Buscar

Desinstitucionalização rotelli

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 24 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 24 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 24 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

21ÁÁlp.‘)-5 
ote-Sswicrle. 
(--)L-£-J-L 
DESINSTITUCIONALIZAÇA0 
• 4 
E-4 
ça2 
Este livro reúne textos inéditos no Brasil da 
internacionalmente reconhecida experiência italiana 
em Saúde Mental iniciada por Franco Basaglia. 
Dirige-se não apenas ao profissional de Saúde 
Mental mas a todos os que buscam um novo agir e 
pensar a loucura. 
"A subjetividade do paciente existe verdadeiramente 
arenas no momento em que ele pode sair do 
manicômio, ou seja somente quando lhe são 
atribuídos e reconstruídos os recursos e condições 
materiais, sociais, culturais que tornem possível o 
efetivo exercício de sua subjetividade." 
Franco Rotelli 
dirertor des Serviços de Saúde Mental de Trieste 
EDITORA HUCITEC 
t'ti1'1', isi 
78U27:), 
3ESINSTITItC0,17/C10 
	 H 
iCITEC 
616.P 
R841 
2001' 
!Ex.: 
FRANCO ROTELLI 
OTA DE LEONARDIS 
DIANA MAURI 
2.a edição 
EDITORA HUCITEC 
• P.2/0/2203 
;;• )-; L. 
ji(2-12 
Direitos desta edição reservados pela Editora tlucitec Ltda., 
Rua Gil Eanes, 713 - 04601-042 São Paulo, Brasil. 
Telefone: (11)5044-9318 (geral), 5543-5810 (vendas) 
5093-5938 (fax). 
e-mail: hucitec@terra.com.br 
Home-page: www.hucitec.com.br 
SUMÁRIO 
ISBN 85-271-0123-8 
Depósito legal efetuado 
(Decreto n.° 1.825, de 20/12/1907) 
 
Ilustração ria rapa. fotografia de Romeu di Sessa, de manifestação de arte de Eduardo 
de Oliveira, Hercilio Trindade, José Rodrigues Borrs, Leo Alexandre Forensen Gou-
veia, Pedro Manuel e Roberto do Amaral Gomes. Este mural encontra-se no Núcleo 
de Atenção Psico-Social da Zona Noroeste, Santos, São Paulo. 
Apresentação 
Fernanda Nicricio 
1. Desinstitucionalização, uma outra via . 
Franco Rotelli, Ota de Leonardis, Diana Matai 
2. O inventário das subtrações 
Franco Rotelli 
3. Prevenir a prevenção 
Ota de Leonardis, Diana Mauti, Franco Rota 
4. A instituição inventada 
Franco Rotelli 
9 
17 
61 
65 
. 	 89 
5. Uma análise crítica dos fundamentos epistemo-
lógicos na concepção de anormalidade e de psi- 
copatia em Kurt Schneider 	 101 
C. de Risio, Franco Rotelli 
7 
DESINSTITUCIONALIZAÇÃO, 
UMA OUTRA VIA 
A Reforma Psiquiátrica Italiana no Contexto. 
 
da Europa Ocidental e dos "Países Avançados" 
j1/ 
SÍNTESE 
FRANCO ROTELLI 
diretor dos Serviços Psiquiátricos de Trieste 
OTA DE LEONARDIS 
Universidade de Salemo, Instituto de Sociologia 
DIANA MAURI 
Universidade de Milão, Instituto de Sociologia 
Este ensaio analisa a experiência italiana de desinstitucio-
nalização em Psiquiatria com a qual foi amadurecida uma 
reforma conhecida em nível internacional porque é a única 
nas sociedades industriais que aboliu a internação no Hospi-
tal Psiquiátrico do con'unto de prestações e serviços d2 saúde 
mental.' E os autores assinalam a diferença 
em relação às ou ras re ormas psiquiátricas na Europa e nos 
Estados Unidos, nas quais a desinstitucionalização foi redu- 
Tradução de Maria Fernanda de Silvio Nicácio (Universidade de São 
Paulo), do original italiano "Deistituzionalizzazione, un'altra via (la Rifor-
ma Psichiatrica Italiana nel contesto dell'Europa Occidentale e dei `paesi 
avanzati)"; publicado em Health Promotion, Oxford University Press, 1986 
vol. 1 n. 2. Revisão da tradução: Beatriz Ambrósia do Nascimento (Univer-
sidade Federal de São Carlos) e Denise Dias Barros (Universidade de São 
Paulo). 
1 Na realidade, até agora, somente no Estado de Saskatchewan (Canadá) 
se optou pelo fechamento de fato dos hospitais psiquiátricos, enquanto 
em alguns estados Gos r ir",?Wkilguns hospitais foram suprimidos Sr, 
in..rn 	 rá.o, r ia, íes pragmáticas na 1 
na Suécia por parte dos respectivos governos. 
17 
3 
o 
zida à desospitiáiiNau, fazendo uma síntese crítica dos pro-
blemas e falências dessas reformas. 
E 	 ão reconstruídos os diferentes conteú- 
dos e métodos da desinstitucionalização italiana nos locais 
onde foi efetivada, começando pela (crítica do paradigma 
racionalista problema-solução• como normalmente é aplica-
do em Psiquiatria. Os autores colocam em evidência que a 
verdadeira desinstitucionalização em Psiquiatria tornou-se 
na Itália um processo social complexo que tende a mobilizar 
como atores os sujeitos sociais envolvidos, que tende a trans-
formar as relações de poder entre os pacientes e as institui-
ções, que tende a produzir estruturas de Saúde Mental que 
substiti~ inteirarael lie c1;111%..iaação ao Hospital Psiquiá!ri 
coe que nascem da desmontagem e reconversão dos recursos 
materiais e humanos que estavam ali depositados. Para argu-1 
mentar este último ponto os autores se referem em particular 
ao exemplo da organização dos Serviços de Saúde Mental de 
Trieste. 
Em 	 , é examinada a lei de Reforma que surge 
no interior esse processo e as características de sua imple-
mentação, para mostrar que a desinstitucionalização, como 
processo social, continua através desta implementação. 
Os autores concluem que coei estes significados a &sins:- 
titucionalização não se esgota com a chámadaWise do 
ao contrário, ela oferece indicações im ortantes ara 
produzir inovações nas políticas sociais do ós-Welfare. 
Se o objeto observado é a transformação da instituição 
psiquiátrica, nossa opinião é que o discurso que apresenta-
mos tem também implicações referentesa toda a organização 
sanitária, sobretudo em relação à crise dos projetos sanitários 
que se contrasta com a transformação cy instituição psiquiá-
trica nesta fase histórica. 
O presente estudo representa somente a primeira parte 
de um trabalho que na seqüência pretende analisar o signifi-
cado do processo de desinstitucionalização-ao nível das rela-
ações interpessoais-e ain-wort4e„Gia-c4iTelpáíristit.,,c;:- nalização 
na abordagem do mundo psicopatelógicó individual. 
1.,k PSIQUIATRIA REFORMADA NA EUROPA E NOS ESTADOS 
UNIDOS: a desinstitucionalização torna-se desospitalização 
A grande estação de reforma na Europa e nos Estado
-s 
Unidos, que envolveu e por vezes transformou em várias 
medidas os sistemas de saúde mental, foi impulsionada pelo 
intento de renovar a capacidade terapêutica da Psiquiatria, 
liberando-a dá suas funções arcaicas de controle social, 
coação e segregação'-. Neste contexto cultural e político a 
desinstitucionalização era uma palavra de ordem central uti-
lizada para muitos e diferentes objetivos: para os reformado-
res ela sintetizava precisamente esses objetivos; para os gru-
pos de técnicos e poifticos radicais ela simbolizava a perspec 
tiva da abolição de todas as instituições de controle social, e 
1 
 se emparelhava à perspectiva antipsiquiátrica; para os admi- 
nistradores, ela era sobretudo um programa de racionaliza-
ção financeira e administrativa, sinônimo de redução de lei-
tos hospitalares e uma das primeiras operações conseqüentes 
da crise fiscal. 
	
_ -- - 
É sobretudo com este último significado que_a desinstitu 
cionalização foi realizada, ou seja, foi prnticada como desos-
pitalização, poiflica de ali as tiopitolarcs, redução moí, , .^;n- \ - 
menos gradual do número de leitos (e em alguns casos;--
-" 
eriibora não freqüentemente, de fechamento mais ou menos 
brusco de hospitais psiquiátricos). Entre outros aspectos, 
como é sabido, nesta versão a desinstitucionalização sobre-
vive à crise dasPoltticas de saúde mental que dela fizeram 
uma bandeira, e revela-se coerente com as orientações neo-
liberais e conservadoras de redimensionamento do próprio 
Tomada como bandeira, ou "mito", a desinstitucio- 
2 É significativo observar que este processo nem ao menos "arranhou" a 
situação de outro grande país industrializado, o Japão, onde, ao contrá-
rio, o desonvoKinicin;rifirriniernação psiquiátrica se ampliou enui me- 
':'. ío.i 	 alingir a cifra 
dos. 
18 
	 19 
„ 
g 
nalizaçãofoi imputada aos reformadores e reevocada para 
liquidar a vontade de mudança daquele período ou para 
alimentar as autocríticas dos próprios reformadores. 
Para orientar a discussão sobre o significado adquirido 
pela própria desinstitucionalização para os grupos de técni-
cos que a Sustentaram com extrema exigência nas experiên-
cias desenvolvidas na Itália, afirmamos desde já que esta não 
foi entendida nos termos redutivos de urna perspectiva "abo-
licionista" do tipo político radical, e também nunca se iden-
tificou com a desospitalizaçãO (e isto particularmente nos 
locais que promoveram a Reforma de 1978). 
Em suas intenções todas as reformas psiquiátricas dos anos 
60 nc "r- •!rcp-4 se propunham a 2.tingfr superação gradual da 
internação nos manicómios através da criaçao de serviços na 
comunidade, do deslocamento da intervenção terapêutica 
para o contexto social das pessoas, a prevenção, a reabilita-
ção etc... Esta transformação da forma organizativa dos siste-
mas de saúde mental rompeu o predomínio cultural do mo-
delo segregativo clássico da Psiquiatria, no qual o manicômio 
constituía a única resposta ao sofrimento psíqUico. E nesta 
perspectiva foram multiplicadas as estruturas extra-hospita-
lares, médicas e sociais, que deveriam assistir aos pacientes 
egressos deis hospitais psiqUiátricos e constituir um filtro 
contra hospitalizações ulteriores. 
