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ECONOMIA E POLÍTICA DAS FINANÇAS PÚBLICAS Fabrício Oliveira

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ECONOMIA E POLÍTICA DAS FINANÇAS PÚBLICAS: 
um guia de leitura à luz do processo de globalização e da realidade 
brasileira 
(Versão Preliminar) 
 
 
 
 
 
 
 Fabrício Augusto de Oliveira 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte, julho de 2007 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Capítulo I: Estado e produção de bens públicos no pensamento econômico 
 
Capítulos II: O orçamento público: origens, papéis e gestão 
 
Capítulo III: Os gastos públicos: classificação e determinantes 
 
Capítulo IV: As receitas públicas: classificação, conceitos e determinantes da 
carga tributária e de sua distribuição 
 
Capítulo V: O déficit público 
 
Capítulo VI: A dívida pública 
 
Capítulo VII: Federação e federalismo fiscal: teoria e realidade 
 
Capítulo VIII: À guisa de conclusões 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
As transformações recentes conhecidas pelo capitalismo, marcadas pelo processo 
de globalização e pelo predomínio do capital financeiro sobre o industrial, mudaram a 
realidade e dinâmica do Estado, da política fiscal e das finanças públicas de um modo 
geral. A globalização dos mercados financeiros, de produtos e de investimentos, derrubou 
as fronteiras que protegiam as economias dos países que integram o sistema capitalista 
mundial e tornou a questão da competitividade vital para sua sobrevivência nessa nova 
ordem e uma condition sine qua non para torná-lo apto a participar deste processo. 
 
Em torno dos conceitos de competitividade e de eficiência ergueram-se os novos 
fundamentos que balizam a ação do Estado e conformam o novo papel conferido à política 
fiscal e à tributação: considerado fonte de ineficiência pelo pensamento convencional, ao 
Estado voltou a ser recomendado reduzir suas atividades nos campos econômico e social e 
cuidar de remodelar suas estruturas e instituições, de modo a contribuir para que o 
mercado possa operar de forma eficiente; à política fiscal, considerando sua inocuidade 
para a expansão da demanda agregada e os prejuízos que acarreta para o funcionamento 
eficiente do sistema, o papel de evitar desequilíbrios orçamentários e de atuar como fonte 
de valorização do capital, por meio da dívida pública, garantindo sua sustentabilidade e a 
preservação da riqueza financeira; à tributação, em nome da competitividade, o 
deslocamento de sua incidência para bases impositivas de menor mobilidade espacial, caso 
do consumo, da propriedade imobiliária e do trabalho, principalmente o menos qualificado, 
para evitar deslocamentos dos fatores de produção motivados por diferenciais tributários, 
assim como a retirada ou atenuação do ônus dos impostos incidentes sobre o capital, em 
suas diversas formas, e a desoneração da produção, dos investimentos e das exportações, 
sob pena de prejuízos para os países participantes do comércio e do fluxo mundial de 
capitais. 
 
Tudo isso significa retirar do Estado e da política fiscal qualquer ação voltada para 
proteger/defender a atividade econômica, e do espaço orçamentário, especialmente no 
tocante à tributação, qualquer compromisso com a questão da equidade e com políticas de 
conteúdo redistributivista. Ou seja, de enfraquecer o seu papel como agente de legitimação 
do sistema, se considerada a visão marxista sobre suas funções, ou de agente também 
responsável pela redução das desigualdades sociais, indispensável para manter a coesão da 
sociedade, na perspectiva keynesiana. A limitação ou a renúncia de seu papel como agente 
de legitimação para acomodar no orçamento os interesses do capital financeiro e para 
assegurar supostos ganhos de eficiência para o sistema colocam, contudo, não poucos 
riscos para a sua reprodução a longo prazo, já que inevitavelmente acompanhada do 
aumento da pobreza e da exclusão social de crescente parcela da população mundial. 
 
 Na atualidade, os manuais de finanças públicas ainda não incorporaram, em sua 
totalidade, as novas regras e princípios que passaram a orientar a política fiscal e a 
tributação e dificilmente caminharão no sentido de desvelar as verdadeiras causas de seu 
surgimento, bem como as conseqüências que podem acarretar para o próprio sistema. Mas, 
como no paradigma anterior, continuam enfatizando a necessidade de reformas do Estado 
e da estrutura de impostos para ajustá-los às novas exigências colocadas na etapa atual de 
desenvolvimento do capitalismo para assegurar competitividade à produção, eficiência ao 
sistema econômico e proteção da riqueza financeira, não importando suas conseqüências 
para a reprodução no longo prazo do sistema como decorrência do enfraquecimento do 
papel do Estado como agente que contrabalança suas iniqüidades e contribui para sustentar 
seu equilíbrio. 
 
 Não se trata de uma nova visão teórica sobre o assunto, mas de uma visão mais 
radicalizada do pensamento dominante sobre o papel do Estado, num contexto em que, 
tendo se libertado de seus oponentes, após a queda do muro de Berlin e o fim do 
comunismo, o capital parece ter retomado seus instintos mais primitivos, em que o objetivo 
da “acumulação pela acumulação sem limites” representa o guia cego de sua caminhada, e 
se esquecido de que sempre que a riqueza não foi minimamente repartida, por meio das 
políticas do Estado, de forma a reduzir as desigualdades e promover maior justiça social, o 
sistema correu sérios riscos de sobrevivência. 
 
 Os primeiros economistas que começaram a refletir sobre as conseqüências e 
efeitos das ações do Estado e da tributação sobre o funcionamento do sistema econômico, 
assumiram como farol, dessa análise, a “eficiência” idealizada do mercado para contrapô-
la à do setor público, no que foram seguidos por todas as escolas do pensamento 
dominante que os sucederam. A busca obsessiva pela “eficiência” do Estado obliterou, 
assim, o verdadeiro papel que a este caberia, como agente político, e conduziu à 
proposição de princípios abstratos estranhos à sua atuação, assim como à construção de 
sistemas tributários “ideais”, como se estes não sofressem a influência de fatores 
econômicos, políticos, ideológicos, culturais e da correlação das forças políticas e sociais 
que dominam o seu aparelho. Uma visão estreita da natureza das finanças públicas, 
despida desses elementos, brotou dessa concepção, propiciando, sempre em nome do 
progresso, da eficiência e, na atualidade, da competitividade, a sugestão de normas a serem 
seguidas que justificam a montagem de estruturas que terminam lançando o maior ônus da 
tributação sobre os ombros mais fracos e condenando a ação redistributivista do Estado 
para mitigar desigualdades, por esta provocar desperdícios de recursos e ineficiência do 
sistema. 
 
 Construída com base nestes conceitos e princípios, a teoria convencional das 
finanças públicas colocou, assim, desde o início, Estado e mercado em campos opostos, 
considerando que o primeiro não apresenta a suposta “eficiência” na alocação e gestão dos 
recursos que seria uma característica do segundo, o que reduziria o nível de bem-estar 
geral da sociedade. Ao desconsiderar o papel que o Estado deve desempenhar como agente 
político, para garantir o equilíbrio e a reprodução do sistema e o próprio triunfo do capital, 
mesmo tendo de sacrificar alguns graus de “eficiência”, a teoria convencional nunca abriu 
espaço, em seu arcabouço, nem para abrigar sua participação na vida econômica e social, 
nem para estruturas de tributação e de gastos com objetivos redistributivos. 
 
 Mas o que a ortodoxia, na sua visão míope do Estado e mercado,sempre negou, a 
história se encarregou de fazê-lo em algumas oportunidades para evitar o colapso do 
sistema: na grande depressão da década de 1930, seguida dos horrores do nazi-fascismo e 
da ameaça do comunismo, a construção teórica de Keynes confirmaria a importância do 
Estado e da política fiscal para “salvar” o capitalismo e para garantir sua reprodução, 
afastando-se do saber convencional e abrindo espaços para abrigar estruturas de impostos e 
de gastos também com objetivos redistributivos, avançando na consolidação do welfare 
state; o retorno da ortodoxia nos anos 1970, após a crise da teoria keynesiana, traduziu-se 
numa feroz oposição antiEstado, com implicações para as finanças públicas e 
conseqüências nefastas para os tecidos econômico e social, logo revista quando o sistema 
viu-se ameaçado por crises financeiras consecutivas, acompanhadas do aumento do 
desemprego, da pobreza e da exclusão social. Um Estado bem comportado, regido por 
regras claras e instituições fortes, surgiu no corpo teórico da corrente neo-institucionalista, 
considerado indispensável para preservar o sistema e para garantir as condições necessárias 
para o mercado operar com eficiência. 
 
 Não é de estranhar que, tendo como ponto de partida o objetivo da “eficiência” 
idealizada do mercado, a teoria convencional das finanças públicas, que está presente nos 
manuais, tenha sempre se apoiada em “normas e princípios abstratos”, descontextualizados 
historicamente, que considera os mais recomendáveis para que a ação do Estado, por meio 
da tributação e dos gastos públicos, não comprometa este objetivo nem o equilíbrio 
“natural” do sistema. Presa nessa armadilha e confiante no poder regenerador do mercado 
e na sua capacidade de corrigir desequilíbrios e de conduzir o sistema a uma situação de 
máximo bem-estar, as ações do Estado são tidas como nocivas para o seu funcionamento, 
assim como a tributação pelas distorções que provoca. Disso derivam as propostas de 
estruturas tributárias que, com o objetivo de proteger o capital, de uma maneira geral, e as 
altas rendas, para não prejudicar/obstar o processo de acumulação, retiram do Estado um 
de seus principais instrumentos para promover maior justiça social e amortecer os conflitos 
e tensões do sistema. 
 
