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Resenha - La pensée bourgeoise: a sociedade ocidental como cultura (Sahlins)

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Disciplina: Leitura de monografias antropológicas (2017); Profª Beatriz Perrone-Moisés
Aluna: Patricia Moser Montini, Ciências Sociais, noturno. 
(Obs: este texto está no meu blog: https://enquantoensaio.blogspot.com.br/)
Resenha: La pensée bourgeoise: a sociedade ocidental como cultura (Marshall Sahlins)
Publicado originalmente em 1976, em Chicago, este ensaio do antropólogo
estadunidense Marshall Sahlins alude, em seu título, ao conceito de pensamento selvagem de
Lévi-Strauss; fazendo um paralelo com a forma de pensar da sociedade ocidental no âmbito
do sistema de produção, percepção das mercadorias e sua utilidade. Em diálogo com as
teorias marxistas, Sahlins relaciona o funcionamento desse sistema a um código simbólico
cultural que se manteria inconsciente, embutido na própria percepção dos usuários à respeito
dos produtos – assim como o pensamento selvagem, que transita do sensível ao inteligível,
sem diferenciar os momentos da percepção e da interpretação –. A produção capitalista não
estaria, portanto, diretamente ligada às necessidades humanas e à suposta racionalidade do
mercado. O autor sugere a existência de uma espécie de totemismo moderno, em que os
processos de classificação social teriam como base não os seres e fenômenos naturais, mas a
diversidade de objetos manufaturados e seus simbolismos culturais.
À época deste ensaio, ainda estava em voga certa antropologia marxista, brevemente
citada por Sahlins, todavia criticada de forma contundente por Pierre Clastres no ano
seguinte1, devido à sua extensão do discurso marxista às sociedades ditas primitivas. E a análise de
Sahlins, parte justamente de considerações sobre o materialismo histórico, o qual estaria
ignorando o sistema significativo – código cultural de propriedades concretas que define a
utilidade dos produtos – ao tratar a produção como processo natural e pragmático de
satisfação das necessidades; além de arriscar uma aliança com a própria economia burguesa,
favorecendo a alienação. Desta forma, a auto-ilusão da sociedade seria reforçada, como se a
estrutura da economia fosse o resultado de uma racionalidade esclarecida e de um
comportamento prático, e não uma organização cultural de objetos e relações que se realiza
por meio das ferramentas do mercado – uma lógica inconsciente, manifesta através das
decisões baseadas no preço –. O utilitarismo seria, assim, a maneira como a economia – e a
própria sociedade ocidental – é vivenciada: um campo de ação pragmática que prioriza a
maximização material; cujas vantagens, para os produtores, assumem a forma de um valor
1 CLASTRES, Pierre. Os marxistas e sua antropologia. In: Arqueologia da violência (cap. 10). Trad. Paulo 
Neves. São Paulo: Cosac & Naify, 2004[1980].
1
pecuniário adicionado, e para os consumidores, de um retorno em utilidade e superioridade
funcional dos novos produtos. Segundo Sahlins, essa busca (supostamente) racional da
felicidade material é capaz de produzir as principais relações políticas e de classe, além da
própria concepção vigente de homem e de natureza.
Em antropologia, contudo, considera-se que um dado esquema “racional” e “objetivo”
nunca é o único possível: os homens não apenas sobrevivem, mas o fazem de maneiras
específicas. Mesmo em condições materiais semelhantes, ordens e finalidades culturais
podem ser muito diferentes; o que é tido como indispensável varia de acordo com a seleção
cultural, que transforma condições materiais em forças efetivas. Segue-se, portanto, que a
razão prática não é capaz de explicar as formas culturais. Sahlins ressalta, contudo, que o
sentido dessa objeção foi previsto pelo próprio Marx, na compreensão de que o sistema de
produção não se dedica apenas à reprodução dos produtores, mas também das relações
sociais; sendo este princípio intrínseco à sua obra de forma ainda mais geral, já que o modo
de produção não é por ele considerado mera reprodução da existência física, mas um modo de
atividade e de vida: homens produzem objetos para sujeitos sociais específicos, e não como
seres biológicos num universo de necessidades físicas. Toda a produção, mesmo quando
regida pelo valor de troca, constitui uma produção de valores de uso, que não podem ser
compreendidos somente no nível natural das necessidades. Desta forma, apesar de seu foco
na vantagem pragmática, o capitalismo não é imune a essa constituição cultural da práxis:
para Sahlins, a produção é uma intenção cultural; ao dar forma ao produto, o homem não
apenas aliena seu trabalho, mas também sedimenta um pensamento. 