Mas quais efeitos, desejados ou não, esta mudança produ-
ziu na prática? Que eficácia tem demonstrado em relação ao 
objetivo de superar a internação? As análises sobre a psiquia-
tria reformada põem em evidência alguns traços comuns: 
a) A internação psigitidtrica continua a existir na Europa e 
nos Estados Unidos. Em todos os sistemas de saúde mental 
nascidos das reformas, malgrado as intenções que as anima-
vam, permaneceram os hospitais psiquiátricos e as estruturas 
de internação que têm um peso não secundário: calcula-se, 
por exemplo, que na Europa estas estruturas contêm cerca 
de uni milhão de pessoas. As política de desoápitaJização foi 
acoinpanhada por uma redução no período das internações 
20 
e por uni aumento complementar de :3;tas e de recidivas. Em 
outras palavras, os hospitais psiquiátricos são em parte reor- 
ganizados segundo atAgica do(Grevolving doo s.). Ao mesmo 
tempo, e ao lado desses hospitais, começaram a funcionar 
outras estruturas de tipo assistencial ou judiciário que inter-
nam e asilam pacientes psiquiátricos. A desinstitucionaliza-
ção, portanto, entendida e praticada como desospitalização, 
produziu o abandono de parcelas relevantes da população 
psiquiátrica e também uma transinstitucionalização (passa-
gem para casa de repouso, albergues para anciãos, cronicá-
rios "não psiquiátricos" etc...) e novas formas (mais obscuras) 
de internação _(Rose 1979, Warren 1980, Scull 1981, Morris- 
sey 1982). 	 _ 
b) Os sei viços ter itoriais ou de comunidade convivem com 
a internação mas não a substituem, 
 ao contrário, como vere-
mos, confirmam sua necessidade. Os serviços territoriais são 
os lugares nos quais se expressa a renovada intenção terapêu-
tica da Psiquiatria, que queria finalmente libertar-se da fun-
ção imprópria de custódia e de coação. Esses serviços se 
desenvolveram junto ao hospital psiquiátrico e se especiali-
zaram seguido a lógica de "um serviço para cada problema" 
(Castel e outros 1979, De Leonardis c Mauri 1980, 1983). 
Isto é, cada problemà vem selecionado e assumido com base 
no critério da coerência e da pertinência aos códigos da 
prestação do serviço. Em geral, na Europa, os serviços psi-
quiátricos têm utilizado esta lógica para diferenciarem-se em 
três modelos principais: o modelo médico, 
 que tem seu lugar 
institucional no hospital geral e sua prestação principal na 
ministração de fármacos; o modelo do auxílio social, 
 que 
privilegia as condições materiais da vida da pessoa e oferece 
assistência social; o 
 modelo de escuta terapêutica, que privi-
legia a vivênciasiketi a ia Esta subdi-
visão macroscópica se concretizou em uma total 
 
comparti-
mentalização e ausência de relações entre estes diversos 
'tipos de serviços, qum qPRinrarn separando-se uns dos outros 
e articulando-se én. Infla posterior especialização e fragmen- 
21 
tação por tipos singulares de p; estação. Este desenvolvimen-
to é particularmente observável no campo das psicoterapias 
(Castel 1981). 
As análises sociológicas e sócio-psiquiátricas têm insistido 
em apontar os riscos presentes nesta difusão e especialização 
dos serviços psiquiátricos na comunidade: psiquiatrização 
dos problemas sociais e difusão capilar dos mecanismos de 
controle social na comunidade (nota-se o caso extremo das 
terapias para os normais). Mas estas preocupações deixaram 
de lado outros efeitos complementares a estes, ou seja, os 
efeitos de seleção, de falta de resposta aos problemas e 
sofrimentos das pessoas, de abandono. Dctenhamo-nos um 
'N 	 momento neste'aspeeto. O elevado nível de especializ2,;ko e 
de refinamento das técnicas de intervenção tem como con-
seqüência uma correspondente elevação da seleção de pa-
cientes assumidos, ou seja, os serviços funcionam segundo 
uma lógica de empresa: selecionam os problemas com base 
na própria competência e quanto ao restante podem dizer 
"não é um problema nosso". Isto significa em primeiro lugar 
que os pacientes devem saber colocar a requisição coerente 
com o tipo de serviço ou devem ser conscienciosos, ou ao 
menos devem apresentar problemas pertinentes às presta-
ções oferecidas. Em segundo lugar, a eficácia das prestações 
preconizadas, freqüentemente motivada pelo esforço de 
especialização profissional dos operadores dos serviços, se 
confrontada e relativizada em relação ao grande número de 
perguntas e problemas que não são nem ao menos conside-
rados, revela-se muito insuficiente. Ao final, e como conse-
qüência, esta forma especialista e seletiva de funcionar dos 
serviços psiquiátricos faz com que as pessoas sejam separa-
das, "despejadas", jogadas de um lado para outro entre com-
petências diferentes e definitivamente não sejam de respon-
sabilidade de ninguém e sim abandonadas a si mesmas. O 
abandono dc que foram acusadas as políticas de desospitali-
za& é uma prRica cotidiana, ainda que mais leve e iMtpa 
-rente, dos serviços territoriais. Este abandono produz nova 
22 
cionicitiatie e aiimen, e necessidade dc lugares nos 
temporariamente, possa "despejar" e internar os pacientes. 
c) O sistema de saúde mental funciona como um circuito. 
Aí análises sociológicas e piiquiátricas sobre a psiquiatria 
reformada colÓcam em evidência que entre os serviços da 
comunidade e as estruturas de internação existe uma com-
plementaridade, um jogo de alimentação recíproca; fala-se 
de "efeitos hidráulicos", de "circuito" (Bachrach 1976, Feeley 
1978, Steadman & Monahan 1984). Particularmente a ima-
gem do circuito coloca em evidência o fato de que na psiquia-
tria reformada a "estática" da segregação em uma instituição 
separada e total foi substituída pela "dinâmica" da circulação 
entre serviços especializados e prestações pontuais e frag-
mentadas. Assim, funcionam: o centro para intervenção du-
rante a crise, o serviço social que distribui subsídios, o ambu-
latório que distribui fármacos, o centro de psicoterapia etc... 
Assim também funcionam os locais de internação, os quais 
também são organizados, como vimos, segundo a lógica do 
"revolving door" e portanto exemplificam o funcionamento 
em circuito do sistema em seu conjunto. No circuito eles 
representam um "ponto de descarga" necessário, temporário 
e recorrente., 
O circuito é, entretanto, também uma espiral, ou seja, um 
mecanismo qtie alimenta os problemas e os torna crônicos. 
Não por acaso, o dilema central e dramático dos sistemas de 
saúde mental nascidos das reformas não são mais os velhos 
pacientescrônicos egressos dos hospitais psiquiátricos com a 
desospitalização, mas os novos crônicos. Pensemos no caso 
dos Young Adult Chronic Patients que lotam os serviços nos 
E.U.A.: eles são jovens, uma multidão trazendo problemas 
diversos (sociais e econômicos, de saúde, psicológicos), per-
turbam a ordem pública, não são redutíveis a categorias 
diagnósticas definidas, circulam entre os serviços sem nunca 
construir uma relação estável. E naturalmente habitam peri-
odicamente os locais para internação (Bachrach 1982, Pep-
per & Ryglewicz 1982), 
23 
(E 
6,41-)-k\> ° 
EXPERIÊNCIA ITALIANA 
Portanto esse jovens representam de forma exemplar 
aquilo que se produz no funcionamento em circuito dos 
novos serviços psiquiátricos: um número maciço e crescente 
de crônicos, um sentimento difuso de impotência e frustra-
ção entre os Operadores e a necessidade de locais de inter-
nação que funcionem como válvula de escape. 
Podemos então concluir estas breves notas sobre os siste-
mas de saúde mental nos países "avançados" nascidos das 
reformas, firmando que o balanço desta desinstitucionaliza-
çãd não pode ser senão um balanço negativo. 
1. A intenção de liberar a Psiquiatria (e o seu objeto) da 
coação e da cronicidade que esta produzia para restituir-lhe 
o estatuto terapêutico resultou na construção de um sistema 
wmplexo de prestações que, reproduzindo ,,illtiplicando a 
lógica somente negativa da desospitalização selecionam, de- 
compõem, não se responsabilizam, abandonam. A nova cro- 
nicidade então produzida constitui o sinal mais macroscópico 
e dramático da falência dessas intenções. Na realidade pode-
se avançar na hipótese de que no fundo deste processo 
estivesse a exigência de relegitimar a Psiquiatria "liberan-
do-a" de sua relação histórica com a justiça e de seu ser 
imanente às políticas de controle social; dar-lhe uma digni-
dade exclusivamente "terapêutica". É rázoável reter que este 
é um projeto impossível, mas que atrav4 dessas operações} 
tenta-se fazê-lo parecer real. 
2. Um sinal complementar desta falência está no fato de 
que esta forma de de,sinstitucionalização não alcançou o 
objetivo de superar a necessidade da coação e, portanto, dos 
locais de internação. Eles permanecem e se confirmam como 
um elemento necessário ao funcionamento do sistema como 
um todo. 
Não é simples explicar positivamente o que foi e O que
—é 
a desinstitucionalivação nos locais que prepararam a refor- 
ma: trata-se definitivamente de reconstruir todo o processo 
de transformação da instituição psiquiátrica desenvolvido ao 
longo de mais de, vinte anos e que deixou sua marca em 
múltiplas dimensões: do microcosmo da relação terapêutica 
(e das concepçõeá e práticas de tratamento) à dimensão da 
construção de uma nova política psiquiátrica (e das concep-
ções e práticas da ação política). Consideramos importante 
tratar de identificar as características do processo de desins-
titucionalização nestes lugares, exatamente porque, também 
na Itália, corre-se o risco (ou pior) de passar a realizar não a 
desinstitucionalização assim como ela foi intencionada, mas 
a versão'que ilustramos esquematicamente nas páginas ante-
riores. 
