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[Direito] Doutrinas Essenciais Responsabilidade Civil [Volume VII]

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18/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
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RESPONSABILIDADE CIVIL EM SEDE DE POLUIÇÃO.
CULPA DO PODER PÚBLICO. AUSÊNCIA DE NEXO
CAUSAL, NA ATIVIDADE DAS POLUIDORAS, E DE
SOLIDARIEDADE ENTRE ELAS
RESPONSABILIDADE CIVIL EM SEDE DE POLUIÇÃO. CULPA DO PODER
PÚBLICO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL, NA ATIVIDADE DAS POLUIDORAS,
E DE SOLIDARIEDADE ENTRE ELAS
Revista dos Tribunais | vol. 722 | p. 84 | Dez / 1995
Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil | vol. 7 | p. 25 | Out / 2011DTR\1995\508
Álvaro Villaça Azevedo
Doutor em Direito, Professor Associado de Direito Civil e Regente de pós-graduação da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo; Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito
da Universidade Mackenzie; Advogado.
 
Área do Direito: Civil
 
 
; Ambiental
Sumário:
 
 
CONSULTA
Consultam-me os ilustres advogados Paulo Sérgio Gomes Alonso e outros, sobre aspectos de
responsabilidade civil, nos autos da ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao
meio ambiente, promovida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e por Oikos - União dos
Defensores da Terra, contra suas Clientes, IAP S.A. - Indústria de Fertilizantes, Copebrás S.A.,
Solorrico S.A. - Indústria e Comércio e Adubos Trevo S.A., e outras empresas, perante a Eg. 2.ª
Vara Cível da Comarca de Cubatão, processo 28/86, em fase inicial.
Ressalte-se que este Parecer forneceu subsídios à elaboração das contestações das aludidas
Confluentes, embora tenha sido atualizado, após a edição do texto constitucional de 5 de outubro
de 1988, e entregue, definitivamente, nesta data (5 de novembro de 1988).
Após o devido exame do processo, vejo-me em condições a responder os quesitos, que me foram
formulados, adiante transcritos.
Quesitos
1. Ante a análise da petição inicial e da documentação que a instrui, é possível concluir-se pela
responsabilidade das empresas Rés, Confluentes?
2. Houve culpa dos Poderes Públicos na criação do parque industrial de Cubatão? Se sim, quais
teriam sido culpados?
3. Existem outras causas aos alegados danos?
4. Poderiam as Rés ser condenadas a indenizar, em decorrência de sua atividade, controlada pela
CETESB? Se sim, sob que fundamento?
5. Existe nexo causal entre a atividade das Rés e os danos mencionados na inicial?
6. Seria possível, ainda que em tese, a condenação das Rés, como solidariamente responsáveis,
pelos reclamados danos?
PARECER
I - COMPLEXO INDUSTRIAL DE CUBATÃO
1. Houve um incentivo muito grande por parte dos Poderes Públicos (União, Estado de São Paulo e
Município de Cubatão) a que se instalassem, na região deste último, indústrias, sendo certo que,
em 1926, instalou-se a Usina Hidrelétrica da Light.
2. Com o passar do tempo, sob esse mesmo incentivo, foram permitidas novas instalações,
licenciando-se o funcionamento de novas empresas, com o intuito, não só, de servir à população,
mas também de arrecadar elevados tributos.
3. Surgiu, assim, sob o apoio e a permissão direta desses órgãos públicos, o complexo de
empresas da região industrial de Cubatão.
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II - ANÁLISE DO PEDIDO INICIAL
4. Começa o petitório inicial por referir que "A região de Cubatão, desde o II Plano Nacional de
Desenvolvimento, para o período de 1975/1979, é considerada área critica de poluição", pela Lei
6.151, de 4 de dezembro de 1974, que instituiu esse Plano. E que essa mesma lei preconizava "a
adoção de uma política ambiental que evitasse os efeitos deletérios da poluição industrial,
principalmente para o ar e para a água" (item 1).
5. Aduzem, ainda, os Autores que, posteriormente, o Dec.-lei 1.413, de 14 de agosto de 1975,
"prescreveu a obrigatoriedade da promoção, por parte das indústrias ali instaladas, de medidas
tendentes a prevenir ou corrigir os inconvenientes e prejuízos da poluição e da contaminação do
meio ambiente", tendo sido regulamentado pelo Decreto 76.389, de 3 de outubro de 1975, que
"voltou a apontar a região como área crítica de poluição".
Primeiramente, destaque-se que as causas poluidoras da região de Cubatão são múltiplas e que as
Rés não são responsáveis pela situação em que se encontra a Serra do Mar, como narrado na
inicial.
Realmente, a Serra do Mar apresenta-se com um excessivo número de habitações precárias
(favelas), em seu topo, em sua subida, com esgotos despejando, diretamente, detritos, por sua
encosta. No meio da Serra, ainda, foram abertas estradas pelo próprio Governo do Estado, tais a
Via Anchieta e a Rodovia dos Imigrantes, com forte tráfego, que desprende, diariamente, sobre
essas vias, toneladas de monóxido de carbono. Todos os esgotos dos municípios de Santos, São
Vicente, Guarujá, Vicente de Carvalho e Cubatão, vêm sendo desaguados nos rios que integram a
bacia da Serra do Mar, além dos problemas advindos do estuário do porto de Santos. A Serra do
Mar vem sofrendo, também, transformações decorrentes de causas naturais, com o clima de
intensa serração, de chuvas excessivas e de orvalho, que favorecem os deslizamentos e a
modificação da flora e da fauna.
Isto, sem se cogitar de que, além das Rés, existem, pelo menos, mais setenta indústrias instaladas
no parque industrial de Cubatão.
6. Essa "situação critica", a que se refere o pedido inaugural, resulta da negligência dos Poderes
Públicos. A própria citada lei 6.151 aconselhava a estes, em 1974, "a adoção de uma política
ambienta!" preventiva.
Acontece que, a par de não ter tomado qualquer iniciativa para cuidar do conjunto ecológico da
Serra do Mar, preservando-o contra as inúmeras causas atrás mencionadas, os Poderes Públicos
(União, Estado de São Paulo e Município de Cubatão) incrementaram, por outro lado, o surgimento
do complexo industrial de Cubatão.
7. De referir-se, primeiramente, que a legislação, que determina e regulamenta o zoneamento,
para localização de indústrias, é da alçada municipal, bem como o licenciamento e a fiscalização
dessa atividade.
8. Por sua vez, o Estado de São Paulo, consoante estatui o inc. V do art. 120 de sua
Constituição, deverá "preservar suas riquezas naturais e combater a exaustão do solo, bem como
proteger a fauna e a flora, criando reservas invioláveis".
No cumprimento dessa atribuição, imposta por sua lei magna, o Estado de São Paulo criou, pela lei
118, de 29 de junho de 1973, a CETESB - Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento
Básico e de Defesa do Meio Ambiente.
9. Pelo inc. I do art. 3.º dessa lei, a CETESB, na qualidade de órgão delegado do Governo do
Estado de São Paulo, tem por objetivo "exercer as atividades e prerrogativas relativas ao controle
de poluição das águas, fixadas pelo Dec.-lei 195-A, de 19 de fevereiro de 1970, e as relativas ao
controle de poluição do ar, fixadas pelo Dec.-lei 232, de 17 de abril de 1970, incumbindo-lhe o
efetivo exercício do controle da qualidade do meio-ambiente-água, ar e solo - em todo o território
estadual, além de outras atividades úteis ou necessárias ao cumprimento de suas finalidades,
inclusive o poder de polícia administrativa, inerente e indispensável ao bom desempenho de seus
serviços". Pelo inc. II, do mesmo citado dispositivo legal, deve ela "efetuar o controle da qualidade
do meio-ambiente-água, ar e solo - através de medidas preventivas ou corretivas de emissão ou
assimilação dos resíduos polidores, sob qualquer forma de matéria ou energia".
10. Também, a União Federal, a seu turno, além de estar envolvida, com o Estado de São Paulo e
o Município de Cubatão, pois detém, com primazia, o poder de definir o que se deva entender por
poluição e seus efeitos, assistiu à formação desse complexo industrial de Cubatão, participando,
inclusive de sua implantação com a instalação, em 1955, da indispensável Refinaria Presidente
Bernardes, da Petróleo Brasileiro S.A.
11. Lembre-se, ainda, de que à União já competia, à época dos
fatos, pelos incs. V e XIV do art.
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8.º da Constituição de nossa República Federativa, de 1967, respectivamente, "planejar e
promover o desenvolvimento e a segurança nacionais", e "estabelecer e executar planos nacionais
de educação e de saúde, bem como planos regionais de desenvolvimento".
Acrescente-se que do início das atividades industriais em Cubatão são passados,
aproximadamente, sessenta anos!
Como se pode notar, facilmente, o descaso dos referidos órgãos públicos, em não cuidarem da
Serra do Mar, como sempre foi de sua irrestrita obrigação fazê-lo, levou-os, via de conseqüência,
a descurarem quanto a eventuais causas que pudessem desnaturar essa reserva ecológica.
12. Certo é que, no tocante ao conglomerado de empresas, nessa região, vem ele existindo e
aumentando, por permissão desses Poderes Públicos, de ano a ano, inclusive com instalações de
empresas após a legislação que os Autores mencionam no item 1 de sua inicial.
13. Também é evidente que as Rés, individualmente, não causaram, com sua atividade industrial,
o dano ecológico noticiado pelos Autores, estando a agir, em completa obediência às
determinações dos Poderes Públicos mencionados.
