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A PSICOLOGIA EXISTENCIAL1 Nos anos que se seguiram à II Guerra Mundial, um movimento popular conhecido como o Existencialismo adquiriu importância na Europa e rapidamente espalhou-se pelos Estados Unidos. O movimento nasceu da resistência francesa à ocupação alemã e seus mais articulados porta-vozes foram Jean Paul Sartre e Albert Camus. Sartre era um brilhante estudante da Sorbone que se tornaria mais tarde m eminente filósofo, escritor e jornalista. Camus, natural da Algéria, ficou famoso como romancista e ensaísta. Como normalmente acontece com esses movimentos de vanguarda endossados por uma classe heterogênea de pessoas – artistas, escritores, intelectuais, clérigos, universitários, dissidentes e rebeldes de vários tipos – o existencialismo acabou por significar muitas coisas diferentes. Considerando-se sua base popular, seus clichês e slogans e suas divisões, este movimento poderia ter se esgotado em poucos anos como aconteceu com a maioria das modas intelectuais. O fato de não ter tido esse destino, mas ter, ao contrário, emergido como poderosa força no pensamento moderno, incluindo a psicologia e a psiquiatria, pode ser atribuído à descoberta de que o existencialismo possuía uma tradição vigorosa, com antepassados de prestígio, bem como sólidos proponentes contemporâneos. A sua figura ancestral mais notável foi o excêntrico dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855). Essa alma torturada foi um escritor prolífico, apaixonado e polêmico, cujos livros constituem uma espécie de escritura sagrada para o existencialismo. Uma longa lista de nomes famosos como Bérgson, Dostoievsky e Nietzsche foi acrescentada à genealogia do existencialismo. Entre os modernos foram identificados com o movimento existencialista, Buber, Heidegger, Jaspers, Marcel, Merleau-Ponty e Tillich. Para nossos propósitos, o nome de Martin Heidegger (1889-1976) é da maior importância. Este filósofo alemão e Karl Jaspers (1883-1969) são considerados por Barret os criadores da filosofia existencial do nosso século. A idéia central da ontologia de Heidegger (ontologia é o ramo da filosofia que trata do ser ou da existência) é a seguinte: o homem é um ser-no-mundo. Ele não existe com um Eu ou um sujeito em relação a um mundo externo; não é tampouco uma coisa ou um objeto, ou um corpo interagindo com as outras coisas que fazem no mundo. O homem tem sua existência por ser-no-mundo e o mundo tem sua existência porque há um Ser para revelá-lo. A filosofia existencial de Heidegger encontra-se no seu livro Ser e Tempo (1962), que é considerado um dos livros de maior influência sobre a filosofia moderna – bem como o mais difícil. 1 Este texto é uma adaptação do capítulo IV do livro de Hall, C. S. & Lindsey, G. (1984) Teorias da Personalidade (vol. 2) São Paulo: E.P.U. Heidegger foi também um fenomenólogo e a fenomenologia desempenhou um papel importante na história da psicologia. Ele foi discípulo de Edmund Husserl (1859-1938), o fundador da fenomenologia moderna. Husserl foi discípulo de Carl Stumpf (1848-1936), que por sua vez, foi discípulo de Franz Brentano (1838-1917). Stumpf foi um dos líderes da “nova” psicologia experimental, que surgiu na Alemanha na última metade do século XIX. Köhler e Koffka, que com Wertheimer fundaram a psicologia da forma (Gestalt), foram também discípulos de Stumpf e adotaram a fenomenologia como método de análise dos fenômenos psicológicos. Nós ressaltamos esses fatos históricos para sublinhar os antecedentes comuns da psicologia, da fenomenologia e do existencialismo. A psicologia existencial usou a fenomenologia para elucidar aqueles fenômenos que são freqüentemente considerados como pertencentes à esfera da personalidade. A psicologia existencial pode ser definida como a ciência empírica da existência humana que emprega o método da análise fenomenológica. Neste capítulo, trataremos primeiro da psicologia existencial que se encontra nos livros dos psiquiatras suíços Ludwig Binswanger e Medard Boss e isto por vários motivos. Eles permanecem muito próximos das fontes do pensamento existencial