2.1. Desinstitucionalizar o paradigma 
A partir do observatório do manicômio em Gorizia nos 
anos 60, um grupo de psiquiatras inovadores percebeu que a 
Psiquiatria, desde sempre, não consegue adequar os seus 
métodos de trabalho "aos princípios abstratos" que a gover-
nam, assim como às outras i::stituições do Estado Moderno 
que dividem entre si as competências de interpretações e de 
intervenções nos problemas sociais (em particular a medici-
na, a justiça e a assistência, que fazem fronteira com a Psi-
quiatria). Estas instituições funcionam (ao menos assim se 
legitimam) com base em uma relação codificada entre "defi-
nição e explicação do problema e resposta (ou solução) 
racional", tendencialmente ótima3. Para esclarecer melhor a 
3 A reflexão crítica sobre o teorema racionalista problema-solução é um 
campo que se abriu muito recentemente no âmbito das ciênéias sociais 
e politolágicas. Para uma concretização no terreno das políticas sociais 
ver Nelson (1977), Bardach, Kegan (1982), Boudon (1984), March 
(1978, 1981); para as implicações na vertente terapêutica ver Watzla-
wick et al 1974. Esta temátiézté,mentretpnto um ernbasainento teórico 
de maior alcance nos. studos sobre rc2ion:.1cladc c, cm particular, sobre 
racionalidade limitada — ver por exempto Elster .'1979). 
24 
	
25 
ação deste paradigma racionalista problema-soluçao é sufi-
ciente referir-se à terapia no âmbito da medicina. A terapia 
entendida não tanto como uma relação individual entre mé-
dico e paciente mas sobretudo como um sistema organizado 
de teoria, normas, prestações — é em geral o processo que 
liga o diagnóstico ao prognóstico, que conduz da doença à 
cura. Este é portanto um sistema de ação que intervém em 
relação a um problema dado (a doença) para perseguir uma 
solução racional, tendencialmente ótima (a cura). Entretan-
to, apesar dos pressupostos científicos e dos fins terapêuticos 
que pretendia ter, a Psiquiatria constitui uma primeira práti-
ca desconfirmadora deste paradigma racionalista. Esta des-
confirmação apresenta-se em primeiro lugar no objeto da 
competência psiquiátrica: a doença mental. De fato, desde 
suas origens, a Psiquiatria está condenada a se ocupar de um 
objeto, a doença mental, que na realidade é bastante "não 
conhecível" e freqüentemente incurável (Blculer 1983); mal-
grado os enormes esforços para dar-lhe uma explicação e 
definição racional, ampliando e tornando mais complexo o 
quadro das causas (com as contribuições da psiquiatria social 
e relacional, as pesquisas epidemiólogicas, biológicas, imu-
nológicas etc...) ao final da cadeia causal a doença continua 
largamente indeterminada c indefinida; e ainda, apesar do 
desenvolvimento das terapias de "choque", das farmacológi-
cas, das psiCoterapias etc... a cronicidade continua a ser o 
objeto por excelência, o problema e o sinal mais evidente da 
impotência da Psiquiatria cm alcançar a solução-cura (e os 
manicômios são a evidência concreta de tudo isto). 
A desconfirmação do paradigma racionalista está presente 
também na forma assumida pela instituição psiquiátrica: o 
manicômio efetivamente se constitui sobretudo como local 
de descarga e de ocultamento de tudo aquilo que, como 
sofrimento, miséria ou distúrbio social, resulta incoerente 
frente aos códigos de interpretação c de intervenção (de 
problema-solução) das instituIções que fazem fronteira com 
a Psiquiatria, oo seja, a medicina, a justiça e a assistência. E 
por isso a Psiquiatria se constitui em ..última instância na 
fronteira, no cruzamento dessas instituições e assume o dever 
de absorver no seu interior tudo aquilo que resta da lógica 
problema-soluçá que a governa e, portanto, todos os pro-
blemas que ao resultarem incoerentes, insolúveis e irredutí-
veis são por isso expulsos. Neste sentido a Psiquiatria revela 
ser uma instituição que mais do que qualquer outra coisa 
administra aquilo:que sobra, isto é, uma instituição, residual 
ela mesma, que detém, em relação ao sistema institucional 
em sua totalidade, um poder tanto vicário quanto insubs-
tituível. 
Por isso, a crítica ao manicômio desenvolvida na Itália fez 
deste um ponto de verdade, não tanto pelo atraso da Psiquia-
tria, quanto de sua própria (a dos aparatos contíguos) iden-
tidade; um ponto dcvcrdadc que ilumina também o presente. 
De fato, como se pode depreender do balanço crítico esbo-
çado anteriormente, a Psiquiatria nascida das reformas faliu, 
seja no objetivo de superar a cronicidade, seja no objetivo de 
liberar-se da sua "função" de coação e internação. 
No seu conjOnto,.a. impüssibilidade de conhecei• o proble- • 
ma e de construir uma solução aparece como uma falta 
constitutivada Psiquiatria que, uma vez cnfocada, lança uma 
luz crítica sobre o' acúmulo de códigos diagnósticos, aparatos 
organizalivos e administrativos, especializações terapêuticas. 
Isso tudo aparece como uma moldura feita mais para encobrir 
c remover aquela falta constitutiva da Psiquiatria e talvez 
também através da separação do problema não resolvido, 
para manter a salvo, paralelamente, a credibilidade do teore-
ma racionalista problema-solução. Em outras palavras, os 
psiquiatras inovadores italianos (em Gorizia, nos anos 60, e 
depois cm Trieste, nos anos 70 e atualmente) trabalham com 
a hipótese dc que o mal obscuro da Psiquiatria está em haver 
separado um objeto fictício, a "doença", da 	 global 
26 27 
7 
roilinlext: e cona e!:, -4 dos pueiciiks 	 cie,/ ;‘)o 	 •obre 
esta separação artificial se construiu um conjunto de aparatos 
científicos, legislativos, administrativos (precisamente a "ins-
tituição"), todos referidos à "doença". E este conjunto que é 
preciso desmontar (desinstitucionalizar) para retomar o con-
tato com aquela existência dos pacientes, enquanto "existên-
cia" doente. 
Todavia, o caráter radical desta crítica do manicômio co-
mo ponto de verdade da Psiquiatria e de seu papel no sistema 
ínstitucional não leva os psiquiatras inovadores italianos a 
tomar o atalho da antipsiquiatria; o percurso que se coloca é 
mais complexo e indireto: é preeisamente o percurso da 
decinstitucionalizacão. Neste se continua a realizar o objeti-
vo e a "função" terapêutica (portanto não se faz "pci 
e ao mesmo tempo utiliza-se o poder, residual mas insubsti-
tuível, que a Psiquiatria tem no sistema institucional como 
poder de transformação (e portanto se faz "política"). 
O primeiro passo nesta direção, ou seja, o primeiro passo 
da desinstitucionalização, foi o de começar a desmontar a 
relação problema-solução, renunciando a perseguir aquela 
solução racional (tendencialmente ótima) que no caso da 
Psiquiatria é a normalidade plenamente restabelecida. Isto, 
comoveremos, não significa, em absoluto, renunciar a tratar, 
a cuidará. Esse "rejeitar" a solução posSibilita uma mudança 
de ótica profunda e duradoura que atinge o conjunto das 
ações e interações institucionais. Não se está mais diante de 
um problema dado em relação ao qual se formulam e se 
4 N.T. - A palavra italiana complessivo literalmente diz respeito a algo 
considerado em seu conjunto, em sua totalidade, mas que no texto tem 
também o significado de complexo e concreto. Neste sentido quando há 
referência à existência complessiva traduzimos por existência global, 
complexa e concreta. 
5 Esta qualidade de "renúncia" pertence de fato à família das assim 
chamadas "estratégias indiretas" de que fala Ester (198,1) a propósito 
daqueles objetivos que, ramo a saúde, se ttlo somente como bypro(hicts 
(ver também nota 10).. 
28 
experimenti soluções; ao contrário, estamos irai): ;Lados :1-3 
confronto com uma estrutura de respostas científicas, tera-
pêuticas, normativas, organizativas, que se autolegitimaram 
como soluções racionais, definindo, plasmando e reproduzin-
do o problema à sua própria imagem e semelhança. A partir 
da observação do manicômio (e não é assim também, em 
muitos sentidos, para o hospital geral?) se torna evidente que 
na relação que liga o problema à solução é a solução que 
formula o problema, no sentido de que é ela que lhe dá nome 
e forma. Por isso este primeiro passo da desinstitucionaliza-
ção consiste no fato de que não se pretende enfrentar a 
etiologia da doença (ao contrário, renuncia-se efetivamente 
a qualquer intenção de explicação causal), mas, ao contrário, 
se adota a direção de unia intervenção prática que remonte 
a cadeia das determinações normativas, das definições cien-
tíficas, das estruturas institucionais, através das quais a doen-
ça mental — isto é, o problema — assumiu aquelas formas de 
existência e de expressão6. Por isso, a reproposição da solu-
ção reorienta de maneira global, complexa e concreta a ação 
terapêutica como ação de transformação institucional. 
Retomando e precisando o título desta seção podemos 
então afirmar que a desinstitucionalização é um trabalho 
prático de transformação que, a começar pelo manicômio, 
desmonta a solução institucional existente para desmontar (e 
remontar) o problema. Concretamente se transformam os 
modos nos quais as pessoas são tratadas (ou não tratadas) 
para transformar o seu sofrimento, porque a terapia não é 
mais entendida como a perseguição da solução-cura, mas 
como um conjunto complexo, e também cotidiano e elemen-
tar, de estratégias indiretas e mediatas que enfrentam o 
problema em questão através de um percurso crítico sobre 
os modos de ser do próprio tratamento. O que é, portanto, 
6 Esta mudança de ótica foi provisoriamente definida ;las elaborações do 
movin-;eMo de transfarrnação da psiquiatt ia "epidemuilc,f,ia 
ção"; ver Basaglia 1982, Mauri 1983, 1.° Capítulo. 
29 
Lesse sentido "a instituição" nesta nova acepção? É o con-
junto de aparatos científicos, legislativos, administrativos, de 
códigos de referência e de relações de poder que se estrutu-
ram em torno do objeto "doença". Mas se o objeto ao invés 
de ser "a doença" torna-se "a existência-sofrimento dos pa-
cientes" e a sua relação como corpo social, então desinstitu-
cionalização será o processo crítico-prático para a reorienta-
ção de todos os elementos constitutivos da instituição para 
,este objeto bastante diferente do anterior. 
