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a psicopatologia da drogadicção abordaguem psicanalitica

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-
... 
-
I PSICANÁLISE I 
A psicopatologia da drogadicçio: uma abordagem psicanalítica* 
VICTOR EDUARDO SILVA BENTO·· 
1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 3. Conclusão. 
o objetivo deste trabalho foi discutir a hip6tese de que a drogadicção expressa 
diversos componentes psicopatol6gicos: psic6tico, maníaco-depressivo, perverso, 
obsessivo-compulsivo, etc. Além disso, incluiria também um componente nor-
mal. Foi realizada uma abordagem teórica, de orientação psicanalítica. Dis-
cutiu-se a idéia de que sexualidade, nas toxicomanias, consiste em quaisquer 
atividades que impliquem alguma vinculação exagerada, com a finalidade de 
atingir um prazer muito específico - aquele ligado à reedição imaginária da 
vinculação com a função materna. Existiriam diversas expressões desta busca 
imaginária: psicótica, maníaco-depressiva, obsessivo-compulsiva, perversa, etc., 
as quais constituiriam os diversos componentes psicopatol6gicos das toxico-
manias. Apesar de tais diferenças ao nível das manifestações externas, há algo 
que se mantém inalterado - a busca imaginária da função materna. 
1. Introdução 
A proposta deste artigo é discutir a hipótese de que o toxicômano não pode 
ser enquadrado numa única categoria diagnóstica. ~ um pouco de tudo, mas 
nada inteiramente. Mais precisamente, é um pouco neurótico, um pouco psico-
pata, um pouco normal. 
Esta hipótese nasceu a partir da experiência clínico-institucional do autor, 
no Serviço de Liberdade Assistida (SLA) do Juizado de Menores do Rio de 
Janeiro.1 Trata-se de um serviço especializado no atendimento psicológico, de 
• Artigo apresentado à Redação em 12.9.85. 
U Psicólogo; professor no Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Pa-
raná; membro do Comitê de Adolescência da Sociedade Paranaense de Pediatria. (Ende-
reço do Departamento de Psicologia da UFPR: Trav. Alfredo Bufren, 140, 1.0 andar -
Centro - 80.020 - Curitiba, PR - Te!.: (041) 264-2522, ramal 298; endereço do con-
sult6rio: Plastic Clínica - R. General Carneiro, 881 - Centro - 80.060 - Curitiba, PR 
- Te!.: (041) 262-4021.) 
1 Maiores detalhes sobre o SLA do Juizado de Menores do Rio de Janeiro poderão ser 
encontrados em Bento (1984 e 1986). 
~.~r_q~.~b_ra_s_. __ P_si_c~., ________ R __ io __ d_e~Ja_n_e_ir_o~, ________ 3_9~(1~)_:4_1_-5_0~, ______ ~j_an_._/_m_a_r. __ 1_98_7 
tipo ambulatorial, a adolescentes delinqüentes. Atendem-se, portanto, todos os 
tipos de delinqüência juvenil, muito embora o desvio mais freqüente, presente 
quase que na maioria dos casos, seja a drogadicção. 
No SLA os adolescentes são inicialmente submetidos a um psicodiagnósti-
co. Em seguida um laudo psicológico é enviado ao juiz de menores. Neste é 
apresentado um diagnóstico estrutural e dinâmico da personalidade do menor, 
bem como uma indicação terapêutica. Após a aquiescência do juiz, dá-se início 
ao atendimento psicoterápico indicado no laudo. 
O que o autor deste trabalho vinha observando, ao longo de seis anos de 
prática, era a dificuldade de apresentar um único diagnóstico estrutural do ado-
lescente drogadicto. Sua estrutura de personalidade, via de regra, se encaixava 
pelo menos um pouco em cada categoria diagnóstica. 
Sem dúvida pode-se compreender este fato - ser um pouco de tudo, e 
não ser inteiramente nada - em função do período etário. Na adolescência 
dá-se a estruturação da identidade pessoal e, em virtude disto, o indivíduo os-
cila entre as mais diversas formas de existir, na busca de si mesmo. Entretanto, 
apesar desta compreensão, interrogou-se: esta característica - ser um pouco de 
tudo, e não ser inteiramente nada - não seria própria da toxicomania em geral, 
independentemente do período etário? 