14. Por outro lado, após mencionarem os Autores, no item 2 da peça vestibular, que o Município
de Cubatão é, "reconhecidamente, o mais poluído do Brasil e, talvez, de todo o mundo", procuram
responsabilizar as Rés, por suas atividades industriais, segundo aqueles, "exercidas sem
observância das causas necessárias para impedir danos ao meio ambiente e à saúde da
população".
Embora queiram os Autores atribuir culpa às Rés, tal argumento não procede, porque estas sempre
pautaram sua atividade industrial, em completo respeito às leis e atendimento às exigências dos
Poderes Públicos.
15. Assim, não estão presentes os pressupostos da culpabilidade, o que impede a invocação do
art. 159 do Código Civil (LGL\2002\400).
Ao contrário, nenhuma negligência das Rés, ou outra qualquer atuação ilícita, resta patenteada,
pois as mesmas sempre cumpriram, reiteradamente, as normas estabelecidas ao funcionamento
das indústrias do complexo de Cubatão, inclusive com prejuízos, dadas as restrições ao seu livre
desempenho industrial.
16. Ressalte-se que as Rés instalaram-se, legalmente, em zona declarada industrial, e vêm sendo
fiscalizadas pela CETESB, desde que criado este Órgão, em 1973, tendo, portanto, exercido suas
atividades nos moldes legais.
Ora, quem exerce, regularmente, um direito reconhecido não pode praticar ato ilícito, assenta o
inc. I do art. 160 do Código Civil (LGL\2002\400).
17. Como já dito, claro está que as Rés, atuando como atuaram, jamais desenvolveram potencial
de resíduos aptos a causar os danos pretendidos na inicial.
18. Desse modo, se a causa dos danos ecológicos, retratados nessa peça vestibular, fosse, ad
argumentandum, a atividade industrial da região, a negligência seria, integralmente, dos Poderes
Públicos mencionados, uma vez que permitiram, sem qualquer previsão ou cuidado, a formação do
grupo industrial de Cubatão. Repita-se que esses mesmos Órgãos Públicos incentivaram,
localizaram, autorizaram e licenciaram as empresas-Rés, e muitas outras, a formarem o
conglomerado presente, que fosse, aproximadamente, sessenta anos, embora as instalações das
indústrias tenham sido paulatinas, até recentemente.
19. Já, nos itens 3 a 5 da peça inicial, alegam, primeiramente, os Autores que "O lançamento
continuado de poluentes na atmosfera, por parte das requeridas", ocasionou "a degradação e o
perecimento de grande parte da cobertura vegetal das encostas da Serra do Mar, numa área de
aproximadamente 67,0 km 2 , sobretudo nas porções denominadas de Serra do Cubatão, Serra do
Mogi ou Serra do Paranapiacaba, incluindo também o espigão avançado, a Serra do Morrão, na sua
face interna, voltada para o Vale do Mogi e para o núcleo industrial da Baixada".
Como se pode, desde logo, notar, a inaugural não precisou, convenientemente, a área que
pretende ter sido degradada por atuação das Rés, terminando os Autores por pedir, no item 9, a
"completa recomposição do complexo ecológico atingido".
E isto, não, sem antes afirmarem que se destruiu "parcela significativa da Mata Atlântica",
degenerando-se a "cobertura vegetal, que era o suporte básico para a estabilidade relativa das
encostas".
Ora, como ficou bem explicado e evidenciado nos itens anteriores, a par de terem os Poderes
Públicos incentivado e possibilitado a aglomeração de indústrias na área de Cubatão, os danos à
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Serra do Mar, que se descrevem na inicial, ocorreram, também, por outros fatores, conforme
mencionado no item 5, "retro" (favelas, tráfego intenso, esgotos, clima, com chuvas excessivas,
etc.).
20. Após a narrativa anterior, no item 6 da vestibular, os Autores, ex abrupto, criam um nexo
causal imaginário "entre a degradação da cobertura vegetal e a poluição industrial de
responsabilidade das requeridas", que declaram "notório" e "fartamente evidenciado" por
documentação, que juntam.
Se os documentos juntados pelos Autores espelham essa aludida "degradação" da Serra do Mar, é
certo que, por isso, não podem ser responsabilizadas as Rés.
A atuação industrial das Rés, sempre obedecendo os limites legais, jamais pode ser apontada
como causa do aludido efeito danoso, principalmente se levar-se em conta que as causas maiores
desses apontados problemas ecológicos são de ordem natural.
21. Ainda que se argumente, como os Autores, que o somatório das atividades industriais teria
causado esses prejuízos, o certo é que, como se disse, existem, no local, pelo menos mais
setenta empresas instaladas, além das Rés, mas todas severamente controladas pelos Poderes
Públicos mencionados, principalmente pela CETESB.
Dentre essas empresas, umas são bem antigas; outras mais recentes, de tal sorte que não é
possível responsabilizar as Rés por esse evento continuado, lícito, controlado e necessário à
coletividade.
22. Assim, se são múltiplas as causas degenerados da Serra do Mar, como demonstrado, sendo
inclusive de ordem natural, não podem as Rés (parte das empresas instaladas no local), que jamais
produziram ou produzirão o mencionado prejuízo, com sua atividade, ser responsabilizadas,
mormente levando-se em conta a disparidade de tempo existencial de ditas empresas e que elas
se instalaram (vêm se instalando) no local por incentivo e autorização dos referidos Órgãos
Públicos!
Não existe, portanto, o alardeado nexo causal.
Por outro lado, sempre foi de responsabilidade dos Poderes Públicos zelar pelo patrimônio
ecológico.
23. Declare-se, mais, que os Autores confundem responsabilidade subjetiva com objetiva das Rés.
Assim, após terem atribuído às Rés responsabilidade subjetiva (conforme item 2 da inicial),
alegando que estas exerceram suas atividades industriais, "sem observância das cautelas
necessárias", com culpa, portanto, os Autores, no, item 7 da peça vestibular, declaram que "É
objetiva a responsabilidade das requeridas", nos termos do art. 14, § 1.º, da Lei 6.938, de 31 de
agosto de 1981, "sendo despiciendas" (como alegam) "quaisquer considerações acerca do caráter
culposo da conduta das mesmas".
Tal posicionamento é até contraditório, embora nenhuma das responsabilidades exista.
24. Além disso, no mesmo inciso, sob análise, deixam, mais uma vez, os Autores escapar a
insegurança de seu pedido, pois voltam a sustentar a tese da responsabilidade subjetiva, quando
alegam: "Mas, ainda que assim não fosse, seria inquestionável a responsabilidade, subjetiva ou
aquiliana, das requeridas, que, negligentemente, deixaram de controlar de modo eficaz suas
emissões poluentes, ocasionando danos gravíssimos".
Ora, em parênteses, neste passo, mais uma confusão, pois a responsabilidade aquiliana ou extra-
contratual é que pode ser subjetiva ou objetiva!
Contudo, a citada responsabilidade objetiva das Rés não existe.
25. Enfrentando, em primeiro plano, a matéria exposta, sobre responsabilidade objetiva, assenta o
§ 1.º do art. 14 da Lei 6.938/81, invocada pelos Autores: "Sem obstar a aplicação das penalidades
previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a
indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua
atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente".
Primeiramente, é preciso que se compreenda o âmbito de aplicação do invocado artigo.
Ele refere-se aos danos causados direta e imediatamente ao meio ambiente e a terceiros, como no
caso de transbordamento de reservatório, despejando substância nociva à natureza, em um rio,
ou de um incêndio, provocado por substância lançada de uma chaminé. O nexo causal é
imprescindível.
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Quando as causas do dano, como no caso presente, são difusas e heterogêneas, não se pode
cogitar de nexo de causalidade.
Não se pode, nesta demanda, precisar quem causou o dano. Uma coletividade industrial não pode,
parcialmente, ser apontada como tal, principalmente ante as outras inúmeras causas danosas
enumeradas.
26. Não se pode perder de vista, ainda, que o complexo industrial de Cubatão vem se formando,
há aproximadamente sessenta anos, com o irrestrito apoio dos Órgãos Públicos (União, Estado de
São Paulo e Município de Cubatão), tempo em que se admitiu, plenamente, a responsabilidade
objetiva desses Poderes Públicos (como adiante será demonstrado).
Não pode, assim, pela simples edição dessa Lei 6.938, em 31 de agosto de 1981, que vai
completar cinco anos de existência, atribuir-se, objetivamente, às empresas, responsabilidade,
que sempre foi dos Poderes Públicos.
27. Aliás, a situação de degradação da Serra do Mar já existia (pelas causas apontadas), ao
momento da promulgação de referida lei. Os próprios Autores admitem o fato, em seu petitório
inicial, quando afirmam que o II Plano Nacional de Desenvolvimento, para o período de 1975 a
1979, instituído pela Lei 6.151, de 4 de dezembro de 1974, já considerava Cubatão como "área
critica de poluição".
Por essa razão, fica impossível compreender a responsabilidade objetiva das Rés considerada por
uma lei que é posterior aos fatos danosos mencionados na inicial.
28. Claro está que essa lei não pode retroagir em seus efeitos, sob pena de atentar contra o
direito adquirido, garantido pelo art. 6.º da Lei de Introdução ao Código Civil (LGL\2002\400)
(Dec.-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942) e pelo próprio texto de nossa Constituição, § 3.º do
art. 153.
29. O direito adquirido, no sentido de poder exercer-se, em tese, seria da coletividade, pelos
Autores, que, entretanto, não poderia tê-lo feito, antes da edição da referida Lei 6.938/81.
À evidência que a presente demanda, sob fundamento, em responsabilidade objetiva, na aludida
lei, não poderia ter sido intentada antes dela.
No Brasil, pelo próprio posicionamento legislativo nacional, nunca foi permitida a edição de leis
retroativas, a não ser a retroatividade benéfica, no Direito Penal.