europeu, e sua identificação com o existencialismo é muito significativa. A sua utilização da ontologia do Ser abstrato para o estudo de seres individuais é cuidadosamente elaborada, e muitas vezes em colaboração com o próprio Heidegger (A região do sul da Alemanha onde Heidegger vivia faz fronteira com a Suíça). Como psiquiatras clínicos eles acumularam grande riqueza de material empírico derivado da análise de pacientes. Finalmente, ambos escreveram clara e vividamente a respeito de assuntos obscuros e muitos de seus trabalhos foram traduzidos para o inglês. No início da década de vinte, Binswanger foi um dos primeiros proponentes da aplicação da fenomenologia à psiquiatria. Dez anos depois ele se tornou um analista existencial. Binswanger define a análise existencial como a análise fenomenológica da existência humana real. Seu objetivo é a reconstrução do mundo interno da experiência. Heidegger foi a maior influência sofrida por Binswanger, mas ele também incorporou a seus pontos de vista idéias derivadas de Martin Buber. O ano de 1946 causou uma reviravolta na vida intelectual de Boss. Nesse ano ele tornou-se amigo de Martin Heidegger. O resultado desse relacionamento foi a elaboração de uma forma de psicologia e de psicoterapia, criada por Boss e chamada de Dasein análise. Dasein é uma palavra germânica que foi traduzida para o inglês pela expressão ligada por hífens “begin-in-the-world” (ser-no-mundo). Os nomes psicologia existencial e Dasein análise são usados neste capítulo indiferentemente. Contra quais aspectos dos outros sistemas psicológicos se opõe a psicologia existencial, representada pelos trabalhos de Binswanger e Boss, e o que ela propõe? Em primeiro lugar e principalmente ela se opõe à aplicação do conceito de causalidade das ciências naturais à psicologia. Não há relações causa-efeito na existência humana. No máximo, existem apenas seqüências de comportamentos, mas não é lícito derivar a causalidade da seqüência. Algo que acontece a uma criança não é a causa de seu comportamento futuro como adulto. Os dois eventos podem ter o mesmo significado existencial, mas isso não significa que o evento A causou o evento B. Em resumo, ao rejeitar a causalidade a psicologia existencial também rejeita o positivismo, o determinismo e o materialismo. Ela afirma que a psicologia não é como as outras ciências e não deve seguir-lhes o modelo. Ela requer o seu próprio método – a fenomenologia – e seus próprios conceitos – ser-no-mundo, modos de exitência, liberdade, responsabilidade, vir-a-ser, transcendência, espacialidade, temporalidade e muitos outros, todos derivados da ontologia de Heidegger. O psicólogo existencial substitui o conceito de causalidade pelo conceito de motivação. A motivação sempre pressupõe uma compreensão (certa ou errada) da relação causa-efeito. Para ilustrar a diferença entre a causa e o motivo, Boss utiliza o exemplo de uma janela fechada pelo vento e por uma pessoa. O vento causa o fechamento da janela, mas a pessoa é motivada a fechar a janela porque sabe que quando a janela está fechada a chuva não entra, o barulho da rua é diminuído e as correntes de ar são eliminadas. Pode-se dizer que a pressão exercida pelo braço da pessoa sobre a janela causou o fechamento – o que seria verdade, mas tal explicação omitiria todo o contexto motivacional e cognitivo de que o ato final é simplesmente um complemento. O próprio ato de aplicar a pressão requer o conhecimento de onde colocar a mão, do significado de empurrar ou puxar alguma coisa, e assim por diante. Conseqüentemente, a causalidadetem pouca relevância para o comportamento humano. A motivação e a compreensão são os princípios operativos de uma análise existencial do comportamento. Intimamente relacionada a essa primeira objeção está a oposição firme da psicologia existencial ao dualismo do sujeito (mente) e objeto (corpo, ambiente, matéria). Essa divisão, atribuída a Descartes, é que resulta na explicação da experiência e comportamento humanos em termos de estímulos ambientais ou de estados corporais. “O homem pensa, e não o cérebro” (Straus, 1963). A psicologia existencial propõe a unidade