Para verificar tal questão, foi realizada uma pesquisa bibliográfica que se 
encontra com detalhes em Bento (1986) e será sumariamente discutida neste 
artigo. Antes, porém, cabe destacar a hipótese central deste estudo: 
"O funcionamento da personalidade do drogadicto não pode ser descrito 
em termos de uma única categoria diagnóstica. Existem diversos componentes 
psicopatológicos que se apresentam simultaneamente ou não, e em graus diver-
sos, de acordo com cada personalidade." 
2. Desenvolvimento 
2.1 O conceito de drogadicção na psicologia 
o termo drogadicção é empregado neste trabalho como sinônimo de toxicoma-
nia. Para a OMS (apud Martinez-Pina, 1963), o segundo se refere especifica-
mente ao consumo repetido de uma droga, acompanhado pela tendência ao au-
mento da dose e estruturação de dependência física e psíquica. Entre os psicó-
logos, o referido termo parece ter uma abrangência maior, na medida em que 
se refere ao consumo repetido e exagerado não apenas de drogas, mas de 
qualquer coisa: de lazer, de furto, de sexo, de amor, de álcool, de comida, de 
trabalho, de estudo, etc. Entre os autores que defendem esta idéia pode-se des-
tacar Charles-Nicolas e Valleur (1983), Fenichel (1981), Kornblit (1981), Ro-
senfeld (1972 e 1974), Garsoli (1981), Savitt (1966), e Martinez-Pina (1983). 
2.2 As causas psicológicas da drogadicção: considerações históricas sobre a 
formação dos componentes psicopatológicos das toxicomanias 
Muitos autores acreditam na existência de uma relação causal entre certos fe-
nômenos psíquicos e a toxicomania. Este é o caso de Claude Olieventein (1983), 
por exemplo. Este autor considera que o toxicômano passa por certos aconte-
42 A.B.P. 1/87 
-
.. 
-
-
-
cimentos na infância, os quais seriam os possiveis responsáveis pela conduta 
drogadictiva. O termo "possíveis" foi sublinhado para enfatizar a relatividade 
desta afirmação. Olievenstein (1983) crê que a existência de uma estrutura 
psíquica toxicomaníaca não garante necessariamente a produção de um toxicô-
mano. Para que isto ocorra ele destaca duas condições necessárias e suficientes: 
1. a primeira é que o indivíduo encontre a droga; e 
2. a segunda é a sua relação com a transgressão da lei. 
Para explicar a produção da toxicomania, Olievenstein (1983), seg.uindo 
a linha da Escola Francesa de Psicanálise, propõe a Teoria do Espelho Partido, 
a qual se baseia na teoria do espelho de Jacques Lacan. 
Olievenstein (1983) explica que o que ocorre com o futuro toxicômano é 
o seguinte: no momento em que está diante do espelho, este se parte, refletindo 
simultaneamente uma imagem e uma fenda. Trata-se, portanto, de uma imagem 
fragmentada, incompleta. Segundo este autor, as fendas deixadas pelas ausências 
do espelho só podem remeter ao que existia antes; a fusão mãe-filho, a indiferen-
ciação, a inexistência de uma identidade. 
Concluindo, Olievenstein (1983) coloca que o chamado estádio do espe-
lho partido explica a incompletude, a existência parcial do toxicômano, o fato 
dele não poder ser enquadrado inteiramente em nenhum diagnóstico, muito 
embora apresente um pouco de cada um deles. Neste sentido, o drogadicto seria 
um pouco maníaco-depressivo, um pouco psicótico, um pouco perverso, um 
pouco obsessivo-compulsivo, um pouco normal, etc. Entretanto, apenas um pou-
co; nada inteiramente. 
Esta hipótese que apregoa os diversos componentes psicopatológicos das 
toxicomanias é compartilhada por vários autores, entre os quais pode-se desta-
car Bergeret (1983), Glover (1949), Martinez-Pina (1983), e Versiani (1980). 
