrescentou que a grandeza, unida à injustiça, está destinada a cair. Ou seja: ele vê o ritmo do
direito na lei, que pune a injustiça e impede a desestrutura do que está pronto. É preciso usar
uma mesma medida para as ações próprias e as alheias. Praticar a justiça é exercitar de maneira
excelente o areth. O Direito, (dikh - dike), é a parte que toca a cada indivíduo, é o mecanismo de
impedir que o mal se consuma, é a punição de todo abuso. 22
Pois bem. A noção de ritmo e de equilíbrio impregna o Direito: uma cadência que colore a
seqüência dos atos e não permite a demesure (descomediamento); e também reflete o que se vê
nas coisas da natureza.
1.2.2 O fogo
Se se puder aceitar o es hebraico com o sentido de fogo/calor e como raiz remotíssima das idéias
que se vai estudar, fica mais fácil compreender o que aqui se pretende expor, porque o sentido
primeiro de conservação da vida está relacionado com o sentido de calor em volta do qual se
reúne a família, que se estrutura.
Essa é uma das primeiras idéias culturais do sentimento do sagrado e, depois, da idéia do jurídico
na cultura humana: onde se está.
O termo æs e o sânscrito ayas, coligados através do gótico aiz, ascenderam para significar o local
onde se faz fogo, focolare, a casa. 23Ædes é lugar onde se faz o fogo, a morada de Deus, o
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templo. 24
Vocábulos como ædes (casa), do latim aitv (arder - abrasar-se, levantar chama), do grego, e
edhas (lenha de arder), do sânscrito, 25estão por trás do sentido primitivo, portanto, dessa raiz
lexical æs, que tanto nos interessa, e que tem o condão de marcar o lugar em que se está: na sua
casa, ao redor do fogo, que é o lugar onde a vida pode ser protegida das intempéries. Portanto, o
sentido primitivo de aes é o de "casa aquecida com fogo ao meio".
Para fogo, há uma raiz grega aiov (areo), sem água, ardor, 26que será para a língua latina a
origem de numerosasexpressões ligadas à idéia de fogo, calor, vida, saúde, equilíbrio, reprodução.
Assim, æstas, é o verão. Sêneca usa a palavra num sentido que comporta o de calor excessivo,
que contém uma idéia de excesso. 27A palavra dá origem a estus febris (estuação), o maior calor
da febre. 28Æstus - deu esto em português: agitação, ruído, movimento ondulatório e ruidoso;
grande calor causado pela agitação das chamas; ímpeto, maré ou enchente grande ou ruidosa.
A simbologia em torno do fogo é imensurável. O fogo, ao mesmo tempo em que aquece e permite a
vida, faz a água borbulhar e, ao provocar espuma e ondas, retira a estabilidade dela, que é
naturalmente plana e uniforme, serena. Também o vento provoca na água a mesma alteração. A
idéia de estabilidade é consentânea com a da água, sem a ardência do fogo ou o rebuliço dos
ventos. Tanto que estado é a qualidade do que não se move e concerne à idéia do ordo medius.
29Por outro lado, o que está é definido e sugere constância. Observe-se que a partícula es tem
algo a ver com o ser (estar, estado), da mesma forma que feu (em francês, é, ao mesmo tempo, o
que morreu e, também, significa fogo) é o que deixou de ser. Será que o es (fogo) hebreu
influenciou o verbo ser nas línguas latinas: es é o que é, porque se conserva pelo calor; feu é o
que foi, e que volta ao pó, por lhe faltar o dínamo da vida? 30
Em torno dessa realidade natural do fogo, criou-se a noção social da vida entre os seus, tranqüila
ou agitada; de proteção equilibrada ou de desequilíbrio comprometedor.
1.2.3 A terra
O oposto do lugar onde se está é ara, ager, 31areo, que é o campo, o lugar cultivado, daí peregri
que é o que não está em casa; está fora de casa; é estrangeiro. Essa idéia pode estar ligada a do
outro elemento, terra, (*agrox) área - espaço desprovido de construção. Ager é diferente de
urbs; æra é plural de æs. Por outro lado, agro é de etimologia incerta. 32
Benveniste explica muito bem essa transposição vernacular ocorrida sobre a idéia que se liga à
oposição do sentido de se estar dentro e fora de casa: A oposição "domi/foris", comporta uma
variante em que "foris" é substituído por advérbio completamente diferente. O termo oposto a
"domi", desta feita, é extraído de "ager" "campo" ("agros") sob a forma do advérbio "peregri",
"peregre", donde o derivado "peregrinus" "estrangeiro". 33
A palavra agger pode fazer alusão a um montículo de terra que marca o limite sagrado do território