30. No final do apontado item da preambular, sob análise, voltam os Autores, como dito, a
argumentar sob o ângulo da responsabilidade subjetiva. Vale, como resposta a esse argumento, o
quanto dito no item 6, retro.
A Ré, portanto, que sempre agiu de acordo com os parâmetros fixados pelos Poderes Públicos,
jamais cometeu qualquer ato ilícito.
31. Aduzem os Autores, no item 8 de sua peça inaugural, como fundamento da ação, a Lei 7.347,
de 24 de julho de 1985, que disciplinou a ação civil pública de responsabilidade por danos
causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico.
32. Seria, então, de indagar-se: que os danos ao meio ambiente?
A resposta é clara, pois a lei não pode referir-se senão a danos causados, direta e imediatamente,
ao meio ambiente (com nexo causal perfeitamente definido) e posteriores à sua promulgação.
Vale, neste caso, o mesmo argumento de impossibilidade retroativa da lei, expendido no item 9,
atrás.
33. Pedem os Autores, a final, que sejam as Rés condenadas "solidariamente", ao pagamento de
indenização correspondente ao valor da "recomposição do complexo ecológico atingido"
("Restauração da cobertura vegetal", "Reintrodução das espécies endêmicas de todos os gêneros
da fauna silvestre" e, "Desassoreamento dos cursos d'água comprometidos").
Acontece que a solidariedade não se presume, resultando da lei ou da vontade das partes, atesta
o art. 896 do Código Civil (LGL\2002\400).
Ora, sob o prisma do art. 14, § 1.º, da Lei 6.938/81, citada pelos Autores, nenhuma
responsabilidade solidária nele se define.
34. Por outro lado, no plano da culpabilidade, a solidariedade estaria presente se houvesse acordo
entre as partes ora litigantes ou ato ilícito no procedimento das Rés.
Aí, então, teria aplicabilidade o art. 1.518 do Código Civil (LGL\2002\400) ("São solidariamente
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responsáveis com os autores os cúmplices").
35. Para que exista solidariedade passiva, assim, é preciso que exista pluralidade de pessoas,
praticando, em conluio, ato ilícito. No caso presente, para que tal ocorresse seria necessário que
as empresas estivessem mancomunadas, à produção danosa definida na petição inicial, o que não
acontece, certamente.
36. Como as Rés vêm exercendo, licitamente, sua atividade industrial, não se pode falar, como
quer a inicial, que sua ação coletiva ou conjunta leve ao plano de solidariedade. Não há que falar-
se, portanto, em culpa coletiva das Rés e, muito menos, em responsabilidade coletiva.
III - NEGLIGÊNCIA DO PODER PÚBLICO
37. Tenha-se presente, ainda, que a par da falta de previsão dos Poderes Públicos (União, Estado
de São Paulo e Município de Cubatão), possibilitando a instalação do conglomerado de indústrias
na área de Cubatão, inclusive depois de 1974, foram eles sempre responsáveis pela preservação
do meio ambiente.
38. Aliás, a legislação dá conta disso, conforme, adiante, demonstrado.
39. Assim, em 26 de setembro de 1967, a Lei 5.318, por seu art. 3.º, criou o CONSANE - Conselho
Nacional de Saneamento, com a finalidade de exercer as atividades de planejamento, coordenação
e controle da Política Nacional de Saneamento, com medidas predominantemente programáticas
(art. 7.º).
40. Em 30 de outubro de 1973, o Dec. 73.030 criou, no âmbito do Ministério do Interior, a
Secretaria do Meio Ambiente SEMA, competindo a seu Secretário, dentre outras coisas, "cumprir e
fazer cumprir os dispositivos legais e regulamentos aplicáveis ao órgão" (art. 5.º, letra b). Esse
órgão também sempre teve incumbência de realização de "pesquisa, planejamento, controle e
fiscalização relacionados com a conservação do meio ambiente, em particular no combate à
poluição hídrica, e do uso racional dos recursos naturais" (art. 11).
41. Em 14 de agosto de 1975, o Dec.-lei 1.413 dispôs sobre o controle da poluição do meio
ambiente provocada por atividades industriais (citado na inicial, item 1). Por esse diploma legal,
"Dentro de uma política preventiva, os órgãos gestores de incentivos governamentais considerarão
sempre a necessidade de não agravar a situação de áreas já críticas, nas decisões sobre
localização industrial" (art. 3.º). Por outro lado, objetivando, inclusive, para as situações
existentes, viabilizar alternativa adequada de nova localização, nos casos mais graves, assim
como, em geral, estabelecer prazos razoáveis para a instalação de equipamentos de controle da
poluição", com o apoio do Governo quanto ao
financiamento especial para aquisição desse material
(art. 4.º). Pelo art. 5.º, seguinte, "os Estados e Municípios poderão estabelecer, no limite das
respectivas competências, condições para o funcionamento de empresas".
42. Por sua vez, em 3 de outubro de 1975, o Decreto 76.389 regulamentou o Dec.-lei 1.413/75,
dispondo sobre as medidas de prevenção e controle da poluição industrial, incumbindo "órgãos e
entidades gestores de incentivos governamentais, notadamente o CDI, a SUDENE, a SUDAM e os
BANCOS oficiais", a considerarem, explicitamente, "formas de implementar política preventiva em
relação à poluição industrial, para evitar agravamento da situação nas áreas críticas, seja no
aspecto da localização e novos empreendimentos", seja no tocante à "escolha do processo" ou à
"exigência de mecanismo de controle ou processos antipoluitivos, nos projetos aprovados" (art.
2.º). Esse Decreto é também citado no item 1 da peça inaugural.
43. Destaque-se, ainda, o Decreto estadual 8.468, de 8 de setembro de 1976, que regulamentou
a Lei estadual 997, de 31 de maio do mesmo ano, dispondo sobre a prevenção e o controle da
poluição do meio ambiente, com rígido regramento para a efetiva proteção ambiental; sempre, com
atribuições controladoras pelo Poder Público.
44. Em 22 de dezembro de 1977, o Decreto 81.107, para os fins previstos no artigo 10 do Dec.
76.389/75 e nos arts. 1.º e 2.º do Dec.-lei 1.413/75, citados, considerou de "alto interesse para o
desenvolvimento e a segurança nacional", dentre outras a "Indústria química e petroquímica" e a
"Indústria de fertilizantes" (art. 1.º, inc. III).
45. Depois de existirem as zonas críticas, criadas com a permissão governamental, surge a Lei
6.803, de 2 de julho de 1980, dispondo sobre "as diretrizes básicas para o zoneamento industrial
nas áreas críticas de poluição", também com rígido regramento a ser executado pelo Poder
Público. Cite-se, nesta feita, que, pelo inc. I do art. 10 dessa Lei, cabe aos governos estaduais
"aprovar a delimitação, a classificação e a implantação de zonas de uso estritamente industrial e
predominantemente industrial", competindo aos Municípios baixar "normas locais de combate à
poluição e controle ambiental" (inc. II, art. 11).
46. Lembre-se de que a Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, já mencionada e analisada, em parte,
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regulamentou-se pelo Decreto 88.351, de 1.º de junho de 1983, em que, a par da responsabilidade
objetiva (só por danos diretos e imediatos - art. 14, § 1.º, daquela), se possibilita o controle da
poluição permitida, como no caso das Rés. Assim, o parágrafo único do art. 15 assenta: "As
normas e padrões estaduais e municipais, de que trata este artigo, poderão fixar parâmetros de
emissão, ejeção e emanação de agentes polidores, desde que os mesmos não sejam menos
restritivos que os fixados pelo CONAMA".
47. Muitos outros textos deixam patenteada essa responsabilidade governamental, desde o início
da formação do complexo industrial de Cubatão.
E atuação governamental tem havido, de controle da poluição, estritamente obedecido pelas Rés,
o que faz da atividade destas uma participação lícita, incentivada pelo Poder Público e
reconhecida como de extrema necessidade à população.
48. O erro não está, portanto, na atuação industrial, mas na criação e concentração do
desmesurado complexo de indústrias, sem previsão do governo, que criou, paulatinamente, por
tantos anos e por sua própria provocação e iniciativa, fonte poluidora complexa, que veio a ser
reconhecida, pela própria lei, como "zona crítica".
49. Repito que, mesmo depois desse atestado legislativo, o Poder Público continuou alimentando
esse gigante industrial, como se pudesse, a qualquer tempo, por passe de mágica, reduzir sua
força poluidora!
50. Como resta evidente, a responsabilidade exclusiva, por esse estado de coisas, é do Governo.
IV - ANÁLISE DA DOCUMENTAÇÃO INICIAL
51. Malgrado, unilateralmente, produzida, a documentação juntada pêlos Autores já demonstra
que as causas dos deslizamentos na Serra do Mar são de caráter natural.
52. Destaque-se o estudo feito pelo Engenheiro José Álvaro Pedrosa, à fls., da inicial, onde se vê
que os mesmos deslizamentos ou escorregamentos são causados por fenômenos geológicos,
decorrentes das condições naturais da cordilheira. De citar-se o seguinte trecho: "Os
escorregamentos são eventos naturais, que fazem parte da própria dinâmica de evolução das
encostas. Situadas numa das regiões de maiores índices pluviométricos do mundo, as encostas
evoluem através de um processo de escorregamentos sucessivos movidos basicamente à água e à
gravidade".
No mesmo diapasão, o parecer técnica, anexo à inicial, onde às fls., se conclui: "No entanto, o
grande agente responsável pelo desenvolvimento desse processo de instabilização, e isso é do
conhecimento de todos, são as chuvas intensas características da região".