A prop6sito da teoria do espelho partido, caberia interrogar: por que o 
espelho se parte? Olievenstein (1983) destaca a cinética da relação mãe-filho, 
sem a participação do pai. Mais especificamente, coloca que quando o genitor 
encontra-se ausente ou presente de forma negativa (pai frágil), na medida em 
que se mostra insuficiente para romper o intercâmbio mãe-filho, s6 resta à 
criança se entregar à busca do prazer total e imediato, simbolizado na relação 
com a mãe. Segundo o ·referido autor, nesta cinética talvez esteja a causa da 
homossexualidade, tão freqüente entre os toxicômanos.Outros autores propõem düerentes explicações para a causa psicológica das 
toxicomanias, entretanto são unânimes em destacar a relação com o símbolo 
materno, sem a participação do pai. Entre eles pode-se destacar Fenichel (1981), 
Rosenfeld (1972 e 1974), Savitt (1966), Kalina e Kovadlof (1980), e Ber-
geret (t 983) . 
Na teoria lacaniana, a lei é transmitida pelo pai. Olievenstein (1983) coloca 
que quando o genitor é vivenciado como frágil (pai idoso, impotente, homos-
sexual, ou incapaz de levar a mãe ao orgasmo), tal transmissão torna-se inope-
rante, surgindo a mencionada tendência para transgredir a lei, que foi destacada 
anteriormente como uma das condições necessárias e suficientes para a produ-
ção da toxicomania. 
Esta tendência para transgredir a lei vai caracterizar o chamado Estágio 
do Exagero, o qual sucede o estágio do espelho partido. Quando o pai não 
Psicopatologia da drogadicção 43 
exerce sua função de transmitir a lei, o não, o limite, e a necessidade da crian-
ça desta função paternal não pode ser verbalizada em virtude de alguma cen-
sura, é então comunicada por via não-verbal, isto é, por atuações - componente 
perverso das toxicomanias. O exagero constitui uma atuação na medida em que, 
ao ultrapassar o limite aceitável, o indivíduo expressa não-verbalmente um pe-
dido de limite, isto é, sua carência da função paterna. 
Olievenstein (1983) considera que o primeiro momento do exagero é a 
exacerbação da função lúdica, seguido pela exacerbação da masturbação, até 
culminar no encontro do indivíduo com a droga e na conseqüente produção do 
quadro toxicomaníaco. 
Quando a droga é encontrada, produz-se o que Olievenstein (1983) cha-
ma de fissão nuclear para se referir a um choque muito intenso. Segundo este 
autor, tal choque se refere à reconstituição da unidade no prazer. Explica que 
a droga parece ter a finalidade de preencher os espaços vazios do espelho par-
tido, como se fosse um cimento nas fendas de um muro. Desta forma, a realida-
de da incompletude é anulada, e o toxicômano encontra, no auge da escansão, 
a unidade identificatória. Pelo menos neste único instante tem a sensação de 
ser possuidor de existência completa. 
No caso da heroína, por exemplo, Olievenstein (1983) considera que suas 
propriedades caloríferas fazem com que o indivíduo se sinta como se estivesse 
num casulo, num banho de água morna e pegajosa, numa atmosfera pré-genital. 
Coloca que a partir daí passa a acreditar que encontrou o paraíso, isto é, a uni-
dade. Nesse sentido, conclui que a droga tem a finalidade de levar o indivíduo 
a alucinar a realidade, revivendo ou recolocando-se numa posição de lactente, 
sem culpa e sem sexualidade, portanto, sem problema - componente psicótico 
das toxicomanias. 
Olievenstein (1983) considera que a enorme dimensão da ansiedade do 
toxicômano resulta justamente do sentimento de estar impossibilitado de poder 
controlar o tempo, fazendo com que persista aquela dimensão temporal arcaica, 
a fim de garantir a unidade existencial, bem como a satisfação total e imediata 
de suas necessidades. 