urbano (pomerium?), o limite da cidade, o limite do que está dentro e do que está fora do espaço
de proteção dos patres. 34Estar no lugar que não é seu é subordinar-se à moralidade exterior; é
subordinar-se aos que são do lugar; é carecer de direitos, porque as regras do grupo não se
aplicam aos estrangeiros. 35Todos esses vocábulos, como os outros em æs, sugerem a existência
entre eles de um vínculo simbólico, ligado à noção da sobrevivência.
E essa noção - de se estar dentro de casa, de se estar fora de casa -, como se vê mais tarde no
sistema de Direito, está nos bastidores das razões pelas quais o mundo romano foi dividido entre
patrícios e plebeus: 36cidadãos e forasteiros; está perfeitamente ligada à noção de "ius quiritium"
- só aplicável ao cidadão romano, com exclusão do "barbarus", do "hostis", do "peregrinus";
37está na demarcação de espaços onde se podiam praticar certos atos, trans Tiberim peregre. 38
O reconhecimento da inferioridade do que está fora de casa é ainda idéia presente em nosso
cotidiano. Todos os que estão fora de casa merecem a atenção especial da solidariedade dos
outros: os abandonados, os migrantes, os doentes, os encarcerados e os viajantes sonham por
encontrar caridade e fraternal acolhida, porque estão fora do círculo do aconchego do fogo.
Também no Novo Testamento aparece essa preocupação com os migrantes dispersos no mundo
(1Pd 1,1).
Na visão poética da escritora Toni Morrison, ao escrever sobre o problema contemporâneo do
preconceito, ficar sem casa é a desgraça: ficar na rua "era o verdadeiro terror da vida. A ameaça
de ficar na rua surgia com freqüência naquela época. Com ela, cerceava-se toda a possibilidade
de excesso. Se alguém comia demais, podia acabar na rua. Se alguém usava carvão demais, podia
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acabar na rua. As pessoas podiam ficar na rua por causa do jogo ou da bebida. Às vezes uma mãe
punha o filho na rua e, quando isso acontecia, era para o filho que se dirigia toda a solidariedade,
independentemente do que tivesse feito. Ele estava na rua, e por obra de sua própria família. Ser
posto na rua pelo proprietário da casa era uma coisa - uma infelicidade, mas um aspecto da vida
sobre o qual não se tinha controle, visto que não se podia controlar a própria renda. Mas ser
descuidado o suficiente para ser posto na rua, ou ser cruel a ponto de pôr um parente na rua -
isso era um crime. Há uma diferença entre ser posto para fora e ser posto na rua. Se a pessoa é
posta para fora, vai para outro lugar; se fica na rua, não tem para onde ir. A distinção é sutil, mas
definitiva. Estar na rua era o fim de alguma coisa, um fato físico, irrevogável, definindo e
complementando nossa condição metafísica. Estar na rua era fato concreto, como a diferença
entre o conceito de morte e estar realmente morto. Um morto não muda, e estar na rua é estar
para ficar". 39
A idéia da infelicidade que decorre por não se estar em casa, impregna as tradições do Antigo
Testamento: "São coisas penosas para alguém de bom senso: a afronta de ser estrangeiro e o
insulto do credor". 40
1.2.4 O ar
O outro termo, também relativo a um dos quatro elementos, cuja etimologia buscamos, é o ar,
vento (aerox - ahr). Desse nome veio para o português etesia, que é o vento que todos os anos,
regularmente, sopra, em certas estações do ano. Também temos eólio, que se refere ao
instrumento acionado pelo sopro ou pelo vento e etéreo, ar sereno, sem vento. 41As palavras
etesia e etéreo são tão reveladoras! A primeira a demonstrar a naturalidade daquilo que se dá com
freqüência regular; a segunda a clarificar que o espaço cósmico é sereno, livre de ventos, de
turbulências que retiram a serenidade do ar.
1.2.5 A água
O último dos quatro elementos nos reserva uma surpresa ainda maior. Embora a raiz grega de água
(udr) não permita alusão àquele æs latino, a passagem de Varrão é sugestiva para, a partir do
mesmo æs, questionar-se a compreensão do sentido de eqüidade, recuperar o sentido de
proporção e de equilíbrio das coisas.
Pois bem. No tesouro que Varrão nos legou há surpreendentes revelações e uma de especial
interesse para nós que, na ciência do Direito, buscamos o sentido escondido da palavra eqüidade.
Ele nos diz que o oceano é æquor porque sua superfície é uniforme (nivelada, plana, lisa, rasa,