A ruptura do paradigma (fundante dessas instituições) se 
refere à passagem da pesquisa causal à reconstrução de uma 
concatenação possibilidade-probabilidade; rompe-se a rigi-
dez mecanicista constitutiva do procem de "doença". 
O processo de desinstitucionalizaçao torna-se agora re-
construção da complexidade do objeto. A ênfase não é mais 
colocada no processo de "cura" mas no projeto de "invenção 
de saúde" e de "reprodução social do paciente". 
Alude-se à pouca verossimilhança da nossa ciência. Se não 
existe mais um mundo produtivo definido no qual estar, não 
existe mais uma saúde, mas existem mil. Trata-se de decidir 
que é possível reproduzir-se cm mil modos, mas que estes 
devem ser praticáveis. Trata-sede utilizar a riqueza infinita 
dos papéis sociais possíveis, mas é imprescindível promover 
ativamente estas possibilidades. 
O problema não é cura (a vida produtiva) mas a produção 
de vida, de sentido, de sociabilidade, 'a utilização das formas 
(dos espaços coletivos) de convivência dispersa. E por isso a 
festa, a comunidade difusa, a reconversão contínua dos re-
cursos institucionais, e por isso solidariedade e afetividade se 
tornarão momentos e objetivos centrais na economia tera-
pêutica (que é economia política) geie está inevitavelmente 
na articulação entre materialidade do espaço institucional e 
potencialidade dos recursos subjetivos. 
Neste ponto; 
 a partir da ruptura do paradigma clínico se 
institui, o papel central das seniços_moderngs, do Welfare 
verdadeiro, como multiplicador institucional de energia. E 
aqui se coloca num nível não formal o problema das fontes 
de energias a serem mobilizadas no processo de implantação 
da Lei 180 — falaremos disto mais adiante. Permanecendona 
"clínica", a questão colocada pela desinstilucionaliza ção é que 
não poderemos imaginar uma psicopatologia e uma clínica 
que não incorporem na análise, e depois na prática terapêutica 
e de transformação, as estruturas existentes, os operadores, o 
campo psiquiátrico. A emancipação terapêutica (que se toma 
o objetivo substituto da "cura") só pode ser (cientemente) a 
mobilização de ações e de comportamentos que emancipem a 
estrutura inteira do campo terapêutico. 
Este trabalho de desconstrução, sobretudo a partir do 
interior do manicômio, apresenta alguns aspectos cruciais 
que contribuem para enfatizar melhor o significadoda de-
sinstitucionalização italiana e a modalidade da sua evolução 
sucessiva. 
2.2. A desinstitucionalização mobiliza todos os atores envol-
vidos no sistema de ação institucional 
Os principais atores do processo de desinstitucionalização 
_ são antes de tudo os técnicos que trabalham no interior das 
instituições, os quàis transformam a organização, as relações 
e as regras do jogo exercitando ativamente o seu papel 
terapêutico de psiquiatras, enfermeiros, psicólogos etc... So-
bre esta base também os pacientes se tornam atores e a 
relação terapêutica torna-se uma fonte de poder que é utili-
zada também para chamar à responsabilidade e ao poder os 
outros atores institucionais, próximos ou não, os administra-
dores locais responsáveis pela saúde mental, os técnicos das 
estruturas sanitárias locais, os políticos etc... Em outras pala-
vras, os técnicos da saúde mental ativam toda a rede de 
relações que estruturam o sistema de ação institucional e 
dinamizam as competências, os poderes, os interesses, as 
demandas r.ociais 	 (Crozier, Friedberg 1977), Por iso 
30 	 31 
eles fazem também, indiretamente, política. Mas apenas in-
diretamente, ou seja, permanecendo ligados a seu papel, que 
é uma fonte de poder e uma condição para praticar concre-
tamente os objetivos de mudança. Este é um aspecto impor-
tante da desinstitucionalização italiana, que a diferencia das 
outras experiências, as quais têm sido projetadas por políti-
cos reformadores, aplicadas por administradores, ou procla-
madas como objetivo político de grupos e movimentos radi-
.,cais. Na Itália, ao contrário, a desinstitucionalização se con-
figurou como um trabalho concreto e cotidiano dos técnicos 
que produziram degrau por degrau as mudanças. A nova 
política de saúde mental vem sendo: construída from the 
bottom up (Thrashcr, Dunkley 1982), no concreto, no local 
e a partir do interior da instituição (e também a política é 
usada como meio ou como recurso). Por isso aí se encontram 
investindo, envolvidos e mobilizados, os sujeitos sociais como 
atores da mudança: os pacientes, a comunidade local, a 
opinião pública, os sujeitos políticos institucionais e não 
institucionais. Esta maneira de praticar a desinstitucionaliza-
ção suscita e multiplica as relações, isto é, produz comunica-
ção, solidariedade e conflitos, já que mudança das estruturas 
e mudança dos sujeitos e de suas culturas só podem acontecer 
conjuntamente (Rotelli 1981, Melucci 1982, Balbo, Bianchi 
1982, De Leonardis 1986). 
O 
O objetivo prioritário da desinstitucionalização é trans-
formar as relações de poder entre instituição e os sujei-
tos e, em primeiro lugar, os pacientes. 
Inicialmente, isto é, no trabalho dei desconstrução do ma-
nicômio, esta transformação é prodUzida através de gestos 
elementares: eliminar os meios de contenção; restabelecer a 
relação do indivíduo com o próprio corpo; reconstruir o 
direito e a capacidade de uso dos objetos Pe-s-soa'is; recons-
truir o direito e a capacidade de palavra; eliminar a ergotera- 
pia; abrir as portas; produ
-iir relações, espaços e objetos de 
interlocução; liberar os sentimentos; restituir os direitos civis 
eliminando a cpação, as tutelas jurídicas e o estatuto de 
periculosidade; reativar uma base de rendimentos para poder 
ter acesso aos intercâmbios sociais. 
Trata-sede mudanças simples mas bastante visíveis; volta-
mos a propô-las aqui por duas razões: em primeiro lugar, 
porque o nosso conhecimento direto dos locais de internação 
hoje existentes na Europa, na Psiquiatria reformada, e nossas 
análises sobre as normas que as regulam nos demonstram que 
estas mudanças estão ainda, em grande parte, por serem 
efetivadas. Em segundo lugar, porque a simplicidade destas 
mudanças ajuda a compreender .c.oznaa-desinstitucionaliza-
ção é_sobretudo um trabalho terap"euticovoltudo paro (lir-
constituição das pessoas, enquanto pessoas que sofrem como 
sujeitos. Talvez não se "resolva "por hora, não se "cure" agora, 
mas rio entanto seguramente "se cuida". Dej55is 
	 cré ter descar- 
lado "a solução-cura" se descobriu que cuidar significa ocu-
par-se, aqui e agora, de fazercoun que se transformem os modos 
de viver e sentir o sofrimento do 'paciente" e que, ao mesmo 
tempo, se transforme sua vida concreta e cotidiana, que ali-
menta este sofrimento. 
Uma existência mais rica de recursos, de possibilidades e 
de experiências' é também uma existência em mudança. Cer-
to, o sofrimento psíquico talvez não se anule, mas se se 
começa a remover-lhe os motivos, mudam as formas e o peso 
com que estesofrimento entra no jogo da vida de uma pessoa. 
E igualmente, não se anula a necessidade desta pessoa de ser 
ajudada, isto é," precisamente tratada, nos termos que fala-
mos. Mas isto nos faz recordar o valor dessas necessidades e 
a necessidade de valor. 
Isto significa n por exemplo que não se dá um trabalho a um 
paciente psiquiátrico como um resultado e um reconheci-
mento do fato deyue ele esteja melhor (um prêmio), nem 
om.o terap,P.. mas como uma condição preliminar para que 
possa estar melhor (um direito); c o ajudamos também a fazer 
32 33 
e a viver o trabalho. Conseguirá? "Mas nâo é um teste ao qual 
o submetemos, mas é um espaço de vida a mais no qual o 
ajudamos a viver. Em todo caso é um teste para nós"6. Este 
é então outro aspecto de trabalho terapêutico entendido 
como "tomar encargo",7 de cuidar de uma pessoa: é desenvol-
vido de tal modo a evitar o abandono do paciente a si mesmo, 
em nome de sua liberdade abstrata, mas também de modo tal 
a evitar impor-lhe objetivos pré-constituídos. E por isso o 
trabalho terapêutico é um percurso dinâmico em contínua 
transformação, feito de tentativas, erros e aprendizagens, no 
qual os objetivos mudam durante o percurso porque são 
modificados pelo sujeito em jogo. 
É necessário salientar outro ponto: 411e a transformação 
da relação de poder entre os pacientes e a instituição é um 
processo que intervém em longa escala e deve incidir no 
sistema jurídico; quem conduziu as experiências de desinsti-
tucionalização desenvolveu uma atenção "obsessiva" à pro-
gressiva objetivação dos novos estatutos, passo a passo de-
terminados, e para fazer com que fossem reconhecidas pri-
meiro as legitimidades administrativas, depois as jurídicas, 
até a Lei 180 de 1978. De fato, a desinstitucionalização muda 
progressivamente o estatuto jurídico do paciente (de pacien-
te coagido a paciente voluntário, depois o paciente como 
"hóspede", depois a eliminação dos diversos tipos de tutela 
jurídica, depois o restabelecimento de todos os direitos civis). 
Em síntese, o paciente se torna cidadão de pleno direito e 
muda com isto a natureza do contrato com os serviços. 
6 De uma entrevista a um operador psiquiátrico de Bari; de forma geral 
ver Rotelli 1981, Mauri 1983. Parece paradoxal mas não é: o "trabalho" 
é "terapêutico" se é o reconhecimento de um direito, não o é se é 
"técnica de tratamento"; no primeiro caso é o sujeito que realiza uma 
possibilidade sua, no segundo é a instituição que "o decide". 
7 N.T. — "presa in carico" foi traduzido pOr "tomar encargo"; cabe 
ressaltar que esta expressão se constitui numa premissa fundamental na 
organização dos serviços territoriaist significa o "fazer-se responsável", 
isto é, a impossibilidade de delegar a Mita tiotra estai:ti:á" a issislência 
à população da região de referência. 