Como .iá foi dito, a possibilidade de anular o tempo vivido e produzir um 
tempo idealizado ocorre apenas pelo espaço de um instante, isto é, no auge da 
escansão, no auge do prazer produzido pela droga. Entretanto, o preço que o 
toxicôman0 paga por este instante é o sofrimento causado pela constatação de que 
tudo tem um fim, que tudo morre. O efeito da droga acaba passando e o tempo 
escoando. Se esta vivência de morte não puder ser suportada, o progn6stico será 
a morte do corpo. Olievenstein (1983) coloca que é muito freqüente a busca de 
uma saída através do suicídio quando o efeito da droga passa. Segundo coloca, aí 
residiria o grande paradoxo da vida do toxicômano: passar toda a sua vida fu-
gindo da morte para acabar provocando-a. 
2.3 Os componentes psicopato16gicos das toxicomanias 
2.3.1 0 componente psic6tico 
Para Preud (1974) a psicose está ligada à questão do narcisismo, isto é, rela-
ciona-se ao fato do indivíduo retirar sua libido dos objetos, desviando-a na dire-
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-
, 
-
.. 
.. 
ção de si mesmo. Assim, deixa de se interessar no mundo externo, preocupando-
se apenas com o interno. Coloca também o mesmo autor que o narcisismo é 
normal quando aparece nos primórdios do desenvolvimento sexual infantil, e 
quando não ultrapassa certa medida no adulto. Entretanto, destaca-o como anor-
mal quando é tão intenso, a ponto de configurar os quadros psicóticos, os quais 
caracterizam-se basicamente por dois tipos de sintomas: as alucinações e os 
delírios. 
Muitos autores destacam o componente psicótico das toxicomanias. Para 
Kalina e Kovadloff (1980) a droga dicção é uma conduta psicótica que tem a 
estrutura de um estado delirante. Tal estado se expressa pelo fato do adicto 
não perceber a droga objetivamente, mas sim de acordo com o seu desejo. Dito 
de outra maneira, a droga não é vista tal como é, mas sim como possuidora de 
um poder mágico de suprir todas as suas necessidades. Tudo funciona como 
se o adicto projetasse na droga a imagem idealizada de um peito provedor 
de todos os desejos. 
Charles-Nicolas e Valleur (1983) destacam o componente psic6tico das 
toxicomanias quando analisam a drogadicção como uma conduta ordálica. Littré 
(apud Charles-Nicolas e Valleur, 1983) define a ordália como a prova judi-
ciária usada na Idade Média em nome do julgamento divino. Este autor con-
sidera que a ordália, como Deus, separava o bem do mal: condenava à morte-
ou apontava triunfalmente aquele que estivesse ao lado de Deus, aquele que 
tivesse sido o escolhido do Senhor, numa decisão transcendente a toda justiça 
humana. 
Com fins ilustrativos, Charles-Nicolas e Valleur (1983) citam uma ordália 
existente bem antes da Idade Média, entre os celtas. Estes autores contam que 
as crianças suspeitas de não serem legítimas eram lançadas à água. Se o bebê 
se afogasse, isso era interpretado como uma prova do nascimento culposo. Caso 
contrário, a legitimidade da criança estava comprovada de maneira absoluta . 
Como se pode ver, trata-se de uma interpretação delirante. 
Charles-Nicolas e Valleur (1983) definem como condutas ordálicas todos 
os comportamentos que impliquem um risco de vida e uma crença delirante 
de que driblando a morte, ultrapassando gloriosamente a prova ordálica, atinge-
se a posição de escolhido do Senhor, o que garantiria o paraíso nirvânico, o or-
gasmo permanente. A drogadicção constituiria uma conduta ordálica devido ao 
fenômeno da sobredose. O adicto aumentaria cada vez mais o consumo tóxico, 
como se desejasse ir de encontro à morte, não para morrer, mas para alcançar 
a sobrevivência miraculosa, o prazer total e permanente, o paraíso nirvânico -
reedição imaginária da vinculação com a função materna. 
Olievenstein (1983) destaca o componente psicótico das toxicomanias 
quando analisa a vivência temporal do adicto. Como já foi dito, este autor 
coloca que o toxicômano usa a droga com a finalidade de negar a realidade 
temporal presente, e de alucinar ou reviver um tempo passado, onde se sinta 
na posição de um bebê, sem culpa, sem sexualidade, sem problema de espé-
cie alguma. 