do indivíduo-no-mundo. Qualquer ponto de vista que destrua essa unidade é uma fragmentação e falsificação da existência humana. A psicologia existencial também nega que exista alguma coisa subjacente ao fenômeno, que o explica e causa seu aparecimento. Explicações da existência humana em termo de um “eu”, do inconsciente, de uma energia física ou psíquica, ou de forças como os instintos, as ondas cerebrais, os impulsos e os arquétipos são postas de lado. Os fenômenos são o que são em todo o seu imediatismo; eles não são uma fachada ou o derivativo de alguma outra coisa. É, ou deveria ser, o trabalho da psicologia descrever os fenômenos tão cuidadosamente quanto possível. O fim da ciência psicológica é a descrição fenomenológica ou a compreensão, e não a explicação causal ou a prova. A psicologia existencial suspeita da teoria – qualquer teoria – porque ela implica em que algo que não pode ser visto está produzindo aquilo que é visível. Para o fenomenologista apenas o que pode ser visto ou experimentado é real. A verdade não é atingida por um exercício intelectual; ela é revelada ou descoberta nos próprios fenômenos. Além do mais, a teoria, ou qualquer pré- concepção, age como uma viseira na apreensão da experiência ou verdade revelada. Essa verdade só pode ser alcançada por uma pessoa completamente aberta para o mundo. Ver o que há para ser visto sem qualquer hipótese ou julgamento prévio é a prescrição do psicólogo existencial para o estudo do comportamento. Binswanger e Boss conseguiram despojar-se de todo o complexo aparato das teorias de Jung e Freud, apesar de terem sido treinados na psicanálise e de terem se servido dela por muitos anos. Ao ler seus trabalhos tem-se a impressão de que esse despojamento foi para eles uma experiência libertadora. Finalmente a psicologia existencial se opõe veementemente à consideração do indivíduo como algo semelhante a uma pedra ou uma árvore. Essa perspectiva não só impede o psicólogo de compreender plenamente o homem sob a luz de sua existência-no-mundo, mas também resulta na desumanização das pessoas. A psicologia existencial entra na arena da crítica social quando polemiza contra o alheiamento, a alienação e fragmentação do homem pela tecnologia, pela burocracia e pela mecanização. Quando as pessoas são tratadas como coisas e acabam por se considerar como coisas que podem ser manejadas, controladas, modeladas, e exploradas, elas estão impedidas de viver de uma maneira verdadeiramente humana. A pessoa é livre e apenas ela é responsável por sua existência. A liberdade, diz Boss, não é alguma coisa que o homem tem, é algo que ele é. Seria errado concluir, entretanto, que a psicologia existencial é basicamente otimista e esperançosa a respeito do homem. Não é preciso ler profundamente Kierkegaard, Nietzsche, Heidegger, Sartre, Binswanger ou Boss para notar que está longe de ser este o caso. A psicologia existencial está tão preocupada com a vida quanto com a morte. O Nada está sempre aos nossos pés. O horror está tão presente quanto o amor nos escritos existencialistas. Não pode haver luz sem trevas. Uma psicologia que faz da culpa uma característica inata e inevitável da existência não oferece muito consolo ao homem. “Eu sou livre” significa ao mesmo tempo “Eu sou completamente responsável pela minha existência”. Tornar-se um ser humano é um projeto árduo e poucos o conseguem. Consideraremos agora algum dos conceitos básicos da psicologia existencial formulados por Binswanger e Boss. A ESTRUTURA DA EXISTÊNCIA – SER-NO-MUNDO (DASEIN) Dasein é o conceito fundamental da psicologia existencial. Toda a estrutura da existência humana está baseada nesse conceito. Ser-no-mundo ou Dasein é a existência humana. Dasein não é uma propriedade ou atributo da pessoa, nem uma parte do seu ser como o ego de Freud ou a anima de Jung; é o todo da existência humana. Quando Boss usa o termo Dasein análise, quer referir-se à elucidação cuidadosa da natureza específica da existência humana, ou ser-no-mundo. Dasein é uma palavra alemã usada por Heidegger, e contrasta com Vorhandsein, que caracteriza a existência das coisas não humanas. Traduzida