34 
2.4. A dcsinstttucionalização é um trabalho homeopáik.o 
que usa as energias internas da instituição para des-
montá-la. 
As transformàções institucionais são então produzidas a 
partir de dentro, trabalhando com aquilo que existe. 
A começar pelo manicômio, o trabalho de desinstituciona-
lização usa os mesmos espaços, os mesmos recursos, o mesmo 
pessoal, os mesmos pacientes, mas mudando e decompondo 
os sistemas de ação e interação nos quais cada elementoestá 
inserido: uma porta feita para estar fechada é usada, mas 
ativamente usada, para estar aberta — a abertura cria proble-
mas, a gestão desses problemas modifica a cultura dos atores 
em jogo. Novamente encontramos aqui uma diferença fun-
damental da desinstitucionalização italiana: ela está baseada 
na utilização dos recursos e dos problemas internos da estru-
tura em decomposição para construir pedaço por pedaço as 
novas estruturas externas. Essas nascem para "acompanhar" 
de perto os pacientes fora do manicômio e construir as 
"alternativas" (e a cultura necessária): os serviços territoriais, 
os plantões psiquiátricos noturnos no hospital geral, as coo-
perativas, as casas para os pacientes, ps bares e os refeitórios 
de bairro, os jogos, os laboratórios de teatro etc... 
Em suma, as estruturas e os modos de trabalhar nos quais 
se concretiza o novo sistema de saúde mental nascem não do 
externo, ao lado e de suporte ao manicômio, mas através da 
reciclagem, da reconversão e da transformação progressiva 
das possibilidades financeiras, do pessoal, das competências 
existentes, dos espaços físicas etc... E é exatamente graças a 
esta gênese da desmontagem do manicômio que essas estru-
turas externas conseguem ser, em relação a ele, inteiramente 
substitutivas e a suprimir (substituindo) as práticas preexis-
tentes. 
8 S,:bre as 	 r'ad: pF e rcconvc.Tsão dos recursos e dos gastes Oblices • 
daremos outras indicações nos parágrafos seguintes. 
35 
Em síntese, o processo de desinstitucionalização é carac-
terizado por estes três aspectos que vão tomando corpo, 
pouco a pouco, à medida que o manicômio vai se desmon-
tando, e que representam sua conotação de fundo: 
a) A construção de uma nova política de saúde mental a 
partir da base e do interior das estruturas institucionais 
através da mobilização e participação, também conflitiva, de 
todos os atores interessados; 
b) A centralização do trabalho terapêutico no objetivo de 
enriquecera existência global, complexa e concreta dos pacien-
tes, de tal forma que eles, mais ou menos "doentes", sejam 
sujeitos ativos e não objetos na relação com a instituição. A 
palavra de ordem é: do manicômio, lugár zero dos intercâm-
bios sociais, à multiplicidade extrema das relações sociais; 
c) A construção de estruturas externas que são totalmente 
substitutivas da internação no manicômio, exatamente porque 
nascem do interior de sua decomposição e do uso e transfor-
mação dos recursos materiais e humanos que estavam ali 
depositados. 
Estes três aspectos da dcsinstitucionalização representam, 
entre outras coisas, condições graças às quais é possível 
eliminar a internação do conjunto das estruturas e compe-
tências psiquiátricas. Ou, mais precisamente, podemos dizer 
que através deste percurso a dcsinstitucionalização suprime 
a internação liberando a Psiquiatria e seu objeto (e definiti-
vamente a sociedade) da necessidade da própria internação. 
A desinstitucionalização transforma as necessidades dos do-
entes, dos operadores e da comunidade, às quais a internação 
correspondia, construindo respostas inteiramente substituti-
vas9. 
9 A este propósito pode-se aplicar o estudo cfp Elstcr sobre estratégias 
, indiretas (1981, pág. 438): "Para dar uma imagem sintética, não se pode 
querer o fechamento do manicômio como solução e não se pode perse-
gui-la diretamente: porque neste caso "o fato de querer a ausência é 
incompatível com a ausência desejada". A ausência de manicômio é 
po:lanto.tipiwmente um estado que é•essenclalmente um by-produd 
alcançável ao longo de estratégias indiretas (De Leonardis 1985). 
36 
2.5. A dcsinstitucionalização libera da necessidade da inter-
nação construindo serviços inteiramente substitutivos. 
Para explicar este ponto usaremos o exemplo da organiza-
ção dos serviços de saúde mental de Trieste, a experiência 
italiana mais conhecida a nível internacional e que orientou 
o processo glolial da transformação institucional na Itália". 
Em Trieste: a) estes serviços têm a responsabilidade de 
responder à totalidade das necessidades de saúde mental de 
uma população determinada; b) mudam as formas de admi-
nistrar os recursos para a saúde mental; c) multiplica-se e 
torna-se mais complexa a profissionalidade dos operadores. 
No conjunto, a organização do novo sistema de saúde mental 
se fundamenta em uma hipótese clara: que a instituição 
responde mais às próprias necessidades de auto-reprodução 
que às necessidades dos usuários e que desinstitucionalizar 
significa inverter esta lógica de funcionamento. 
2.5.1. Os serviços têm a reponsabilidade de responder à to-
talidade das necessidades de saúde mental de uma 
população determinada. 
Em Trieste, entre 1971 e 1978, o hospital psiquiátrico foi 
progressivamente esvaziado dos 1.200 pacientes que ali esta-
vam internados'(a maior parte obrigatoriamente), completa-
mente reconvertido e oficialmente abolido em 1980. Atual-
mente não existe nenhum outro lugar de internação: não 
existem clínicas psiquiátricas privadas, nem enfermarias psi- 
10 Sobre experiência de Trieste ver: Scabia (1974), Bennett (1978), Har-
tung (1981), Rotelli (1981a, 1981b, 1983), Basaglia (1982), Galho, 
Giannichedda (1982), Mauri (1983), Realli et al (1983), Dell'Acqua 
(1985), Pastore (1984). E ainda ver Quaderni di Documentazione dei 
Pensicro Sdengco, put.11uidatios cuidados de C.N.R. (cm particular 
Os volürries 3. 8 e. 16) r a revista Fogli di Infonnazicne. Tnmhftn, o 
recente livro de A Topor. 
37 
quiátricas no hospital geral, nem pacientes psiquiátricos 
transferidos para cronicários — no lugar dessas estruturas de 
internação se desenvolveu uma grande variedade de serviços 
e espaços de intervenção. 
a) Os Centros de Saúde Mental. Os Centros de Saúde 
Mental são o eixo de todo o sistema de saúde mental e 
coordenam uma série de outras possibilidades e estruturas 
colaterais que depois examinaremos. 'SãO sete centros, 
co3respondentes às sete zonas de descentralização adminis-
trativa de Trieste, cobrindo em média urna faixa de clientela 
de 40.000 habitantes cada um. Estão abertos 24 horas por dia 
e estão portanto em condições de acolher as pessoas a qual-
quer momento do dia e da noite. Os centros são constituídos 
por casarões ou apartamentos grandes nos quais a distribui-
ção de espaço e a mobília não recordam nenhuma das ima-
gens conhecidas de um ambulatório médico ou psiquiátrico, 
ou seja, têm todo o aspecto de uma casa. Os centros têm 
alguns leitos para dormir (uma média de oito em cada centro) 
onde são hospedados (naturalmente não hospitalizados) os 
pacientes que têm necessidade de ser particularmente acom-
panhados, ou aqueles que têm necessidade de separar-se do 
próprio ambiente de vida por um període de tempo variável. 
Em geral existe também uma cozinha e uma grande sala de 
almoço na qual comem juntos operadores, pacientes, visitan-
tes, pessoas do bairro — algumas vezes são utilizados restau-
rantes do bairro conveniados. O pessoal de cada centro é 
constituído em média por três psiquiatras, 28 enfermeiros e 
um assistente social. A organização do trabalho nos centros 
é pouco hierarquizada e com pequena divisão do trabalho 
entre os diversos papéis, no sentido de flue as responsabili-
dades dc decisão e as competências executivas não são sepa-
radas entre si e são assumidas ao mcsmd tempo por mais de 
um operador. A organização do trabalho do dia não é forma-
lizada eni um fichário e, a não ser para uma breve reunião 
diária (na qual participam também os Pacientes, que tenham 
vontade), o trabalho c organizado e distribuído conforme as 
exigências que se apresentam. A esta elevada flexibilidade da 
organização do trabalho corresponde a mesma elevada elas- 
ticidade e permeabilidade no uso do centro e na relação com 
os pacientes. O centro está sempre aberto e qualquer um 
pode ter acessoa ele quando quiser. Não existem consultas 
por agenda e muito menos lista de espera. Por isso os pacien-
tes usam o centro também como espaço de encontro, de 
socialização e de vida cotidiana. Como não existe qualquer 
tipo de subdivisão ou seleção de pacientes, no centro convi-
vem figuras sociais de todos os tipos: os velhos e os novos 
crônicos, as donas-de-casa deprimidas, os jovens marginais 
etc... 
Todavia, grande parte do trabalho dos operadores se de-
senvolve fora do centro, porque tende-se a ir ao encontro dos 
pacientes em casa, ou ainda, a fazê-los viver na cidade c com 
as pessoas. 
O trabalho terapêutico usa todos os instrumentos à dispo-
sição: medicação, colóquios, subsídios, ocasiões de trabalho, 
estadias de férias na praia ou na serra etc... Além disso, 
exatamente por essa razão, o centro tem também a responsa-
bilidade de buscar recursos através de contato com outras 
estruturas institucionais: por exemplo, conseguir da adminis-
tração local um apartamento para alguns pacientes. 
b) O Plantão Psiquiátrico no Hospital Geral. Este serviço 
é constituído por dois médicos fixos e dezessete enfermeiros 
dos centros em rodízio. 
Foi criado para atender os casos de emergência que, sobre-
tudo durante a noite, chegam ao hospital geral. Sua função é 
a de fornecer uma primeira resposta em situação de mal-
estar agudo e, se necessário, chamar imediatamente o centro 
de saúde mental competente ou, se isto não for possível, 
hospedar o paciente por uma noite. Para este objetivo tem 
oito leitos ruas. miuá se peictle, não funciona como uma 
enfermaria ps;qu;áirica hospitalar. 