53. Por outro lado, a ação direta de outros agentes físicos ou humanos, não relacionados com a
atividade das Rés, são mencionados como causas secundárias desses deslizamentos, pelos
documentos técnicos aludidos, às fls., tais: queimadas e desmatamentos para a produção de
lenha e carvão, proliferação de favelas, construção de estradas, ferrovias e aquedutos, pesquisa
e lavra de minérios na região, e exploração de pedreiras com explosões freqüentes.
V - RESPONSABILIDADE CIVIL NO CASO CUBATÃO
1. Espécies de Responsabilidade Civil
54. Relembrando, a responsabilidade civil divide-se em duas grandes espécies; a primeira situa-se
no âmbito da inexecução obrigacional chamada responsabilidade contratual, a segunda
posicionada no inadimplemento normativo, cognominada responsabilidade extracontratual ou
aquiliana.
55. Esta última, responsabilidade aquiliana, subdivide-se em subjetiva ou delitual, com fundamento
na culpa, e em objetiva ou decorrente do risco, em que não se perquire da culpa do indenizador,
que, por sua atividade, criou o risco indenizatório.
56. Destaque-se, nesta oportunidade, entretanto, que, mesmo, os casos de aplicação da teoria
do risco, previstos no Código Civil (LGL\2002\400), ensejam indenização por culpa de outrem, por
aquele que não teve culpa ou cuja culpa foi presumida na lei.
Assim, quando o empregador, ainda que sem culpa, é levado a indenizar, por culpa de seu
empregado, sem condições de fazê-lo, em tese, quem está pagando é o empregado, pois o
empregador pode voltar-se contra o patrimônio dele, para reembolsar-se do que pagou (direito de
regresso).
57. Por isso, costumo dizer que há duas categorias de responsabilidade com fundamento na teoria
do risco: pura e impura.
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A impura tem, sempre, como substrato a culpa de terceiro, que está vinculado à atividade do
indenizador.
A pura implica ressarcimento, ainda que inexista culpa de qualquer dos envolvidos no evento
danoso. Neste caso, indeniza-se por ato lícito ou por mero fato jurídico, porque a lei assim o
determina. Nesta hipótese, portanto, não existe direito de regresso, arcando o indenizador,
exclusivamente, com o pagamento do dano.
Assim, por exemplo, se, por um fato jurídico (tufão), um recipiente de ácido (instalado com toda a
segurança) é arrastado a um rio, causando danos ecológicos, a obrigação de indenizar existe,
como também por ato lícito, de uma empresa nuclear, que está autorizada à sua atividade, dentro
de certos parâmetros, controlados por órgãos públicos, e que venha, mesmo assim, a causar
danos.
58. A indenização existe, portanto, tão somente, por causa da atividade de risco, prevista em lei,
independentemente de cogitação de culpa.
2. Responsabilidade delitual dos agentes do Poder Público
59. Como restou evidenciado, atrás, o Poder Público (União, Estado de São Paulo e Município de
Cubatão) agiu, negligentemente, por seus agentes,
ao permitir e incentivar a formação do
complexo industrial de Cubatão.
Nosso Código Civil (LGL\2002\400) é expresso ao assentar, em seu art. 159, que aquele, que, por
dolo comissivo ou omissivo, negligência, imprudência ou imperícia, violar direito ou causar prejuízo
a outrem fica obrigado ao ressarcimento do dano causado.
A negligência, que se consuma como atuação ilícita, é toda falta de cuidado, que possa evitar a
causação de dano.
No caso sob estudo, indene de dúvidas, está presente essa falta de cautela dos agentes do Poder
Público, pois, como qualquer pessoa, sabe da situação poluente das empresas aglomeradas em
Cubatão, não podendo existir em número tão avançado.
60. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de Direito Público está prevista no art. 15, de
nosso Código Civil (LGL\2002\400), sendo de admitir-se toda a vez que seus agentes, nessa
qualidade, causem prejuízos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a
dever previsto em lei, ressalvado a elas o direito de regresso contra os causadores do dano.
Esse preceito decreta a responsabilidade objetiva impura das mesmas pessoas jurídicas, que,
também retratada em outras Constituições anteriores, reafirma-se, com redação melhor, no
parágrafo 6.º do art. 37 da atual Constituição da República (LGL\1988\3) Federativa do Brasil, de
5 de outubro de 1988: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras
de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
61. Não deixa dúvidas nossa Constituição de que os danos, assim causados, devem ser
ressarcidos pelo Poder Público, que corre o risco do desempenho das funções públicas, só tendo
direito de cobrar-se dos prejuízos, junto a seus causadores, se, por parte destes, se constatar
culpa ou dolo.
62. Bem pondera Yussef Said Cahali (Responsabilidade Civil do Estado, Ed. Revista dos Tribunais,
São Paulo, 1982, pp. 49 e 50) que, "No plano da responsabilidade objetiva do direito brasileiro, o
dano ressarcível tanto resulta de ato dolos o ou culposo do representante do Estado, como
também de ato que, emborca não culposo ou revelador de falha da máquina administrativa, tenha-
se caracterizado como injusto para o particular, como lesivo de direito subjetivo. Essa diversidade
de causa do prejuízo tem relevância na determinação da responsabilidade administrativa. Com
efeito, e na exata observação de Weida Brunini, as características dos danos ressarcíveis são
diversas para os danos provenientes de atividades lícitas e os provenientes de atividades ilícitas".
Realmente, pois, como já demonstrei, atrás, a responsabilidade objetiva impura resulta de ato
ilícito de terceiro (funcionário, preposto, pôr exemplo), pelo qual responde o indenizador, sob a
égide da culpa de outrem. Já, na responsabilidade objetiva pura, ela exsurge de ato lícito ou de
fato jurídico.
63. Havendo culpa, portanto, a responsabilização deve ser a mais completa possível, como tem
demonstrado nossa Jurisprudência, que aplica, nessa situação, mais grave, o princípio da correção
monetária, com os demais gravames, e não o do nominalismo. Reafirme-se que tal se dá quando se
trata de dívida resultante de ato ilícito (Revista dos Tribunais, vols. e pp. 461/243, 455/245, 452/
94, 451/266, 449/220, 448/75 e 101, 446/91 e 101, 445/101, 443/126 e 143 e 154, 439/95 e 114,
435/75, 428/267, 424/244, 410/161, 409/217, 405/210, 404/195; Revista de Jurisprudência do
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Tribunal de Justiça de São Paulo, vols. e pp. 18/140 e 141, 16/164, 15/265, 14/151, 13/120 e 121
e 130 e 134 e 144 e 169 e 235 e 306, 11/145, 10/145, 9/180 e 219; Revista Trimestral de
Jurisprudência, vols. e pp. 57/439, 47/500, 44/109.
Desses julgados, infere-se que aquele que causa dano, culposamente, tem dívida de valor, pela
necessidade de indenização completa desse prejuízo.
64. Arremate-se com o ensinamento de Yussef Said Cahali (ob. cit., p. 50), pelo qual, "nos casos
de dano sofrido em razão de dolo ou culpa do representante do Estado, de deficiência ou falha do
serviço público, de culpa anônima da Administração, da chamada faute de service, nasce a
pretensão ressarcitória: a indenização, compreendendo os danos certos e não eventuais, atuais
ou futuros, deve ser a mais completa possível, assimilando-se à responsabilidade civil do direito
comum".
65. Sob o ponto de vista constitucional, ainda, as recomendações ao Poder Público, de proteção
ao meio ambiente, vêm sendo feitas desde a Constituição de 1934, em que, pelo art. 10, inc. III,
preconizava a competência concorrente da União e dos Estados para proteção das belezas
naturais.
A Constituição de 1937, ao fazer referência à proteção da natureza, acrescenta que ela está sob
cuidados especiais, não só da Nação e dos Estados, mas também dos Municípios, sendo certo que
os atentados sobre ela equiparavam-se aos cometidos contra o patrimônio nacional (art. 134).
Também a Constituição de 1946, por seu art. 175, colocou os monumentos naturais, as paisagens
e os locais dotados de particular beleza sob a proteção do Poder Público.
No mesmo sentido, a Constituição de 1967, pelo art. 172, parágrafo único, ainda com sua nova
redação, ratificada pelo art. 180 e parágrafo único, da Emenda Constitucional 1, de 1969.
Todas enfatizando esse importante dever de proteção ao bem natureza, pelo Poder Público.
66. Ante o contínuo descumprimento, pelo Estado, desse dever de cuidados especiais à natureza,
foi veemente e mais severa a Constituição atual, de 5 de outubro de 1988, criando um capítulo
específico para a matéria (Capítulo VI - Do meio ambiente), reconhecendo a todos o direito "ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações" (art. 225, caput).
Para assegurar a efetividade desse direito, deve o Poder Público (§ 1.º), dentre outras
providências, "exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a
que se dará publicidade" (inc. IV), sob pena de sofrerem os infratores, pessoas físicas ou jurídicas,
sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados
(§ 3.º).
Por isso, incumbe a esse mesmo Poder, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em comum) a
proteção do meio ambiente e o combate à poluição, em qualquer de suas formas (art. 23, inc. VI),
e aos três primeiros Órgãos legislar concorrentemente sobre responsabilidade por dano causado ao
meio ambiente e a bens e direitos de valor turístico e paisagístico, dentre outros (art. 24, inc.
VIII).
67. Tudo, para demonstrar que o dever primeiro de zelar pelos bens naturais é do Poder Público,
dever esse que, no caso sob exame, não foi cumprido, com a permissão de excessiva aglomeração
de indústrias, sem qualquer medida ou programação, para preservar o meio ambiente.
3. Responsabilidade civil objetiva pura das Poluidoras
3.1 Ausência de nexo causal, entretanto
68. Por outro lado, as Rés e as muitas outras empresas, que formam esse conglomerado industrial,
sempre praticaram atos líticos, jamais agiram, sequer, culposamente. Sua atividade foi,
continuamente, fiscalizada pela CETESB.
