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DINÂMICA DE GRUPO E RELAÇÕES HUMANAS Prof. Altivir João Volpe PAPÉIS E LIDERANÇAS Nos diferentes grupos (instituições, família, comunidades, grupos terapêuticos) ocorre uma distribuição complementar de papéis, funções e “lugares”. Em cada um deles se condensam expectativas, necessidades e crenças irracionais que compõem a fantasia básica inconsciente comum ao grupo todo. Assim, há sempre em todo grupo um permanente jogo de atribuir/assumir papéis. O fato de em um grupo existirem papéis cada vez mais flexíveis, com plasticidade, de acordo com as circunstâncias/objetivos/necessidades grupais, revela que esse grupo apresenta uma boa evolução grupal. Nesse sentido, à medida que os papéis, funções e atribuições que ocorrem em grupo vão sendo reconhecidos, assumidos e modificados, os componentes de um grupo adquirem um senso de sua identidade, bem como de sua diversidade em relação aos demais. Uma das características que se observam nos grupos é a de que os sujeitos assumem na configuração grupal papéis, funções e “lugares” semelhantes aos desempenhados em outros contextos (família, trabalho, vida social, etc.). É importante que o coordenador de grupos analise as estereotipias, padrões fixos ou papéis que ganham contornos patológicos na configuração grupal ao manterem as relações como se estivessem programadas, sem possibilidade de mudança (repetição e manutenção do status quo). Vejamos alguns exemplos de papéis que mais comumente são atribuídos e assumidos pelos membros de um grupo. Bode expiatório – Toda a “maldade” do grupo fica depositada em um sujeito (ele é o depositário da parte que o grupo não aceita em si). Algumas vezes, o grupo pode “construir” um bobo da corte que diverte a todos e que, por causa disso, faz questão de conservar e não expulsar (como no caso do bode expiatório). Em grupos maiores, freqüentemente, a função de bode expiatório é depositada nas minorias raciais, religiosas, políticas, etc. Porta-voz – É aquele membro do grupo que mais manifestamente apresenta aquilo que o restante do grupo pode estar (implicitamente) pensando ou sentindo. Essa explicitação do porta-voz ocorre não só através do que ele diz (reivindicação; protesto; verbalização de emoções, etc) mas também por meio da comunicação extraverbal (silêncios, aspectos corporais, etc.). A contestação pode ser uma das formas da manifestação do porta-voz. Cabe ao coordenador identificar se esse recurso tem um fim de boicotar e minar o trabalho grupal ou se tem um caráter corajoso, necessário, construtivo. Radar – Diz-se do membro do grupo, em geral com características mais regressivas, que capta os primeiros sinais de ansiedade. Ele funciona como “caixa de ressonância”, pois por não poder expressar simbolicamente o que captou, freqüentemente expressa essas ansiedades em sua própria pessoa por meio de somatizações, ou abandono da terapia, crises explosivas, etc. Instigador – Sua função é a de provocar uma perturbação no campo grupal por meio de um jogo de intrigas, mobilizando papéis nos demais. Ele consegue, assim, dramatizar no mundo exterior a mesma configuração que tem o seu “grupo interior”. Atuador pelos demais – O grupo delega a um de seus membros a função de fazer, executar aquilo que lhes é proibido (infidelidade conjugal, hábitos extravagantes, sedução ao coordenador, etc.). O restante do grupo, nesse caso, emite uma dupla mensagem: fazem críticas às “loucuras” desse membro atuador juntamente com um disfarçado estímulo, uma admiração pelo seu delegado que executa justamente aquilo que ele sente como proibido e perigoso. Sabotador – Procura atrapalhar o andamento, as atividades do grupo. Em geral, trata-se de um sujeito portador de excessiva inveja e defesas narcisísticas. Vestal – É alguém que, como é regra nas instituições, assume o papel de zelar pela manutenção da “moral e dos bons costumes”. Zela pela obediência às regras e imposições estabelecidas, travando toda criatividade inovadora. Tal papel pode ser assumido (se não estiver atento) pelo próprio coordenador/terapeuta do grupo. Apaziguador – Aquele membro do grupo que tem dificuldade de lidar com situações tensas, conflitantes ou agressivas pode envolver-se e aos demais em uma situação cheia de “algodão entre os cristais”, doura a pílula, faz ver que não é