38 	 39 
Além disso, o plantão psiquiátrico intervém quando cha-
mado por enfermarias do hospital, quando algum paciente 
expressa sofrimento psíquico'[. 
c)As Estruturas e os Espaços do Ex-Hospital Psiquiátrico. 
O que era o hospital psiquiátrico tornou-se um grande par-
que municipal no qual as velhas estruturas foram esvaziadas 
ou destinadas a outros objetivos. Existem: vinte apartamen-
tos para ex-internados, uma unidade de reabilitação para 
dpficientes muito graves (onze pessoas) e uma unidade para 
idosos dependentes (45 pessoas), que estão sob a responsa-
bilidade do centro de saúde mental da região. Existem ainda: 
uma escola maternal, uma escola primária e laboratórios da 
universidade; existe sobretudo uma série de estruturas desti-
nadas às atividades dos centros e das cooperativas: um bar, 
um laboratório de teatro, um laboratório artístico, de música, 
pintura, de vídeo, uma sala de ginástica, uma sala de estética 
etc... Existem também os alojamentos — com refeitório —
para os voluntários italianos e estrangeiros que trabalham 
nas diversas estruturas (em média estão presentes entre 
trinta e quarenta voluntários, um total de duzentos por ano). 
O dado mais significativo de todas estas atividades, e em 
particular dos laboratórios, é o fato de que são utilizadas 
conjuntamente por "normais", por pacientes psiquiátricos, 
por tóxico-dependentes (e sobretudo por jovens). Este é um 
exemplo concreto da tendência de não compartimcntalizar 
e, ao contrário, multiplicar as trocas sociais, que são essen-
ciais ao processo de desinstitucionalizaão. 
d) As Cooperativas. As cooperativas de trabalho promovi-
das e organizadas pelos centros são: 
— a "Cooperativa Agrícola" (38 membros) com uma loja 
anexa para venda dos produtos; 
11 Respondendo dessa forma às demandas de émergéncia, o plantão psi-
quiátrico intervém nos confrontos seja com serviços de ordem pública 
(em particular a policia) seja com médicos (hospitais gerais e médicos . 
base).piga aliviar o medo de comportamentos estranhos ou dist u 
bádores e ativar nesses serviços a capacidade de novas respõstás..- 
40 
— a "Cooperativa Trabalhadores Unidos" (cerca de 121 
participantes) que compreende serviços de limpeza e manu-
tenção, marcenaçia, um cabeleireiro e os laboratórios artísti-
co, de costura e de teatro; 
— a "Cooperativa Posto delle Fragolle" (cerca de 65 mem-
bros) da qual depende um bar, o barco a vela e uma coope-
rativa de assistência. 
Das cooperativas fazem parte não apenas pacientes psi-
quiátricos mas também jovens desocupados, tóxico-depen-
dentes, ex-presidiários ou presidiários em regime de semili-
berdade. Elas constituem uma estrutura importante de auto-
organização das' pessoas, na qual cresce a autonomia e a 
capacidade de ajuda recíproca. Um exemplo, para dar uma 
idéia concreta: no âmbito das atividades da cooperativa uni 
grupo de jovens, entre os quais ex-presidiários e tóxico-de-
pendentes, organizaram um ginásio no qual eles oferecem 
cursos de ginástica às crianças da escola do bairro, aos pacien-
tes lobotomizados de longa internação, aos operadores dos 
centros. 
e) O Centro para Tóxico-Dependentes. Este serviço é 
formado por uni psiquiatra, urna assistente social e cinco 
enfermeiros, e ao lado dos centros assume competências 
específicas cm relação aos tóxico-dependentes. Além dos 
tratamentos farmacológicos este centro tem a responsabili-
dade de construir soluções de trabalho e de socialização 
utilizando sobretudo as redes das cooperativas e as atividades 
de trabalho, culturais e recreativas que elas promovem. Este 
serviço atende também os tóxico-dependentes no cárcere. 
f) O Serviço Psiquiátrico territorial no interior do cár-
cere. Este serviço é formado por dois médicos e dois psicólo-
gos dos centros" que, duas vezes por semana, intervêm no 
interior do presídio, seja para acompanhar os pacientes dos 
centros que estejam presos, sc;a para seguir presidiários nos 
quais o estado de detenção fez cinergii distúrbios psíquicos. 
41 
ÇsÇRJ-k`r 434 
Este serviço tem como competência melhorar tanto quanto 
possível as condições de vida da pessoa no presídio, constituir 
para ela um ponto de referência externa e tentar todas as 
possibilidades legais para obter medidas de redução da pena 
ou alternativas à pena. Este serviço tem tido também um 
papel importante na construção de relações de colaboração 
entre os centros e a justiça local; através dessas relações os 
centros assumem a competência de ajudar os pacientes na 
sua relação com a justiça e ao mesmo tempo de assegurar ao 
juiz que a pessoa que tem comportamentos perturbadores 
está de fato sendo adequadamente acompanhada e "contro-
lada". Por este caminho foram interrompidos de forma deci-
siva vários encaminhamentos aos manicômios judiciários. 
Este rápido resumo das possibilidades e das atividades nas 
quais foi reorganizado globalmente o sistema de saúde men-
tal em Trieste não é exaustivo, mas Ode dar, sem dúvida, 
uma idéia da forma como funciona. Pode-áe dizer, para 
sintetizar, que este modelo dc serviço é inteiramente substi-
tutivo da internação porque responde de modo totalmente 
transformado, isto é, em positivo, à complexidade das neces-
sidades que o velho asilo absorvia no seu interior. Este 
modelo dc serviço — que não por acaso é dcfinidá como 
"forte" — não seleciona de nenhuma forma necessidades, 
demandas ou conflitos, mas, ao contrário, elabora estraté-
gias dinâmicas e individualizadas de resposta que tentam 
salvaguardar e ampliar a riqueza da vida das pessoas, doentes 
ou sãs. Trata-se de negar o hospital psiquiátrico salvaguar-
dando o direito de assistência, de negar "a política de setor" 
salvaguardando a unicidade dc responsabilidade sobre um 
território determinado, de negar a comunidade terapêutica 
em favor de uma comunidade difusa, de negar o monopólio 
dos técnicos utilizando ao máximo suas potencialidades para 
ativar os recursos das pessoas. Esta linha de atuação é o que 
se entende eiu Trieste concretamente por desinstitucionali-
zaçaó. 
Mudam as toi mas de administrar os recursos públicos 
para a saúde mental. 
Como já dissentes, a desmontagem do manicômio se pro-
cessou através dá diferente utilização c da reconversão dosrecursos existentes; as novas possibilidades nascem com o 
deslocamento material de pessoas, pacientes e verbas do 
hospital para a comunidade. Muda portanto a gestão finan-
ceira e administrativa dos recursos públicos, com êxito seja 
de eficácia seja dc eficiência. 
O ponto fundamental consiste no fato de que os recursos 
de que a administração local dispõe não são mais utilizados 
para alimentar uma estrutura institucional, o hospital, que 
mede seus custos essencialmente cora base nos leitos e na sua 
utilização ótima sobre a maximização de leitos ocupados. Ao 
contrário, estes recursos vêm sendo utilizados para fornecer 
serviços diretos às pessoas, com base nos seguintes critérios: 
a) a mobilidade do pessoal, no sentido também físico, uma 
vez que não são mais os pacientes que vão em busca do 
serviço, é o serviço que vai até as pessoas; b) a individualiza-
ção do serviço, no sentido de que a quclidade e a quantidade 
dos recursos disponíveis se adaptam às exigências dos pacien-
tes individualmente e varia de acordo com essas exigências; 
c) o aumento doi recursos geridos diretamente pelos pacientes 
e que mais diretamente se referem à sua vida (ver o curso dos 
gastos com medicação e com subsídios); d) o uso produtivo 
dos recursos, no sentido de que se investe em medida crescen-
te para financiar o trabalho dos pacientes que desenvolvem 
atividades socialmente úteis (por exemplo, são oferecidas 
"bolsas de trabalho" ou uma contribuição financeira às coo-
perativas); e) o uso crescente de recursos ativados e organiza-
dos pela agregação dos pacientes e da comunidade, o que 
significa também promover e proteger a capacidade de auto-
ajuda e de autonomia dasjessoas. 
Estes critériá são Priori tiritirnen te definidos com o obje-
tivo de enriquecer a eficácia terapêutica. Esta é avaliada com 
42 	 43 
base na capacidade que este sistema oferere de não selecio-
nar e não excluir e, portanto, com base na capacidade de 
evitar e inverter processos de cronificação destas necessida-
des12. O indicador mais evidente para avaliar a eficácia deste 
sistema está no fato de que ele não reproduz a necessidade 
de internaçãon. 
Esta forma de administrar os recursos públicos tem tam-
bém o efeito indireto de racionalizar a despesa: são reduzidos 
os desperdícios, os automatismos da despesas fixas e os 
custos que caracterizam tipicamente as organizações buro-
cráticas. O novo sistema, considerado globalmente, não é 
mais caro, e este é um dado importante em tempos de redu-
ção de despesas públicas". 
Todavia, este e um efeito indireto de'um sistema orientado 
para investir os recursos nas pessoas (e possivelmente sempre 
mais recursos), mais que nas instituições. 
2.5.3. A profissionalidade dos operadores é enriquecida e 
torna-se mais complexa. 
As características da organização c do trabalho terapêuti-
co que emergiram do processo de desconstrução do manicô-
mio trouxeram um enriquecimento das competências profis-
sionais e dos espaços de autonomia de decisão dos operado-
res e transformaram tanto a modalidade da formação profis-
sional quanto os critérios para avaliá-la. O crescimento da 
:12 Sobre este ponto cm particular ver Dcll'Acqua 1985 e WII0 1985. 
13 Um outro indicador é o baixíssimo número de Tratamentos Sanitários 
Obrigatórios, que alem do mais são desenvolvidos sem internação, por 
exemplo, na casa do paciente ou no Centro Territorial. 
14 A despesa histórica para a Psiquiatria não aumentou em termos reais 
entre 1971 e 1985; a despesa com o pessoal, em particular, permaneceu 
relativamente constante (se confrontada coá a taxa de inflação e o custo 
de vida). Um exemplo de reconversão da despesa: decresce aquela com 
as psicofármacos, enquanto aumenta a com os subsídios. Sobre adespe-
sa psiquiátrica antas e depois da reforma ver Bennctt 1978; Torcsini. 