horizontal, suave, igual, equilibrada) quando os ventos não sopram. 42Depois, completa dizendo
que os navios longos são chamados ratis 43por causa dos remos, que se estendem divididos de
cada lado, à direita e à esquerda, para permitir a flutuação: naturalmente, para dividir o peso, na
medida certa, sobre as águas, e permitir sua movimentação.
De fato, æquus, -a, -um - é o que não apresenta desigualdades. 44O contrário de æquus é
iniquus, com triplo sentido de desigual, iníquo e desfavorável. Por conseguinte, o vocábulo æmulus
(emulação), que significa igual em imitação. 45
A etimologia dá a seguinte explicação para a passagem anterior de Varrão: 46"A agitação das
balsas no mar pode ser comparada à efervescência produzida pelo calor e as espumas das balsas,
com a espuma que se forma sobre o líquido fervente. Depois o sentido toma aspectos morais,
como efervescência da alma, furor". 47
Veja que ardentia (escrita dessa forma) é uma palavra portuguesa registrada por Bluteau para
significar o nome que os pilotos e outros navegantes dão a um fenômeno marítimo, uma espécie
de fogo, ou ardor, que algumas águas do Oceano Índicoapresentam e de que resulta uma
claridade. 48Logo adiante ele mesmo designa arder, por queimar: arde a peste; arde a guerra, arde
o conflito; arder em ira; arder em zelo. Igualmente, o mesmo termo ardentia, é registrado pela
Academia Real de Ciências de Lisboa, para significar a luz que reflete no mar, ocasião em que se
lembra passagem nesse sentido: "Os mares, que rebentavão em flor, faziam tão grande ardentia,
que parecia irmos navegando por entre ondas de fogo". 49
Ainda em nossos dias vê-se a importância dessa concepção em realizações da vida prática. Com o
propósito de confirmar essa idéia, vale lembrar passagem que recentemente veio à tona na forma
de notícia de jornal. O ponto que ensejou a notícia, de interesse ambiental, relacionava-se com a
circunstância de que os navios que, atualmente, percorrem águas internacionais são responsáveis
por uma das formas mais comuns de contaminação ambiental, porque em cada porto onde atracam
são submetidos à recolha ou à descarga de grande quantidade de água, de armazenagem em seu
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casco (lastro), provocando a poluição das águas de um porto com os dejetos recolhidos em outro,
e assim continuadamente.
A água, nesse processo, funciona como a medida de peso físico necessário para manter a
embarcação sobre as águas, na forma recomendável, de acordo com as forças naturais do tempo,
das condições físicas do espaço específico do trajeto e do peso da embarcação, sob o ponto de
vista da técnica de navegação, para a estabilidade do navio. Há até mesmo uma expressão da
marinha mercante, em lastro, para significar que a embarcação não conduz carga e por isso
navega lastrada. O termo, lastro, está registrado em nosso vocabulário, também nesse sentido,
além de outros: lastro - do holandês, last, carga - coisa que se põe ao fundo do navio para o ter
em equilíbrio. 50
Essa técnica náutica, apesar de seus efeitos inconvenientes para a salubridade das águas dos
oceanos, aspecto que nesse espaço não se tem ocasião para debate, tem muito para nos ensinar,
sob a óptica do Direito, ciência do equilíbrio social.
1.2.6 A medida e o tempo
Ordem e medida têm grande valor para os gregos. Se pudermos comparar as doenças do ser
humano com os desequilíbrios da vida social, compreenderíamos com mais singeleza essas alusões.
Para os gregos as enfermidades têm quatro tempos (princípio, aumento, estado e declinação) e,
na dosagem do que cada indivíduo consegue suportar, é que se conhece o verdadeiro médico. É a
doutrina dos elementos de Empédocles: a "justa" mistura dos quatro elementos produziria a saúde,
ou seja, a tensão harmônica dos contrários. 51O calor, para os pré-socráticos, é o princípio e a
causa de toda saúde e de toda enfermidade. 52Ora, se para Hipócrates o equilíbrio 53era a
isonomia (isonomih) e se para ele a doença é o império exclusivo de uma só força no organismo,
ao contrário, equilíbrio das forças é a causa da saúde. 54Ou seja: "a teoria e a prática da medicina
grega foram, em grande parte, regidas pelo princípio de que a cura é a restauração de um
equilíbrio ou uma proporção perturbados pela doença". 55
A sociedade também adoece quando o vento sopra ou se o fogo consome a balsa: treme a
