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III A DOMESTICAÇÃO DAS ESPÉCIES D’où il faut conclure que les espèces animales sont naturellement sauvages ou domestiques, en vertu de leurs propres instincts, et que notre puissance n’y est pour rien. – A. SANSON. Flocks and herds must also have had a marked tendency to broaden the sympathies of the savage – in short, to lead him out of savagery and start him on his journey toward civilization. – V. A. RICE. The fact that the domestication of animals is a very old art, whereas the science of genetics is very new, shows that even without any knowledge of heredity man is able to domesticate animals and improve them. – A. L. HAGEDOORN. Domestication merely intensified forces or process already existed in nature. – J. L. LUSH. 1 O animal doméstico A palavra doméstico vem de domus – casa. Isto lembra logo que os animais domésticos são os que vivem em casa (sentido lato), sob o domínio do homem. Numa definição simples e clara diremos que animal doméstico é aquele criado e reproduzido pelo homem, em estado de cativeiro e de mansidão natural, com o fim de obter uma utilidade ou um serviço. Os animais domésticos, define KELLER (1909-1913), são aqueles que contraíram com o homem uma simbiose durável, e que, por ele utilizados com fim econômico determinado, reproduzem-se indefinidamente nessas condições, sendo ainda objeto de uma seleção artificial passageira ou contínua. É necessário ressaltar a expressão atrás grifada, porque aí está a base da distinção entre o que é doméstico e o que não é. BAUDEMENT (1869) esclareceu muito bem essa distinção, quando escreveu: “Os animais domésticos são os que estão sob o domínio do homem, não individualmente, mas de geração em geração. Os cavalos, os bois são animais domésticos; um animal aprisionado é bem diferente, é um esforço do homem, que submeteu à sua força um indivíduo, não uma raça; o indivíduo morre, é preciso recomeçar” (1869). Contudo, apesar de sua definição tão clara, ele só considerava como doméstico (ou pelo menos como útil, sob o ponto de vista da agricultura) o que os franceses chamam de bétail, e nós, gado. A abelha, por exemplo, ele não incluía nesse rol, pois não constituía “uma necessidade para a agricultura”. Tal devia ser um remanescente da noção de um animal doméstico ter por fim ser útil “ao homem agricultor”, e não propriamente, “aos homens”, embora, em certa passagem, ele mesmo frisasse que se devia procurar obter dos animais “a maior soma possível de produtos orgânicos, carne, lã, leite, adubos, etc”. A característica, pois, do animal doméstico – ou a diferença entre este e o animal não doméstico – é a perpetuidade de sua condição, através de gerações, hereditariamente. E como disse RAILLIET (1895), expondo o pensamento de A. ESPINAS (1878): “a domesticação deve se exercer ao mesmo tempo sobre os indivíduos e sobre a descendência”. À primeira vista parece demais conhecido o limite a estabelecer entre animal doméstico e o que não é. Entretanto assim não ocorre. Freqüente é a confusão, e um simples animal amansado, vivendo em cativeiro (mas nem por isso doméstico), muitas 23 vezes é confundido, lamentavelmente, com aqueles que constituem o objeto da Zootecnia. É que a expressão – doméstico – como todo o termo técnico, deve apresentar a maior precisão possível, e não ficar ao arbítrio de cada um. Doméstico só deve ser considerado o animal que responde à definição: ser criado e reproduzido pelo homem, viver em cativeiro e em estado de mansidão, devido a uma tendência natural para ser amansado, e oferecer uma utilidade ou prestar um serviço. Assim o papagaio, o macaco, a cotia não podem ser incluídos no grupo dos bois, cabras, carneiros, galinhas, suínos, coelhos e outros. Na verdade, são mansos, vivem com o homem, podem ser mesmo ensinados como as focas, os elefantes e demais bichos de circo, mas nunca domésticos1. Os índios não possuíam nenhuma espécie doméstica, mas haviam já aprisionado e amansado alguns animais – os xerimbabos, satisfazendo provavelmente seu totemismo. É permitido indagar-se se tais espécies possuíam ou não aquelas citadas qualidades, que levam à domesticidade. Se as possuíam, então, faltou aos índios capacidade para domesticá-las. É verdade também que não havia interesse dos indígenas em domesticar espécies nativas, tendo em conta a abundância permanente destas e de alimentos vegetais. A cultura indígena não se propunha a fazer aquilo realizado pelo homem europeu. Não se pode discutir sua capacidade para aprisionar e amansar várias espécies de aves, de macacos, etc., que não lograram atingir a terceira fase do processo de domesticação – isto é, o estado de domesticidade. Então, o que falhou neste processo, foi a falta de atributos, nessas espécies, para se tornarem domésticas. COUTO DE MAGALHÃES (1876), depois de admitir que os silvícolas brasileiros não domesticaram nenhuma espécie animal, pois os xerimbabos viviam apenas em estado de mansidão – andou certo ao concluir: “Tudo isto concorre para indicar que, se a família selvagem do Brasil não havia domesticado uma só espécie, não era por uma aversão à arte de domesticar, e sim por outra causa”. A causa, que ele não disse, sabe-se – é a ausência nesses xerimbabos daquelas qualidades que permitem o animal selvagem tornar-se doméstico. Como disse LUSH (1945) muito bem “a domesticação apenas intensificou forças ou processos já existentes na natureza”. 