69. É certo, como vimos (itens 57 e 58), que a responsabilidade civil objetiva pura implica
indenização, independentemente de qualquer cogitação de culpabilidade. Indeniza-se, neste caso,
por ato lícito.
É o caso previsto no § 1.º do art. 14 da Lei 6.938/81, pelo qual o poluidor é obrigado,
"independentemente de existência de culpa", a indenizar ou reparar os prejuízos causados ao meio
ambiente, por afetação
de sua atividade.
70. Assim, basta existir a atividade perigosa, emborca lícita, para que a obrigação indenizatória
exista, pelo simples risco de causação de danos.
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Todavia, como demonstrei, atrás (itens 19 a 22 e 25 a 27), os danos ao meio ambiente só se
indenizam quando causado direta e imediatamente a ele.
71. No caso sob análise: a) sequer o local da devastação foi precisado; b) são acusadas de
poluidoras as Rés, todavia, existem mais setenta indústrias, aproximadamente, instaladas no local,
nas mais diversas épocas; c) existem outras variadas causas Poluidoras (inclusive naturais); d)
tudo, sem cogitar-se da negligência dos Poderes Públicos em permitir e incentivar esse absurdo
conglomerado industrial (conforme itens 37 a 48 e 59 a 67)!!!
As causas de poluição, aqui mencionadas, são difusas e heterogêneas, não havendo possibilidade
de estabelecimento de nexo causal (A realizou tal atividade lícita, em certa época, em certo lugar,
causando tal dano a determinado rio ou floresta).
72. O nexo de causalidade entre a culpa e o prejuízo é condição necessária ao ressarcimento
deste, admitida desde o Direito Romano.
É preciso, lembrar Henri e Léon Mazeaud e André Tunc (Traté Théorique et Pratique de la
Responsabilité Civile, Délictuelle et Contractuelle, Ed. Montchrestien, Paris, 5.ª Ed., 1958, tomo II,
pp. 407 e 408, n. 1.417) que o dano sofrido seja a conseqüência da falta cometida, aduzindo que
o bom senso exige a exigência do liame de causalidade.
O autor do ato ilícito não pode, evidentemente, ser obrigado a reparação senão dos danos que
sejam a conseqüência de culpa. Ninguém sonha em reclamar perdas e danos de uma pessoa que
não tenha causado o prejuízo sofrido.
73. Bem adverte Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro, Responsabilidade Civil, Ed.
Saraiva, São Paulo, 1984, 7.º vol., pp. 81 e 82), quando afirma que o nexo representa "uma
relação necessária entre o evento danoso e a ação que produziu, de tal sorte que esta é
considerada como causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente
do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse
acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano,
o agente responderá pela conseqüência. O dano poderá ter efeito indireto, mas isso não impede
que seja, concomitantemente, um efeito necessário da ação que o provocou. P. ex.: se um
desordeiro quebrar vitrina de uma loja, deverá indenizar o dono não só do custo do vidro e sua
colocação, mas também do valor dos artigos, furtados em conseqüência de seu ato, por ser dano
indireto, emborca efeito necessário da ação do lesante".
Acrescenta, ainda, a mesma professora, em seqüência, escudada em vários doutrinadores, que a
questão do nexo causal é quaestio facti e não quaestio iuris, já que o juiz da causa deverá
apreciá-la. Sendo, portanto, o nexo de causalidade um dos pressupostos da responsabilidade civil,
deverá ser provado, competindo tal ônus ao autor da demanda.
74. Como visto, os doutrinadores da matéria, sob cogitação, sempre se referem à relação de
causa e efeito entre o ato ilícito e o evento danoso, a gerar a responsabilidade.
Entretanto, em sede de responsabilidade civil objetiva pura, em que não há qualquer cogitação de
culpa, o nexo estabelece-se entre o ato lícito, definido em lei, como gerador de sua
responsabilidade, e o prejuízo, por ele, causado. Repita-se, no caso, que ocorre o ressarcimento
do dano causado por ato lícito, nos moldes definidos em lei.
Todavia, o nexo causal continua necessário e imprescindível.
75. Ressalte-se, neste passo, a lição de Adriano de Cupis (II Dano - Teoria Generale della
Responsabilitá Civile, Ed. Giuffrè, Milano, 1946, p. 77), que, após analisar a posição da culpa no
direito moderno, conclui que existem, no direito positivo italiano, "numerosos casos, nos quais o
dano produz reação jurídica malgrado não seja culposo; a ausência de culpa, em alguns desses
casos, é a conseqüência da ausência da antijuridicidade do dano, enquanto que, em outros,
acompanhando-se da antijuridicidade, determina a existência do chamado dano só objetivamente
antijurídico (antijurídico, mas não culposo); inúmeras vezes, é o critério do risco que justifica
porque o dano produz reação jurídica, embora não seja culposo; e, em algumas hipóteses
(circulação de veículos, infortúnios do trabalho), foi o ritmo da vida moderna que impôs o
abandono do requisito da culpa. Conquanto numerosos e importantes sejam os casos, nos quais o
dano produz reação jurídica, malgrado a ausência de culpa", entende esse mestre italiano "que,
entre a responsabilidade vinculada e a responsabilidade independente de culpa, não esteja
invertida a relação de regra a exceção".
76. Em matéria de dano ecológico, que venha a existir, sem culpa do indenizador, que é obrigado a
ressarcir os prejuízos, por determinação legal, é também, inafastável a relação de causalidade.
Neste caso, esse nexo ocorre entre o ato lícito ou o fato jurídico e o evento danoso.
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77. Lembra, com muita propriedade, Édis Milaré (Curadoria do Meio-Ambiente, Ed. APMP, série -
Cadernos Informativos, São Paulo, 1988, pp. 46 e 47) que a responsabilidade objetiva prevista no
art. 14, § 1.º, da Lei 6.938/81, "independe da existência de culpa e se baseia na idéia de que a
pessoa que cria o risco deve reparar os danos advindos de seu empreendimento. Nesse caso",
continua, "para que se possa pleitear a reparação do dano basta que o autor demonstre o nexo
causal entre a conduta do réu e a lesão ao meio ambiente a ser protegido. Três, portanto, os
pressupostos para que a responsabilidade emerja: a) ação ou omissão do réu; b) evento danoso;
c) relação de causalidade".
78. Acrescenta José de Aguiar Dias (Responsabilidade Civil no Plano Ecológico, "in" Revista Jurídica
"Themis", Ed. Gráfica 73, Água Verde - Curitiba-PR, set./1978, n. 1 - nova fase, pp. 22 e 23) que
"Não há, porém, responsabilidade civil sem relação de causalidade entre o dano e a atividade do
sujeito passivo da obrigação de reparar". E explica, em seguida: "É, pois, necessário, ainda que se
trate de responsabilidade regulada em base objetiva, que se apure se a atividade incriminada foi
causa do dano".
79. Na demanda sob análise, portanto, só poderiam ter êxito os autores caso comprovassem esse
nexo, o que, como evidenciado, é impossível, ante a multivariedade de causas, inclusive naturais e
díspares no tempo, responsáveis pela aludida destruição ecológica, mormente ante a causa maior,
a negligência dos Poderes Públicos, com dever de zelo à referida área atingida.
4. Predominância da culpa em matéria indenizatória, em geral
80. Restou, ainda, evidente, indene de quaisquer dúvidas, que os agentes da União, do Estado de
São Paulo e do Município de Cubatão descumpriram dever de zelar pela área deste último, pois, ao
invés de incentivarem e autorizarem a instalação paulatina do desmensurado complexo industrial
nesse lugar, deveriam ter evitado essa situação (conforme itens 37 a 50, "retro").
81. Como o Poder Público responde por atos culposos de seus agentes, por responsabilidade
objetiva impura, é ele o primeiro obrigado a indenizar. A culpa atrai, antes, o dever indenizatório.
82. Tive oportunidade de acentuar (Curso de Direito Civil, Teoria Geral das Obrigações, Ed. Revista
dos Tribunais, São Paulo, 4.ª ed., 1987, p. 249, n. 3) que, em nosso Direito, a grande base em
que se funda a responsabilidade extracontratual é a culpa, emborca se admita responsabilidade
sem culpa, que se vem impondo aos povos modernos, ante a insuficiência da culpa à cobertura de
todos os danos.
83. Tenha-se presente, neste ponto, o ensinamento de Alvino Lima (Culpa e Risco, Ed. revista dos
Tribunais, São Paulo, 2.ª tiragem, l.ª ed., 1963, pp. 42 e 43), que admite que "a teoria da culpa
vem consagrada, como princípio fundamental, em todas as legislações vigentes", emborca advirta,
desde então, com fundamento em vários doutrinadores, dentre os quais Josserand, que "Estava,
todavia, reservada à teoria clássica da culpa o mais intenso dos ataques doutrinários que talvez
se tenha registrado na evolução de um instituto jurídico. As necessidades prementes da vida, o
surgir dos casos concretos, cuja solução não era prevista em lei, ou não era satisfatoriamente
amparada, levaram a jurisprudência a ampliar o conceito da culpa e acolher, emborca
excepcionalmente, as conclusões das novas tendências doutrinárias", referindo-se esse saudoso
professor à implantação, a pouco e pouco, da responsabilidade objetiva, pela teoria do risco.
É nítido, entretanto, ainda hoje, o posicionamento prevalente da culpa, para efeito indenizatório.
Tanto que a responsabilidade objetiva impura é cuidada como exceção e a pura, com assento,
exclusivamente, no risco criado, como exceção da exceção!!!