 Musgrave, na I Parte de seu livro de 1959, “Teoria das Finanças Públicas” 
(Musgrave, 1974:24) chama a atenção para o fato de uma teoria dessa espécie poder ser 
abordada de duas maneiras. A primeira, que ele denomina de “teoria normativa, ou ótima, 
do setor público [...] procura estabelecer as regras e princípios que proporcionem uma 
gestão eficiente da economia pública [...], baseando-se em condições inicialmente 
definidas [...]”. A segunda, que ele considera “uma sociologia da política fiscal”, 
permitiria “explicar por que estão sendo seguidas as políticas existentes e prever as que 
serão seguidas no futuro”. Ou seja, a primeira preocupa-se apenas em identificar 
fórmulas/normas para que o Estado atue de forma eficiente, nos diversos campos de sua 
atuação. A segunda em explicar e compreender por que ele atua de uma e não de outra 
maneira, as forças que influenciam suas decisões e as conseqüências que essas acarretam 
para o próprio sistema. Isso significa ir bem mais longe do que sugere o saber 
convencional, pois coloca a necessidade de identificar as forças econômicas, políticas, 
sociais, que influenciam as decisões do Estado, em cada momento histórico, bem como os 
determinantes de suas estruturas de receitas e de gastos, considerando que essas se 
traduzem em ônus e bônus para os setores que os pagam e os recebem, refletindo e 
espelhando, portanto, aquelas decisões. 
 
A teoria convencional das finanças públicas dedica-se à primeira abordagem e 
pode-se dizer que isso explica, de um lado, sua incompreensão da importância do Estado 
para o triunfo do capital, ao tratá-los como instituições concorrentes e antinômicas, 
quando, na verdade, fazem parte da mesma constituição orgânica; ao que se deve 
acrescentar, de outro, o divórcio que mantém com a história, o que a impede de perceber as 
forças econômicas, políticas e sociais que influenciam e determinam o próprio objeto de 
sua investigação, e que, num movimento pendular – determinado pelas próprias 
necessidades do sistema -, estabelecem fases alternadas de maior aproximação/afastamento 
entre o capital e o Estado. Este trabalho adota a senda trilhada pela segunda abordagem, 
visando entender, historicamente, o papel do Estado, bem como os determinantes e a 
dinâmica das finanças públicas nas várias etapas de desenvolvimento do sistema 
capitalista, mas sem abdicar de discutir e apontar as limitações daquela teoria para essa 
compreensão. 
Embora percorra analiticamente as várias dimensões das finanças públicas e 
apresente e problematize os conceitos utilizados nos vários campos deste ramo da ciência 
econômica, como os de orçamento, gastos, tributação, déficit e dívida pública, e realize 
uma análise de sua problemática em países federativos, este trabalho distancia-se, assim, 
dos manuais convencionais de finanças públicas, à medida que, em vez de se preocupar em 
apresentar “fórmulas mágicas” que podem garantir a eficiência do setor público e do 
sistema, procura desvelar suas principais fraquezas e insuficiência para os objetivos 
pretendidos, e, mais importante, o que de fato se busca com suas formulações. Por essa 
razão, embora em várias questões o trabalho apresente e discuta as teorias, os conceitos e 
os princípios das finanças públicas presentes nos manuais, ele deve ser visto mais como 
um “guia” de leitura que tem, por objetivo, compreender e desvelar sua essência e a do 
Estado. 
 
 Com esse propósito de buscar caminhos alternativos para essa compreensão, ele se 
encontra organizado em oito capítulos, além desta introdução. O primeiro realiza uma 
visita ao agente responsável pela gestão das finanças públicas – o Estado -, analisando sua 
evolução e os papéis que lhe foram sendo conferidos para garantir a reprodução do sistema 
capitalista, à luz do processo de produção e de provisão de bens públicos. Seu objetivo foi 
o de apreender como a partir das transformações qualitativas e quantitativas ocorridas no 
desenvolvimento do capitalismo modificaram-se, historicamente, suas funções. Para 
desvelar suas determinações mais gerais e também para entender a complexidade em que 
se transformou o Estado nas diversas etapas de desenvolvimento do sistema capitalista, 
procura-se, ainda, fazer um contraponto entre a visão convencional sobre o seu papel, 
assentada nas funções alocativa, distributiva e estabilizadora; a visão marxista, que 
nucleia sua análise nas funções de acumulação e legitimação; a visão neoliberal, para 
quem o Estado, de acordo com a sua versão mais radical, a dos rent seeking, nem deveria 
existir pelos prejuízos que sua ação acarreta para a economia e a sociedade; e a visão mais 
moderna do “neo-institucionalismo” e da corrente teórica da “nova economia política”, as 
quais, reconhecendo as limitações do mercado operar, por si só, com eficiência, abrem 
espaço para o Estado contribuir nessa tarefa, com estruturas e instituições remodeladas e 
eficientes. Uma análise da evolução do Estado no Brasil e de suas transformações no bojo 
das principais mudanças operadas no quadro econômico e político até os nossos dias fecha 
o capítulo. 
 
 O segundo é dedicado à análise do orçamento - a arena onde são tomadas as 
decisões sobre as receitas, os gastos e a dívida do Estado, que afetam toda a sociedade. Seu 
objetivo é o de demonstrar que, além de uma peça técnica e de um instrumento de 
planejamento, o orçamento é, desde as suas origens, uma peça de cunho político, criada 
para orientar as negociaçõessobre a distribuição das quotas de sacrifício que os membros 
da sociedade incorrem para financiar as necessidades de recursos do Estado e também para 
ser utilizada como um instrumento de seu controle sobre os seus gastos. O capítulo faz, 
ainda, uma discussão sobre os princípios orçamentários mais importantes e sobre as várias 
fases percorridas por esse instrumento nas sociedades democráticas, analisando, no final, a 
experiência brasileira nessa questão. 
 
 No terceiro, é apresentada a estrutura de classificação dos gastos públicos no 
Brasil, de acordo com os critérios previstos na Lei 4320/64 e em seus desdobramentos 
posteriores, e feita uma análise comparativa da posição das diversas correntes teóricas – 
clássica, neoclássica, keynesiana, marxista, da “escolha pública” etc. – sobre o que 
consideram os principais determinantes de seu crescimento e de sua composição, bem 
como sobre os seus efeitos para a economia e para a questão distributiva. Uma discussão 
sumária sobre a evolução dos gastos públicos no Brasil é nele também contemplada. 
 
 No quarto procura-se fazer uma discussão sobre a principal fonte de financiamento 
do Estado: a tributação. Discorre sobre e problematiza conceitos como os de carga 
tributária, tributos, contribuições sociais, impostos diretos e indiretos, e discute as origens 
históricas das diversas formas de extração de recursos da sociedade pelo Estado. Realiza 
uma discussão aprofundada sobre os princípios de tributação da teoria convencional – 
especialmente os da “neutralidade” e “equidade” – e, na atualidade do mundo da 
globalização, o de “competitividade”, que se tornou, neste contexto, norma superior da 
tributação, procurando desvelar o que de fato se esconde por detrás de seu conteúdo e 
mostrar suas dificuldades e limitações para a construção dos sistemas tributários e para a 
determinação do tamanho e da composição da carga tributária. Apoiando-se em posições 
teóricas distintas sobre essas questões, apresenta uma visão alternativa sobre esses 
determinantes – do tamanho da carga tributária e, portanto, do tamanho do Estado, e de sua 
composição –, bem como analisa a influência que os impostos sofrem e o papel que 
desempenham no processo de acumulação de capital. Com uma avaliação das finanças 
públicas em países selecionados e no Brasil, nos períodos analisados, procura-se dar 
respaldo às interpretações alternativas apresentadas. 
 
 Uma discussão sobre os conceitos, implicações macroeconômicas e sobre os vários 
papéis desempenhados pela dívida e o déficit públicos no processo de acumulação e da 
importância e/ou restrições que estes representam para o processo de valorização do 
capital, é realizada no quinto e sexto capítulos. No quinto, procura-se demonstrar como de 
malefício considerado pelos economistas clássicos e neoclássicos para o funcionamento da 
economia, o déficit público e a política fiscal transformam-se em instrumentos 
regeneradores das forças do sistema, a partir das formulações keynesianas sobre a crise do 
capitalismo na década de 1930, para retornarem à condição de vilões nos anos 1970, 
juntamente com o Estado, apontados como responsáveis pelos desequilíbrios e 
instabilidade que sobre ele se abateram a partir dessa época. Na esteira dessa crise, o 
renascimento do neoclassicismo no bojo das transformações que conheceria o capitalismo 
com a Terceira Revolução Industrial e o processo de globalização econômica, novamente 
confinaria o papel da política fiscal à valorização do capital e à preservação da riqueza 
financeira, negando-se, ao Estado, a possibilidade de incorrer em desequilíbrios 
orçamentários. O tratamento que passa a ser dado ao déficit público tanto pelo mundo 
desenvolvido como pelo restante do mundo e, em especial, pelo Brasil, com base neste 
novo paradigma, bem como suas conseqüências econômicas e sociais e os limites que 
coloca para o Estado desempenhar suas ações, é analisado ao longo do capítulo. 
 