2 Quando apareceram os animais domésticos 1 Na edição anterior (1944) uma nota ao pé da página 42 foi descrita do seguinte modo: Essa confusão é muito corrente, podendo-se depará-la até, lamentavelmente, em um livro de um dos modernos sociólogos. Falando do que legaram os aborígines, escreveu Gilberto Freyre em “Casa Grande & Senzala”, que a índia brasileira deu, entre outras coisas, “um grupo de animais domésticos amansados pelas suas mãos”. Nem as índias, nem os índios brasileiros nada domesticaram. Amansaram, sim. E páginas adiante, referindo-se ainda a esses animais, lembra ele: “Mas eram todos animais antes de convívio e de estimação do que de uso ou serviço”. Ora, o que caracteriza o animal doméstico não é ser de “estimação” ou de uso ou serviço. O gato, por exemplo, não é nem de serviço, nem de uso – antes tipicamente de estimação, e cuja função é meramente afetiva, como todos os animais das chamadas raças de luxo, de gato e de cães. Nem por isso se dirá que o gato e tais cães não sejam domésticos (Cf. edição de 1933-1934). Mas não é irrelevante o serviço prestado por gatos nas fazendas, quando treinados para capturar ratos nos depósitos de grãos, assim como cães empregados em diversos tipos de trabalhos. Publicada a edição definitiva de “Casa Grande & Senzala” era de esperar que mestre Gilberto Freyre corrigisse seu equívoco. Tal não ocorreu. Ora, todos os animais que os nossos índios criavam e criam, em estado de cativeiro, não passam de animais amansados e não, propriamente, domésticos. São os “xerimbabos”, (xirimbabos ou mumbaco) que, em nenhuma hipótese, podem ser arrolados como animais domésticos que, aliás, só são encontrados numa fase mais adiantada de civilização, não atingida pelos nossos índios. No mesmo equívoco incorreu Capistrano de Abreu ao escrever “...apenas domesticou um ou outro (animal), os mimbabas da língua geral” pág. 53 (1954). 24 Desde os tempos pré-históricos que os animais domésticos acompanham o homem, na sua vida e no estabelecimento de sua civilização. A domesticação foi uma conseqüência da própria criação dos animais, realizada pelo homem primitivo, para satisfazeruma necessidade religiosa, ou de companhia, ou de alimento, ou de agasalho. O homem primitivo, agindo mais por instinto do que por experiência (resultado do desenvolvimento da inteligência), estava mais próximo dos animais, e pois, lhe foi muito fácil conviver com eles, e amansa-los, introduzindo-os na domesticidade. Data da época da “pedra polida” a vida em comum do homem com o Cão, depois com a Cabra, Carneiro e Boi, e, a seguir, com o Porco. E a “idade do bronze”, com o Cavalo. É o que ensinam os estudos paleontológicos. Aqui e ali foram encontrados fósseis humanos ao lado de fósseis desses animais. Além disto, os fósseis animais apresentam, sempre, íntima relação, mais ou menos fácil de ser verificada, entre os animais atuais e aqueles. RENÉ VERNEAU (1925), descrevendo a vida do homem, nessa época, também denominada neolítica, diz: “Esses homens dedicavam-se à caça e à pesca, que eles muitas vezes praticavam em plena água, dentro de pirogas cavadas em troncos de árvores, empregando redes e anzóis, mas criavam animais domésticos e dedicavam-se à agricultura. Assim tornaram-se sedentários”. O Homem domesticou essas espécies, na verdade, quando deixou de ser nômade. Nas habitações lacustres da Suíça, foi onde se encontraram vestígios mais numerosos de animais primitivos. Segundo a hipótese de DUERST (1886), a domesticação das espécies animais deve ter ocorrido 7.000 anos antes da era cristã. Os babilônios há 5.000 anos a.C. possuíam animais já vivendo em domesticidade. Pode-se dizer, portanto, que eles vivem e sempre hão vivido em simbiose com o homem. Sem este, as espécies domesticáveis estariam já extintas, com algumas exceções talvez, em certos e determinados casos de ambiente ideal para algumas delas. A prova disso é que, enquanto cresce a população dos animais domésticos, cada vez mais numerosos, decresce a dos selvagens. E as próprias espécies selvagens, que originaram as domésticas, desapareceram em sua quase totalidade, por haverem sido eliminadas quando as circunstâncias do ambiente, em que viviam, se tornaram impróprias para elas; ou foram destruídas pelo homem caçador. 3 Importância do animal doméstico Isto tudo demonstra que o homem não pode prescindir do concurso do animal doméstico, qualquer que seja o seu grau de civilização ou progresso. “Em nenhuma época – escreveu SANSON – conceber-se-ia a possibilidade de um estado social, fundado no trabalho e na previdência, sem animais domésticos” (1917). “Muitas vezes chega-se a dizer – escreve o ANDERSON (1943) – que seria duvidoso o homem ter saído da barbaria, se não tivesse animais em servidão”. Pode-se afirmar, escreveu FERRARO (1896), “que a intervenção da máquina a vapor não foi, na história dos povos civilizados, um acontecimento tão importante quanto à domesticação dos animais, na vida dos povos primitivos”. Graças a domesticação, foi possível ao homem triplicar a velocidade de seus movimentos e a resistência de seus músculos nos trabalhos; de ter produtores de matérias nutritivas; de se auxiliar de colaboradores inteligentes e adestrados para suas duas principais ocupações – a caça e a guerra”. Para ZWAENEPOEL (1922), “a domesticação dos animais selvagens, é sem dúvida alguma, a mais bela e grandiosa de todas as experiências de zoologia aplicada que já foram empreendidas”. 