84. Nesse sentido, explica José de Aguiar Dias (ob. cit., p. 22) que "o dano ecológico encontra
sua primeira base de reparação nos sistemas ordinários da responsabilidade civil: a doutrina da
culpa funciona sempre que se verifique um procedimento prejudicial que poderia ser evitado,
mediante acordo com as conquistas atuais da ciência. Como não é, porém, suficiente, para
atender aos casos em que a culpa não pode ser claramente identificada, a doutrina e a
jurisprudência se firmaram, de preferência à teoria do risco criado, também já utilizado antes do
surto excepcional das atividades Poluidoras, a um sistema de equilíbrio, inspirado na fatalidade da
sujeição ecológica e segundo a qual, assim como a pessoa moral pública que causa, por sua
atividade, um incômodo anormal, deve indenizar os cidadãos pôr ela prejudicados, afim de que os
encargos do serviço público seja repartidos entre todos os contribuintes, assim também a empresa
privada deve reparação a seus vizinhos atingidos pelo dano decorrente de seu funcionamento,
para que os encargos resultantes se repartam entre eles e os que desse funcionamento retirem
proveito".
Portanto, a teoria da culpa é de aplicar-se, primeiramente. O culpado deve de indenizar, sempre.
Todavia, só quando não for possível o ressarcimento do dano pela culpa, é que se deve recorrer à
teoria objetiva do risco, que só existe como política de reparação do prejuízo, para que este, em
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alguma situação, não deixe de ser ressarcido.
85. Também Édis Milaré (ob. cit., p. 46) afirma, mesmo tratando de dano ecológico: "A regra geral
vigorante em nosso ordenamento jurídico é a de que o dever ressarcitório pela prática de atos
ilícitos decorre da culpa, ou seja, da reprovabilidade ou censurabilidade da conduta do agente. O
comportamento do agente será reprovado ou censurado, quando, ante circunstâncias concretas
do caso, se entende que ele poderia ou deveria ter agido de modo diferente". Já, "nos casos de
dano ao meio ambiente, excepcionalmente, é admitida a responsabilidade objetiva", que
"independe da existência de culpa".
No caso sob estudo, o Poder Público poderia, certamente, ter evitado com sua atividade protetiva
do meio ambiente o excessivo conglomerado de empresas no local dos fatos.
Repita-se que, em um período de, aproximadamente, sessenta anos, instalaram-se em Cubatão,
com incentivos governamentais, setenta indústrias, aproximadamente, além das rés no processo,
sob exame.
86. Chega, mesmo a afirmar Hely Lopes Meirelles (Proteção Ambiental e Ação Civil Pública, "in"
Revista dos Tribunais, vol. 611, pp. 7 a 13, especialmente 11), ante a responsabilidade objetiva do
poluidor, que basta ao autor da demanda demonstrar o nexo causal entre a conduta do réu e a
lesão ao meio ambiente a ser protegido", indicando "o dispositivo legal infringido". Mas acentua:
"Se o fato arguído de lesivo ao meio ambiente for praticado com licença, permissão ou autorização
da autoridade competente" (como no caso, sob cogitação, em que há controle e fiscalização da
CETESB, inclusive), "deverá o autor da ação - Ministério Público ou pessoa jurídica - provar a
ilegalidade de sua expedição, uma vez que todo ato administrativo traz a presunção de
legitimidade, só invalidável por prova em contrário".
87. Como foi constatado, ainda que existisse, por absurdo, nexo causal entre a atividade das Rés
Poluidoras e o dano causado à Serra do Mar e à região mencionada, jamais poderiam essas
mesmas indústrias responder objetivamente por atuação lícita, em lugar dos aludidos Poderes
Públicos, cujos funcionários atuaram com culpa.
88. A responsabilidade objetiva pura (sem culpa) cede lugar à impura (por culpa de outrem,
funcionários). Quem age com culpa deve indenizar, em regra. O dano, em razão de
responsabilidade sem culpa só é objeto de indenização, excepcionalmente; à falta da primeira.
89. Como visto, a ordem de incidência indenizatória vai da responsabilidade aquiliana delitual à
objetiva impura (exceção) e esta à objetiva pura (exceção da exceção).
5. Ausência de solidariedade passiva
90. Pela alegada solidariedade passiva, estariam as Rés, cada qual com obrigação de prestar o
total da indenização, in solidum, totum et totaliter.
Já, por essa situação extraordinária de um devedor ter de arcar com o pagamento de toda a
dívida, é que a solidariedade não se presume, resultando da lei ou da vontade das partes (art. 896
do Código Civil (LGL\2002\400)).
91. Como já demonstrado, atrás (itens 33 a 36), não ocorre a pretendida solidariedade passiva, no
caso em foco, ainda que, por absurdo, se considerasse a responsabilidade objetiva das Rés, como
definida no § 1.º do art. 14, da Lei 6.938/81.
Nesse texto, não há qualquer referência a solidariedade passiva.
92. Não havendo previsão legal, portanto, no âmbito da responsabilidade objetiva, ali, programada,
somente seria de considerar-se a solidariedade em ação conjunta ilícita, como assentada no art.
1.518 do Código Civil (LGL\2002\400).
Ora, só existem cúmplices quando há participação coletiva, de várias pessoas, na realização de
uma iliceidade.
93. Assim, não havendo solidariedade específica e expressamente admitida em lei, no caso em
análise, nem contratação dos interessados, também não tem guarida o preceito genérico de
solidariedade previsto no aludido art. 1.518.
94. Sim, porque esse dispositivo legal, como visto, somente se aplica a atuação culposa de um
grupo, já que se instala no Código Civil (LGL\2002\400), no título VII do Direito Obrigacional, sob o
rótulo "Das Obrigações por atos ilícitos".
No caso presente, as Rés atuaram licita​mente, sob incentivo, autorização e fiscalização
governamental.
Ilicitamente, agiram, sim, por culpa de seus agentes, os atrás mencionados Órgãos do Poder
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Público.
95. Analisando o aludido art. 1.518, percebe-se, nitidamente, que ele compreen​de duas partes,
que ele se desdobra, cuidan​do, por primeiro, da responsabilidade solidária com pluralidade de
autores do dano (caput, segunda parte: "se tiver mais de um autor a ofensa"); em segunda plana,
aduz, como também responsáveis, com os autores do delito civil, os seus cúmplices e as pessoas
mencionadas no art. 1.521 do mesmo Código (parágrafo único; "São solidariamente responsáveis
com os autores os cúmplices e as pessoas designadas no art. 1.521").
Assim, são responsáveis, solidariamente, os autores do ato ilícito e seus cúmplices, bem como os
que a lei estabelecer, especificamente (casos, por exemplo, do art. 1.521, mencionado).
96. Comentando esse art. 1.518, como regra jurídica "assaz geral", destaca Pontes de Miranda
(Tratado de Direito Privado, Ed. Borsoi, Rio de Janeiro, 1972, 3.ª ed.,
reimpressão, tomo LIII, pp.
211 e 212) que "Um dos pontos mais dignos de atenção é o da pluralidade de causas, ou mesmo
de causadores, coligados ou separados, com a contemporaneidade ou a sucessão. Se A pôs
fósforo aceso no quintal do vizinho e B, ao descobrir o começo do incêndio, lançou latas de
querosene, para que os danos crescessem, ou mesmo, com medo do incêndio, correu e deixou que
as latas caíssem, há duas ilicitudes danosas, sem que se possa falar de co-responsáveis. Se A e B
cogitaram dos dois atos e os praticaram, os danos resultaram das con-causas e há a pluralidade
com a solidariedade, porque o ato ilícito absoluto foi uno e a multiplicidade foi subjetiva. Não
importa quem atirou o fósforo ou quem jogou as latas. O lesado pode exigir a indenização de
qualquer dos responsáveis, pois que são solidários, no todo, ou em parte". E, mais, se há dados
precisos sobre a discriminação dos danos e das suas causas, subjetivamente determinadas, cada
pessoa só é responsável pelo dano que causou, ou pelo qual é, por lei, responsável".
Em todos os pontos desses ensinamentos a culpa está presente. Neles, em cada passo e em cada
exemplo, cogita o saudoso jurista de atuações separadas ou coligadas, mas, sempre, ilícitas.
97. O mesmo ocorre com a doutrina, em geral, que não vê outra situação no art. 1.518, em
análise, que a de responsabilidade solidária em razão de atos ilícitos coletivos.
Nesse ponto, também, a lição de J. M. de Carvalho Santos (Código Civil (LGL\2002\400) Brasileiro
Interpretado, Direito das Obrigações, Livr. Ed. Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1937, vol. XX, pp.
203 e 204, n. 6), escudada na de G. P. Chironi (La Colpa nel diritto civile odierno - Colpa Extra-
Contrattuale, Ed. Fratelli Bocca, Torino, 1906, 2.ª ed., vol. II, p. 396, n. 453), quando explica que
"O verdadeiro fundamento da solidariedade está nas relações que nascem do resultado idên​tico do
fato ilícito, da identidade do direito lesado, impondo o mesmo ressarcimento por parte daqueles a
quem seja atribuível o dano".
98. Do mesmo modo, deixa patente José de Aguiar Dias (Da Responsabilidade Civil, Ed. Forense,
Rio de Janeiro, 1973, 5.ª ed., vol. II, pp. 451 e 452) que, "Para que se reconheça a solidariedade
passiva extracontratual, ou seja, para que cada responsável possa ser demandado pelo total da
indenização, é necessário: a) que cada um tenha obrado com culpa, que deve ser provada, se
contra o autor não pesa presunção a respeito" (também, no mesmo sentido Mazeaud et Mazeaud,
ob cit., ns. 1.949 e ss., pp. 886 e ss.); "b) que seja prejudicial o fato culposo, isto é, que tenha
produzido o dano resultante da atuação coletiva. Se, portanto, se estabelece que, mesmo agindo
culposamente, a atuação destes ou daqueles não concorreu para o dano ou não concorreu para o
dano de que se trata, se fica provado que o ato produtor do dano emanou de um membro do
grupo, que fica assim determi​nado, não há como condenar a todos ou reconhecer solidariedade
entre eles".