 No sexto, analisa-se a dívida pública desde a sua origem como uma das alavancas 
do processo de acumulação primitiva, passando pela visão da teoria econômica neoclássica 
que a vê como prejudicial para o funcionamento do sistema e pela de Keynes, que resgata 
sua importância para sua revitalização, até desaguar no paradigma teórico atual que a 
prioriza como fonte de valorização do capital financeiro e exige, do Estado, sua 
sustentabilidade temporal para assegurar o pagamento de seu serviço aos seus credores. 
Nessa perspectiva, déficit e dívida passam a operar como travas do crescimento econômico 
e da acumulação produtiva para assegurar a felicidade do capital financeiro. A evolução da 
trajetória da relação dívida/PIB nos países desenvolvidos e no Brasil é analisada para 
avaliar como esta tem se comportado e que conseqüências acarreta para a reprodução do 
sistema, à luz dos novos marcos teóricos que têm pautado a ação da política fiscal. 
 
 O sétimo capítulo é dedicado à análise do federalismo. Para tanto, busca-se 
remontar historicamente sua trajetória, desde o surgimento de sua experiência nos EUA, 
analisando as vertentes, no campo do federalismo fiscal, que lhe deram – e dão - 
sustentação teórica e que conformam suas estruturas, bem como os variados tipos que têm 
assumido ao longo da história e das transformações conhecidas pelo sistema capitalista: 
federalismo dual, cooperativo, competitivo e institucional. Assim como na teoria 
econômica dominante, a busca da “eficiência” idealizada do mercado projeta-se para 
dentro do Estado e, no seu interior, para os diversos níveis de governo que o compõem, 
visando definir/estabelecer as formas que devem assumir as relações intergovernamentais e 
a divisão de competências e responsabilidades dos entes federativos para alcançá-la. Como 
se procura demonstrar, ao conferirem centralidade à questão da “eficiência” do setor 
público, os modelos de federalismo que brotam dessas teorias reduzem a federação a uma 
mera questão de maior ou menor grau de centralização/descentralização de competências 
tributárias e administrativas e obliteram a complexa e dinâmica realidade política que por 
trás dela viceja. Completam o capítulo uma análise mais detida das conseqüências do 
processo de globalização para as relações federativas e também da sua evolução histórica 
no Brasil, que revela uma federação, desde a sua criação, que continua funcionando como 
um pêndulo em busca de um pouso. 
 
 O capítulo oito examina, a título de conclusão, as implicações do papel atualmente 
conferido à política fiscal pela teoria econômica dominante, de preservação da riqueza 
financeira, para a reprodução do capital a longo prazo. Para tanto, apresenta duas visões 
sobre este fenômeno, ancoradas na visão marxista sobre as crises do capitalismo, as quais, 
apesar de um pouco distintas, chegam aos mesmos resultados: a de progressivo 
enfraquecimento do capital e das forças da acumulação na etapa de desenvolvimento atual 
do sistema, quando essas tendências se acentuaram com o predomínio do capital 
financeiro. A primeira, de Carcanholo & Nakatani (1996, 2006), com base no conceito de 
capital fictício de Marx, que eles desdobram também em capital especulativo parasitário – 
um capital que se apropria de parte do excedente ou da mais-valia sem contribuir para a 
sua geração –, o qual, de acordo com os argumentos que desenvolvem, enfraquece, com 
essa ação, as forças da acumulação produtiva. A segunda, de Giovanni Arrighi (1994), 
para quem, apoiando-se nos trabalhos de Fernand Braudel elaborados sobre o tema, as 
expansões financeiras não são características atuais do capitalismo, mas partes integrantes 
de um longo ciclo sistêmico de acumulação, que sinalizariam “sua maturidade” ou “sinal 
de outono”, indicandoa necessidade de renovação de suas bases e estruturas para permitir 
ao sistema ingressar em uma nova etapa. Corresponderiam, assim, a uma fase de transição, 
em que o capital continua garantindo seu processo de valorização, por meio principalmente 
da expansão da dívida pública, enquanto se criam as condições necessárias para dar início 
a um novo ciclo. Só que, como alerta Arrighi (1994:342), a recriação dessas condições tem 
se tornado cada vez mais difícil e complexa porque “... a velocidade de cada oscilação – 
medida pelo tempo que cada regime levou para se formar, tornar-se dominante e atingir 
seus limites – aumentou sistematicamente conforme a escala e o âmbito de ação dos 
principais agentes dos processos sistêmicos de acumulação de capital. [Por isso], cedo ou 
tarde, ele está fadado a atingir uma etapa em que a crise de superacumulação não consegue 
criar um agente suficientemente poderoso para recompor o sistema em bases maiores e 
mais amplas”. 
 
 Elaborado com o objetivo de fazer uma leitura crítica da teoria convencional das 
finanças públicas sobre os determinantes e sobre o papel e efeitos das receitas, dos gastos e 
da dívida pública na economia, o trabalho percorreu diversos campos de análise dessa área, 
contrapondo o pensamento de distintas correntes teóricas sobre essas questões, com o 
objetivo de desvelar suas limitações, dificuldades e as que podem ser consideradas efetivas 
contribuições para o seu entendimento. Com isso, foi inevitável o pouco aprofundamento 
em alguns de seus pontos, que ficaram carecendo de maior desenvolvimento, o que, 
entretanto, não compromete os resultados apresentados. Por outro, pretendendo ser útil 
para os que se dedicam à pesquisa aplicada na área de finanças públicas, o trabalho 
procurou incorporar outros pontos de uma maneira geral não contemplados nas 
publicações existentes sobre o tema, como as que dizem respeito às contas do orçamento e 
às diversas classificações, conceitos e indicadores que podem ser construídos com as 
receitas e os gastos públicos para a análise das finanças públicas. Quem não se interessar 
por essas questões pode, assim, sem prejuízos para a compreensão da problemática 
desenvolvida, dispensar a leitura dessas seções. 
 
 Quando o trabalho já estava concluído, o IBGE divulgou novos números do PIB 
para o período 2000-2005, de acordo com a nova metodologia que passou a adotar para o 
seu cálculo. De uma maneira geral, o desempenho da economia mostrou-se bem mais 
favorável, mas a nova série tornou-se incomparável com os períodos anteriores. Essa 
mudança alterou vários indicadores e variáveis utilizados neste trabalho, como os de carga 
tributária, superávit fiscal primário, dívida pública, considerados como proporção do PIB. 
Mas como as tendências mais gerais não se modificaram preferiu-se manter as estatísticas 
anteriores, já que o prejuízo da falta de comparabilidade de sua trajetória seria maior do 
que o benefício ganho com sua atualização. De qualquer forma, apresenta-se, no final do 
trabalho, um anexo contendo a série atualizada para os principais indicadores e variáveis 
fiscais utilizados, com base nos novos números do PIB. 
 
 Vários amigos contribuíram para a sua elaboração. Francisco Luiz Cazeiro 
Lopreato, da Universidade Estadual de Campinas, teve a paciência de ler as três primeiras 
versões completas e suas observações e sugestões foram de grande importância para 
esclarecer-me as principais questões do debate atual sobre a política fiscal e para corrigir 
alguns equívocos em que incorrera. Cláudio Gontijo, da Universidade Federal de Minas 
Gerais (UFMG), Paulo Nakatani, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), 
Álvaro Ramalho Jr. e Ricardo Carneiro, professores da Fundação João Pinheiro, também 
me favoreceram com sua leitura e fizeram sugestões enriquecedoras para sua melhoria. 
Fernando Amoni leu os capítulos iniciais e chamou minha atenção especialmente para a 
pouca ênfase que vinha sendo dada à abordagem das várias teorias que tratam das finanças 
públicas. A todos devo agradecimentos pelo resultado final, mas, como de praxe, nenhum 
pode ser responsabilizado por erros que subsistiram. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 CAPÍTULO I 
 
 
 
ESTADO E PRODUÇÃO DE BENS PÚBLICOS 
NO PENSAMENTO ECONÔMICO* 
 
 
 
 
 Fabrício Augusto de Oliveira 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
(*) Do livro “Economia e Política das Finanças Públicas: um guia de leitura à luz do 
processo de globalização e da realidade brasileira, 2007”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
2. ESTADO E CAPITALISMO NO PENSAMENTO ECONÔMICO HEGEMÔNICO 
 
2.1. O Estado no Mercantilismo 
 
2.2. O Estado no Capitalismo Concorrencial 
 
2.3. O Estado no Capitalismo Monopolista 
 
2.4. O Estado no Capitalismo Mundializado 
 
3. A VISÃO MARXISTA DO ESTADO 
 
4. UM BALANÇO DAS POSIÇÕES TEÓRICAS SOBRE O ESTADO 
 
5. O ESTADO NA ECONOMIA BRASILEIRA 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
Desde a sua formação, o Estado moderno não mais parou de crescer. Desfrutando de um 
poder absoluto nas suas fases iniciais, mas com acanhada estrutura material, institucional e 
financeira, evoluiu, nos períodos seguintes, para estender seu domínio e ampliar o controle 
sobre a sociedade civil em todos os campos da vida econômica e social, ao ser legitimado 
como instrumento de organização e de realização da humanidade e ao completar o 
processo de constituição de suas estruturas, com a profissionalização das forças armadas e 
o avanço da burocracia. 
 