Ingold (1983) aborda o componente psicótico das toxicomanias quando 
coloca que a droga tem duas funções: 
1. anestésica - anulação da realidade exterior dolorosa; 
2. facilitar a alucinação de um corpo idealizado. 
Psicopatologia da drogadicçao 45 
2.3.2 O componente maníaco-depressivo 
Segundo Fenichel (1981), a depressão, em grau ligeiro, ocorre em quase toda 
neurose, e em grau mais elevado, aparece no estado psicótico da melancolia. Se-
gundo coloca, ela está relacionada à fixação no estádio em que a auto-estima 
e a existência são reguladas por proyisões externas. Neste sentido, quando o 
indivíduo não tem suas necessidades narcísicas satisfeitas, sua auto-estima diminui,e ele cai em depressão. Este processo relaciona-se com a idéia do amor utilitário: 
o sujeito só consegue se sentir amado enquanto estiver sendo provido ou satis-
feito plena e imediatamente em suas necessidades narcísicas. 
A mania, para Fenichel (1981), é o oposto da depressão. Este autor coloca 
que tudo que o depressivo busca, isto é, as provisões capazes de suprir plena-
mente todas as suas necessidades narcísicas, são imaginadas possíveis na mania. 
Fenichel (1981) chama atenção para a relação entre a adicção de drogas 
e os estados maníaco-depressivos. Este autor considera que o ego frágil dos 
adictos faz com que eles não suportem a tensão, o sofrimento, a frustração e a 
expectativa. Segundo coloca, a droga é usada com a finalidade de fugir destes 
efeitos desagradáveis. Entretanto, este fim só é alcançado por alguns instantes, 
pois quando o efeito tóxico passa, o sofrimento e a frustração retomam, cada 
. vez de forma mais intensa, o que induz ao aumento do consumo da droga. 
De acordo com o mesmo autor, este aumento é também favorecido pelo fato de 
uma mesma quantidade t6xica diminuir seus efeitos ao longo do tempo. Neste 
sentido, para produzir a exaltação desejada, deve-se consumir uma maior quan-
tidade de droga. Assim, aos poucos, todos os demais interesses do toxicômano 
vão sendo substituídos pelo desejo farmacotóxico. 
Foi justamente a propósito desta busca de um efeito maníaco que Fenichel 
(1981) destacou a relação da adicção de drogas com os estados maníaco-depres-
sivos. Este autor considera que nas fases finais da doença, os adictos oscilam 
entre sentimentos de exaltação produzidos artificialmente com drogas, e senti-
mentos de depressão, que surgem quando o efeito tóxico acaba. Para o mesmo 
autor, este quadro é muito semelhante ao de um bebê, durante os estados de 
fome e saciedade. 
Outros autores também apontam o componente maníaco-depressivo das 
toxicomanias, abordando o problema muitas vezes de forma bastante semelhan-
te à de Fenichel (1981), o que permite que se destaque a existência de um 
certo consenso sobre esta questão. 
2.3.3 O componente perverso 
Fenichel (1981) define o componente perverso das toxicomanias como uma 
atuação impulsiva, calcada numa busca hedonista. O componente psicótico 
também está relacionado com tal busca, entretanto difere do primeiro pela in-
tensidade da mesma, que é maior. 
Cabe distinguir também a perversão da compulsão. Fenichel (1981) consi-
dera que muitas vezes as atividades dos perversos e os impulsos dos psicopatas 
são chamados erroneamente de sintomas compulsivos, devido ao componente 
impulsivo, presente nas duas patologias. Entretanto, este autor aponta algumas 
diferenças entre elas. Primeiramente, destaca o fato das perversões e dos impul-
sos mórbidos serem prazerosos, enquanto que os atos compulsivos são penosos, 
46 A.B.P. 1/87 
-
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• 
-
sendo praticados na esperança de eliminar um sofrimento. Os sentimentos de 
culpa acompanham estes últimos, enquanto que os atos perversos nada têm a 
ver com culpa, relacionando-se apenas com o prazer. 
Em segundo lugar, Fenichel (1981) considera que a diferença mais carac-
terística está na maneira pela qual se sente a impulsão. Segundo coloca, o neu-
rótico obsessivo sente-se forçado a fazer uma coisa que não gosta, enquanto 
que o pervertido sente-se obrigado a "gostar" de sua ação. 