25 “A obtenção do fogo, a aquisição das plantas cultivadas e a dos animais domésticos – disse KRONACHER (1937) – são os três pilares fundamentais, sobre que repousa a civilização humana e seu progresso”. Em, para citar autores modernos, RICE (1942) diz o seguinte: “Não há exemplo de uma raça ou tribo humana, que tenha alcançado um grau elevado de civilização, sem a ajuda de animais domésticos; e as nações dianteiras e vitoriosas sempre foram mais acentuadamente adiantadas na arte de criá-los” (1942). SHOOSMITH (1937): “A domesticação dos animais levou ao aumento da população e ao fortalecimento dos hábitos tribais, e provocou a divisão do trabalho, sem a qual a vida civilizada seria impossível” (1937). A domesticação foi um dos maiores passos do homem, na sua luta por ser dono de seu ambiente, afirma PHILLIPS (1962). Este autor desenvolveu este seu pensamento colocando a domesticação dos animais e plantas no mesmo nível das grandes invenções, que permitiram a humanidade progredir, tais como a descoberta do fogo, a invenção da roda, a eletricidade, a fissão nuclear e a informática dos dias atuais. É com o animal doméstico que o homem mata sua fome. É ainda com ele que se transporta ou transporta suas mercadorias e lavra sua terra. Dele o homem obtém os meios para agasalhar-se. Enfim, é ele motivo de afetividade e de divertimento. Tal a importância do animal doméstico. E nada mais será preciso acrescentar a tão categóricas afirmações. 4 Domesticidade e domesticação Três são as fases ou estados de domínio do Homem sobre os animais, em geral: o estado de cativeiro, o estado de mansidão e por fim o de domesticidade. O cativeiro é a fase mais inferior, de domínio. Aqui o homem mantém preso o animal, e dele não aufere lucro ou serviço, propriamente, com aquelas vantagens que só a terceira fase (domesticidade) pode oferecer. É o caso dos animais selvagens mantidos engaiolados como material de estudo, ou de embelezamento: aves e mamíferos dos parques e jardins zoológicos. O amansamento ou mansidão é fase ou estado de convivência pacífica, entre o animal e o homem, muito próximo da domesticidade. Tanto é assim que nesse estado os animais já prestam serviços inestimáveis, embora não sendo domésticos. O exemplo típico deste caso é o do Elefante – precioso auxiliar do homem na Índia e na África. Sua biologia não lhe permite, entretanto, passar ao estado de domesticidade. Ele se reproduz em liberdade, e é preso e amansado quando novo. Esse estado de domínio, assim, não pode interessar à espécie, mas apenas ao indivíduo. Os xerimbabos dos indígenas1 viviam no estado de mansidão, sem terem entrado em domesticidade, por lhes faltarem elementos intrínsecos para isso. Finalmente, a domesticidade vem a ser o estado de simbiose na qual se acham os animais domésticos e o Homem. E domesticação é o ato de tornar domésticos os animais selvagens. No estado de domesticação os animais vivem voluntariamente presos ou quase, são naturalmente mansos e prestam serviços de tal monta que, sem eles, impossível seria a vida do homem civilizado. Segundo MARTIN WILKENS (1888), pode-se distinguir duas fases na domesticação das espécies: a primária ou fase remota, e a secundária ou fase recente. A primária ocorreu nos tempos pré-históricos; a secundária, já em plena civilização, é a que diz respeito a espécies de menos importância, tais como a Abelha, o Pato, a Galinhola, o Avestruz, o Faisão, o Coelho – espécies que entraram recentemente 1 Referindo-se a um papagaio ensinado, JEAN DE LERY escreve: “A índia o chamava de cherim-babo, isto é, coisa muito querida...” (História de uma Viagem à Terra do Brasil. Trad.). 26 em domesticidade, ou dizendo melhor, em semidomesticidade, como poderá ver a seguir. Todos os grandes animais, de maior importância para o homem, nessa simbiose com as espécies domésticas, passaram à domesticidade plena, na fase primária, quer dizer, remota. Há um estado transitório, de certas espécies, que, pelo seu comportamento, não podem ser consideradas completamente domésticas. É o estado de semidomesticidade ou domesticidade incompleta. É o caso do Búfalo, da Rena, do Coelho, da Galinhola, que podem ser considerados como semidomésticos, pois voltam à vida selvagem com relativa facilidade.Entretanto, sob manejo intensivo tornam-se animais muito dóceis e produtivos. Por fim, tem-se o caso dos animais cuja domesticidade é duvidosa. CORNEVIN não considerava como doméstico os peixes e ostras, criados pelo homem, e sua suspeição ia até a Abelha e ao Bicho-da-seda. Quanto a este último, é injustificável, ou demasiadamente rigorosa, a exclusão, pois é graças à vigilância ininterrupta do homem, que sua criação e multiplicação são feitas nas melhores condições para a espécie. Dificilmente, senão impossível, talvez, fosse ao Bombyx mori das sirgarias voltar vantajosamente à vida selvagem. Dos peixes criados pelo homem já não se pode dizer a mesma coisa. Na verdade, não é possível considera-los em estado de mansidão, bem como a Abelha. Entretanto é o homem que orienta e provê, até o último pormenor, a alimentação, a multiplicação, a atividade deles; e dentre os peixes é permitido citar a Carpa, cuja criação em domesticidade é tão remota que nem se sabe precisar a época, nem sua pátria de origem, com segurança e exatidão. Em face dessas dúvidas, não será descabido classificar os animais criados pelo homem, e que, portanto podem e devem ser objeto da Zootecnia, em quatro grupos, tendo em vista seu grau de domesticidade: 1 Animais do primeiro grupo: Cão, Carneiro, Cabra, Boi, Bicho-da-seda, Porco, Gato, Galinha, Cavalo, Jumento, Camelo, Dromedário. 