 Tendo se tornado senhor da moeda e garantido o financiamento de suas atividades 
com a cobrança de impostos consentidos, ao ser legitimado politicamente, viu caírem as 
barreiras que ainda limitavam sua ação no campo econômico com a grande crise do 
sistema capitalista da década de 1930, quando as idéias keynesianas justificaram sua maior 
intervenção na economia para “salvar” o sistema da derrocada. De lá para cá, aumentou 
consideravelmente seu poder de extração de receitas da renda e da riqueza geradas nas 
economias em geral, as quais atingiram, em alguns casos, mais de 40% deste total, um 
nível impensável, quando, apesar de apoiado em um poder absoluto, de origem divina, 
engatinhava no processo de sua formação, limitado por condições financeiras, materiais e 
institucionais. 
 
 Apesar dessa trajetória, a importância e o papel que o Estado tem desempenhado 
para a reprodução do sistema econômico capitalista não conquistaram unanimidade no 
pensamento econômico. Vilão para alguns, à medida que, de sua ação, acredita-se, geram-
se ineficiências para o sistema econômico, o Estado deveria limitar-se, nessa visão, a 
desempenhar poucas atividades, apenas cuidando da ordem e da segurança interna e 
externa e protegendo os direitos da propriedade. Considerado, por outros, como 
indispensável para garantir as condições de reprodução do sistema e evitar o seu colapso, 
pelas contradições que este encerra, ao Estado, para cumprir sua sina e tornar vitorioso o 
capital, deveriam ser atribuídas bem mais atividades do que as preconizadas por seus 
oponentes. Em meio a este debate, onde ora predomina uma ou outra dessas posições sobre 
a dimensão e os papéis que lhe cabem, o fato é que o Estado não parou de avançar e de se 
consolidar como instrumento de organização da sociedade e de garantia da reprodução do 
sistema, criando as condições necessárias paratanto, mesmo na atualidade, quando 
retornaram revigoradas as vozes que se opõem à sua presença na economia. 
 
 Este capítulo é dedicado a analisar a evolução do papel do Estado ao longo das 
fases marcantes do desenvolvimento do capitalismo, bem como as mudanças que 
ocorreram em suas formas de atuação. Para tanto examina, na segunda seção, a evolução 
dessa forma de “enxergar” o Estado pelo pensamento econômico dominante, as revisões 
nele operadas à luz dessas transformações, bem como os argumentos teóricos utilizados 
para justificar o aumento ou redução de suas atividades. Na terceira apresenta, como 
contraponto a este pensamento, a visão marxista sobre o papel do Estado, que entende sua 
essência como elemento associado ao capital e seus movimentos pendulares como 
resultado da necessidade de dar respostas às demandas do sistema para garantir sua 
reprodução. Na quarta, faz um balanço “livre” dessas posições, procurando colher 
elementos que melhor permitam entender sua natureza, dinâmica e tendências. Na quinta, 
analisa, em linhas gerais, a evolução do Estado na economia brasileira, procurando 
apreender como os elementos dessas teorias influenciaram sua conformação, tamanho e 
natureza e refletiram-se nas suas estruturas de financiamento e de gastos. 
 
 Desvelar a essência do Estado, com essa leitura, é importante para o propósito 
deste trabalho que é o de identificar tanto os determinantes de seus gastos (e de seu 
crescimento) como as fontes de onde retira recursos para o seu financiamento, bem como a 
que situação pode conduzir este processo no estágio atual de desenvolvimento do 
capitalismo, em que sua forma de atuação se encontra sob forte questionamento pela teoria 
econômica dominante e pelo mundo dos negócios. 
 
 
2. A EVOLUÇÃO DO ESTADO NO CAPITALISMO E O PENSAMENTO 
ECONÕMICO DOMINANTE 
 
 O Estado cumpre na sociedade, desde a sua origem, determinados papéis que 
variam em função de sua inserção na realidade histórico-concreta. Para desempenhá-los 
precisa ele de dispor de um determinado montante de recursos que serão utilizados para o 
funcionamento da máquina pública, a manutenção das forças armadas, o pagamento de 
seus funcionários e para a realização de obras demandadas pela sociedade. A dimensão dos 
recursos de que necessita varia, assim, em função da dimensão e da amplitude do papel 
que desempenha nessa realidade. Papel que se amplia ou se estreita, à medida que se 
modificam as condições de reprodução do capital, as quais, por sua vez, refletem-se sobre 
a sua natureza e sobre a sua forma de atuação. 
 
 Segundo Musgrave & Musgrave (1980, Cap. 1), que atribuem grande importância 
às falhas do mercado para explicar sua forma de atuação, “…há explicações ideológicas, 
sociais e políticas [para justificar tanto os papéis que cumpre como o seu tamanho], mas o 
fato é que o mecanismo do sistema não pode desempenhar sozinho todas as funções 
econômicas. A atuação governamental é necessária para guiar, corrigir e suplementar este 
mecanismo em alguns aspectos, o que torna o tamanho apropriado do setor público uma 
questão técnica ao invés de uma questão ideológica.” 
 
 A posição desses autores representa a síntese de um período da história do 
capitalismo onde houve o predomínio de determinadas correntes teóricas sobre a 
importância do papel do Estado para corrigir essas falhas e para fortalecer e consolidar o 
sistema capitalista. Nessa perspectiva, ao Estado caberia desempenhar determinadas 
funções – alocativa, estabilizadora e distributiva -, indispensáveis para um eficiente 
funcionamento do sistema, as quais o mercado, pela sua natureza, não seria capaz de 
cumprir. 
 
 Nem sempre, entretanto, essas idéias prevaleceram ao mesmo tempo, assim como 
também nem sempre os papéis por ele desempenhados integraram o corpo teórico do 
pensamento dominante. Houve períodos na história do capitalismo em que o papel do 
Estado consistiu precipuamente em criar e garantir as condições para o triunfo do capital, 
ainda que isso implicasse restrições à sua liberdade. Em outros, quando muito se admitia o 
desempenho de sua função alocativa para prover a sociedade de bens que o mercado não 
seria capaz de produzir, deixando o capital livre das amarras que aparentemente prendiam 
seus movimentos ao Estado. Assim como houve períodos em que não somente essas 
funções foram ampliadas como também lhe foram conferidas atribuições de forte 
regulação da vida econômica para impedir que a concorrência intercapitalista conduzisse o 
sistema ao colapso. Na atualidade, depois de um longo período de regulação e de 
ampliação dos papéis do Estado, ressurgiram, com força, as teses antiEstado e anti-
regulamentação, sob o argumento de que sua intervenção provoca mais prejuízos para o 
sistema do que o mercado com suas falhas. 
 
 Desse breve relato, pode-se inferir que as funções do Estado tendem a se modificar 
historicamente. E, como num movimento pendular, fases de liberdade econômica tendem a 
se alternar com fases de maior regulação, modificando-se seus papéis. E mais: a 
legitimação de sua forma de atuação encontra, em cada um destes períodos, respaldo em 
um conjunto de explicações teóricas que a sustentam e justificam. Por isso, para entender 
as transformações qualitativas operadas em seu aparelho e nas suas formas de atuação, 
torna-se necessário acompanhar sua trajetória à luz das grandes mudanças ocorridas no 
modo de produção capitalista, desde o seu nascimento até os dias atuais, e analisar como o 
pensamento teórico dominante, que em alguns períodos condenou sua intervenção no 
campo econômico, em outros a justificou como necessária para revitalizar suas forças, 
utilizando os mesmos argumentos que antes combatera. 
 
2.1. O Estado e as fases de desenvolvimento do capitalismo 
 
 A análise feita em seguida sobre os papéis desempenhados pelo Estado e as 
transformações ocorridas em seu aparelho percorre quatro fases marcantes de 
desenvolvimento da sociedade capitalista: a) a do período conhecido como Mercantilismo, 
que corresponde ao momento em que se gestam as condições necessárias para a 
emergência do capitalismo; b) a do período do capitalismo concorrencial, onde 
predominam os ideais da doutrina liberal, da liberdade de escolha para o capital em 
oposição à forte regulação do período anterior; c) a do período do capitalismo monopolista, 
onde novamente o Estado é convocado para intervir e regular o funcionamento do sistema; 
e d) a do capitalismo mundializado (globalizado), onde retornam, com força, as idéias de 
desregulamentação e de maior liberdade para o capital. 
 
 Se é possível fazer uma analogia dessa evolução com as fases do desenvolvimento 
da vida humana, podemos identificar no mercantilismo a infância do capitalismo, o 
período em que, chegando a um mundo desconhecido e, às vezes hostil, o capital (ou a 
criança) precisa contar essencialmente com proteção para nele se situar e se instalar, o que 
encontra no Estado (ou no pai). No capitalismo concorrencial, a sua adolescência, período 
de rebeldia em que, se sentindo capaz de andar com suas próprias pernas, dispensa a tutela 
do pai (do Estado) e se aventura por caminhos ignotos, como dono do mundo. No 
capitalismo monopolista, a fase de maturidade, em que se retorna ao lar, reconhecendo a 
importância do pai (do Estado) para a travessia da longa jornada da vida com menores 
riscos e conflitos. No mundo globalizado, a terceira (ou quarta) idade, em que se 
mesclam sonhos juvenis de liberdade com a percepção dos sinais de outono, e, sentindo-se 
privado de limites, quer-se reviver projetos e ilusões que se mostraram inviáveis, em outros 
períodos, desprezando os riscos que isso representa.2.1.1. O Estado no Mercantilismo: a infância 
 
 A história da sociedade capitalista revela que as funções assumidas pelo Estado na 
economia expandiram-se consideravelmente a partir do século XX e, mais 
especificamente, das adversidades resultantes da crise de 1929, que induziram alguns 
governos a acionar a máquina pública, visando atenuar os efeitos deletérios engendrados 
sobre o nível de renda e de emprego da economia. Roosevelt nos EUA, ancorado no pacto 
social e democrático do "New Deal", e Hitler, na Alemanha, que atemorizou o mundo com 
os horrores do nazismo, constituem exemplos conspícuos da forma como o Estado, embora 
em direções distintas, entronizar-se-ia na vida econômica e social de forma crescente, 
antecipando, em alguns casos, as formulações keynesianas sobre o papel que lhe caberia 
desempenhar diante de situações de crise enfrentadas pelo sistema. 
 