embarcação e não se consegue devolver a nave à harmonia do oceano ( æquum).
Se se considerar que na simbologia da tradição cristã, a exemplo do que já se passava no Egito,
na Grécia e em Roma, há uma analogia entre o navio e a vida humana, pode ser que essas outras
correlações simbólicas não sejam casuais. Tanto que "a representação alegórica da esperança por
uma figura feminina traz, às vezes, um navio sobre a cabeça (como sinal da passagem)" .56
Depois dessas considerações acerca dos quatro elementos, falta uma última observação que
convém seja feita para completar essa alusão ao pensamento mágico dos antigos. Tempo é outra
palavra especial que também pode ter origem na mesma idéia simbolizada no latino æ- æs- es. Não
a marca do tempo (tempus), mas o conteúdo do tempo, a concepção "animada" da duração (aivu
- æuus - ætas). A cadência e a alternância das coisas. Nossa língua guarda essa idéia em
numerosos vocábulos eternidade - æternus 57-, século, idade, época 58e Tácito 59usa æuum para
significar a trajetória de uma vida.
É nesse sentido que, a propósito do tempo ( ætas), Jaeger lembra: "O juiz é o tempo. Nós o
sabemos pelas idéias políticas de Sólon. 60O seu braço é inexorável. Quando um dos contendores
tira demais do outro, o excesso lhe é de novo retirado e dado ao que ficou com pouco. A idéia de
Sólon é esta: a dike (...) é imanente ao próprio acontecer, no qual se realiza para cada caso a
compensação das desigualdades". 61
O direito é algo que permanece e supera a efemeridade do humano; rege a vida política e faz do
indivíduo alguém responsável pelas suas próprias ações.
De ædes (casa) veio ædilis, magistrado: diz-se que é o magistrado que cuida da construção das
casas 62e que os plebeus ædiles provavelmente tomaram seu título de templo. 63Mas por que
ædilis é o magistrado que cuida da construção das casas? Não seria o juiz que devolve a
serenidade, que apaga a ardência, que acalma o vento? Que eleva o homem ao templo? O que
edifica com seu exemplo? Ou o que cuida do lugar onde o fogo arde e onde a vida encontra
condições de cumprir sua trajetória para a eternidade?
Porque não lembrar de um outro termo, comum em português, também derivado daquela partícula
æs, que se refere ao equilíbrio da passagem sobre as águas: estiva? Tem o sentido de equilíbrio.
Deriva de estiva, que são toras de madeira sobre o brejo para servir de ponte. 64A ponte permite
a travessia. O pontífice, o primeiro Juiz, como já dissemos, tem como função reconstruir a ponte.
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65
E, em meio a tudo isso, ao lado das tradições judaicas que norteiam a concepção de casa e ao
lado das tradições culturais gregas que transmitem o sentido de equilíbrio que se vêem presentes,
a todo o instante, no trato dessa problemática, um ponto específico da tradição do direito romano
não pode passar despercebido do intérprete: a profunda intimidade teleológica entre o sentimento
de justiça e a idéia do sagrado, entre os povos primitivos; a íntima ligação entre o templo e a
casa; entre o pai e a divindade; entre o mundo da religião e o do direito. Tanto que fas concerne
à religião, jus concerne ao direito civil. Ambos respeitam ao ato da fala: fas remonta ao verbo fari
(falar) enquanto o jus é dito pelo juiz; do, dico, addico (dou, digo e pronuncio a addictio) são as
funções do pretor, que diz o direito civil; a vontade divina é expressa pelo faz. 66
Não há como negar que essa partícula, æ - æs - es (que depois aparece em momentos cruciais de
compreensão do direito de obrigações) esconde mistérios do elemento fundamental de um sistema
jurídico (sacro) que já não existe, mas ainda tem muito a nos ensinar, pois concerne àquilo que se
tem como fundamental a respeito do ser humano; de sua vivência pessoal e social e de sua
trajetória na história.
1.2.7 A travessia
É como se, metaforicamente, no contexto da linguagem mágica dos antigos, a liberdade fosse o
fogo que, ao mesmo tempo simboliza a manifestação do calor, do sustento e da segurança da vida
na família, do sujeito no seu meio, e é capaz de transformar o homem, revelando-o como força
motriz estimulante de sua própria história; a eqüidade a água, plana e serena, por onde transitam
os homens em suas naves; a segurança, o porto, a casa (terra) e o vento (ar) a energia
necessária, a medida certa, para a travessia. O tempo é o juiz que marca a cadência das coisas,