2 Animais do segundo grupo: Zebu, Marreco, Ganso, Peru, Pombo, Cisne, Pavão, Cobaia, Lhama. 3 Animais do terceiro grupo: Búfalo, Rena, Galinhola, Avestruz, Pato, Faisão, Alpaca, Coelho. 4 Animais do quarto grupo: Abelha, Carpa, Tilápia, etc. Essa classificação, sem nenhum caráter de absoluta, serve apenas para lembrar a extrema variação existente, no grau de domesticidade dos animais, que está muito longe de ser o mesmo, para todos. SAINT-HILAIRE (1861) apresentou uma seriação diferente, mas interessante, se bem que contestável em muitos pontos (1861) sobre os animais domésticos: 1 Desde a antiguidade mais remota: Cão, Carneiro, Cabra, Cavalo, Jumento, Boi, Porco, Zebu, os dois Camelos, Gato, Pombo, Galinha, Bicho-da-seda. 2 Desde a antiguidade grega: Ganso, Faisão comum, Galinhola, Abelha ligustica. 3 Na antiguidade romana: Coelho e Marreco. 4 Na antiguidade, porém em época não determinada ainda: Búfalo, Abelha comum. 5 Em época indeterminada, porém correspondente, para várias espécies, à Idade Média: Rena, Lhama, Alpaca, Iaque, Cobaia, Cisne, Carpa, Abelha fasciata. 6 Em época não determinada, porém provavelmente moderna: Gaial 7 No século XVI: Peru e Pato. 27 Além dessas, ele citou mais algumas espécies, que não devem ser consideradas domésticas, pelo que ficam omitidas aqui, tais como o Ganso-do-Canadá, o Arni, o Bicho-da-seca, do Rícino, a Cochinilha, etc. 5 Como se deu a domesticação O Homem, que se supõe ter aparecido na época quaternária, deve ter levado, primeiramente, uma vida de todo selvagem, na qual se servia, para sua alimentação de frutos silvestres e de produtos da caça e da pesca. Nessa época, provavelmente, ele já empregava o fogo para assar o peixe e a carne dos animais selvagens, que conseguia abater, com o fito de nutrir-se. A pedra lascada era ainda o seu instrumento, a sua arma. Depois aprendeu a polir o sílex, aperfeiçoando suas armas. Construiu habitações sobre estacas no lago, e foi então quando se entregou também ao mister de aprisionar os animais. De caçador passou, assim, a pastor. A domesticação dos animais foi, portanto, uma conquista do Homem pré- histórico, de um homem que não podia deixar nenhuma documentação própria, de sua vida, de seus trabalhos. Isto dificulta, senão impede achar-se uma explicação, que seja a exata, de como se processou essa transformação de animais selvagens em animais “criados pelo homem”. O homem europeu, daquelas épocas mais primitivas, parece não ter possuído nenhum animal doméstico, antes que se operasse a invasão da Europa pelos povos asiáticos, de civilização mais adiantada, e que conheciam já, não somente o uso dos metais, como a utilização especial dos animais. Já atrás ficou dito que a época presumível da domesticação foi o período neolítico ou da pedra polida, quando foram construídas as habitações lacustres, em cujos fósseis se encontraram indícios de domesticidade dos animais. Antes dos palafitas, antes da vinda dos invasores asiáticos, o homem europeu nem se servia ainda da pedra trabalhada, estava em pleno período da pedra lascada, levando existência nômade, sem auxílio de animais, que ele apenas sabia caçar, indo ataca-los em pleno estado selvagem, tais como a Rena, o Cavalo, o Auroque de então. Os fósseis de Equus, dessa época pré- histórica tão recuada, o paleolítico, segundo as averiguações dos paleontologistas, não podem ser aceitos como de uma espécie domesticada, mas sim de restos de animais caçados, cujos ossos guardam a marca dos instrumentos, que o homem empregou ao servir-se de sua carne. A domesticação foi, pois, prática de povos mais evoluídos, com outro adiantamento, e certamente com outra compreensão da natureza. Ela operou-se ou iniciou-se, portanto, com a vinda dos povos asiáticos para a Europa. Em ponto menor, fato semelhante se deu nas Ilhas Britânicas, onde, no período paleolítico, eram caçados o grande Cervo, o Auroque, assim como o Cavalo europeu selvagem. Na idade da pedra polida, então, é que o Cão, o Boi, a Cabra e o Carneiro, já domésticos, ali se introduziram levados por algum povo invasor, vindo do continente. É inegável que a razão está com CORNEVIN, quando afirma que a domesticação não se operou simultaneamente em todas as espécies, ou em grande número delas ao mesmo tempo. “Da mesma sorte que não há sincronismo dos períodos sociais, para todos os povos, havendo uns evoluído muito mais depressa que outros, pois que ainda alguns se acham na barbaria, não deve ter havido sincronismo na domesticação de todas as espécies, podendo mesmo ter acontecido que algumas foram domesticadas em pontos diferentes, por povos e épocas distintas. Enfim, certas espécies foram domesticadas no mesmo país de origem, pelos povos que habitavam em sua área geográfica natural, enquanto que o conhecimento da utilização de outras espécies, foi- lhes levado pelos invasores”. 