 Antes da crise de 1929, em plena vigência da doutrina liberal, eram restritas as 
funções atribuídas ao Estado. Segundo preconizava essa doutrina, o Estado deveria evitar 
imiscuir-se na vida econômica, sob pena de reduzir a eficiência do sistema. Era 
imprescindível, nessa perspectiva, que os mecanismos de mercado operassem sem 
restrições, sendo o Estado visto como um mero agente consumidor improdutivo e, como 
conseqüência, a atividade governamental como um mal necessário. Em virtude disso, era-
lhe reservado o papel de guardião do sistema, o qual se restringia ao cumprimento das 
tarefas de mantenedor da ordem e da segurança do país, oferecendo e fornecendo serviços 
de defesa, justiça, diplomacia e algumas poucas obras públicas. 
 
 O arcabouço teórico que dava amparo à tese de que o Estado deveria ter uma 
atuação passiva na economia tinha suas raízes plantadas nas idéias liberais que se 
consolidaram no século XVIII e que representaram um libelo contra a doutrina 
mercantilista, que imperou durante o período que separa a Idade Média do liberalismo, e 
que demarca, historicamente, a época em que ocorre a acumulação primitiva do capital. 
Neste período, também conhecido como Mercantilismo, dado o predomínio do capital 
mercantil sobre o capital industrial, o Estado, ao contrário daquele que o sucederá, 
exerceria um papel tão amplo quanto agressivo na vida da sociedade. 
 
 Corresponde o Mercantilismo ao período em que se gestam as condições 
requeridas para o advento da sociedade capitalista. É, portanto, um período de transição, 
que retém elementos tanto do modo de produção anterior - o feudal - como do que estava 
para se instaurar - o capitalista. Mas para liquidar os resquícios do mundo medieval, que 
entravavam o desenvolvimento da produção, foi necessário romper com dogmas e crenças 
vigentes e quebrar a coluna dorsal das forças que se opunham às mudanças que abririam o 
caminho para colocar a produção da riqueza material e do enriquecimento como valor 
supremo do homem. 
 
 Não foi um processo simples, linear e nem coincidente, no tempo, nos países que o 
percorreram. Pelo contrário, foi um processo longo, que exigiu mudanças na visão 
predominante de mundo sobre o fim da vida social e do Estado, lutas contra as forças 
políticas que sustentavam e se beneficiavam do sistema dominante, e criação das 
condições econômicas e também de infra-estrutura necessárias para viabilizar a nova 
perspectiva de vida e de realização da humanidade que brota deste período. Para Denis 
(1974:98), com as idéias mercantilistas “... teremos, pela primeira vez, diante de nós, uma 
teoria da sociedade que se desenvolve essencialmente no âmbito da economia, dado que o 
fim da vida social [passa a ser] concebido com um fim econômico e que [...] os meios 
encarados para realizar esse fim são também econômicos.”. Condenado pela igreja, a busca 
pelo lucro oriundo das atividades comerciais e financeiras transforma-se, a partir deste 
período em atividade indispensável para o homem alcançar a felicidade. 
 
 A construção da riqueza depende, contudo, nessa doutrina, da participação decisiva 
do Estado, o qual, por sua vez, necessita dessa mesma riqueza para seu fortalecimento. 
Para os mercantilistas, o enriquecimento de um país é dado pelo lucro do comércio e da 
indústria, que, para se materializar, depende do desenvolvimento das atividades 
exportadoras, com as quais se garante o fluxo e a abundância de metais (moeda) para a 
expansão dos empréstimos essenciais para o desenvolvimento. E é dessa mesma riqueza 
que se alimenta o Estado, de acordo com Denis (1974:107) para aumentar seu poder, dado 
que é dela que obtém receitas para formar exércitos e constituir tesouros de guerra. Os 
interesses dos mercadores – a busca pelo lucro – se confundem e se misturam, nessa visão, 
com os interesses do próprio Estado na busca por maior poder. 
 
 A criação das condições objetivas para a produção dessa riqueza dependia, 
também, da reunião crescente de homens no mercado de trabalho, da implementação de 
políticas específicas voltadas para o desenvolvimento do comércio e da manufatura, da 
integração do mercado nacional. Insuficientemente forte para comandar essas mudanças, a 
burguesia comercial alia-se e se apóia no Estado – e o instrumentaliza – para liquidar com 
o particularismo regional fundado na existência da economia natural e nas deficientes vias 
de comunicações e para garantir a delimitação das fronteiras nacionais, indispensável para 
a implementação dessas políticas. 
 
 Tarefa de tal envergadura, só poderia ser realizada por um Estado forte. É isso que 
explica porque as idéias mercantilistas, favoráveis ao fortalecimento do Estado, mantêm 
uma admirável coerência, uma unidade irrepreensível de pensamento, evidenciando-se em 
todas as obras de seus representantes. Não sem razão o Estado atua, nessa época, como o 
termômetro da sociedade, como o seu grande regulador, imiscuindo-se em áreas tão 
variadas quanto abrangentes, tais como as que se referem, inter alia, ao controle exercido 
sobre os salários, à promulgação de leis sobre o desemprego, à concessão de monopólios 
para a exploração de determinadas atividades, ao mesmo tempo em que é ele quem 
comanda as grandes conquistas coloniais. Nas palavras de Faoro (2000:70), nesse período, 
 
 “o Estado organiza o comércio, incrementa a indústria, assegura a 
apropriação da terra, determina salários, tudo para o enriquecimento da 
nação e o proveito do grupo que a dirige. O mercantilismo opera sob tal 
constelação, como agente unificatório e centralizador, versado contra o 
disperso e universal mundo da idade média. O Estado, desta forma elevado a 
uma posição prevalecente, ganha poder, internamente contra as instituições e 
classes particularistas, e, externamente, se estrutura como nação em 
confronto com outras nações. Do seu seio, mediante este estímulo, floresce o 
absolutismo, consagrado na razão do Estado.” 
 
 
 Com o fortalecimento do Estado, amplia-se o poder do monarca e, com a igreja 
minada em suas forças, transfere-se para ele o poder divino. De acordo com Denis 
(1974:99) “a nova filosofia política é oposta à concepção católica do Estado defendida na 
idade média, porque faz do Estado uma força autônoma e não uma realidade subordinada à 
igreja.” Nessa época, em que não havia separação entre a esfera pública e a esfera privada 
e o governante era identificado com o governo, Estado e rei se tornam absolutos. Fundado 
no poder divino, o rei dispõe de poderes ilimitados. Segundo Soboul (1981:Cap.2): “o rei é 
a fonte de toda a justiça; de toda a religião; de toda atividade administrativa; da guerra e da 
paz.” Estado e governante fundem-se, portanto, numa única entidade, ungida pelo poder 
divino. É isso que permite compreender a célebre síntese dessa situação feita por LuísXIV, rei da França entre 1661 e 1715, ao afirmar que “l’état c’est moi” (“O Estado sou 
eu”). 
 
 Este excessivo poder do Estado constituirá a razão que conduzirá ao seu 
enfraquecimento, ao despertar e impulsionar resistências à liberdade com que contava para 
cobrar tributos e contrair vultosos empréstimos para o financiamento de suas atividades e 
dos governantes, tornando-se, com isso, um crescente obstáculo para o desenvolvimento 
das atividades produtivas. As revoluções inglesa de 1648 e de 1688, assim como a 
revolução francesa de 1789, representam, na história, pontos culminantes das resistências 
que foram surgindo e crescentemente se opondo ao Estado absolutista, as quais, com sua 
derrocada, vão imprimir nova feição ao Estado, separando-o, definitivamente, da figura do 
governante e estabelecendo mecanismos de controle da sociedade sobre suas formas de 
atuação e de decisões tomadas sobre gastos e cobrança de tributos. As transformações que 
se operaram nas condições econômicas, políticas e intelectuais, neste longo período em 
que o Estado absolutista predominou, encontram-se na base que deu origem à nova 
concepção – e configuração – do Estado que brota no século XVIII. 
 
2.1.2. O Estado no Capitalismo Concorrencial: a adolescência 
 
Enquanto o sistema capitalista avançava na construção de suas bases, a existência de um 
Estado forte, com grande poder regulatório e intervencionista na vida social e econômica 
do país, revelou-se altamente funcional para os objetivos da burguesia nascente. À medida, 
entretanto, que o capitalismo sentiu-se suficientemente confiante para andar com os seus 
próprios pés, dispensou essa tutela, apontando-a como contrária aos seus interesses e à sua 
indispensável liberdade para garantir mais rapidamente, em escala crescente, a sua 
reprodução. Com essa mudança, a liberdade de que desfrutava o Executivo, na figura do 
monarca, para impor sua vontade, viu-se enfraquecida e sua atuação limitada a poucas 
atividades. O avanço das idéias que se opunham ao absolutismo, associado ao surgimento 
das explicações mecânicas do mundo combinaram-se para dar lugar à construção das bases 
da teoria econômica, onde ao Estado estaria reservado papel importante, mas 
complementar às forças endógenas de reprodução do sistema. 
 