para permitir o navegar, o não soçobrar; o levar a nave da vida para o porto certo, na hora certa,
na medida certa, ainda que o fogo consuma a balsa, faça o mar efervescer e comprometa a
estabilidade da vida;ainda que o vento sopre com força demais e retire a serenidade da água;
ainda que o homem esteja, constantemente, em perigo. Porque quem permanece em casa não
corre tantos riscos, mas quem peregrina precisa chegar.
Se os textos de Varrão puderem ser lidos com essa preocupação, talvez pareça mais fácil
compreender seus recônditos sentidos.
À igualdade serena do mar ( æquor) se compara a igualdade e o equilíbrio dos negócios, pelo
cobre e pela balança (negotia per æs et libram), ainda que seja necessário inflamar o metal para
cunhar a moeda, que serve de medida para a equação do justo.
2. Negotia per æs et libram - Bibliografia
A inspiração do conceito de sinalagma em Direito é fruto da filosofia aristotélica e se estrutura por
inteiro a partir da idéia de proporção, de equilíbrio e de equivalência de prestações contratuais,
como um mecanismo de excelência moral e de harmonia social. 67
Na seqüência histórica do direito romano, não houve, por assim dizer, evolução cultural do
princípio grego da proporcionalidade em toda a dogmática jurídica dos romanos, mas nos primórdios
da história do direito romano podem ser encontradas figuras jurídicas sedimentadas todas elas na
fidelidade total à idéia grega de justiça.
É o caso dos denominados negócios æs et libram.
No direito romano antigo, a expressão æs et libram é conhecida e revela sentido técnico
associado à idéia de obrigação que deve ser cumprida pelo devedor, nos limites exatos do
equilíbrio entre aquilo que um pode exigir e aquilo que o outro se obriga a prestar, nos termos da
solenidade do ato e de acordo com as garantias que decorrem em favor do credor, caso o
cumprimento não seja como o esperado. O termo æs, latino, tem o sentido de moeda, dinheiro,
prata, bronze, cobre, ferro, concernente ao bronze, à moeda, ao tesouro. 68
A expressão que, como veremos a seguir, contém nuanças nem sempre bem compreendidas pelos
juristas em virtude da dificuldade de precisar o sentido dos textos onde ela aparece, ainda hoje se
perpetua em vocábulos que revelam a idéia concernente ao precisar o quantum devido por; ou o
ajuste de algo; ou o valor de algo. É esse o conteúdo do vocábulo æstumo, estimar, estimativa,
julgar, 69de que derivou, em português, estimativa, faculdade de julgar as coisas; estimar, dar o
preço, 70todas elas expressões marcadas pela necessidade de se encontrar o preço eqüitativo,
equilibrado, de algo.
Há muita simbologia em torno da balança e da moeda. É na Bíblia (Dn 5, 26-28) que aparece a
imagem dos pesos de balança, alusiva ao fato de a conquista da Babilônia pelos persas ter se
dado às vésperas de o Sol entrar no signo da libra, e esse fato remontar a um ajuste de contas
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divino, no sentido de que o reino foi avaliado e pesado na balança da justiça: a constelação de
Libra (balança) seria o instrumento à disposição de Deus para o "ajuste de contas com o império
babilônico". 71No reino de Babel já se utilizavam metais nobres e a prata como padrões de valores.
72Os etruscos conheciam o ferro, que encontraram em Elba, e que da matéria bruta transformaram
em aço. Conheciam também o cobre, o estanho e o âmbar. Foram eles que trouxeram a moeda à
Itália. 73
A economia monetária teve início no século VI a.C., com os persas, que pela primeira vez, no
reinado de Dario I, cunharam moeda ( Dario - 515 a.C.). Antes disso, a base da troca de
mercadoria eram peças de metal (cobre, chumbo, ouro e prata), medidas segundo o peso padrão
vigente no país durante o reinado de determinado governante.
A permuta é expressão primeira do negócio de circulação de mercadoria, ou seja, troca de uma
mercadoria por outra e impossibilidade de se identificar quem é credor e quem é devedor: "quod in
permutatione discerni no potest, uter emptor, uter venditor sit". 74Em dado momento histórico,
não preciso, um material passou a ser usado para intermediar a troca. Ao tempo da Lei das XII
Tábuas "utilizava-se o æs rude, o cobre (ou talvez uma liga de cobre, estanho e chumbo) que era
pesado para se acertar a quantia convencionada". 75Segundo o tradição, a primeira moeda
