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4 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 26- maio/junho 2002 ENTREVISTA Alimentos transgênicos O impasse continua 4 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 26- maio/junho 2002 Foto de Cláudio Bezerra Melo BC&DA lei de biossegurança foi criada em 1995. Passados sete anos, por que, na sua opinião, os produtos transgênicos ainda não estão sendo comercializados no Brasil?Nessecaso,osenhorpode- riaafirmarquehámais interesses econômicos e ideológicos do que científicos nessa discussão? LuizAntônioEunão tenhodúvidas de que existemmuitomais interesses relacionados a conflitos de mercado do que de biossegurança, mas é im- portante lembrar que se as alegações científicas não tivessem encontrado econasociedade,napercepçãopúbli- ca, aquelesque sãocontra abiotecno- logianão teriam tido sucesso.As cam- panhas contra os organismos geneti- camente modificados tiveram êxito porqueconseguiramconvencer aopi- nião pública e, portanto, o consumi- dor, na ponta, de que os produtos da biotecnologia são perigosos. Hoje, o consumidorolhaabiotecnologia com desconfiança emedoe enquanto isso nãomudar,qualquer coisaquesediga contra essa tecnologia, aspessoas têm uma tendência a acreditar. Há o fato de a engenharia genética ser uma ciêncianova,oquepoderiaassustar as pessoaspor seucaráter inusitado,mas por outro lado, é importante lembrar que muitas outras inovações não en- contraram uma reação tão forte por- que não carregam todo esse conflito de interesses por trás. Os produtos geradospelabiotecnologiavãosubsti- tuir gradualmente ummercadomuito grande e tradicional, que funciona há 50 anos, que éomercadode agroquí- micos.Eunãoestou fazendonenhuma críticaaosagroquímicosque, indiscuti- Em janeirode1995,oBrasil deuum passo à frente na corrida tecnológica, com a regulamentação da lei de bios- segurança,uma forte aliadadaciência, já que impõe condições de segurança para as pesquisas de modificação ge- nética.Hoje,passados seteanos,oque se vê é um cenário de caos e desinfor- mação. Para falar sobre o impasse que aindacercaaquestãodos transgênicos e que mantém a sua proibição no Brasil, a revistaBiotecnologia,Ciên- cia&Desenvolvimento entrevistou o chefe-geral da Embrapa Recursos GenéticoseBiotecnologia, umadas39 unidades de pesquisa da Embrapa, situada em Brasília, DF, Luiz Antônio Barreto de Castro, que foi pioneiro na implantaçãoe implementaçãodoPro- grama de Biotecnologia da Embrapa, tantonapartede infra-estrutura, coma montagemdo laboratóriodeengenha- ria genética, como na formação de equipes especializadas nessa área. Luiz Antônio é graduado em agro- nomiapelaUniversidadeFederalRural do Rio de Janeiro; tem mestrado em tecnologia de sementes pelaUniver- sidade do Mississipi, EUA; PhD em fisiologia deplantaspelaUniversida- dedaCalifórnia (Davis); epós-douto- ramento embiologiamolecular pela UniversidadedaCalifórnia (LosAnge- les). Luiz Antônio tem uma longa experiência comoprofessorecientis- ta, já prestou várias consultorias no Brasil e no exterior e foi professor na UniversidadeFederal Rural doRiode Janeiro entre 1965 e 1981. Hoje, acumulaas funçõesdechefe-geral da Embrapa Recursos Genéticos e Bio- tecnologiaepresidentedaSociedade Brasileira de Biotecnologia (SBBio- tec). Duranteaentrevista, LuizAntônio falou sobre proibição dos produtos transgênicos à agricultura brasileira. Segundoele, essesprodutospossibi- litamganhos econômicos significati- vos para o país e o seu impedimento legal não tem justificativa, visto que vêmsendousadosháanosnomundo, sem que se tenham registros de pre- juízos para omeio ambiente ou para a saúde da população. Entrevista concedida a Maria Fernanda Diniz Avidos Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 26- maio/junho 2002 5Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 26- maio/junho 2002 5 velmente, tiveram uma importância enormeduranteasúltimasdécadas. Se hoje conseguimos alimentar seis bi- lhões depessoas nomundo,muito se deve a esses produtos.Mas a tendên- cianaturaléqueassoluçõesbiológicas comecema substituir as soluçõesquí- micas. E é óbvio que isso não pode acontecer sem reação.Outra questão que deve ser destacada é que os países sempre protegemas suas agri- culturas. A agricultura européia, por exemplo, é extremamente incompe- tente e subsidiada,mas ainda assim é protegida. E, por isso, quando países como Estados Unidos, Canadá e Ar- gentina começamacolocarnaEuropa produtos transgênicos, que são ainda mais baratos, comcusto deprodução mais baixo, como o frango que se alimenta demilho e soja, isso impõe à agricultura européia umproblemadi- fícil de resolver. Ou seja, os Estados Unidos defendem a agricultura dos transgênicos, já que têm interesse em vender esses produtos, e a Europa defendeaagriculturadosnão transgê- nicos porque quer defender a sua agricultura que estámais atrasada do ponto de vista tecnológico. Na Euro- pa, eles conseguiramconvencer a so- ciedadedequeos transgênicospoten- cialmente constituemummal social e issopassouparaoBrasil.EoBrasil,por suavez,nãoprotegeaagricultura. Isso é umproblema grave e está impedin- doodesenvolvimentodabiotecnolo- gia emnosso país há quatro anos. BC&D Essa restrição aos orga- nismos geneticamente modifica- dos (OGMs), no seu ponto de vis- ta, tem causado prejuízos econô- micos e ao avanço do conheci- mento e da ciência no Brasil? Luiz Antônio Essa restrição aos produtos transgênicos têm causado prejuízos econômicosmuito grandes. Eu visitei recentemente a região pro- dutora de soja do Rio Grande do Sul, onde se cultivahá cercade cincoanos soja transgênica, que vemdaArgenti- na, e lá eles têm conseguidoproduzir uma toneladade soja por umcustode produção40 a 50%mais baixodoque a soja convencional.Comisso,osagri- cultores do RioGrande do Sul conse- guiram recuperar áreas que eles já tinhamabandonadoparaaagricultura porque não tinham mecanismos de controledeervasdaninhas.Comasoja toleranteaglifosatoassociadaaoplan- tio direto, eles conseguiram altos ní- veis de produção por custos muito maisbaixos.Asituaçãodaquela região me impressionoude talmaneira, que eu reuni dados e fotografias e preten- do escrever em breve um trabalho sobre isso.Ocultivode soja transgêni- ca,queésabidamente ilegal, na região sul éaprovavivadosprejuízoseconô- micos que a proibição aos transgêni- cos vem trazendo para oBrasil. Além disso, o uso de transgênicos tem sido trocado por um possível mercado potencial que não compensa a dife- rençadecustodeprodução.Asestatís- ticas mostram que a tonelada de soja não transgênica que se destina à ali- mentação humana tem um bônus da ordem de quatro a seis dólares por tonelada, o que não significa nada. Ninguém vai deixar de plantar soja transgênica para ganhar seis dólares por toneladaamais.A toneladadesoja custa aproximadamente 180 dólares, então seisdólaresnãochegaa sernem 5% do preço da tonelada de soja, ou seja, nãoé issoqueestimulaosprodu- tores. Poroutro lado,o famosomerca- dodesojaparaaalimentaçãohumana, que seria umnichoqueoBrasil pode- ria explorar coma soja não transgêni- ca, é pequeno. Os especialistas esti- mam que esse nicho não é mais do que 5%da demandamundial de soja. Ainda assim, eu acho que se esse mercadode soja convencional é inte- ressanteparaoBrasil economicamen- te, euachoquenósdevemosprocurá- lo, entretanto a soja transgênica ilegal está de tal maneira difundida, não só no Rio Grande do Sul como no país inteiro, que se alguém quiser plantar soja e certificá-la comonão transgêni- ca, o custo que isso vai ter émaior do que se consegue pelo bônus, então não vale a pena. BC&D O