 No plano político, as obras de Hobbes, Locke e Montesquieu reforçaram a 
importância do Estado na organização da sociedade, mas separando-o do governante, ao 
descartarem o direito divino que mantinha estes elos e criarem meios para proteger a 
sociedade civil do poder arbitrário do soberano. Da obra de Montesquieu, O espírito das 
leis, sairia a fórmula que asseguraria o triunfo definitivo do Estado, mas representaria, ao 
mesmo tempo, um antídoto contra o seu poder absoluto, ao dividir e distribuir sua 
soberania entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário (Cf. van Creveld, 2004:cap. 3). 
Com a separação Estado/governante, a esfera pública desprendeu-se da esfera privada, 
surgindo, para a sociedade, instrumentos e canais para influenciar e controlar a tomada de 
decisões do Estado. Legitimado politicamente, este, em que pese ter sua atuação cerceada 
no campo econômico, neste período, estendeu e ampliou rapidamente seu domínio e 
controle sobre a sociedade civil em diversos campos, como os da segurança, oferta de 
determinados serviços e regulamentação de várias atividades. A constituição de sua 
ossatura material e o crescimento da burocracia, juntamente com a profissionalização das 
forças armadas à sua disposição, garantiriam a firmeza desta trajetória. Segundo Creveld 
(2004:369-370), que resume bem essa trajetória, o Estado 
 
 
“Quando viu a luz do dia pela primeira vez, era relativamente 
pequeno e fraco, a ponto de alguns governantes 
megalomaníacos o olharem de cima e afirmar que era idêntico à 
sua própria pessoa. De então em diante, foi crescendo 
incessantemente. A cada estágio, destacava-se da sociedade 
civil e se elevava acima dela. Ao fazê-lo, encomendava mapas e 
usava-os para fazer declarações políticas sobre si mesmo; 
aumentou os impostos e, o que talvez seja mais importante, 
concentrou-os em suas mãos. Para completar seu predomínio, 
criou forças policiais e de segurança, prisões, forças armadas e 
órgãos especializados, responsáveis pela supervisão da 
educação e do bem estar social...”. 
 
 
 Por outro lado, à medida que o comércio e a indústria se desenvolviam, 
fortalecendo econômica e financeiramente a burguesia, mais esta passava a prescindir 
do apoio do Estado para ultimar seus objetivos. Com a realidade objetiva se 
transformando, novas idéias sobre o comportamento dos fenômenos da natureza foram 
surgindo. As explicações mecânicas do mundo defendidas por Galileu, Descartes e 
Locke desmontam a idéia aristotélica da imutabilidade do ser, ao demonstrarem, nas 
palavras de Denis (1975:140) que “os movimentos [...] não se devem explicar pela 
natureza ou pelas qualidades dos seres, mas como efeitos de certos choques ou de 
impulsões comunicados do exterior às coisas”, método que tornaria possível prever um 
grande número de fenômenos, por meio de fórmulas matemáticas relacionando suas 
causas e efeitos. Foi com esse avanço da ciência que se abriu a possibilidade, que teve 
como precursores, na economia, os pensadores da escola conhecida como fisiocracia, de 
se aplicar aos fatos humanos os métodos da física. Existiria, nessa perspectiva, uma 
“ordem natural”, que regula os movimentos dos seres, sendo possível compreendê-los 
por meio da investigação de suas relações de causa e efeitos, apesar de seu controle 
direto não estar ao alcance do homem. 
 
 Apoiados nessa visão, os economias clássicos (Smith, Ricardo, Malthus, Mill e 
outros) procuraram compreender o funcionamento do organismo econômico, como se 
esse fosse governado por “leis naturais”, as quais, se não subvertidas por fatores 
externos, seriam capazes de garantir a eficiência do sistema. Na imagem celebrizada por 
Smith existiria uma "mão invisível" que se encarregaria de promover a melhor alocação 
de recursos da economia e de conduzi-la para um ponto de equilíbrio “natural”, desde 
que assegurada a liberdade também “natural” do comércio (a concorrência) e se 
mantivesse o Estado – uma força externa a este organismo – à distância deste mundo. 
Neste caso, dispondo cada um de “liberdade” para escolher e decidir sobre suas 
atividades e negócios e de realizar livremente trocas no mercado, mecanismo que 
corrigiria falhas e desvios cometidos pelos agentes econômicos nas suas decisões de 
produção, consumo, trabalho etc. – seriam alcançadas a eficiência e a felicidade 
individual, traduzindo-se em benefícios para toda sociedade. O mercado disporia, nessa 
perspectiva, de mecanismos estabilizadores automáticos, por meio da concorrência, 
capazes de corrigir seus desequilíbrios e garantir eficiência se não sofresse 
interferências externas. 
 
 Em suas obras, portanto, as variáveis econômicas apresentam-se como dotadas 
de valores da natureza – valor natural do trabalho, taxa natural de juros, equilíbrio 
natural da economia -, cujo curso poderia, contudo, conhecer desvios de suas 
“tendências naturais” em decorrência de fricções e entrechoques provocados por 
problemas surgidos no curso da acumulação, caso, por exemplo, dos efeitos provocados 
por uma situação de escassez ou abundância da força de trabalho sobre os salários e 
sobre os lucros. Por isso, a preocupação dos economistas clássicos será a de investigar 
as leis que determinam a distribuição da renda entre as classes da sociedade envolvidas 
no processo de produção – trabalhadores, capitalistas e proprietários de terra – e sua 
influência/efeitos sobre o processo de acumulação de longo prazo.Todos os seus esforços são voltados, diante disso, para identificar a fonte de 
valor das mercadorias e as leis que determinam sua distribuição entre os salários, os 
lucros e a renda da terra, bem como os fatores que a modificam, durante o processo de 
crescimento, provocando desvios de sua “tendência natural”, com prejuízos para a 
acumulação. Mas, apesar dessas inevitáveis fricções, se o Estado não se imiscuísse neste 
processo, o organismo econômico, por meio de suas leis naturais, seria capaz de corrigir 
esses desvios e recolocar a economia em sua trajetória natural. Era, para o que nos 
interessa, a senha para se pôr cobro à sua liberdade de intervir na vida econômica, tão 
defendida pelos mercantilistas. 
 
 Este edifício da economia, no qual não havia lugar para o Estado, recebeu 
contribuições de vários autores em sua construção. Comandado por uma “mão 
invisível”, ou por leis naturais, o sistema contaria com mecanismos estabilizadores 
automáticos que garantiriam uma situação permanente de equilíbrio. Neste sistema, não 
havia lugar para a ociosidade do capital e nem crises gerais, já que a Lei de Say, 
também incorporada ao modelo teórico de Ricardo, assegurava que toda produção 
encontraria mercado; a flexibilidade dos preços, salários e taxas de juros, bem como a 
ausência do Estado no interior deste organismo, garantiam a correção de eventuais 
desvios da trajetória de equilíbrio da economia; e a igualação da taxa de lucro, 
determinada pela concorrência, aparecia resolvendo, por sua vez, os conflitos entre os 
distintos tipos e dimensões do capital (industrial, agrícola, financeiro etc.) e garantindo 
a reprodução do sistema. Apesar das inevitáveis fricções que poderiam surgir, mantida a 
liberdade de cada um de buscar seu interesse pessoal, essa seria o motor (a força, ou 
alavanca) que movimentaria a roda da produção da felicidade geral, beneficiando a 
sociedade como um todo. 
 
 É importante fazer uma distinção sobre o conceito de eficiência utilizado por essa 
escola da economia, denominada clássica, pois este conhecerá modificação substantiva nas 
escolas que surgirão nos períodos seguintes, conhecidas como neoclássica e novo-clássica. 
 
 Como mostra Ramalho Jr. (2006), o conceito de eficiência, na escola clássica, é 
resultado “... da liberdade de ação que possui o indivíduo de poder escolher e se dedicar à 
atividade em que apresenta maior habilidade e produtividade.” É essa lógica que encontra 
no mercado (a mão invisível de Smith) os elementos para a correção de erros de avaliação 
e de desvios cometidos pelos agentes econômicos, o que garante eficiência máxima para o 
sistema, traduzindo-se em benefícios para o conjunto da sociedade. 
 
 Na construção deste edifício, percebeu-se, contudo, que nem tudo poderia ser 
produzido e ofertado pelo mercado, já que este não era capaz de captar e transmitir, para 
certos tipos de bens, os sinais dos consumidores para o sistema produtivo, o que, se não 
corrigido, geraria ineficiência para o sistema como um todo. Era o caso, por exemplo, de 
alguns bens e serviços que apresentavam características distintas dos que são produzidos 
pelo setor privado, por não serem divisíveis para o consumo individual e, por essa razão, 
não serem capazes de fornecer os elementos para o cálculo de custos, preços e volume 
produzido necessários para a determinação da taxa de lucro, motor primus do sistema. 
 