cunhada em Roma o foi ao tempo de Sérvio Túlio. 76
A confusão terminológica de um vocábulo único para significar tantos diversos metais é
perfeitamente explicável, 77porque o termo æs mais se liga à idéia do calor que separa o metal,
molda o objeto e cunha a moeda que propriamente ao metal que pelo fogo é levado à fundição.
Tanto que a simbologia da fornalha é associada com o processo de produção e fundição do ferro
e, metaforicamente, com a fornalha da angústia, o símbolo da prisão, aflição e provação (Dt 4,20;
1Rs 8,51; Jr 11,4; Is 48,10), visivelmente ligada à idéia do julgamento de Deus. 78E essa confusão
terminológica não chega a preocupar, na medida em que os sinais da civilização ocidental indicam
que os povos indo-germânicos tinham uma língua comum quando atingiram um certo grau de
desenvolvimento, sinais esses que estão, principalmente, nas palavras que indicam o cotidiano da
vida doméstica dos povos que falavam o latim, o grego e o sânscrito. 79
O sentido de nummus signatus se aproxima de stipo, pequena peça de moeda. 80A idéia de moeda
cunhada é posterior daquela do cobre e da balança. Tem ela três aspectos: a) o primeiro,
significava o trato; b) o segundo, significava o equilíbrio da paga do negócio estimado; c) o
terceiro, correspondia ao interesse de livre e rápida circulação de mercadorias. Sempre,
entretanto, o sentido cultural ligado à idéia de moeda está relacionado com o de circulação de
mercadoria, contra-prestação; o conceito econômico e jurídico de capital; o trabalho como bem
jurídico. 81
O primeiro sentido decorre do fato de que estipular vem de stipulare, que por sua vez deriva de
stipulum, isto é, uma varinha, que despedaçada estatui o acordo, na linguagem metafórica e rural
da idade arcaica da língua latina. 82
No segundo sentido vê-se o termo utilizado como pequena peça de moeda, de onde teriam
derivado stipendium, palavra composta de stips (moeda de cobre) e pendere (pesar, pagar). 83
O terceiro aspecto tem cunho metafórico, nos é dado por Santo Agostinho: "Non inmerito rotunda
signatur pecunia, quia non stat" (com razão se faz redonda a moeda, porque ela não fica parada).
Também se pode ver o uso da palavra ære (bronze), assim: "(...) imaginibus quæ marmore aut
aure finguntur...", 84em lindíssima passagem da cultura latina que parece querer demonstrar que
embora o corpo possa ser esculpido em mármore e bronze para reproduzir a figura, o vulto do
homem, a forma da alma é eterna e não pode ser reproduzida por meio da matéria e da arte. Ou
seja, para as questões da vida humana, pode ser moldada solução, com fogo, e o bronze se
presta a essa moldagem. Para as questões relativas à dimensão divinal do homem, a eternidade da
alma impede possa ela ser aprisionada sob formas materiais.
A doutrina identifica três espécies diferentes de negócios æs et libram: a) o nexum; b) a solutio
per æs et libram; c) a mancipatio. Assim, "o nexum e a solutio per æs et libram constituem, com a
mancipatio, os negotia per æs et libram", 85todos eles hipóteses solenes de pagamento. 86
Essa solenidade, que acompanhava os negócios, era marcada por fórmulas denominadas stilo: a
fórmula que acompanhava o contrato de empréstimo era a nuncupatio (palavras sacramentais);
stilo, judiciorum formulam. 87Curiosamente, de stilo pode ter derivado estilar, que significa separar
com fogo. É certo que Ernout e Maillet não vinculam a origem de stilus ao nosso estilar, mas
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deixam em aberto a possibilidade de a palavra stilus ter algo com stimulus e com stingo e stinguo,
ambas ligadas à idéia de estimular, inflamar, provocar, incendiar e, por conseguinte, com a idéia
de separar, distinguir, extinguir. São esses os vocábulosderivados ou relacionados com as
matrizes sob exame: stimulo, stimulatio, distinguo, stigat, incendit, inflammat, distinguit, distinctio,
stinctum, sting(u)ere, distinctus, ex(s)tinguo, restinguo, stinguere, ex(s)tinctio, inex(s)tinguibilis,
rest(i)nguo, restinctio, extinctus. 88
Faz-se alusão à solenidade dos negotia per æs et libram, invocando esse seu aspecto relacionado
com o fogo, porque é dessa consideração que se nutrem pontos de relevância hermenêutica para
a compreensão da natureza do vínculo obrigacional dos romanos.
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(1) ABBAGNANO. "La ricerca storica", p. 29.
 