Muitos autores compartilham a tese do componente perverso das toxico-
manias. Entre eles destacam-se: Tornnellier (1983), Martinez-Pina (1963), Olie-
venstein (1983), etc. Este último chegou a definir a toxicomania como uma 
sucessão de atuações, com a constância de um imaginário, através do qual 
o toxicômano reviveria instantes privilegiados de sua infância. Mostra ainda 
este autor o quanto que a orientação psíquica do viciado está voltada para o 
prazer exagerado. 
Liberman (apud Kalina e Kovadloff, 1980) estudou o psicopata, denomi-
nando-o "pessoa de ação". Sua hipótese é que a psicopatia se origina de um de-
senvolvimento falho na maneira de empregar instrumentalmente os símbolos ver-
bais, durante um período anterior ao estabelecimento do Complexo de :edipo. 
Este autor considera que neste período a criança deve adquirir a capacidade de 
reconhecer suas necessidades e comunicá-las verbalmente, independente da ação 
ou atuação. Segundo coloca, o psicopata foi uma criança que neste período pré-
edípico 'introjetou figuras parentais que percebiam suas necessidades, antes 
delas serem verbalizadas. A partir daí aprenderia a não ter que esperar para 
ser compreendido, e a manejar a realidade externa por intermédio da ação 
muscular, e da utilização dos símbolos não-verbais exclusivamente como ação 
que exige uma resposta imediata a algum pedido. 
Kalina e Kovadloff (1980) consideram que a personalidade drogadictiva não 
suporta esperar, da mesma maneira como a personalidade do psicopata. Colo-
cam que a droga tem a função de eliminar a ansiedade da espera e a angústia 
da frustração. Admitem também que a utilização de drogas injetáveis, por 
exemplo, é provocada por uma forte intolerância à espera. Explicam que, neste 
caso, o adicto busca um efeito tão imediato que nem sequer consegue aguardar 
o tempo indispensável para que a droga incorporada por outras vias faça efeito. 
O símbolo verbal funciona como mediação, isto é, como uma ponte entre 
o objeto almejado e a satisfação. Desta forma, impõe uma demora, por mais 
breve que seja. Esta demora é intolerável para o adicto, que quer a plena sa-
tisfação dos seus desejos, imediatamente. 
Kalina e Kovadloff (1980) consideram ainda que este componente psico-
pático da drogadicção também está relacionado com a dificuldade do adicto para 
suportar a dor e a frustração. Colocam que o viciado substitui a reflexão pela 
ação impulsiva (atuação), porque não suporta pensar. Através do pensamento 
tomaria contato com sentimentos que produzem sofrimento. Como é impotente 
para sofrer, opta por não pensar e toma por lema atuar sempre para evitar o 
desprazer. ' 
A repetição da atuação drogadictiva aparece justamente porque o adicto, 
impossibilitado de pensar, não consegue recordar, e, com isto, elaborar seus 
sentimentos. Resulta daí que também não consegue escoar suas tensões em re-
lação ao traumático, tendo que reatualizá-Io compulsivamente, da maneira como 
pode, isto é, por atuações drogadictivas. 
Psicopatologia da drogadicção 47 
2.3.4 O componente obsessivo-compulsivo 
Segundo o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1975), o termo 
obsessão expressa uma preocupação com determinada idéia, que domina doen-
tiamente o espírito. De acordo com este autor, trata-se de uma idéia fixa, uma 
mania. O termo compulsão é definido pelo mesmo autor como tendência à 
repetição. 
No próprio termo toxicomania já está denotada a idéia de obsessão: mania 
de tóxico (tóxico mania). A compulsividade se refere à tendência para repetir 
esta mania. 
Fenichel (1981) considera que nas compulsões e obsessões o ego perma-
nece alienado na medida em que não se sente livre para usar sua força orien-
tadora; ao contrário, acredita que deve usá-la conforme certo comando estra-
nho, de agência mais poderosa, que lhe contradiz o juízo. Além disso, admite 
que os rituais compulsivos constituem o traço ou sintoma mais característico da 
neurose obsessiva. Esta, segundo o autor, se estrutura a partir de uma regressão 
anal, e se relaciona com o fato do superego se tomar mais sádico. 