que falta ser feito para superaresse impasse? Luiz Antônio Em primeiro lugar existemproblemas denatureza legal. Aquestãoestáparadapor razões judi- ciais háquatro anos e agora se encon- tranoTribunalRegionalFederaldesde fevereiro. Até omomento, apenasum dos juízes,aDra. SeleneAlmeida, deu parecer favorável.Os outros dois ain- da não chegaram a uma posição. Na minhaopiniãode cidadão, essa situa- ção é inaceitável. A espera já chega a cinco meses. É preciso que esses juí- zes cheguem a uma sentença, que seja contra ou a favor, mas que acon- teça.Ou seja, o entrave legal existe, e esse eunão sei como resolver.Mas há um outro ponto muito importante, e que merece cada vez mais a nossa atenção, que é o esclarecimento da opiniãopública sobreos transgênicos. O que se estima é que de cada dez pessoas contrárias a transgênicos, sete o são por acreditarem que esses ali- mentos podem fazer mal à saúde, duas por acharemque podemcausar danosaomeioambienteeaúltimapor razões filosóficas ou ideológicas etc. Então, o que eu acho que deve ser feito de imediato é explicar bem a questão dos alimentos transgênicos para o público. É importante que as pessoas saibam que esses alimentos vêm sendo consumidos há sete anos no mundo sem nenhum registro de danos à saúde humana. Ou seja, os alimentos transgênicosnãofazemmais mal do que os convencionais. Quem não pode comer soja, também não podecomer avariedade transgênica e poraívai.Enquanto issonão ficarclaro para opúblico, émuito poucoprová- vel que a opiniãopública aceite esses produtos. É preciso investir maciça- mente emuma campanha de esclare- cimento, mas esse processo envolve custos, eaSociedadedeBiotecnologia nãodispõede recursosparaarcar com uma contra campanha desse porte. Nósestamosbuscandoformasalterna- tivas de chegar à opiniãopública com informaçõesdealtaqualidadecientífi- ca. BC&D Quais os principais pro- dutos transgênicos comercializa- dos hoje nomundo eque caracte- rísticas foramintroduzidas? LuizAntônioOmundohoje cultiva cerca de 52 milhões de hectares de transgênicos, ou seja, uma área supe- 6 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 26- maio/junho 20026 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 26- maio/junho 2002 rior a da agricultura brasileira, princi- palmente de soja, milho, algodão e canola.Masváriosoutrosprodutoses- tãoentrandonomercado, comoarroz, tomate,e abóbora, só que em escala aindamenor.Os primeiros produtos, que já são amplamente difundidos na agriculturamundial, alcançamumren- dimento de aproximadamente 150 milhõesde toneladas (se fizermosuma estimativa muito rudimentar de um rendimentode três toneladasporhec- tare), ou seja, uma vez e meia toda a produção agrícola brasileira. Então, é óbvio que se esses produtos apresen- tassem algum problema para o meio ambiente ou à saúde humana, depois de sete anos de cultivo, isso já teria sido evidenciado. No entanto, não há nenhum registro de que esses produ- tos façam mal. O que se ouve são acusações infundadas. Primeiro foi a batata transgênica, depois aborboleta monarca, e, agora,mais recentemente apareceu o milho que supostamente está contaminandoomilhodoMéxi- co. E depois que essas acusações são divulgadasna imprensa, émuitodifícil desmentí-las,mesmocomcomprova- ções científicas. BC&DConsiderandoamegabio- diversidade brasileira, o senhor acha que o Brasil tem boas chan- cesdeparticipardacorrida tecno- lógica com os países de primeiro mundo? Luiz Antônio - Eu acredito que sim. Achoqueabiotecnologia agrícola ain- da está começandoporqueatualmen- te os transgênicos usam um número muito pequeno de genes, sendo a maioriadebactérias; resistênciaa inse- tos e vírus; e tolerância a herbicidas. Há ainda alguns para resistência a fungos, mas ainda é uma coisa muito incipiente. Existem alguns casos de sucesso comos