literalmente, Dasein significa “ser” (sein) “aí” (da). Essa tradução literal não faz justiça ao significado que Heidegger tinha em mente. A tradução significativa é “ser o aí”. “O aí” não é definitivamente o mundo como algo externo. É a abertura para o mundo iluminada, compreensiva – um estado de ser-no-mundo em que a existência total do indivíduo que é e virá-a-ser pode aparecer, tornar-se presente e ser presente. Alguém é aí expressa o imediatismo e inevitabilidade primários da condição existencial. O homem não tem existência independente do mundo e o mundo não tem existência independente do homem. Boss insiste: “O homem revela (elucida) o mundo”. As pessoas são “o domínio iluminado dentro do qual tudo o que pode ser pode realmente brilhar, emergir e aparecer como um fenômeno, isto é, ‘como aquilo que se mostra a si mesmo’ ” (1963, p. 70). O fenômeno é o “brilho externo” da realidade imediata. Nada existe atrás dos fenômenos; eles não são manifestações visíveis de uma realidade última. Eles são a realidade. Conseqüentemente, na análise existencial ou do Dasein, trata-se de ver o que está na experiência e de descrevê-lo tão precisamente quanto a linguagem o permita. Este é um conceito de difícil compreensão e aceitação pelo homem ocidental, condicionado, por uma visão científica do mundo, a procurar significados e causas invisíveis e ocultas. Uma pessoa não confere significados às coisas; são as coisas que lhe revelam seus significados quando estiver aberta para recebê-los. A característica básica do Dasein é a sua abertura para perceber e responder àquilo que está na sua presença. O ser-no-mundo cura a cisão entre sujeito e objeto e restaura a unidade entre o homem e o mundo. É necessário enfatizar que este ponto de vista não afirma que o homem se relaciona ou interage com o mundo. Isto sugeriria que a pessoa e o ambiente são duas coisas separadas. SER-ALÉM-DO-MUNDO (AS POSSIBILIDADES HUMANAS) A análise existencial aborda a existência humana apenas com a consideração de que o homem é no mundo, tem um mundo e deseja ultrapassar o mundo (Binswanger). Ser-além-do- mundo não significa para Binswanger o outro mundo (céu), mas expressa as múltiplas possibilidades que o homem tem de transcender o mundo em que habita e entrar num novo mundo. Ele pode, e realmente deseja, realizar todas as possibilidades de seu ser (Nietzsche). Apenas atualizando suas potencialidades o homem pode viver uma vida autêntica. Quando nega ou restringe as amplas possibilidades de sua existência, ou quando se deixa dominar pelos outros ou pelo ambiente, está vivendo uma existência inautêntica. O homem é livre para escolher uma outra alternativa de vida. Boss afirma muito simplesmente que a existência apenas consiste de nossas possibilidades de relacionamento com o que encontramos. “Na realidade, escreve Boss, o homem existe sempre e somente com uma miríade de possibilidades de relacionar-se, e de desvendar os seres vivos e as coisasque ele encontra” (1963, p. 183). Boss diz que todos os sintomas patológicos, físicos ou psicológicos devem ser vistos como usurpações e injúrias ao direito de uma realização livre e aberta da existência humana. O CAMPO EXISTENCIAL Existem limitações para o que o homem pode tornar-se livremente? Uma das limitações é o campo existencial em que a pessoa é lançada. As condições de seu lançamento, isto é, o modo como o homem se encontra a si mesmo no mundo que é seu campo, constitui o seu destino. Ele precisa realizá-lo para adquirir uma vida autêntica. Se ele nasceu uma mulher, seu campo existencial não será o mesmo que o de um homem. O fato de ser mulher define, em parte, as possibilidades de sua existência. Se ela rejeitar essas possibilidades, e tentar, por exemplo, ser um homem, então ela terá escolhido um modo inautêntico de ser-no-mundo. A punição pela inautenticidade são os sentimentos de culpa. Uma existência autêntica é projetada pelo reconhecimento de seu campo existencial, uma existência inautêntica é o resultado do afastamento do seu próprio campo existencial. “Quanto mais uma pessoa se opõe teimosamente às condições fundamentais de seu lançamento