28 À falta de elementos precisos, que falem sobre o modo como o homem transformou o Auroque em Boi doméstico, é permitido se lançar mão de hipóteses, que são duas. Uma delas diz ter sido a domesticação um processo pacífico, no qual o homem não precisou empregar a violência e os recursos de sua força, contrariando os animais em domesticação. Estes é que, por seu instinto de sociabilidade, de apego, procuraram naturalmente a convivência do homem, encontrando nela o de que precisavam – alimento e proteção contra as intempéries e contra o ataque de outras espécies mais fortes e ferozes. É a hipótese defendida por MUCKE e outros. O homem primitivo parece que aprisionou os animais primeiramente como uma distração; e tudo leva a crer que também com intuito religioso, na hipótese de SAINT- HILAIRE e de HAHN. Somente mais tarde é que o fez com fim utilitário. No mesmo sentido opinou ED. DECHAMBRE (1941) quando disse “não ser impossível que a domesticação tenha tido origens místicas antes de se tornar utilitária”. “O gado, escreveu PHILLIP ALLAN (1947), devia simbolizar apoio divino, invencibilidade na guerra e finalmente imortalidade”. C. WILFORD (1958) conclui “de qualquer forma a domesticação parece estar estreitamente ligada ao misticismo e à religião, com sacrifício de animais, fornecendo carne para os banquetes cerimoniais”.O primeiro emprego com o fim utilitário foi quando o homem auxiliou-se do Cão para a caça de outras espécies. Depois foi que domou animais herbívoros para auxiliá-lo no transporte e na alimentação – quando a caça e o peixe já se tinham tornado escassos. Deve ter havido assim, no ato da domesticação, um duplo impulso: religioso e utilitário. “Os dois contatos mais evidentes entre homem e animal, afirmou F. E. ZEUNER (1963) ainda recentemente – são, por conseguinte de natureza econômica e religiosa, no mais lato sentido”. Os índios do Brasil criavam os chamados “xerimbabos”, (hábito que passou também aos brancos), com a superstição vaga de chamar a boa sorte, para si e para sua casa; a criação dos papagaios, dos periquitos, dos macaquinhos-de-cheiro, sagüis e outros constitui inegavelmente um remanescente da cultura indígena, com fundo totêmico. Para provar ainda que houve também intuito religioso, na domesticação das espécies, citam-se as tradições que passaram dos povos antigos: os druidas adoravam os Cavalos brancos; os egípcios, o Boi Apis, o Carneiro, o Gato, o Ganso e até os Crocodilos; na Índia também o Zebu recebeu e recebe veneração religiosa particular – é, para algumas tribos, um animal divinizado, sagrado; o Gato era religiosamente acatado pelos egípcios e outros povos. Os gregos cultuavam a Cabra. Os judeus, o Pombo branco. Os romanos tinham o Galo como um animal supersticioso. Em favor dessa hipótese – domesticação pacífica – pode-se citar o fato conhecido, de que os animais, quando surpreendidos pela primeira vez, pelo homem, não se perturbam, nem se afugentam. Isso pode servir para provar que o homem primitivo deveria ter vivido em contato mesmo com as espécies hoje domesticadas, ainda quando em estado selvagem, não tendo sido preciso usar de meios violentos para mantê-las em cativeiro, porquanto elas, provavelmente, segundo esta premissa, não teriam manifestado medo dele, nem fugido do seu convívio. As caçadas, as matanças e depredações é que fizeram nascer no animal o receio e o medo. Cita-se a esse propósito a recepção pacífica, que tiveram os primeiros marinheiros, que pisaram terras das ilhas Malvinas ou de Falkland, habitadas por números espécie canina, o Cão-lobo ou Canis antarcticus dos naturalistas. Esses cães selvagens não mostraram intimidar-se com a presença desses marinheiros, que viam pela primeira vez. Ao contrário, até vieram ao encontro deles, sem nenhuma atitude agressiva. Os marinheiros é que, receosos, 29 fugiram, atirando-se n’água. Outro fato, da mesma natureza, é o que se deu em uma ilha do mar de Aral, com uns Antílopes. Quando descobertos por BUTAKOFF, esses Antílopes, de nome Saiga, também não fugiram, nem se amedrontaram, antes receberam os adventícios, apenas com certa curiosidade. É velha a observação de DARWIN: os mamíferos e as aves, que hão sido pouco molestados pelo homem, não o temem mais do que temem pássaros, cavalos e vacas que passam perto deles, no campo. Em CORNEVIN encontra-se uma passagem, que deve ser citada aqui. É quando o zootecnista francês se refere à sociabilidade dos animais, exemplificando-a com o caso do Facocero (Phacachoerus oethiopicus Pallas) que era visto errar pelas ruas de São Luís do Senegal, sem nenhum temor do homem, deixando-se pegar facilmente, embora sem ter entrado em domesticidade, nem mesmo na fase de amansamento. A outra hipótese, sobre o processo de domesticação, diz que deve ter havido, ao contrário, o emprego da força, da violência, e nunca da brandura para aprisionamento, amansamento e domesticação dos animais, hoje domésticos. Tal opinião pode ser sustentada pela interpretação que se dá aos baixos-relevos de duas copas de ouro lavrado, descobertas em Vafio, perto de Esparta (Grécia), copas essas datando de cerca de 1.500 anos a.C. Os baixos-relevos, das copas, parecem querer representar tradição corrente naquela época, a respeito da domesticação dos animais. O artista grego imaginou, primeiramente, o aprisionamento de um touro bravio e rebelde, de aspas longas e pontudas, por meio de um comprido laço. As outras cenas, de baixo-relevo, são: uma a de um touro conduzido pelo cabresto; outra a de dois bois correndo em liberdade. E uma terceira, a de um boi pastando mansamente, no