transgênicosque alte- ramviasmetabólicasproduzindoplan- tas de melhor qualidade nutricional, como é o caso do arroz dourado, que tem um teor mais alto de vitamina A; da canola e da soja, com teor mais baixo de ácidos graxos saturados, e que,poressa razão, têmumaconseqü- ência menos prejudicial ao acúmulo de colesterol no organismo humano. Mas isso ainda é muito pouco. O re- cente surgimentodaeragenômicavai possibilitar progressos realmente sig- nificativosparaaagricultura, jáquevai solucionar os principais processos li- mitantes da produção. Genes para resistência à seca e toxidez de alumí- nio já foramencontrados; estãocome- çando a aparecer genes que vãomo- dificar fotossíntese, fixação de nitro- gênio etc. Agora é que chegou a hora das grandesmudanças na agricultura mundial com base nos genes que estão sendo descobertos de forma acelerada pelas novas técnicas genô- micas. E oBrasil, coma suamegabio- diversidade, temenormespossibilida- desde identificaçãodenovosgenes.E como, felizmente, houvemuito inves- timentonaáreagenômicanosúltimos anos, oBrasil hojedominamuitobem essa área. BC&D Como são feitos os pedi- dos de patenteamento de genes nomundoe,particularmente,no Brasil? Luiz Antônio Existem leis mais ou menospermissivas.NoBrasil, épossí- vel patentear um processo inovador que tenhaaplicação industrial, comoo detolerânciaaherbicida,comooglifo- sato. E esse processo foi introduzido na planta através de uma construção feita por engenharia genética, que faz comqueaplantanãosejaprejudicada peloherbicida. É importante destacar que no Brasil, somente o processo é que pode ser patenteado, e não o gene ou a planta, como em outros países, como os EUA, por exemplo, que têm uma lei de patentes mais permissiva, que permite o patentea- mento de genes, desde que a sua função seja descrita. BC&D Quais os principais pro- dutos transgênicos que vêm sen- do desenvolvidos no Brasil hoje? Luiz Antônio Hoje estão sendo produzidas no Brasil principalmente plantaspararesistênciaaviroses,como batata,mamão e tomate e feijão resis- tente ao mosaico dourado, entre ou- tras. Mas estão em andamento uma série de outros projetos em coopera- ção com empresas privadas para ob- tençãode transgênicoscomtolerância a herbicidas e insetos em soja e algo- dão,porexemplo.AEmbrapa fezuma cooperação comaMonsanto para in- troduzir genesde tolerânciaaglifosato em seus cultivares. A Embrapa é a dona da genética e a Monsanto, da patente do processo de tolerância ao glifosato. Se for autorizada a comerci- alização de transgênicos, a Embrapa imediatamente vai colocar nomerca- do a soja com tolerância a glifosato que, naminha opinião, é competitiva comadaMonsanto. AEmbrapaAlgo- dão, situadaemCampinaGrande, tem trabalhosemandamentopara introdu- ção de genes de resistência a insetos em algodão, o que certamente levará a uma redução drástica no uso de inseticidas. Então, resumindo, pode- mos dizer hoje que a Embrapa tem uma boa genética e as empresas têm os genes, logoo casamento entre elas é a solução ideal até que a Empresa tenha os seus próprios genes e possa desenvolverosprodutos transgênicos sozinha. BC&D Há um ano foi apresenta- do ao mundo o primeiro bezerro clonado no Brasil. É possível oti- mizar a clonagem animal a partir das técnicas da transgenia? Luiz Antônio As técnicas de trans- genia vêm sendo utilizadas na área animal com essa intenção. Não são exatamenteaquelasutilizadasemplan- tas. No caso da Vitória, por exemplo, foi utilizada uma técnica de transfe- "A tendência natural é que as soluções biológicas comecem a substituir as soluções químicas. E é óbvio que isso não pode acontecer sem reação" Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 26- maio/junho 2002 7 " ...nesse período nós não conseguimos nenhum finan- ciamento para engenharia genética por causa da proibi- ção dos produtos transgêni- cos, o que é até compreensí- vel, pois já que não podere- mos comercializar os produ- tos, por que fazer ciência?" Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 26- maio/junho 2002 7 rência nuclear, através da retirada do núcleo de uma célula germinativa, substituindo-opelodadoadora,oque possibilitou a obtenção do clone da- quele que forneceu o núcleo. E não é isso que se faz em plantas. Existem aindaalgumas dificuldades para de- senvolver a clonagem. Por exemplo, para fazer a Vitória, nós transferimos umnúcleodeumacélulagerminativa, nós ainda não conseguimos fazer um clone apartir de uma célula somática, como foio casodaovelhaDolly, onde foi utilizada uma célula de glândula mamária diferenciada. Nós estamos tentando fazer isso com células dife- renciadas, que temvantagensporque pode-se cultivar um grande número de células e, assim, fazer várias tenta- tivasparaconseguirclones.Nocasoda Vitória, foramfeitas cercade230 trans- ferências até chegar a um produto inteiramente sadio. Por outro lado, existemquestõesbiológicasaindanão totalmenteelucidadas relativasaopro- cessodebiologiadodesenvolvimento dos clones. A Dolly, por exemplo, vem tendo um envelhecimento pre- coce, não se sabeoporquê. Emsuma, o ideal para a clonagem é trabalhar com células somáticas porque é uma garantia absoluta de que aquele pro- duto vai ser efetivamente um clone e pode-se usar um grande número de células para fazer animais transgêni- cos. Quando se trabalha com células embrionárias, se transfere umnúcleo que já tem carga paterna ematerna. É por isso que trabalhar com células somáticas é o nosso próximo passo. Estamosdesenvolvendo tambémani- mais transgênicos, que é uma outra técnica, baseadana transformaçãode células somáticaspor técnicasdebom- bardeamento, como com as plantas, ou por vetores virais. Para isso, preci- samos de uma população grande de células porque nem sempre osméto- dos de transformação resultam em produtos transgênicosque funcionem satisfatoriamente. Muitas vezes, têm que se eliminar alguns porqueogene pode ter sido introduzidoemlocaisdo genomaquenãosãoadequados,entre outrosmotivos. BC&D Recentemente cientistas brasileirossurpreenderamomun- doquandoanunciaramosequen- ciamentodabactériaXilella fasti- diosa, causadora de uma das pio- resdoençasdacitricultura,oama- relinho.Naprática,oqueoestudo do genomapode trazer de benefí- cios para a agropecuária? LuizAntônioOestudodegenomas vai possibilitar uma rápida identifica- ção funcional de genes relacionados aosprincipaisprocessosque limitama produtividade das plantas que são de interesse agrícola. Já foram identifica- dosmais de 100genes, cuja função foi absolutamente estabelecida e relacio- nada comprocessos importantes rela- tivos à agricultura, como resistência à secaeencharcamento, toxidezdealu- mínio, fotossínteseetc., alémdegenes relacionados a fatores biológicos pre- judiciais à agricultura, como fungos, bactérias enematóides, que sãoextre- mamente limitantesdaproduçãoagrí- cola.Osestudosgenômicosdealguns organismos superiores importantes, como é o caso, por exemplo, da Ara- bidopsis uma plantinha parente do repolho de C. ellegans, um verme muitopróximodosnematóides fitopa- togênicos, que tiveram os seus geno- mas completamente seqüenciados e comumaboaparte já, funcionalmente elucidada, sem falar no genoma de arroz, vão disponibilizar um grande número de genes para a engenharia genética, que fará a agricultura do futuro. BC&D Mudando um pouco de assunto, mas nesse mesmo con- texto depragas, emrelação à saú- de humana, o mosquito da den- gueAedesaegypti tematingido milhares de pessoas, levando in- clusive àmorte.Oqueabiotecno- logia pode fazer para minimizar esse flagelo? Luiz Antônio A área de controle biológico vem crescendo justificada- mente