Trebiciani 1985. 
	 . 
44 
profissionalidade não é entretanto uma aquisição estática, 
uma vez que a partir da desconstrução do manicômio os 
operadores, acima de tudo, "aprenderam a aprender". Com as 
informações que, já descrevemos em relação à organização 
do trabalho em trieste torna-se evidente que a profissiona-
lidade se explica menos em termos de competências técnicas 
especialistas e codificadas e muito mais como capacidade de 
escolher, utilizarle combinar uma ampla variedade de moda-
lidades e recursos de intervenção. Vejamos cm detalhe: 
a)A centralidade no trabalho de equipe. O papel da equipe 
não se expressa tanto nas reuniões periódicas, mas mais no 
costume de trabnlhar junto e na colaboração e confronto 
cotidianos entre todos os operadores de cada centro e entre 
os diversos centros. Este trabalho de equipe serve para socia-
lizar as experiências, para enfrentar juntos os problemas e 
para avaliar, compartilhar e corrigir as decisões que cada 
operador toma; a equipe funciona portanto também como 
uma espécie de supervisor coletivo. 
b)A auto-avaliação. A profissionalidade de cada operador 
em particular não é avaliada separadamente, mas no interior 
do trabalho operativo da equipe e integrado na reponsabili-
dadc de auto-avaliação que ela desenvolve (às vezes também 
se desencadeiam tensões e dinâmicas conflitivas). Esta avá: 
fiação interna, obviamente entrelaçada ao trabalho, refere-se 
sobretudo à capacidade de autotransformação e aprendiza-
gem da equipe e de cada operador. Mas é o elevado grau de 
contratualidade do usuário que imprime contínuos elemen-
tos de "crise" e de crítica frente à auto-avaliação; assim, 
pouco a pouco torna-se mais radicalmente presente a voz 
crítica dos familiares e dos cidadãos. 
c) A formação. Além da base profissional definida pelo 
título acadêmico, a formação também é estreitamente anco-
rada no trabalhd operativo nos centros; às vezes são organi-
zados seminários sobre temas específicos = por exemplo 
sobre medicação. sobre "self-help" ^agi crises do Welfare 
State; mas a formação se dá principalmente através da coser- 
45 
ção dos novos operadores e tios voluntários no trabalho 
cotidiano. E é no trabalho cotidiano que se abrem, pouco a 
pouco, outros campos de intervenção que requerem a aqui-
sição de novas competências (e o caso, por exemplo, das 
competências em matéria de psiquiatria forense e criminolo-
gia que se desenvolveram a partir das relações com o sistema 
da justiça penal)'s. 
No conjunto a ênfase é colocada na aquisição de conheci-
mentos, teóricos e operativos, sobre o modo de funciona-
mento da rede institucional na qual as pessoas estão inseri-
das; tais conhecimentos são constituídos através do trabalho 
cotidiano de análise crítica e de intervenção operativa, para 
contrastar os efeitos dc empobrecimento, invalidez, de "la-
beling" que aquele modo de funcionar institucionalizado 
produz na vida das pessoas. 
(1) O "case management". Neste ponto age a peculiaridade 
mais profunda da ação de desinstitucionalização. De fato, em 
primeiro lugar, os diversos tipos codificados de "terapia" 
(médica, psicológica, psicoterapêutica, psicofarmacológica, 
social etc...) são considerados como momentos também im-
portantes, mas redutivos e parciais, sobretudo se isolados e 
codificados. Por isso trata-se de demolir a compartimentali-
zação entre estas tipologias de intervenção. Além disso, e por 
conseqüência, a relação terapêutica tende a ocupar-se de 
questões afetivas, econômicas, jurídicas, relacionais, dos ní-
veis de estatutos, da família, do trabalho etc... sem cindir estas 
questões, sem confiá-las a profissionalidades separadas. 
Se se trata de pensar que "a liberdade é terapêutica", cada 
ato em liberdade pode ser terapêutico. Se se trata de desinstituir 
a doença como awriência que não é separável da existência, 
trata-se de valorizar, mais que o sintpina (sobre o qual se 
constrói a instituição), o conjunto de recursos positivos do 
15 E ainda um efeito indireto desta forma deprofissionalidade e mais cm 
geral desta forma de trabalhar é o fato que também os operadores 
(como 05 pacientes) vivem melhor. Não se encontram aqui as síndromes 
de "burn-out" dos operadores. 
46 
serviço e da demanda. É possível intuir o enorme espaço dc 
profissionalização que esta prática tende a requerer; o tra-
balho terapêutico, deve enfrentar efetivamente um campo de 
ação complexa. - 
1. Se, por exemplo, eliminar a dimensão afetiva na relação 
terapêutica parece ser um código para a medicina e seus 
serviços, aqui, ao contrário, se valoriza esta dimensão. 
2. Se é práxis consolidada separar do contexto mais amplo 
a relação médico-paciente (o setting), aqui se busca cada 
instrumento para contextualizá-la. 
3. Se a presença de figuras não profissionais no campo é 
vista muitas vezes com suspeita, aqui se fazem vários esforços 
para colocá-las como elementos críticos e desinstitucionali-
zantes do serviço. 
4. Se as regras de funcionamento do serviço ordenado são 
em geral pretendidas, aqui, ao contrário, são vistas tenden-
cialmente como um empobrecimento na possibilidade de tro-
cas sociais e terapêuticas e, nos limites do possível, criticadas 
e removidas. 
5. Se os espaços sanitários são habitualmente bem separa-
dos, aqui se procura cada ocasião para que sejam, ao invés 
disso, abertos ao bairro e "atravessados" pelas pessoas. 
6. Se a relação com "a doença" tem sempre como referên-
cia um hospital, ambulatório etc..., a relação de desinstitucio-
nalização requer , a relação com um "território". 
7. Uma coisa da qual todos os operadores de Trieste estão 
convencidos é, enfim, que não se dcsinstitucionaliza dividin-
do os agudos dos crônicos, uma vez que o parâmetro conti-
nuaria sendo a forma "de doença", constituindo áreas de 
fragmentação (e dessa forma reconstruindo cronicidade e 
tornando ineficaz o serviço), mas assumindo a demanda co-
mo uma totalidade indivisível. Tudo isto é desinstitucionali-
zação, que representa um trabalho complexo para os opera-
dores e para os administradores, mas que permite uma parti-
cipação essencial dos recursos da comunidade e, potencial-
mente, uma enorme mobilização de energias. A ênfase na 
47 
desinstitucionalização é aqui vinculada a um projeto também 
de natureza econômica, que considera a velha (mas genera-
lizada) organização das instituições psiquiátricas fruto do 
atraso e produtora de gastos, uma vez que se priva das 
energias e dos recursos da demanda ampliada e muitas vezes 
até faz desta privação o seu objetivo. 
Por tudo isso pode-se enfatizar que a desinstitucionaliza-
ção como entendida em Trieste é exatamente o oposto de 
soda prática de abandono. Hoje, todos os recursos econômi-
cos e humanos que em 1971 eram absorvidos por um grande 
hospital psiquiátrico são utilizados na' comunidade (e pela 
comunidade). 
05 
TRABALHO DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO TAMBÉM É 
LEI QUE NÃO SE COMPLETA COM A APROVAÇÃO DA RE-
FORMA E, SIM, PROSSEGUE COM SUA IMPLANTAÇÃO. 
A reforma psiquiátrica (Lei 180) foi votada por todos os 
partidos e aprovado pelo parlamento' italiano em maio de 
1978. Esta lei acolhe o processo de desinstitucionalização 
praticado até então e sanciona as inovações por ele produzi-
das: 'a eliminação da intervenção psiquiátrica e a construção 
de serviços de comunidade inteiramente substitutivos da in-
tervenção. Detalhadamente, os pontos centrais da lei são os 
seguintes (Misiti et a11981, Mosher 1982): 
a) É proibida a construção de novos hospitais psiquiátricos 
e a internação de novos pacientes psiquiátricos; são dadas as 
diretrizes às administrações regionais para que estabeleçam 
os períodos para um gradual processo de alta dos pacientes 
internados nos hospitais psiquiátricos.] 
b) Os serviços territoriais são responsáveis pela saúde 
mental de uma determinada população e coordenam o con-
junto das estruturas necessárias; entre essas podem existir 
enfermarias psiquiátrico em hospitais gerais regionais com 
o máximo de quinze leitos. 
c) São abolidos o &afta° ele periculosidade social do 
doente mental, as tutelas jurídicas, a internação coagida e o 
tratamento coagido; o doente mental é um cidadão para 
todos os efeitos, com os respectivos direitos civis e sociais, 
incluindo o direitb ao tratamento. Estes princípios são man-
tidos também no caso de Tratamento Sanitário Obrigatório 
(T.S.O.), que a lei prevê; este instituto estabelece que: 
1. o paciente mantém todos os seus direitos pessoais e no 
papel do juiz é prevista a tutela desses direitos; 
2. o tratamento é decidido pela autoridade sanitária local 
e define a responsabilidade do serviço sanitário competente; 
3. isto é previsto somente em casos excepcionais, por um 
tempo breve e quando estiverem esgotadas todas as• outras 
possibilidades. E não requer necessariamente a internação 
no hospital geral (pode ser desenvolvido na casa do pacien-
te). É importante observar que o Tratamento Sanitário Obri-
gatório prevê e compreende dois elementos em geral toma-
dos separadamente: o direito do paciente a recusar o trata-
mento e a obrigação do Serviço Sanitário de não abandonar 
o paciente a si mesmo. E por isso a obrigação de que se fala 
fixa uma responsabilidade terapêutica do serviço e não uma 
sanção legal do paciente. Não existem dúvidas de que esta lei 
é um — o mais alto em sentido formal — dos atos de desins-
titucionalização. 
Este elenco muito sintético dos pontos centrais da Lei 180 
deixa entrever como as inovações que ela introduz no sistema 
de saúde mental são concretas e operativas, mas ao mesmo 
tempo de uma qualidade tal que suscita muitas dinâmicas de 
conflito e de transformação. Como diria Basaglia, no dia 
seguinte ao da aprovação da reforma: "por sua lógica interna 
e pelas características do terreno na qual age, esta lei abre 
mais contradições do que as que resolve". Mas isto não 
significa que não seja uma boa lei — ao contrário. 