A culpa volta a ser exigida, mais uma vez, sem a qual não se pode cogitar de solidariedade.
Ainda que culpa houvesse das Rés, ad argumentandum, faltaria, no caso em questão, o nexo de
causalidade.
VI - RESPOSTAS RESUMIDAS AOS QUESITOS
99. Quesito 1
Após detida análise da petição inicial e da documentação, que a instrui, não se pode concluir que
exista responsabilidade indenizatória das empresas Rés, Consulentes, ou não.
Nem mesmo existe essa responsabilidade pelas outras setenta indústrias, aproximadamente,
instaladas no local dos fatos e que não foram arroladas como Rés.
100. Quesito 2
Está, por outro lado, evidenciada a suma negligência dos Poderes Públicos, União Federal, Estado
de São Paulo e Município de Cubatão, por seus agentes, na criação do parque industrial, por seu
exclusivo incentivo e por sua autorização.
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A falta de cuidados desses Órgãos Públicos foi fatal e vem existindo há mais de trinta anos, com
essas instalações industriais, em um crescendo, que continuou, mesmo depois de declarada,
legalmente, a região de Cubatão como zona critica de poluição.
101. Quesito 3
Além do mais, existem outras causas Poluidoras, como evidenciado na própria documentação da
peça inaugural, tais as chuvas excessivas no local, causando deslizamentos, a existência de
favelas, a retirada indiscriminada de madeira e o tráfego intenso de rodovias.
102. Quesito 4
É certo que, em tese, as Rés poderiam ser condenadas a indenizar, mesmo em decorrência de sua
atividade lícita, controlada pela CETESB, pois a legislação, como demonstrado, declara sua
responsabilidade civil objetiva pura, como empresas Poluidoras.
103. Quesito 5
Todavia, não existe nexo causal entre a atividade das Rés e os danos mencionados na inicial.
Essa atividade é antiga por muitas das empresas locais e recentes por outras, havendo mais
setenta outras indústrias, no local, que não são Rés no processo estudado.
Além dessa diversidade de atuação no tempo, as outras causas sérias de destruição do local,
inclusive naturais, retiram qualquer possibilidade da referida relação causal.
Tudo, sem cogitar-se da negligência dos agentes dos referidos Órgãos Públicos, cuja
responsabilidade civil objetiva impura se antepõe à das Rés. Sim, porque naquela, a culpa dos
mencionados agentes existe, para possibilitar ampla indenização.
O descumprimento desse dever de preservação do meio ambiente pelo Governo, leva à completa
indenização.
Só deve indenizar, sem culpa, aquele que, realmente, causou o dano, quando a lei o determinar,
devendo existir nexo causal. Isto, para que o dano não reste sem indenização. Todavia, havendo
culpa, esta precede a vocação indenizatória, para que só o culpado pague o dano resultante de
seu ato ilícito.
104. Quesito 6
Ainda que, em tese, fosse possível a condenação das Rés, jamais poderia existir solidariedade
entre elas pelos apontados danos, pois seus atos, malgrado lícitos, foram isolados no tempo e não
resultaram de conluio e de iliceidades.
Na solidariedade, como visto, deve estar presente a culpa coletiva, pois, ainda que existissem
atos ilícitos isolados, cada indústria responderia pelos seus, na medida da causação danosa.
É o meu parecer,
"sub censura".
 Página 1
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O direito ambiental como direito fundamental.
Estado e poder ambiental
O DIREITO AMBIENTAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL. ESTADO E
PODER AMBIENTAL
Revista de Direito Ambiental | vol. 52 | p. 138 | Out / 2008
Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil | vol. 7 | p. 51 | Out / 2011DTR\2008\579
Marcelo Ferrucci
Pós-graduando em Direito Ambiental pela Escola Superior de Direito Constitucional. Advogado.
 
Área do Direito: Ambiental
 
 
Resumo: Este artigo pretende versar sobre o Direito Ambiental como Direito Fundamental a fim de
aperfeiçoar a proteção ao meio ambiente pelos princípios constitucionais.
 
Palavras-chave: Direito - Meio ambiente - Estado - Direito constitucional - Direito ambiental -
Hermenêutica
Abstract: This article intends to clarify the Environmental Law as Fundamental Law to improve
the protection of the Environment by the constitutional principles.
 
Keywords: Law - Environment - State - Constitutional Law - Environmental Law - Interpretation
Sumário:
 
1.Introdução - 2.Meio ambiente: conceito - 3.Estado e meio ambiente - 4.Princípio da precaução -
5.O poder ambiental - 6.Direitos fundamentais - 7.A hermenêutica dos direitos fundamentais -
8.Direito ambiental como direito fundamental - 9.Conclusão - 10.Referências bibliográficas
 
1. Introdução
A capacidade do ser humano em transformar os recursos naturais em bens para o seu uso é o que
diferencia dos demais seres vivos. Esta habilidade faz com que haja um aperfeiçoamento de sua
produção até o momento em que ele "contrata" alguém para
produzir em seu lugar mediante uma
troca, na qual o "contratado" vende a sua mão-de- obra. Tal relação se aperfeiçoou através dos
anos até se consolidar no estágio atual do capitalismo. Como bem explica Alaôr Caffé Alves:
"Não se trata aqui de sublinhar apenas as relações técnicas de produção, através das quais se
exprimem as formas de controle ou domínio que os agentes de produção exercem sobre os meios
de trabalho em particular e sobre o processo de trabalho em geral. Estas relações estão
vinculadas às características técnicas do processo de trabalho, tais como a divisão técnica do
trabalho, tipo de cooperação, natureza dos meios de trabalho, etc. Sua dinâmica provoca
profundas alterações nas relações entre os homens, como, por exemplo, o fato de a introdução de
meios tecnológicos sofisticados no trabalho agrícola (tratores, segadeiras, eletrificação, etc.)
conduzir o deslocamento da força de trabalho para outros setores econômicos e, se incorporados
de modo inorgânico, poder levar ao desempenho milhares de trabalhadores, provocando tensões
sociais regionais ou até mesmo nacionais. Nessa esfera das relações técnicas de produção ainda
se pode apontar as grandes transformações que o caráter cooperativo no processo de trabalho,
decorrente de certo modo de produzir as coisas (com a introdução da máquina industrial), pode
imprimir nas relações entre os sujeitos sociais. Com efeito, o processo baseado na cooperação
complexa em grande escala implica a perda, por parte do trabalhador individual, do controle ou
domínio do processo de trabalho, dando margem ao aparecimento do "trabalhador coletivo", que
exige a função de um grupo de trabalhadores (indiretos) para cumprir as operações de direção e
controle do processo de produção. Esse fato demarca a origem e necessidade da hierarquia e
burocracia no processo produtivo de caráter capitalista.
Há a necessidade também de se colocar em relevo, e de forma especial, as relações sociais de
produção, visto que o processo técnico de produção não existe nunca à margem das condições
sociais que o tornam possível. Uma vez que toda a produção social é historicamente determinada
e ao nosso propósito interessa a abordagem do problema no âmbito do modo capitalista de
produção, consideramos especialmente as relações sociais neste contexto, onde objetivamente se
constata a existência de indivíduos que são proprietários ou controladores dos meios de produção
e da atividade econômica em geral e indivíduos que devem ou precisam trabalhar para aqueles,
mediante o recebimento de salários contratualmente estabelecidos. Assim, como os meios de
produção - que não deixam de ser relações sociais cristalizadas e encarnadas em certos objetos -
perfazem as condições materiais imprescindíveis a todo processo social de produção, visto não ser
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possível produzir sem esses meios, os homens que não os possuem acabam por serem obrigados a
vender sua força de trabalho para aqueles que os detém e os controlam.
(...) Assim, ser escravo, senhor, obre, vassalo, capitalista ou proletário são características
sociais, visto que decorrem das relações entre os homens mediadas pelos meios de produção,
em determinados períodos históricos. Nenhum ser humano como tal é escravo ou senhor, nobre
ou vassalo, capitalista ou proletário; eles se caracterizam desta ou daquela forma na sociedade
historicamente determinada e através dela." 1
Hoje, a globalização é uma realidade. Este fenômeno se manifesta em várias áreas (na política, na
economia, na cultura, na sociedade etc.) produzindo uma interação mundial, com conseqüências
devastadoras nos países mais fracos economicamente. O exemplo mais claro é o desemprego.
A entrada de empresas multinacionais e do capital estrangeiro no Brasil sem qualquer planejamento
na economia interna, a massificação da informação e da cultura são apenas alguns exemplos que
caracterizam a ação degradadora deste colonialismo disfarçado de progresso. Praticamente não há
mais fronteiras entre as pessoas, a comunicação, a tecnologia, a economia etc, o que permite a
disposição de mercadorias de consumo "rápido" e "fácil". Tais questões envolvem interesses
ligados aos ditos países desenvolvidos, ou de primeiro mundo, a fim de manter e aperfeiçoar a
dominação sobre os países "pobres".
Este fenômeno contribui para a perda da identidade cultural dos países sob jugo dos mais fortes
economicamente, para drenar, dentre outras riquezas, os seus recursos naturais.