campo. Nestas últimas, os bois se apresentam com chifres curtos, pretendendo-se talvez indicar o progresso da domesticação. O que se pode concluir, como mais provável, é que a domesticação deve ter-se processado ora com o emprego da força, em determinados casos necessária; ora por meios não violentos, de acordo com o comportamento da espécie. Há espécies que, naturalmente, se deixaram amansar e domesticar, enquanto outras somente com a violência foram que o homem conseguiu aprisioná-las e mantê-las em cativeiro. O Cavalo, por exemplo, pode ser incluído entre estas últimas. Foi depois de aprender a fazer a liga do bronze, que o homem começou a preparar instrumentos de contenção com os quais pode domá-lo e domesticá-lo. 6 Os atributos do animal que se torna doméstico Não é possível deixar de aceitar-se como verdade existirem certas qualidades, nos animais, que facilitaram e permitiram a domesticação de algumas espécies animais, e não outras, e sem as quais ela teria, forçosamente, falhado. É o que se chama, em Zootecnia, de atributos do animal que se tornou doméstico, isto é, que pôde ou pode ser domesticado. Essas condições próprias de todo animal doméstico resumem-se em três: sociabilidade, tendência hereditária à mansidão e conservação da fecundidade em cativeiro. A sociabilidade é característica muito própria dos animais que vivem em domesticidade, os quais, com exceção do Gato, manifestam sempre sua predileção pela vida em companhia, em bando1. Os animais, sem essa qualidade, mostram-se rebeldes à domesticação. É o fato de serem sociáveis, que determinou a aproximação entre o 1 “Salvo o Gato, que permaneceu, com efeito, mais o comensal do que o servidor do homem, todos – cães, carneiros, cabras, bois, renas, cavalos, prcos, elefantes – vivem em rebanhos organizados mais ou menos numerosos submetidos a um chefe...” ESPINAS (Cit. De RAILLIET). 30 animal e o homem, permitindo a domesticação, ou pelo menos facilitando-a. Essa a opinião que domina entre os zootecnistas, que se detiveram na análise dessa questão, e opinaram com sabedoria: “Com efeito, diz KRONACHER, foram as espécies animais de vida social, dotadas de instinto gregário e de inteligência média, as únicas que no começo o homem conquistou”. A mansidão, ou dizendo melhor, a tendência à mansidão é atributo, também, que essas espécies apresentam, mas quando hereditária, pois há animais que se tornam individualmente mansos, mas não transmitem essa qualidade à descendência; isto é, sua descendência não mostra essa tendência, pelo que não são inteiramente domesticáveis. Tal é o caso da Galinhola, Rena, Búfalo, etc., que são consideradas espécies semidomésticas. Aliás, a mansidão, sendo resultado dessa tendência hereditária, é um atributo que participa da condição de ser, em parte, “adquirido”, no processo de criação do animal, e que pode, por isso, deixar de se manifestar em certas circunstâncias. Deve-se considerar ainda o caso da Abelha que, sendo considerada espécie doméstica, no entanto lhe falta a mansidão, visto como é capaz de ferroar os que dela se aproximam. Finalmente é preciso dizer que a mansidão é o regulador do grau de domesticidade da espécie. A fecundidade nem sempre se conserva nos animais amansados, quando em cativeiro. Para êxito da domesticaçãofoi preciso que as espécies domésticas conservassem sua qualidade reprodutiva. Sem isso, é óbvio, não teria havido nem haveria o aumento da população dos animais em domesticidade. Salvo o caso do Coelho, em geral houve intensificação da fecundidade nas espécies domésticas, comparativamente às selvagens, e em larga escala. É preciso dizer, porém, que esses atributos – sociabilidade, tendência hereditária à mansidão, e fecundidade em cativeiro – não decorreram do processo de domesticação, como poderia parecer, numa observação superficial e ligeira. Eles, ao contrário, já deviam preexistir, e com a domesticação se manifestaram. Se não fora assim, todas as espécies poderiam ser domesticadas. O certo é que, então, esses caracteres, que permitiram a domesticação, são inerentes às espécies domésticas, por isso seu número é limitado, como se verá mais adiante. Tanto é verdade, que infrutíferas foram muitas tentativas de domesticação. O Gaur, da índia, Birmânia e Malaca, os ingleses não conseguiram domesticar. A Zebra é uma espécie aprisionada e amansada pelo homem, e que não perdeu sua fecundidade no cativeiro, tendo sido reproduzida até com o Cavalo e o Jumento. Não foi possível, entretanto, até hoje, torná-la um animal doméstico, no significado estrito da expressão. Na Grécia, a Fuinha foi amansada como animal caseiro, para dar caça aos ratos, e nem por isso se domesticou, sendo deslocada pelo gato nessa serventia. Os helenos tentaram a domesticação da Marta, ainda hoje caçada para o aproveitamento de sua pele preciosa. Os egípcios, segundo asseverou CORNEVIN, amansaram o chacal e o Leão, utilizando- os para a caça, e em suas fazendas criavam certas espécies de Antílope, tais como o Búfalo, a Beisa, a Dorca, o Cobe, a Gazela, que eram levados diariamente ao pasto, e à noite ficavam agasalhados em abrigos. Nem por isso passaram ao estado de domesticidade. O falcão é ainda um exemplo moderno de domesticação falhada. Por isso é que CORNEVIN pôde escrever: “A experiência demonstrou não ser possível tentar, indiferentemente, a domesticação de qualquer espécie animal” (1891). E SANSON: “Donde se conclui que as espécies animais são naturalmente selvagens ou domésticas, em virtude de seus próprios instintos” (1907). E para citar um autor norte- americano, não impregnado de idéias apriorísticas, deve ser citado ANDERSON (1943), 31 escrevendo: “alguns animais não são de domesticação possível. A Zebra e o Bisão americano estão de algum modo neste grupo. Embora indivíduos muito jovens, dessas duas espécies, tenham sido capturados. E amansados, faliram em atingir ao estado de domesticidade, e sua resposta é muitas vezes imprevisível” (1943). 