Um modo de existência de pessoas e coisas que não pode ser explicado por sua
natureza física, remete ao campo do simbólico. Marx, contudo, reservou a qualidade
simbólica somente para a forma-mercadoria dos objetos (fetichismo), presumindo que os
valores de uso atendem às necessidades humanas; e abandonando, segundo Sahlins, as
relações de significado homem-objeto, essenciais para uma compreensão da produção em
suas formas históricas: o valor de uso não é menos simbólico ou arbitrário que o valor-
mercadoria, pois a utilidade não se refere à essência do objeto, mas constitui uma
significância de suas qualidades objetivas. Considerando a produção como momento
funcional de uma estrutura cultural, Sahlins encontra importantes exemplos de simbolismo no
estilo de alimentação (carnes e seus tabus) e vestuário de seu próprio país, exercitando uma
análise estrutural que o leva a sugerir o citado totemismo moderno. No que diz respeito ao
vestuário, o autor questiona se os operadores merco-produtivos e os totêmicos, relacionados à
categorização social, não teriam uma base comum no código cultural de características
2
naturais como, por exemplo, forma, linha e cor; “pensée bourgeoise”, cujo desenvolvimento
consistiria na capacidade de duplicar e combinar à vontade tais características no âmbito da
própria sociedade. 
Materialização de um sistema simbólico, substancialização de uma lógica cultural, a
produção capitalista seria, assim, uma expansão exponencial desse pensamento; troca e
consumo constituindo os meios para sua comunicação. Sahlins ressalta que os objetos
manufaturados, cuja manipulação permite a variação de muitas diferenças ao mesmo tempo –
cada qual com significância própria –, podem servir de meio, melhor que as espécies naturais,
para esse vasto sistema de pensamento. Comparando o totemismo burguês com suas
variedades selvagens, o autor conclui que este é potencialmente mais complexo, “não por se
haver libertado de uma base natural-material, mas precisamente pelo fato de a natureza ter
sido domesticada” (SAHLINS, 2004, p.192); acrescentando ainda que a racionalidade do
mercado não contradiz este totemismo, ao contrário, 
ele é promovido justamente na medida em que valor de troca e de consumo
dependem de decisões de “utilidade”. Tais decisões giram em torno da significância
social de contrastes concretos entre os produtos. É por suas diferenças de sentido em
relação a outros produtos que os objetos se tornam trocáveis: com isso convertem-se
em valores de uso para algumas pessoas, as quais são correspondentemente
diferenciadas de outros sujeitos (SAHLINS, 2004, p. 191).
Em suma, para Sahlins, o capitalismo não seria racionalidade pura, mas uma ordem
cultural que também se realiza como ordem de bens. Para o autor, a produção funciona de
acordo com uma lógica significativa do concreto – distinta da racionalidade convencional –,
desenvolvendo sinais apropriados para a distinção de categorias sociais. A “relação entre
essas lógicas é que alógica simbólica define e classifica as alternativas cuja ‘escolha’ a
racionalidade, esquecida de sua própria base cultural, gosta de considerar que ela própria
constitui” (SAHLINS, 2004, p. 212). Trata-se de uma visão relevante, que mantém um
diálogo com a obra de Marx, embora agregue fatores não considerados por ele. 
Referência
SAHLINS, Marshall. La pensée bourgeoise: a sociedade ocidental como cultura. In: Cultura
na prática (cap. 5). Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004.
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