 Essenciais para sua eficiência, a responsabilidade pela produção destes bens de 
consumo coletivo – chamados modernamente de bens públicos – passou a ser atribuída ao 
Estado, com o seu financiamento sendo garantido pela cobrança de impostos gerais. A 
condição para que isso fosse possível, era a de que o Estado não deveria incorrer em déficit 
orçamentário, operando, portanto, com contas equilibradas, um dos pilares que sustentava 
a visão de equilíbrio geral do sistema. Da construção da teoria econômica, apoiada nos 
ideais do liberalismo, derivou-se, assim, uma função específica para o Estado, mais 
modernamente conhecida como função alocativa, justificada pela existência de falhas 
apresentadas pelo mercado na produção de bens e serviços de consumo coletivo. Pelo que 
representa na trajetória do Estado, convém explicitar melhor o seu significado, bem como 
as diferenças e características do que aqui chamamos de bens públicos e bens privados. 
1
 
 
 A função alocativa atribuída ao Estado surgiu, neste novo corpo teórico, como 
resultado do reconhecimento da incapacidade do mercado de suprir a sociedade de bens e 
serviços de consumo coletivo, tais como os conhecemos na atualidade: defesa e segurança 
públicas, iluminação de ruas e avenidas, proteção ambiental, etc. Isso porque, como o 
consumo desses bens e serviços por determinado(s) indivíduo(s) não obedece ao princípio 
da exclusão - um princípio que assegura o acesso ao mercado somente para aqueles que 
dispõem de recursos para adquirir determinado produto - por se caracterizar como um 
consumo não-rival - seu consumo por um ou mais indivíduos não reduz a sua quantidade 
para o consumo de outros - não há meios de o mercado estabelecer/definir seu preço, 
tornando-se, portanto, inviável sua produção pelo setor privado. Como se tratam, 
entretanto, de bens e serviços indispensáveis para a sociedade, cabe ao Estado destinar 
recursos de seu orçamento para produzi-los e satisfazer sua demanda. 
 
 São estes denominados bens públicos, os quais não permitem, por apresentarem 
essas características, a mensuração da quantidade consumida e, consequentemente, dos 
benefícios com eles recebidos pelo indivíduo - problematizando o estabelecimento da 
contribuição a ser cobrada pelo poder público -, à medida que os consumidores não se 
sentem propensos a revelar a sua escala de preferência por estes bens e serviços. 
 
 Contrariamente, os bens privados se caracterizam por sua divisibilidade, por 
serem bens de consumo-rival, à medida que alcançam preços de mercado, e por estarem 
sujeitos ao princípio da exclusão. Os economistas da escola clássica e, posteriormente, os 
da neoclássica, convictos, de acordo com os pressupostos teóricos da livre concorrência, 
das virtudes auto-reguladoras do mercado, concordavam que, somente no caso de ausência 
de sinais para ele emitidos, caso característico dos bens públicos, estaria justificada a 
interferência do Estado para garantir sua oferta e, com isso, aumentar a eficiência do 
sistema. 
 
 De acordo com essa visão, apoiada, portanto, na crença de que leis naturais 
governavam o organismo econômico (a "mão invisível" de Smith), qualquer interferência 
"externa" a esse mundo seria capaz de provocar fricções e de reduzir a eficiência do 
sistema. E, como se considerava o Estado uma força externa, à medida que este não surgira 
com a sociedade, mas em determinado estágio de seu desenvolvimento, sua presença na 
vida econômica era vista como uma barreira que impedia a sociedade de alcançar essa 
eficiência. Isto porque, ainda de acordo com essa argumentação, desde que cada indivíduo 
 
1
 Deve-se chamar a atenção para o fato de que não foram os economistas da escola clássica que 
desenvolveram estes conceitos e estabeleceram princípios para diferenciar bens públicos de bens 
privados. Embora a eles se refiram, foram os economistas da chamada “Síntese Neoclássica” – uma 
combinação de teoria keynesiana com teoria neoclássica renovada, de acordo com Osdchaya (1974:289) - 
que reuniram em torno de três funções – alocativa, distributiva e estabilizadora – as ações desenvolvidas 
pelo Estado, para avaliá-los em termos de eficiência e desenvolveram princípios de distinção entre estes 
bens, à luz dos mecanismos do mercadoe de equilíbrio do sistema. 
tenha liberdade de escolher as atividades de seu interesse e em que apresente condições de 
obter maiores ganhos, o resultado final deste processo seria, no conjunto, benéfico para 
toda a sociedade. Por isso, o Estado deveria manter-se à margem do sistema econômico, 
sem nele intervir e restringir-se a garantir a defesa e a segurança do país. Essa constituiria a 
época de ouro do laissez faire, quando se acreditava, como o Dr. Pangloss, de Voltaire, 
que tudo corria pelo melhor no melhor dos mundos possíveis. 
 
 Muito cedo, entretanto, os alicerces do liberalismo começaram a sofrer abalos. O 
progresso industrial representado pela Revolução Industrial ocorrida na Grã-Bretanha no 
século XVIII trouxe, como conseqüência, um aumento tão acentuado da pobreza que 
crianças e mulheres terminaram sendo lançadas no mercado, trabalhando em condições 
desumanas, para complementar a renda familiar. O progresso evidenciava, assim, a falácia 
da premissa liberal: a de que a busca da felicidade e do bem-estar individual resultaria na 
felicidade geral. Pelo contrário, assistia-se à confirmação da teoria da seleção natural, que 
assegurava aos ricos e poderosos tornarem-se ainda mais ricos e os pobres ainda mais 
pobres. Rosseau foi um dos poucos pensadores da escola liberal que desvelaria esse 
fenômeno e mostraria a importância da intervenção do Estado na vida econômica e social 
para reduzir as desigualdades existentes. Foram, entretanto, as idéias socialistas, que 
encontraram um campo fértil para desnudar, primeiramente, de forma assistemática, e, 
mais tarde, cientificamente estruturadas, a essência do capitalismo e para pôr a descoberto 
o papel que o Estado desempenhava numa sociedade de classes: o de servir de instrumento 
para a classe dominante. 
 
Contra essas vozes que ganhavam, pouco a pouco, maior orquestração, 
surgiriam, por volta de 1870, trabalhos de três autores, os quais, embora defendendo, 
como a economia clássica inglesa, as vantagens do liberalismo econômico, afastavam-se 
de suas principais bases teóricas que tinham no trabalho (na força de trabalho) a fonte 
de criação de valor, ao enfatizarem apenas o valor da utilidade das mercadorias na sua 
determinação. Com isso, a discussão do preço deixou de estar subordinada a 
preocupações com o valor “natural” a longo prazo, que marcaram a obra dos 
economistas clássicos, e a questão da distribuição dos rendimentos ganhou outra 
explicação. 
 
Walras, Jevons e Menger, considerados os fundadores da teoria neoclássica, 
apoiados no principio marginal, desenvolveriam, aparentemente sem se conhecerem, a 
idéia de ser o produto gerado resultado da participação e combinação dos fatores de 
produção trabalho-capital-terra, valendo-se da tese de Say sobre a origem/fonte dos 
rendimentos. E, apoiados naquele princípio, de que a distribuição destes rendimentos 
entre esses fatores de produção seria determinada pela contribuição marginal 
(produtividade marginal, um conceito posteriormente trabalhado e refinado por J.B. 
Clark) que cada um dava ao processo, avalizada pelo mercado, de acordo com a 
utilidade do produto. Substituíram, com isso, a preocupação dos clássicos em investigar 
o valor natural das mercadorias no longo prazo, bem como a leis de sua distribuição 
entre lucros, salários e rendas, e suas implicações para o crescimento econômico, para a 
investigação do processo de alocação de recursos feitas pelas unidades econômicas que 
tomavam essas decisões – famílias e firmas – que encontravam, no mercado, os 
mecanismos de sua correção, por meio dos preços determinados pela oferta e procura, 
para garantir a máxima eficiência do sistema. 
 
Colocado no mesmo pé-de-igualdade pela teoria, os conflitos de classes 
desapareceram e, com a distribuição de seus rendimentos sendo determinados pela 
utilidade do produto e pela produtividade marginal dos fatores de produção, erigiu-se 
uma estrutura teórica em que o mercado, funcionando sem a interferência do Estado, 
seria capaz de garantir a reprodução harmônica do sistema. 
 
No mundo surgido da escola neoclássica, que contou com a contribuição de 
vários outros autores (Marshall, Wicksell, Böhm-Baverk, Fisher), ergueu-se, assim, um 
mundo econômico perfeito, governado por leis naturais e pela concorrência: constituído, 
de um lado, de uma multidão de pequenas empresas concorrendo entre si, essas não 
dispunham de poder para determinar as condições de oferta, o preço do produto e a taxa 
de lucro de suas atividades; contanto, de outro, com consumidores soberanos, 
indivíduos racionais, egoístas em busca da maximização de suas rendas e utilidades, os 
quais, dispondo de todas as informações de mercado, participavam da determinação, por 
meio da manifestação de suas preferências, dos preços, das quantidades demandadas e 
do nível de produção requerido, que seriam alcançados, nessas condições, com a 
máxima eficiência. 
 
 É interessante ressaltar como se modifica, com essa escola, apoiada na perspectiva 
utilitarista, o conceito de eficiência e as relações entre os fatores de produção. Nela, e nas 
que a sucederam no pensamento dominante, os conceitos de racionalidade e eficiência 
passam a ser associadas à perspectiva utilitarista em que cada agente busca a maximização 
de suas utilidades de uso (consumo e fatores de produção), com base em pressupostos 
dados, deslocando-se e modificando o enfoque analítico utilizado pelos economistas 
clássicos. O mercado continua sendo o campo (o guia) de convergência das decisões dos 
agentes econômicos e de sinalizador dos ajustes e correções necessárias para a máxima 
eficiência alocativa, condicionada, contudo, à restrição orçamentária de cada agente que 
dele participa. Mas o que determina essa capacidade orçamentária que este utiliza para 
maximizar suas utilidades (consumo de produtos, lucros etc.)? 
 