Paulo Bonavides descreve assim tal fenômeno:
"O Brasil está sendo impelido para a utopia deste fim de século: a globalização do neoliberalismo,
extraída da globalização econômica. O neoliberalismo cria, porém, mais problemas do que os
intenta resolver. Sua filosofia do poder é negativa e se move, de certa maneira, rumo à dissolução
do Estado nacional, afrouxando e debilitando os laços de soberania e, ao mesmo passo,
doutrinando uma falsa despolitização da sociedade.
A globalização política neoliberal caminha silenciosa, sem nenhuma referência de valores. Mas nem
por isso deixa de fazer perceptível um desígnio de perpetuidade do statu quo de denominação. Faz
parte da estratégia mesma de formulação do futuro em proveito das hegemonias supranacionais já
esboçadas no presente.
Há, contudo, outra globalização política, que ora se desenvolve, sobre a qual não tem jurisdição a
ideologia neoliberal. Radica-se na teoria dos direito fundamentais. A única verdadeiramente que
interessa aos povos da periferia.
Globalizar direitos fundamentais equivale a universalizá-los no campo institucional. Só assim aufere
humanização e legitimidade um conceito que, doutro modo, qual vem acontecendo de último,
poderá aparelhar unicamente a servidão do provir.
A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração,
que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social.
Neste cenário discute-se como proteger o meio ambiente, a fim de que não haja comprometimento
na sobrevivência do ser humano, por isso elevá-lo à categoria de direito fundamental não é
somente uma resposta possível, mas uma reação à política-econômica da globalização." 2
2. Meio ambiente: conceito
O meio ambiente deve ser compreendido não apenas sob o aspecto da natureza, mas por um
complexo de ambientes que interagem entre si, como o meio ambiente cultural, o meio ambiente
do trabalho, o meio ambiente urbano, dentre outros. A partir dessa inter-relação, verifica-se que o
conceito de meio ambiente inclui tudo o que existe de vital em um determinado espaço.
Ensina José Afonso da Silva que "O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as
suas formas". 3
Especificamente o ser humano faz parte desse complexo e deve agir de forma equilibrada para dar
continuidade às suas relações sociais. Daí, a existência de uma tutela jurídica para que não seja
comprometido esse ciclo natural, pois se assim não o fizer, o seu prejuízo será irreversível.
O problema da conservação da natureza deve ser observado a partir da ocorrência da
urbanização, isto é, devido a alta concentração populacional em um determinado território. Em
virtude desse crescimento, há a necessidade de ordená-lo, com a implementação de saneamento
básico, construção de casas, sistema de abastecimento etc., atividades estas que geram uma
degradação ambiental que pode pôr em risco a sobrevivência da própria comunidade.
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Com o advento da revolução industrial, o fenômeno da urbanização aumentou e trouxe outros
problemas de ordem ambiental, como a poluição produzida pelas fábricas. Em razão do pensamento
predominantemente mercantilista, naquela época não havia
qualquer preocupação com o meio
ambiente.
Somente alguns séculos mais tarde surgiram as primeiras providências em termos mundiais para
proteger e conservar os bens dispostos na natureza. Este marco ocorreu na Convenção das
Nações Unidas para o Meio Ambiente, em Estocolmo, em 1972.
3. Estado e meio ambiente
O Estado é fonte material na produção da norma jurídica.
Em nosso ordenamento jurídico, a Constituição Federal de 1988 discrimina, nos arts. 20 e 26, os
bens da União e dos Estados Federados respectivamente e, nos arts. 22 e 24, a competência
desses entes quanto àquela exclusiva da União e quando àquela concorrente entre a União,
Estados e Distrito Federal. No art. 23, encontra-se a competência comum da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, não se trata de uma competência legislativa, no entanto, analisando
o sistema normativo constitucional, ao município deve ser aplicada a competência concorrente, de
forma suplementar, sempre que a norma municipal for mais protetora ao meio ambiente, em
relação à federal e a estadual.
Tal questão controvertida é detalhada pelo Prof. Vladimir Garcia Magalhães, que defende a
prevalência de norma mais benéfica ao meio ambiente:
"Assim, poderá existir sempre uma relação dinâmica entre a norma federal e as normas estaduais,
prevalecendo sempre a norma mais protetora do meio ambiente, seja ela a norma geral da União,
seja ela uma norma estadual, pois toda vez que a norma da União for mais protetora que a norma
estadual, esta deixará de estar atuando suplementarmente e sua eficácia se tornará
inconstitucional devendo ser suspensa. Por outro lado, toda a vez que a norma estadual for mais
protetora que a norma federal, esta terá sua eficácia suspensa no território daquele Estado, pelo
fato desta norma estadual estar atuando de modo suplementar aquela norma federal.
Em nosso entender, a princípio, deve-se aplicar ao Município o mesmo entendimento da expressão
suplementar que aplicamos na análise e interpretação da competência concorrente, devendo,
assim, ser aplicada a norma municipal toda vez que esta proteger mais o meio ambiente que a
estadual e a federal, ou em caso de lacunas nas mesmas, por força do dever de o Estado
brasileiro proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no art. 225 da CF/1988
(LGL\1988\3) e por foca do dever do Estado implementar a justiça em todo território nacional,
sendo a preservação ambiental, como já demonstramos neste trabalho, uma das múltiplas faces
da justiça." 4
É meritória essa posição, em virtude de, como se verá, o princípio da precaução constituir um
princípio fundamental do Direito Constitucional, daí não haver inconstitucionalidade alguma em
caso de uma norma estadual, por exemplo, proteger mais o meio ambiente que uma norma federal,
ou, noutra situação, uma norma municipal proteger mais o meio ambiente que uma norma estadual.
4. Princípio da precaução
No Direito Ambiental, dentre os princípios que o orientam, o princípio da precaução é o que aqui
demanda estudo e reflexão. A CF/1988 (LGL\1988\3), no art. 225, caput, fundamenta-o assim:
"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."
Ensina Paulo Affonso Leme Machado:
" Princípio é, aqui, utilizado como alicerce ou fundamento do Direito. Alguns princípios aqui
expostos têm apoio em declarações internacionais, o que, como assevera Maurice Kanto, 'cresce
a potencialidade de seus princípios tornarem-se normas costumeiras, na falta de se transformarem
em normas jurídicas oriundas de convenções'. Os princípios aqui abordados estão formando e
orientando a geração e a implementação do Direito Ambiental." 5
A importância deste princípio é que ele traz fundamento jurídico às normas ambientais, toda a
normatividade inferior deverá observá-lo, sob pena de inconstitucionalidade.
O princípio da precaução, desta forma, garante a continuidade não só do ser humano, mas de
toda a vida no planeta.
Juntamente com o da precaução destaca-se o princípio do poluidor-pagador, 6 segundo o qual
aquele que polui deve reparar o meio ambiente, mediante uma contraprestação ao Poder Público, à
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própria sociedade ou reparação do meio ambiente, nos termos da responsabilidade civil. A
atividade poluidora, nos termos da Lei 6.938/1981 é definida no do art. 3.º, III:
"Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou
indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;"
A importância da relação entre o princípio da precaução e o do poluidor-pagador é explicada uma
vez mais pelo Prof. Paulo Affonso Leme Machado:
"A aplicação do princípio da precaução relaciona-se intensamente com a avaliação prévia das
atividades humanas. O 'Estudo de Impacto Ambiental' insere na sua metodologia a prevenção e a
precaução da degradação ambiental. Diagnosticado o risco, pondera-se sobre os meios d evitar o
prejuízo. Aí entra o exame da oportunidade do emprego dos meios de prevenção." 7
Neste diapasão, verifica-se a importância da hermenêutica não apenas no princípio da precaução,
sobretudo no sistema normativo brasileiro, de forma a conjugar os princípios gerais do direito na
aplicação da lei. Sob este ponto de vista, o caráter principiológico deve ser aplicado na forma de
uma "espiral hermenêutica". 8
5. O poder ambiental
O Poder geralmente é definido como a soberania de um Estado, cuja tripartição deu origem aos
Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Entretanto, nem sempre o Poder está centralizado no Estado. Por exemplo, há o Poder ideológico
que pode se confrontar com os Poderes do Estado, ou até lhe dar garantia e legitimidade, assim
como o Poder político, que impõe pela força a ordem na sociedade.
Neste aspecto, há o Direito Ambiental que surge como um Poder ambiental, na relação dialética
reconhecida por uma força (conjunto de interesses) que pode atuar tanto na conservação do
meio ambiente quanto na sua degradação (desmatamento de florestas, biopirataria etc.). Em
ambos os casos, será relevante a atuação de representantes da sociedade civil na elaboração de
normas, bem como a atuação das ONGs, sem contar a tutela jurisdicional pelo uso de remédios
constitucionais como ação civil pública e ação popular.
6. Direitos fundamentais
Há certos Direitos que permanecem na consciência dos povos, pois, dada a sua importância,
constituem verdadeiros princípios orientadores de um ordenamento jurídico. São os Direitos
Fundamentais.
Em nosso sistema jurídico, o principal documento é a Constituição Federal de 1988, no título II,
capítulo I, art. 5.º. A base da formação da atual Carta vem do final da Idade Média, na Inglaterra.
Trata-se da Magna Carta (LGL\1988\3), de 1215. No ensinamento de Dalmo de Abreu Dallari:
"O exame de documentos legislativos da Antigüidade revela já uma preocupação com afirmação de
direitos fundamentais, que nascem com o homem e cujo respeito se impõe, por motivos que estão
acima da vontade de qualquer governante. Observa-se, porém, que nos documentos antigos
mesclavam-se preceitos jurídicos, morais e religiosos, não se dissociando a recomendação de
regras morais da imposição coercitiva de certos comportamentos. Durante a Idade Média também
não se encontram documentos que tenham o caráter de declarações abstratas de direitos,
havendo apenas documentos legislativos, com a legislação dos povos germânicos, que contêm

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