(2) ECO. A busca da língua perfeita, p. 117.
 
(3) BRAUDEL. Gramática das civilizações, p. 25.
 
(4) VICO. Principii di scienza nuova, p. 1.416.
 
(5) MOMMSEN. Römische Geschichte, p. 26.
 
(6) NIEBUHR-GOLBÉRY. Histoire Romaine, Préface du traducteur, vol. I, p. XXI.
 
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(7) BRAUDEL. Gramática das civilizações, p. 27.
 
(8) MARTINS JUNIOR. História do direito nacional, p. 15.
 
(9) VARRÃO. "De linguæ latina", vol. VII, p. 23.
 
(10) VARRÃO. "De linguæ latina", vol. VII, p. 105.
 
(11) CORNFORD. Principium sapientiæ, p. 305-328.
 
(12) "(...) a idéia de que os astros são forças cuja ação se faz sentir na natureza inteira, tanto no
desenrolar dos fenômenos físicos ou fisiológicos quanto na sucessão das 'idades' atravessadas
pelo mundo - uma idéia freqüentemente presente no espírito dos homens daquele tempo - é
compartilhada por Virgílio. O estudo dos mecanismos cósmicos é uma ambição comum a todas as
escolas filosóficas" (GRIMAL. Virgílio ou o segundo nascimento de Roma, p. 32).
 
(13) CORNFORD. Principium sapientiæ, p. 317.
 
(14) CORNFORD. Principium sapientiæ, p. 326.
 
(15) CORNFORD. Principium sapientiæ, p. 332-336.
 
(16) CORNFORD. Principium sapientiæ, p. 349.
 
(17) "Mas não foi recebida de todos esta letra, e morto o dito imperador, tornaram ao V, ou vau
Eólico, com que tem alguma semelhança na pronuncia, posto que soa o F alguma coisa mais
áspero. Chamou-se o dito V Eólico, porque teve origem dos Eólicos, povos da Grécia, que usavam
de um dos cinco dialetos: e por quanto o dito V, na figura parece hum dobrado G ou gamma dos
gregos, os latinos lhe chamaram digamma, porque o F parece ficar fazendo dois gammas, ou ges,
gregos, que por todos se escreviam com f, que é letra grega e

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