7 Efeitos da domesticação e como se manifestaram Bem visíveis são os efeitos da domesticação, sobre os animais. A diferença entre as espécies selvagens e as domésticas correspondentes é enorme. Se os animais selvagens estão sujeitos à seleção natural, quando em domesticidade sofrem a influência da seleção artificial, aplicada pelo homem, que há de ter feito multiplicar sempre, preferentemente, os mais úteis, mais rendosos, mais de seu gosto, e que mais de pronto se mostraram adaptáveis às suas necessidades, donde esse afastamento da forma selvagem, remota. Essa seleção, inicialmente, deve ter sido dirigida no sentido da escolha dos animais mais dóceis, mansos, domesticáveis. Essa diferença nos caracteres morfológicos e fisiológicos é tanto maior quanto mais o animal se afastou do seu berço, ou melhor do clima de origem, e quanto mais aperfeiçoados os métodos zootécnicos de sua exploração. Isto não quer dizer, porém, que não haja atributos étnicos que se não modificaram, mantendo-se firmes e constantes nas espécies domésticas atuais, disto podemos dar exemplos. O Búfalo doméstico de nada difere do selvagem. Trata-se de uma espécie em semidomesticidade. O Jumento é outro exemplo, e melhor, pois se trata de espécie domesticada há milhares de anos – supõe-se que antes do Cavalo – entretanto conserva a faixa escura, que desce da cernelha às espáduas, herdada da forma primitiva, selvagem, originária da áfrica Oriental. Outro ainda é o Gato, que até hoje apresenta, na maioria das raças, a coloração de pêlo característica do Gato selvagem originário, também africano. A modificação nos atributos deu-se, naturalmente, por variação espontânea, e sua conservação foi conseguida por seleção artificial, operada pelo homem, no seu processo inteligente e racional de fazer reproduzir, escolhendo, os indivíduos que mais vantagens apresentassem para sua exploração, par seu uso e gozo. Acrescenta-se a isso, o quanto de favorável se mostra, ou deve ter-se mostrado, o ambiente doméstico, à expansão dessas variações, e então foi fácil ao criador aproveitar e insular as linhagens, as famílias mais adaptadas, ao fim zootécnico, daí formando as raças com funções economicamente especializadas, muito diversas das raças primitivas, selvagens, é, aliás, o que estamos a deparar todos os dias. É permitido ainda supor-se, com mais fortes razões, que do encontro de linhagens e raças diferentes – ou até de espécies – deve ter surgido maior número de variações, fonte e origem dessa transformação por que as espécies domésticas passaram. Essas misturas de heranças, ora mais oura menos aproximadas, podem ter sido fortuitas ou conscientemente praticadas pelo criador mesmo. Essas diferenciações, nos atributos dos animais domésticos, podem ser resumidas do seguinte modo. Na pelagem, deu-se a diversificação da coloração, primitivamente uniforme nas espécies selvagens, e muitas vezes miméticas. Parece que os animais domésticos, especializados em suas funções, sofreram a ação, em certos casos, da despigmentação, donde algumas raças selvagens apresentarem pelagem mais escura do que as estirpes correspondentes, hoje melhorados. Daí o pretender-se que os animais rústicos tenham a pelagem sempre mais escura. 32 A dimensão dos pêlos também variou, com a domesticação. O carneiro primitivo não apresentava esse valioso velo, das primorosas raças ovinas para lã. Aqui foi enorme a variação ocorrida, através dos tempos, por mutação, cruzamento e seleção. O caso do panículo adiposo, que se desenvolveu exageradamente no Porco em domesticidade, explica-se pela mistura de espécies, como adiante será esclarecido. Os chifres, ainda, muito se modificaram, e hoje temos raças mochas, raças de chifres medianos e raças exageradamente chifrudas. Para o primeiro caso é possível citar como exemplos a Red Polled, a Aberdeen Angus; para o segundo, a Shorthorn; e para o terceiro, os nacionais Franqueiros e Junqueiras, a raça indiana Gir e a raça de búfalo Jafarabadi. Em geral, as defesas dos animais selvagens tornaram-se inúteis, ou até nocivas em domesticidade, donde sua atenuação ou desaparecimento total: chifres, dentes, unhas, etc. Mas isso não como resultado da falta de uso, e sim por variação espontânea, fixada pela seleção. A Abelha (gênero Apis), porém, constitui uma exceção, pois não perdeu seus órgãos de defesa, o que se explica pela menor eficácia da seleção artificial, tendo em vista sua reprodução que atualmente vem sendo dirigida pelo homem. O porte e o volume, uniformes nas raças primitivas, hoje são variáveis até dentro da mesma raça. Os animais modificaram seu esqueleto, ficando em geral com ossos curtos e espessos, mas relativamente finos, com as saliências articulares atenuadas e mal distintas. A constituição do animal selvagem é, geralmente, rústica. O doméstico já possui