Charles-Nicolas e Valleur (1983) destacam o componente obsessivo-com-
pulsivo das toxicomanias quando colocam tais patologias como condutas ordá-
licas. Como já foi dito, estas condutas implicam um risco de morte em nome 
do julgamento divino. Nesta perspectiva, constituiriam rituais, com caracterís-
ticas sádicas. Além disso, se baseariam na alienação do indivíduo, isto é, no fato 
do seu destino ser determinado poruma força exterior mais poderosa - o 
julgamento divino. 
As condutas ordálicas já foram estudadas antes como ligadas ao compo-
nente psicótico das toxicomanias. Podem, portanto, se apresentar em ambos os 
níveis, psicótico ou neurótico, conforme o grau de alienação psíquica, ou por 
outro lado, de afastamento da realidade exterior. 
Chebabi (1980) também se refere ao componente obsessivo-compulsivo 
das toxicomanias quando aborda a relação da alienação social com a alienação 
produzida pelas drogas. Segundo este autor, a drogadicção tem a finalidade de 
substituir a primeira forma de alienação pela segunda. O indivíduo permanece 
alienado, mas pelo menos tem a sensação de ter optado por este estado, bem 
como de ter obtido um controle onipotente sobre os eventos da vida. A busca 
de tal controle constitui uma das características da neurose obsessiva. Funciona 
como uma formação reativa, isto é, visa se opor ao sentimento de impotência 
diante de alguma força mais poderosa do exterior, que exerça função de co-
mando. Segundo Fenichel (1981), a defesa reativa é bem característica da 
neurose em questão. 
Sobre o controle onipotente, Charles-Nicolas e Valleur (1983) consideram 
que alguns autores admitem que a repetição da ingestão da droga, além de repe-
tição da necessidade, constitui também uma tentativa de dominar ou controlar 
a impressão demasiadamente forte criada pelo primeiro encontro com o prazer 
da droga, o primeiro flash. 
Olievenstein (apud Charles-Nicolas e Valleur, 1983) acredita que no flash, 
o fantasma é o de gozar consigo mesmo, e de nascer desse gozo. Supõe que 
tal sensação narcísica seja vivida como algo inteiramente novo, e que o indi-
víduo tenda a repetir a experiência para obter controle sobre este estado. Quan-
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do o êxtase passa a ser produzido pela ingestão da droga, o toxicômano tem a 
sensação de poder controlar ou determinar seu orgasmo. 
3. Conclusão 
Este trabalho atingiu seu objetivo de realizar um estudo teórico sobre a psico-
patologia da drogadicção. Foi realizada uma abordagem eminentemente te6rica, 
de orientação psicanalítica. Em virtude do limite espacial, não foi possível ilus-
trar com casos clínicos o tema em questão, nem apresentar uma discussão de-
talhada. 
Abstract 
The purpose of this study was to discuss the idea that the drugaddicted presents 
many psychopathological componentes such as psychotic, psycophathic, depres-
sive, maniac, obsessive, etc. It was done a theorical approach with psychoana-
lytic orientation. 
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Primeiro livro brasileiro que trata da aplica-
ção e interpretação do Teste de Apercepção 
Temática de Murray (TAT), tema pouco 
abordado por sua complexidade e profun-
dos conhecimentos teóricos que implica. O 
material utilizado foi a terceira revisão da 
~érie original da Clínica Psicológica de Har-
vard, composta de 29 lâminas impressas e 
uma em branco. 
A autora, ex-discípula de Helena Antipoff, foi 
uma das primeiras técnicas que integraram 
a equipe do Dr. Mira y López com a criação 
do ISOP - Instituto Superior de Estudos e 
Pesquisas Psicossociais, da Fundação Ge-
tulio Vargas. Elaborou o presente manual 
com vários estudos de caso, e explanações 
teóricas adaptadas à realidade brasileira. 
NAS liVRARIAS DA FGV ou pelo reembolso posta! 
50 A.B.P. 1/87

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