no Brasil e em outros países. Eu,particularmente,souumforteadep- to das soluções biológicas por enge- nharia genética ou não. No caso do Aedes aegypti e de outros vetores de doenças humanas graves, como a malária, que é transmitida pelo Ano- pheles, o que se faz essencialmente é identificar estirpes de bactérias que são altamente tóxicas a essesmosqui- tos. No caso da dengue já existem estirpes que foram claramente carac- terizadas aqui na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e em ou- tras instituições que, de fato, contro- lam commuita eficiência omosquito dadengue. Portanto, essa éuma linha tecnológica extremamente importan- te,masnão temrelaçãocomnenhuma atividadede transgenia.Háumgrande interesse na identificaçãodogenoma domosquitocausadordamalária, que édeoutrogênero, porquedesse estu- dopodemsurgirpropostas interessan- tes para seu controle, quem sabe até através de técnicas de biologiamole- cular, transgênicas ou não. O que eu acho é que a ciência não pode ficar limitada no seu fluxo por razões que não são justificáveis. Com isso, eunão estouquerendodizerquenão sedeve impor um comportamento ético à ci- ência,mas opior quepode acontecer ao progresso mundial é obstruir o fluxo do conhecimento, proibindo-o de seguir o seu curso normal. E isso é o que vem acontecendo no Brasil e em países da Europa, como a Itália. Pelaprimeira veznahistória donosso país uma tecnologia está sendonega- da aos agricultoresbrasileiros. Conse- qüências terríveis vêmacontecendoa partir disso, do ponto de vista econô- mico, comonós já falamos,masmais doque isso: nós não temos consegui- do mais nenhum financiamento de agências de fomento à ciência para trabalhar com engenharia genética. Há dois anos e meio que eu estou na chefia da Embrapa Recursos Genéti- cos e Biotecnologia e nesse período nósnãoconseguimosnenhumfinanci- amentopara engenharia genética por causadaproibiçãodosprodutos trans- gênicos, oqueé até compreensível, já que se não poderemos comercializar os produtos, por que fazer ciência? As agênciaspúblicasnãoestão financian- do, e o setor privado tem medo de financiar.Nós temosgenes,porexem- plo, que impedemodesenvolvimen- todavassouradebruxa,umfungoque atacaocacaunosuldaBahia,masnão podemos fazer o cacau transgênico porque não há interesse da indústria, em função desse entrave legal. Em outrospaíses,principalmentenaEuro- pa, a situação é ainda pior. Na Itália, porexemplo,osministériosque finan- ciama ciência não aprovamo repasse de recursos financeirosparapesquisas com transgênicos, estão impedindoo desenvolvimento da ciência naquele país, o que é lamentável. BC&D Voltando aos transgêni- cos,aimprensatemnoticiadocom frequência que cultiva-se no Bra- sil, ilegalmente, mais de três mi- lhões de hectares de soja geneti- camente modificada. Na sua opi- nião, esse clamor popular será capaz de sensibilizar as autorida- des para a liberação comercial desseproduto? Luiz Antônio Como pesquisador cujo trabalho se destina a melhorar a qualidade de vida do produtor e da sociedade, eu diria que quanto mais cedo o agricultor conseguir cultivar soja transgênica legalmente melhor será para a agricultura, namedida em que ele vai obter maiores lucros. Ele precisa desses lucros e tem perdido nos últimos anos em funçãodo impe- dimento legal aos transgênicosnoBra- sil. Entretanto,oqueestáacontecendo é que a difusão ilegal dessa soja tem profundos reflexos emoutros setores da indústria agrícola, que talvez sejam irrecuperáveis. Se o usode transgêni- cos continuar proibido noBrasil, seja por questões legais ounão, essa proi- bição terá o efeito inverso de fazer com que a difusão da soja se genera- lize. Eu costumo sempre dizer que se quiserem fazer comqueoBrasil plan- te todaasuaáreacomsoja transgênica é muito fácil, basta proibir mais uns