na existência... mais essas condições adquirem uma forte influência” (Binswanger, 1958, p. 340). Disso resulta um enfraquecimento existencial, o que significa que “a pessoa não permanece autonomamente no seu mundo, mas isola-se de seu próprio campo existencial; não assume sua própria existência, mas a confia a forças alienadoras e faz com que essas forças alienadoras sejam as responsáveis por seu destino – ao invés de assumi-lo” (Binswanger, 1963, p. 290). O termo “lançamento” também é usado no sentido de ser levado pelo mundo quando há uma alienação de si mesmo, uma entrega total ao poder alienador. Um exemplo extremo é o da existência que é controlada pelos narcóticos, álcool, jogo, ou sexo, para mencionar algumas das muitas compulsões a que o homem é suscetível. Apesar das limitações decorrentes do ser lançado no mundo num determinado lugar, são muitas as possibilidades de escolha. O MODELO-DE-MUNDO Modelo-de-mundo é o termo usado por Binswanger para o padrão que engloba todos os aspectos do modo-de-ser-no-mundo do indivíduo. O modelo-de-ser-no-mundo de uma pessoa determina como ela reagirá em situações específicas e que tipos de traços de caráter e sintomas ela desenvolverá. Ele imprime uma marca em tudo que a pessoa faz. Binswanger dá exemplos de alguns modelos-de-ser-no-mundo restritos, que ele encontrou em seus pacientes. O modelo de uma paciente era construído ao redor da necessidade de continuidade. Qualquer ruptura na continuidade – uma lacuna, um corte, ou uma separação – produziam grande ansiedade. A separação da mãe evocava ansiedade porque quebrava a continuidade do relacionamento. Agarrar-se à mãe significava agarrar-se ao mundo; perdê-la significava cair no terrível abismo do Nada. Binswanger observa que quando o modelo-de-mundo é dominado por poucas categorias, a ameaça é mais iminente do que quando ele é variado. Se uma pessoa está ameaçada numa região, outras regiões podem emergir e oferecer-lhe uma segurança satisfatória. Em muitos casos, as pessoas podem ter mais de um modelo-de-mundo. Boss não fala de diferentes modelos-de-ser-no-mundo, mas fala da existência aberta ou fechada, revelada ou oculta, clara ou obscura, abrangente ou restrita. Toda uma existência pode, por exemplo, ser absorvida por uma compulsão tal como comer ou acumular riqueza. Uma condição psicológica ou somática pode ser um fator de limitação impedindo “a realização de um ou outro dos possíveis relacionamentos como o mundo de que a existência humana é cosntituída” (Boss, 1963, p. 228). CARACTERÍSTICAS EXISTENCIAIS Boss se refere àquelas características que são inerentes a toda existência humana. Essas características inerentes são chamadas de existenciais. Entre as mais importantes estão a espacialidade, a temporalidade, a corporalidade, a existência num mundo compartilhado, e o estado de ânimo ou sintonia. DINÂMICA E DESENVOLVIMENTO DA EXISTÊNCIA DINÂMICA Uma vez que a psicologia existencial rejeita o conceito de causalidade, o dualismo mente e corpo e a separação da pessoa e seu ambiente, sua concepção de dinâmica não é a usual. Ela não concebe o comportamento como resultante da estimulação externa e de condições corporais internas. O homem, se quiser, pode transcender tanto seu ambiente como seu corpo físico. O que quer que ele faça é de sua escolha. Se os homens são livres para escolher, por que, então, sofrem tão frequentemente de ansiedade, alienação, aborrecimento, compulsões, fobias, ilusões e uma porção de outros distúrbios que o incapacitam? Há duas respostas para essa questão. A primeira, e mais óbvia, é que a liberdade para escolher não assegura que as escolhas sejam sábias. O homem pode realizar suas possibilidades ou pode voltar-lhes as costas. Em linguagem existencial, podemos escolher viver autenticamente, ou escolher viver inautenticamente. Não há menos liberdade para uma escolha do que para outra, embora as conseqüências sejam radicalmente diferentes. Para o homem escolher sabiamente é necessário que esteja consciente das possibilidades de sua existência. Isto significa que ele precisa permanecer aberto a todo momento para que essas possibilidades possam