interessante ao grupo penetrar ou deixar emergir aquele aspecto. Cabe ao coordenador apontar esse mecanismo “obstrutor”, pois o grupo perde a oportunidade de reexperimentar novas significações e uma nova maneira mais adulta e sadia de enfrentar a agressividade, etc. Líder – Existe uma figura que é assim designada institucionalmente – o coordenador/terapeuta do grupo. O outro é que espontaneamente surge entre os membros do grupo, de acordo com o momento, contexto, necessidades, objetivos do grupo. Assim, os líderes podem exercer uma função construtiva (integração, coesão, aglutinação das forças) ou uma função negativa (onipotência defensiva, marcada pelo narcisismo). LIDERANÇAS Qualquer grupo tem uma necessidade implícita de que sempre haja uma liderança. Do ponto de vista da metodologia psicanalítica, podemos fundamentar o estudo das lideranças em três vertentes: Freud, Bion e Pichon-Rivière. Freud em Psicologia das massas e análise do ego (1921), descreve o processamento de três tipos de lideranças que ocorrem em multidões primitivas, na Igreja e no Exército. Com relação às primeiras, Freud diz que um sujeito pode ver a perder seus referenciais, princípios e valores habituais para seguir, às vezes, cegamente, aqueles que são ditados pela liderança, que freqüentemente tem características carismáticas. A Igreja traduz um tipo de liderança com características introjetivas: os fiéis incorporam a figura de um líder – por exemplo, Jesus Cristo, que, por sua vez, é o representante de Deus. Forma-se uma identificação com um líder mais abstrato, o que, por sua vez, une todos os fiéis. Estes ficam re-ligados a Deus. Em relação ao Exército, para Freud ocorre uma projeção na pessoa do comandante das aspirações ideais de cada um dos comandados. Trazendo para o campo da Psicanálise, pode ser assim entendida: o líder carismático que controla a massa corresponde a uma fase evolutiva muito regressiva, de natureza mais simbiótica, ainda não existe a diferenciação entre o eu e o outro. O modelo religioso de liderança decorre do fenômeno da identificação introjetiva enquanto que a identificação projetiva é o exemplo do que ocorre nas lideranças relacionadas às forças armadas. Diferentemente de Freud que considerava o grupo como um emergente do líder (isto é, o líder como alguém de quem o grupo depende e de cuja personalidade vão derivar as qualidades dos demais), Bion (seguidor de Melanie Klein) postula que o líder é um emergente do grupo. É como se esse líder falasse: “como me escolheram como líder, eu devo ser comandado por vocês!” (Winston Churchill). Para Enrique Pichon-Rivière, importante psicanalista argentino, criador da teoria dos grupos operativos) descreveu quatro tipos de lideranças, os três primeiros descritos antes por Kurt Lewin); autocrática, democrática, laissez-faire e demagógica. Autocrática: exercida habitualmente por pessoas com características obsessivo- narcisísticas, sendo própria dos grupos inseguros e que não sabem fazer um pleno uso de sua liberdade; Democrática: implica hierarquia, definição de papéis e funções, num claro reconhecimento dos limites e limitações de cada um; Laissez-faire: refere-se a um estado de negligência, uma ausência de continência para as dificuldades e angústias, dúvidas e limites... Demagógica: a ideologia dessa liderança é construída mais em cima de frases retóricas do que em ações reais: essa liderança provoca decepções, desânimo, desconfiança dos liderados... Um exemplo disso é o do impostor(reúne um pouco de cada uma das lideranças citadas – a aparência é de liderança democrática: o recurso empregado é de natureza demagógica, a estrutura é autocrática e o resultado final sempre termina em um laissez-faire. Um indicador de que um grupo está evoluindo e crescendo é a constatação de que está havendo alternância e modificação nos papéis desempenhados pelos membros, especialmente aqueles que se referem às lideranças. PARA SABER MAIS ZIMERMAN, David E. Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre: Artes Mèdicas, 1997. OSORIO, Luís Carlos. Psicologia Grupal. Porto Alegre: Artes Mèdicas, 2003. MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento interpessoal. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998. Textos com fins didáticos Março de 2008.
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