uma constituição seca ou mesmo débil. Naquele caso, é o ambiente que regulaas funções, uniformes em sua influência, e em sua manifestação. No animal doméstico, como se sabe, houve a especialização das funções, e a ação do meio ambiente ´[e atenuada, de algum modo, visto poder ser regulada pelo homem. A prolificidade é bem maior nas espécies domésticas: Galinha, por exemplo, que passou de duas posturas, com cerca de 15 ovos, cada, para duas a três centenas. O Coelho, porém, constitui exceção, pois se mostra mais prolífico quando em estado selvagem. Há espécies infecundas em cativeiro, assim como há espécies que têm diminuída sua prolificidade quando cativas, caso este do Coelho. As espécies selvagens de mamíferos mostram, geralmente, cio estacional (primavera) em certas espécies domésticas (Bovinos, Ovinos, Suínos), ele aparece através de todo o ano, fugindo à influência direta do clima. Daí sua prolificidade mais acentuada. HAMMOND (1940) refere-se a “observações feitas em Cambridge, mostrando que éguas Welsh e Shetland, cerca de metade delas era capaz de reproduzir-se durante o ano todo, ao passo que a outra metade recusou-se a faze-lo de outubro a março”. É evidente, aí, a tendência inata para ser mais prolífica, nas primeiras fêmeas. A seleção levará a um aumento de fecundidade, em domesticidade. O caso particular do Marreco (Ana boschas) é bem interessante: de monógamo passou a polígamo (um macho para três a quatro fêmeas) em domesticidade. A aptidão leiteira (Vaca, Cabra) e a postura de Galinhas foram levadas a limites bem mais amplos do que poderiam prometer as espécies primitivas. Nas aves domésticas, verificou-se a perda total ou parcial do vôo, devido ao aumento do peso do animal, sem o correspondente desenvolvimento das asas. Com a domesticação, houve ainda a multiplicação do número de raças, em cada espécie, mesmo vivendo em clima comum, e sob regimes idênticos, enquanto que as raças selvagens eram muito menos numerosas e adaptadas a certas e determinadas 33 regiões. Isto prova que ao clima faltou influência direta na transformação dessas raças domésticas. Em resumo, verificou-se sensível afastamento das formas primitivas, que originaram as atuais espécies domésticas – seja quanto à conformação exterior, seja quanto à fisiologia que mais interessa à exploração dos animais. Houve, assim, notadamente, a multiplicação de formas e conseqüentemente do número de raças domésticas. E qual a causa dessa transformação? O clima, o próprio processo de domesticação? A origem das variações deve ter sido de natureza endógena, deve ter ocorrido por mudanças na parte germinal ou hereditária dos animais. Sejam variações espontâneas, sejam variações por causa da mistura entre espécies e raças diferentes. E uma vez verificadas essas variações, o clima pode ter favorecido ou não sua permanência. E, além do clima, a seleção praticada pelo criador, que certamente era o mais interessado na persistência de uns animais e na eliminação de outros. O clima, o ambiente preparado pelo homem e a força selecionadora destes devem portanto ser considerados como causas indiretas; as variações espontâneas, do próprio animal, e as misturas de espécies e de raças, como as causas diretas dessas mudanças tão profundas, que se verificaram nos animais vivendo em domesticidade. O clima e o homem, como agentes da domesticação, exerceram, através dos tempos, ação eminentemente selecionadora. Mas devemos lembrar que as conquistas da domesticidade só persistem se não cessar a vigilância do homem, em exercer a seleção artificial de seus animais. Abandonados por esta, os animais serão entregues à seleção natural, e suas altas qualidades, inclusive a própria mansidão desaparecerão com a volta à vida selvagem. É o caso dos cavalos e bovinos asselvajados, da América do Sul, bem como dos búfalos (Estados da região Norte). Questionário N° 3 1- Que é animal doméstico? 2- Desde que época pré-histórica se supõe existirem animais em domesticidade? E quando, segundo DUERST, deve ter ocorrido a domesticação das primeiras espécies? 3- Quais os dois impulsos fundamentais, que parecem ter agido, no contato do homem com os animais, e que estimularam o processo de domesticação destes. Explique. 4- Qual o grau de importância do animal doméstico para o homem e sua civilização? 5- Compare o valor da domesticação para o homem primitivo com a descoberta da máquina para o homem civilizado, segundo FERRARO. 6- Quais os três estados de domínio do homem sobre os animais? 7- Distinga domesticidade de domesticação. 8- Quais as duas grandes fases, na domesticação, segundo WILKENS? 9- Quais as primeiras espécies domesticadas? 10- Que é semidomesticidade? E cite algumas espécies semidomésticas. 11- Qual a seriação das espécies domésticas, segundo SAINT-HILAIRE, de acordo com a época de sua domesticação? 12- Como se deu a domesticação? 13- Quais os argumentos em favor da hipótese de MUCKE? 14- Qual a hipótese mais conciliatória? 15- Quais os atributos básicos das espécies domésticas, e que explicam o êxito de sua domesticação? 16- Qual o regulador do estado ou grau de domesticidade? 17- Quais os efeitos gerais da domesticação? 18- Como explicar o aparecimento das variações ocorridas nos animais em domesticidade? 19- Por que os índios brasileiros não domesticaram os animais de seu convívio? 34
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