Esta característica da reforma já se coloca no texto legisla-
tivo - pensemos por exemplo naquilo qt, 
 já r-m-innarrins 
a propósito do Tratamento Sanitário Obrigatório Como 
48 	 49 
dissemos anteriormente, ele coloca junto duas dimensões em 
geral separadas porque são contraditórias e conflitantes en-
tre si: as garantias jurídicas e os direitos da pessoa junto com 
sua necessidade, também urgente, de ajuda, à qual o serviço 
deve dar uma resposta; a proibição de internação e de coação 
junto com a obrigação de intervir; a responsabilidade do 
serviço, que implica uma intervenção de "tomada do encar-
go" mas que ao mesmo tempo deve respeitar a liberdade do 
„paciente (Giannichedda 1985, De Leonardis 1986). Sem 
dúvida não é fácil praticar estas duas dimensões em conjunto 
e, uma vez estabelecendo e compreendendo isto no Trata-
mento Sanitário Obrigatório, a lei retonhece que também 
este, como todas as intervenções terapêuticas, é uma relação 
conflitiva, problemática, entre dois atores, ambos respon-
sáveis16. 
Este caráter dinâmico, conflitivo, não resolvido da relação 
terapêutica, que a lei explicita no caso do Tratamento Sani-
tário Obrigatório, constitui entretanto o elemento de fundo 
da fisionomia do serviço de comunidade, enquanto inteira-
mente substitutivo da internação. Com efeito isto significa 
que: 
a) este serviço trabalha sem a possibilidade de descarregar 
em outros os problemas, necessidades, comportamentos que 
são incoerentes, problemáticos e também ativamente conflui-
vos nos seus confrontos; 
b) tensões, contradições e mudança começam a fazer parte 
do modo de trabalhar, tornando-se o terreno efetivo da ação 
terapêutica; 
16 Na Itália o campo da justiça civil e penal é particularmente rico de 
inovações, sejam teóricas ou operativas. O Cato de que o doente mental 
seja sujeito de direito, e que portanto lhe seja contemporaneamente 
garantido o direito ao tratamento, colocaeM discussão as possibilidades 
de utilizar instrumentos paralelos e não garantidos de tutela da ordem 
pública (tipicamente a ierternaçãO por periculosidade) e abre transfor-
mações no sistema penitenciário porque requer intervenções para ga-
rantir a saúde mental dos detentos — ver Cendon 1984, Pavarini 1984. 
50 
c) por isso, como já vimos, este serviço não pode fixar-se em 
um modelo estável, mas permanece dinâmico e em trans-
formação. Em suma, o serviço territorial se configura como 
ator de mudança social, como propulsor de transformações 
concretas em nível local de mudança social nas instituições e 
na comunidade. 
Poder-se-ia dizer, em síntese, que a reforma tem uma 
conotação dinâmica, conflitiva, não resolutiva, mesmo por-
que ela estabelece e promove o objetivo de abolir a interna-
ção psiquiátrica. Ou melhor, dizendo de outro modo, exata-
mente este ponto de fundo que caracteriza a reforma italiana, 
e a diferencia das outras reformas psiquiátricas, faz com que 
ela não fixe uma solução institucional positivamente concluí-
da e não estabeleça um quadro normativo — mas, ao contrá-
rio, suscite dinâmicas, conflitos e transformações, e mante-
nha dessa forma aberto um campo de incerteza no qual 
continuam a ser relevantes as ações operativas concretas, as 
experimentações, as aprendizagens etc... 
A Lei 180 ativou todos os "jogos de implementação" co-
nhecidos pela "politologia" (Bardach 1977), manobras polí-
ticas, boicotes administrativos, resistência de interesses eco-
nômicos e profiásionais que se sentiram ameaçados. Apesar 
disso é importante precisar que dentro deste tecido conflitivo 
emerge um balanço não Negativo da sua implementação. 
Duas "pesquisas" (uma de 1980 e outra de 1984) mostram de 
fato um quadro diversificado em quantidade e qualidade das 
inovações produzidas, variável em cada região, da realidade 
metropolitana a contexto de interior, e em cada cidade, de 
bairro a bairro. E sobretudo que se trata de um quadro em 
mudança no qual os padrões da atuação- 
 da reforma cres-
cem'''. 
17 Esta investigação mais recente foi conduzida em quatro regiões (Pie-
monte, Úmbria, Puglia eBasilicata) e compreende dados sobre os tipos 
de serviços existentes, a quantidade e caracterstiws de primcal, a r1,-!- 
manda, enfim, os tipos de prestação e osimetodes de trabalho. 
51 
Desta investigação se depreende, por exemplo, que não 
foram produzidos os efeitos de "dumping" dos hospitais 
psiquiátricos, mesmo porque os efeitos da lei se inseriram em 
um "trend" mais geral à diminuição dos internados e dos 
leitos. Os números de internados nessas quatro regiões pas-
sou de 16.575 em 1971 a 12.972 em 1977 e 6.516 em 1984; e 
os leitos entre 1977 e 1983 se reduziram em 41,2%. Por outro 
lado crescem as estruturas territoriais, o'arco dos serviços que 
fornecem e o porcentual dos pacientes que os usam. Por 
exemplo, entre 1981 e 1983 o número médio dos pacientes 
nos serviços de comunidade cresceu em 25%. Em 1983 a 
participação porcentual média dos pacientes dos serviços 
territoriais foi 72,3% (77,6% no Piemonte, 51,8% na Puglia), 
em relação a 11,3% dos pacientes nos S.D.C.18 e 16,4% ainda 
internados (13,9% no Piemonte, 27,2% na Puglia). A inves-
tigação assinala também a lentidão e carência: por exemplo, 
entre os centros são poucos os abertos nos sete dias da 
semana e ainda menos aqueles abertos 24 horas por dia —
poucas as estruturas reabilitativas e as cooperativas. Espera-
mos os novos dados desta investigação, que no período de 
1985 foi ampliada para todo o território nacional e foi publi-
cada em janeiro de 1986. 
Entretanto é ainda mais importante ter presente que um 
balanço da implementação, um confronto entre objetivo e 
resultados, se isolado, é inadequado para apreender o signi-
ficado mais profundo da implementação da reforma psiquiá-
trica italiana. Como os recentes estudos politológicos sobre 
'a implementação das reformas sociais têm mostrado, esta 
consideração vale em geral. No campo das políticas sociais, 
a implementação abre um tenrnoconflitivo no qual a "política 
prossegue com outos meios; e no qual sobretudo os sistemas 
de ação e internação se dinamizam produzindo renegocia-
ção, transformações e inovações nos objetivos (Bardach 
18 S.D.C. = Servi2.iu Diapese e Cara,- da seja, o Plantão Psiquidir ice no 
Hospital Geral (ver neste texto p. 39). 
1977, May, Wildavsky 1978, Nelson, Yates 1978, Pressmau, 
Wildavsky 1984). Em outras palavras, a implementação de 
uma reforma social é sobretudo um processo social complexo 
e contraditório, no qual se produzem inovações nas caracte-
rísticas e nas forrhas de presença dos atores, nos conteúdos e 
nos modos de conflito. 
Isto vale com mais razão para a reforma psiquiátrica italia-
na, devido aos nós institucionais que atinge e à consciência 
destas implicações que deriva do percurso de desinstitucio-
nalização na qual está inserida. Ou melhor, neste percurso a 
reforma não é um objetivo finalmente alcançado, não signi-
fica a finalização da desinstitucionalização. Ao contrário, no 
momento no qual ela anuncia o objetivo da eliminação da 
internação psiquiátrica, ela confirma e amplia o campo de 
ação da desinstitucionalização. De fato, a realização deste 
objetivo não pode ser outro senão um percurso social com-
plexo que suscita conflitos, crise e transformações dentro da 
rede mais ampla das estruturas institucionais (e suas normas, 
poderes e competências) nas quais o sistema psiquiátrico está 
inserido. Este objetivo suscita problemas e requer mudanças 
na organização sani tária, na justiça, nos modos de administra-
ção, dos recursos públicos etc... E verdade que, corno já 
salientamos, a eliminação da internação psiquiátrica é um 
resultado indireto de um processo social mais amplo de 
transformação, que libera da necessidade da internação por-
que transforma as necessidades sociais e as respostas institu-
cionais. E, por isso, o trabalho de desinstitucionalização con-
tinua através da implementação da lei ou, mais precisamente, 
a implementação da reforma psiquiátrica italiana é um pro-
cesso social de desinstitucionalização. É um processo que se 
coloca na ordem do factível e não do ideal (Majone 1975a, 
1975b). 
Esta forma de pretender e praticar a implementação da 
reforma conquistou todo seu significado no momento em que 
se abriu, também na Itália. nos primeiros anos Crã década de 
80, o período da "crise do Welfare State", com suas respecti- 
52 	 53 
vas políticas de restrição dos gastos públicos e as críticas das 
políticas de reforma precedentes. Nestç contexto político- 
cultural, no qual os fantasmas do desequilíbrio financeiro do 
Estado produzem reações de ordem e efeitos regressivos de 
"endurecimento" normativo das instituições, a política da 
defesa da reforma psiquiátrica aparece logo prejudicada: a 
reutilização do hospital psiquiátrico parece o mal menor. 
Mas, se se observa a implementação desta reforma como 
terreno operativo no qual continua e se amplia a desins-
trtucionalização, aparecem algumas inovações importantes, 
que têm uma potência de mais longo alcance e oferecem 
indicações em positivo para uma perspectiva de pós-Welfare 
State. Assinalaremos brevemente dois pontos de observa- 
ção": 
a) Frente às crises das instituições, que a crise fiscal e as 
críticas aos desperdícios e à burocratização colocam em evi-
dência, a desinstitucionalização sugere um percurso evoluti-
vo que pode tornar esta crise produtora de um aumento de 
eficácia. A experiência já realizada e sedimentada de des-
montagem do manicômio ensinou que essa organização era 
também uma resposta institucional ineficaz frente às neces-
sidades de saúde mental, e que, ao contrário, uma transfor-
mação qualitativa dos recursos existentes, uma sua reconver-
são, é não apenas possível mas também produtora de eficácia. 
Em resumo, como já dissemos,

Continue navegando