quatro ou cinco anos. Agora qual é a conseqüência disso? Toda a indústria de semente de soja brasileira, que há muito custo nós conseguimosdesen- volver nos últimos 40 anos, vai ficar severamenteabalada. Ea conseqüên- ciadissoparaoBrasil é apiorpossível porque 50% do agronegócio de se- mentenoBrasil é de soja. Alémdisso, instituições comoaEmbrapa,quepo- deriam terbastante retorno financeiro dos 20 anos de investimentos feitos em biotecnologia, estão seriamente prejudicadas pelo fato de não terem financiamentoparaaspesquisas.Para se ter uma idéia, vamos analisar, por exemplo, o acordoque foi feito entre a Empresa e a Monsanto. Para cada hectareplantado com a tecnologia, haveria um retornodeR$1,00. Então, vamos imaginar que esses três mi- lhõesdehectaresdesoja ilegal fossem cultivadoscomasojadaEmbrapa,nós teríamos um retorno de R$ 3milhões por ano. Com isso, o orçamento da nossaUnidadepoderia serdobrado.E é importante lembrar que isso é ape- nas umdécimo da área de plantio de sojanoBrasil.Portanto,é fácil concluir que em conseqüência de apenas um genenós poderíamos ter umenorme avanço para a biotecnologia e para a agriculturabrasileira. BC&D A Folha de São Paulo divulgourecentementequeospro- dutos transgênicos serão subme- tidos ao Ibama, de acordo com decisão do Conama (Conselho NacionaldoMeioAmbiente).Com isso aCTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) per- derá o seu poder regulador? O senhor acha que com essa deci- são ficará ainda mais difícil a liberação dos OGMs no país? Luiz Antônio Eu não tive tempo aindapara analisar cuidadosamente a questão do CONAMA. Mas é impor- tante dizer que a lei é clara. A lei estabelecequea instituiçãoque tema competência para determinar se um produto transgênico é passível de efeitosprejudiciais aomeio ambien- te é a CTNBio (Comissão Técnica Nacional deBiossegurança). Emou- tras palavras, a Comissão é, de acor- docoma lei, quempodedizer seum determinado produto transgênico constitui potencialmente um risco ambiental. Ora, a possibilidade de um risco ambiental é o quedetermi- na se é necessário fazer um estudo de impacto ambiental para empre- endimentos . Isso é asseguradopelo artigo 225, IV, da Constituição. Por- tanto, a lei nãomuda comuma reso- lução do CONAMA, mas o que eu observo é que ao longo de todas as campanhas de percepção pública que vêm sendo feitas, tem havido umesforçoparadificultar a liberação de transgênicos. E esse esforço con- seguiu,dealgumaforma,contaminar o Executivo. É evidente que o licen- ciamentoambiental éumaprerroga- tivadosórgãos ambientais,mas com relação a transgênicos, quem tem quedar a últimapalavra, pela lei, é a CTNBio, a não ser que a lei seja revogada. Issomostra queosórgãos ambientais do Executivo brasileiro não reconhecema existência da lei. Eles achamquea lei debiosseguran- ça não deve ser seguida. Não a tra- tamcomoo instrumento referencial parao funcionamentodaquestãode transgênicosdopontodevista ambi- ental. Então, dessa formaéextrema- mente complicadogarantir o funcio- namento do processo. Se essa reso- lução for aprovada, vai representar mais um atraso para a questão dos transgênicos e o país paga por esse atraso.Asociedadesofrecomissona agricultura e em outros setores da economia. Eu acho que impedir o desenvolvimento da biotecnologia agrícola constitui um crime de lesa pátria. É o que, lamentavelmente, estáacontecendonoBrasil.Aagricul- tura e o país, de forma geral, estão sendo prejudicados. E eu quero sa- ber quemvai pagar por isso. Porque alguém temque ser responsável por essas decisõesqueestão impedindo odesenvolvimentodabiotecnologia brasileira e fazendocomqueoBrasil perca a competitividade internacio- nal. 8 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 26- maio/junho 2002
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