 A resposta da teoria é óbvia: considerando a utilidade dos fatores de produção (a 
produtividade, neste caso) para a geração da riqueza social, é a contribuição marginal que 
cada um agrega ao produto obtido, que determina essa capacidade (a sua remuneração), 
variando essa, portanto, em função de sua eficiência. Dessa forma, quanto menos eficiente 
o agente, menores os recursos com que contará para satisfazer o princípio de sua 
racionalidade maximizadora. Quanto mais eficiente, maior sua contribuição e, portanto, 
maior a sua capacidade orçamentária para essa finalidade. Uma espécie de “vale quanto 
pesa”, sem possibilidades de correção das desigualdades existentes, já que a teoria não leva 
em conta a questão distributiva e opera, em sua lógica de maximização das utilidades, com 
o pressuposto de uma estrutura de distribuição de renda dada. 
 
Com o objetivo de conferir às ciências econômicas o status de ciência exata e, de 
acordo com Barber (1974:191) “refinar suas descobertas sob a forma de proposições 
matemáticas”, os economistas neoclássicos procuraram, através da construção de 
modelos de equilíbrio geral, definir o ponto em que o sistema estaria operando numa 
situação de máxima eficiência. A solução dessa questão terminou sendo encontrada por 
Vilfredo Pareto, um economista italiano, que a divulgou em seu trabalho intitulado 
“Manual de Economia Política”, publicado em 1907 (Denis, 1974:550-4) 
 
De acordo com a solução de Pareto, considera-se que a economia atinge a 
máxima eficiência, quando modificações em dada alocação de recursos não se revelam 
capazes de melhorar o nível de bem-estar de um indivíduo sem prejudicar o de outro. 
Em linguagem matemática, diz-se que esta solução é representada pelo ponto em que a 
taxa marginal de substituição de um bem por outro se iguala à taxa marginal de 
possibilidadesda produção, indicando que as decisões de escolhas dos agentes 
econômicos – unidades familiares, produtivas etc. – atingiram a máxima eficiência, 
valendo o mesmo argumento para as decisões tomadas em relação às possibilidades de 
combinações possíveis entre lazer, trabalho, poupança, consumo corrente etc. Em 
homenagem ao autor, essa situação de equilíbrio passou a ser conhecida, na literatura 
econômica, como caracterizando uma situação de “Pareto eficiente” ou de “ótimo de 
Pareto”. 
 
O rigor formal pareceu dar, ao modelo, um aspecto de cientificidade que ia 
muito além da realidade dos fatos e contextos históricos, mas garantiu seu sucesso por 
muito tempo e encantou – e ainda encanta – muitos economistas. Com ele, as classes 
sociais saíram de cena, os conflitos desapareceram e a sociedade foi transformada na 
soma de indivíduos, os quais, agindo de forma egoísta e racional, eram capazes não 
somente de assegurar sua felicidade pessoal, mas também de contribuir para o bem-estar 
coletivo, ao mesmo tempo em que o sistema econômico, governado por “leis naturais” 
se encontrava protegido de crises, desemprego, desigualdades e instabilidade. 
 
Neste mundo panglossiano, só não existia lugar para o Estado. Nele, o 
liberalismo se mantinha de pé para garantir sua harmonia, e ao Estado continuava sendo 
recomendado manter-se à distância do que ocorria na esfera da produção e restringir-se 
a garantir a ordem e a segurança do país. Na realidade, entretanto, como resultado do 
intenso processo de concentração e centralização verificado no final do século XIX, 
apenas na teoria o Estado vinha mantendo-se à margem do sistema. 
 
2.1.3. O Estado no Capitalismo Monopolista: a maturidade 
 
 Em que pese a teoria, a verdade é que o Estado vinha conhecendo rápidas e 
profundas transformações. A monopolização crescente do capital, que teve início na última 
quadra do século XIX, colocou a necessidade cada vez maior da intervenção do Estado 
nesse processo. Isso, por várias razões. Em primeiro lugar, por ter se tornado 
imprescindível sua ação para assegurar mercados externos para a crescente produção 
resultante dos países que se industrializaram nesse período - França, Alemanha etc. - e que 
disputavam acirradamente a "partilha" do mundo. Era a época do imperialismo 
"confessado", que acabou desaguando na Primeira Guerra Mundial, com o Estado 
desempenhando papel fundamental nessa disputa. 
 
 Em segundo, porque se os próprios mecanismos de mercado asseguravam, no 
capitalismo concorrencial, a solução dos conflitos através da igualação da taxa de lucros, o 
mesmo não ocorreria no capitalismo monopolista que se instaura. À medida que a 
atomização cedia espaço às grandes empresas oligopólicas, em condições de impor/ditar 
seus preços e de assegurar suas fatias de mercado, o mecanismo que antes se incumbia de 
tornar em soma zero as diferenças entre os distintos capitais, perde fôlego, vindo à tona sua 
grande heterogeneidade e seus conflitos, como vai deixar claro sobre essa questão, como 
se verá ainda neste capítulo, a teoria marxista do Estado. 
 
 Diante desses conflitos, tornou-se evidente a importância do Estado, como força 
externa ao sistema, para organizar e soldar, por meio da política econômica, os distintos 
interesses do capital, atuando como árbitro deste processo para garantir a reprodução do 
sistema. Para desempenhar este papel deveria este contar com uma relativa autonomia, e 
se integrar crescentemente, ao mesmo tempo, ao processo de reprodução econômica, 
penetrando em áreas que, apesar de indispensáveis ao processo de acumulação, não 
interessavam ao setor privado assumir, especialmente as que dizem respeito à infra-
estrutura econômica e ao capital social básico (as chamadas “externalidades” econômicas 
tão necessárias ao sistema). 
 
 Essa mudança no aparelho do Estado, embora não problematizado no corpo teórico 
do pensamento dominante, acarretaria, com a transposição destes conflitos para dentro de 
seu aparelho, uma série de implicações para a reprodução do sistema, principalmente no 
tocante à luta que passaria a ser travada entre os distintos capitais para deter sua 
hegemonia e influenciar a condução e o conteúdo da política econômica. Neste contexto, o 
Estado se tornaria o responsável pela organização das relações mantidas entre as classes 
sociais e suas frações, as quais determinariam, por meio de um equilíbrio de compromissos 
entre elas estabelecido, avalizado pelo Estado, a condução da política econômica em geral. 
Para o pensamento econômico dominante, que não consegue perceber essa mudança 
qualitativa em seu papel, e continua a depositar fé na força dos mecanismos de mercado, 
toda e qualquer intervenção do Estado na economia continuava sendo vista apenas como 
heresia. 
 
 Somente com os desdobramentos da crise de 1929, que provocou quedas 
acentuadas nos níveis de renda e de emprego da economia capitalista em geral, é que serão 
dadas as condições objetivas para que se justifique, nos campos teórico e prático do 
pensamento econômico dominante, a intervenção do Estado na economia. Tarefa que 
coube a John Maynard Keynes desenvolver com brilhantismo em seu trabalho lapidar 
sobre o emprego, o juro e a moeda, de 1936. 
 
 Embora as idéias de Keynes não captem essa politização do Estado, são elas as 
responsáveis – ou as que lhe fornecem o arcabouço teórico e a caixa de ferramentas a ser 
usada para essa finalidade, através dos instrumentos de política econômica – para justificar 
sua intervenção na economia, visando salvar o capitalismo. Foi a partir de sua germinação 
e sua difusão que se ampliaram suas tarefas, e deram sustentação teórica ao surgimento do 
Estado do bem-estar nas economias desenvolvidas (ou o Estado Providência) e ao Estado 
com maior presença na vida econômica nos países de industrialização retardatária, 
ancorados em doutrinas teóricas que, tendo como referencial de análise a matriz 
keynesiana, caso, por exemplo, da Comissão de Estudos Econômicos para a América 
Latina (CEPAL), deram origem ao desenho de Estados com forte conteúdo 
desenvolvimentista. 
 
 Keynes foi, no mínimo, um economista instigante. Integrante dos quadros da escola 
neoclássica rompeu com suas premissas teóricas quando suas recomendações e a fé que 
aquela depositava no mercado revelaram-se incapazes de retirar o capitalismo da crise em 
que mergulhou na década de 1930. Não hesitou, para isso, em desmontar os principais 
pilares em que essa se assentava, como a Lei dos Mercados de Say, a concepção 
walrasiana sobre o mercado de trabalho e o mito do orçamento equilibrado, e propor 
mudanças no papel do Estado para salvar o regime da empresa privada, com o abandono 
do laissez-faire integral. Oponente das idéias de Marx sobre o socialismo, apoiou-se em 
algumas de suas teses para explicar as crises do capitalismo
2
, embora modificando 
conceitos e significados, e, com sua contribuição teórica, deu origem a um Estado 
reformado, vital para sustentar o curso da acumulação e para acomodar, por meio do 
avanço do welfare state, as tensões sociais que poderiam colocar em risco sua reprodução. 
Abriria de vez, com isso, as portas para o maior avanço do Estado no domínio econômico. 
 
 Sua obra "A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, vinda a lume em 
1936, estabelecerá os contornos teóricos definitivos e desvelará a importância dos 
investimentos públicos para atenuar as flutuações cíclicas do capitalismo e para viabilizar 
uma política de pleno emprego. A obra de Keynes representaria, assim, um verdadeiro 
libelo contra a ortodoxia imperante, a qual garantia que os ajustes do sistema ocorriam de 
forma automática, com a economia tendendo para um único ponto de equilíbrio

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