se revelar. A segunda é que o homem pode afinal transcender os ferimentos da infância e as ofensas posteriores à sua existência. O homem pode metamorfosear-se de uma pessoa existencialmente doente em uma pessoa sã. Sempre existe a possibilidade de mudar nossa própria existência, de desvendar e desabrochar um mundo todo novo. Uma coisa que as pessoas nunca podem transcender é a sua culpa. A culpa é um existencial, isto é, uma característica fundamental do Dasein. “A culpa existencial do homem consiste no seu fracasso em cumprir a exigência de realizar todas as suas possibilidades” (Boss, 1963, p. 270). Há uma outra coisa que uma pessoa não pode evitar: a angústia – o pavor do Nada ou daquilo que Barret chama “a terrível e total contingência da existência humana” (1962, p. 65). O Nada é uma presença do Não-Ser no Ser de Heidegger. As possibilidades da existência carecem de realização na medida em que o Não-Ser dominou o Ser. As possibilidades da existência incluem coisas como os estados e condições corporais tanto quanto as possibilidades ampliadas ou restritas do mundo. Esses estados corporais não são porém conceituados como impulsos, pois fazê-lo significaria admitir que alguma coisa existe por trás do ser-no-mundo – e isso é repugnante aos olhos dos existencialistas. DESENVOLVIMENTO As explicações genéticas, tais como dizer que as experiências iniciais causam o comportamento posterior, são também rechaçadas pelos psicólogos existencialistas; eles também não dão ênfase, em seus trabalhos, a qualquer sucessão de eventos de desenvolvimento que caracterize o crescimento individual. Dito de outro modo, não acreditam que a existência global do indivíduo seja um evento histórico. O conhecimento genético, diz Boss, só pode vir à tona após a compreensão dos fenômenos presentes em si mesmos. Uma pessoa pode agir hoje como fez ontem – ou na infância – porque percebe que o encontro presente tem o mesmo significado do encontro passado. Apenas nessas circunstâncias se pode dizer que alguém foi motivado pelo passado, mas mesmo essa motivação se baseia no ser-no-mundo presente. É verdade que podemos nos lembrar do que fizemos ontem e repetir hoje os atos de ontem, mas a repetição é devida ao significado do ato para nós agora. O mais importante conceito existencial de desenvolvimentoé o vir-a-ser ou tornar-se. A existência nunca é estática; está sempre em processo de tornar-se alguma coisa nova, de transcender-se a si mesma. O objetivo é tornar-se completamente humano, para realizar todas as possibilidades do Dasein. Naturalmente, este é um projeto sem fim e sem esperança porque a escolha de uma possibilidade sempre significa a rejeição de todas as outras possibilidades. Que a vida, ou pelo menos a existência humana como ser-neste-mundo, termina com a morte é um fato conhecido de todo mundo. Boss assinala que esse conhecimento da morte não deixa ao homem outra escolha do que viver permanentemente em relação com a morte. A existência humana pode ser chamada, desse ponto de vista, de “ser-para-a-morte”. O fim inevitável do ser-no- mundo confere ao homem a responsabilidade de tirar o máximo de cada momento de sua existência e de realizar sua existência. Qualquer que seja o futuro da Psicologia Existencial, quer se solidifique numa teoria, quer se enfraqueça ao ser suplantada por interesses especiais, está claro que ela oferece uma maneira profundamente nova de estudar e compreender os seres humanos. Por essa razão, ela merece maior atenção dos estudantes de psicologia. REFERÊNCIAS Barrett, W. (1962). Irrational man: a study in existential philosophy. Garden City, N. Y.: Doubleday Anchor Books. Binswanger, L. (1958). The case of Ellen West. In R. May; E. Angel e H. F. Ellenberger (orgs.). Existence (pp. 237-364). New York: Basic Books. Binswanger, L. (1963). Being-in-the-world: selected papers of Ludwing Binswanger. New York: Basic Books. Boss, M. (1963). Psychoanalysis and Daseinanalysis. New York: Basic Books. Straus, E. W. (1963). The primary world of senses: a vindication of sensory experience. Glencoe, Ill.: Free Press.
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