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1 Liderança transformacional e pop-management: um casamento perfeito Autoria: Felipe Guimarães Côrtes RESUMO Em um contexto de mudanças econômicas, sociais, culturais e tecnológicas, percebe-se a disseminação da ideologia gerencialista e do consequente foco exacerbado em eficiência, produtividade, desempenho e qualidade. Nesse cenário e, sob um enfoque crítico, este ensaio propõe que as teorias sobre liderança e, destacadamente, sua vertente transformacional, e a literatura de pop-management, seriam facetas que se relacionam e se alavancam mutuamente, servindo à perpetuação da hegemonia gerencialista. Como decorrência, tal círculo vicioso culminaria em uma situação em que os indivíduos se deixam prender e seduzir por meio da gestão do simbólico e do afetivo promovida pelas empresas, que o fazem por meio de seus líderes, que por sua vez são moldados por leituras apressadas de textos provenientes da mídia de negócios. Tais proposições estimulam reflexão sobre o papel do líder e sua influência na alienação ou emancipação do indivíduo, servindo como alerta e um estímulo para repensar a moderna gestão. PALAVRAS-CHAVE Liderança transformacional; pop-management; gerencialismo. 1 Introdução Transformações de origem econômica, social, cultural e tecnológica marcaram a sociedade ocidental no século XX, em um contexto que passou a ser influenciado grandemente pelo poder exercido por grandes empresas, que passaram a ditar os rumos econômicos e sociais (Siqueira, 2009), principalmente por meio da transmissão de uma ideologia gerencialista e de seus princípios, como a eficiência, a produtividade, o desempenho e a qualidade (Chanlat, 2002; Gaulejac, 2007). Nas décadas recentes, devido às citadas transformações e à reestruturação produtiva do mundo organizacional, este passou a ser caracterizado por um novo contrato social baseado em comprometimento e participação e conduzido por uma série de regras, padrões, ritos e práticas que frequentemente utilizam-se do simbólico para controlar comportamentos (Motta, 1993; Wood & Paula, 2002). A nova realidade também atinge, portanto, a esfera do trabalho, que estaria envolvida em um processo de reestruturação da produção, em que as empresas demitem massivamente, reorganizam suas estruturas e processos, aumentam jornadas de trabalho e tudo mais que puderem fazer para vencerem as crises que se apresentam, impondo ao indivíduo uma rotina conturbada, em que é necessário se adaptar a novas técnicas, ferramentas e modelos gerenciais (downsizing, subcontratação, qualidade total, etc.) que buscam controla-lo física, psíquica e intelectualmente (Siqueira, 2009). Nesse cenário, as organizações produzem um imaginário próprio, em que se fazem perfeitas, buscando capturar os desejos narcisistas de seus funcionários por meio de promessas de reconhecimento, identidade e de solução para os defeitos individuais (Freitas, 2000a). À procura de crescimento contínuo, criam e utilizam mecanismos de controle para ampliar suas possibilidades de sucesso em um mercado instável e competitivo (Siqueira, 2009). A gestão contemporânea visa, portanto, à maximização do desempenho por meio de controle psicossocial, exercido de forma sutil, porém envolvendo sedução e desejo (Oliveira, 2011). A intenção é de fazer com que o indivíduo sirva voluntariamente, nutrindo profunda 2 admiração pela organização, o que propicia a esta a disciplina e a relação de dominação desejadas (Siqueira, 2009). E é nesse contexto de busca incessante da excelência que a liderança moderna nasce, inserida “entre a cooptação, a manipulação, a impotência e o individualismo” (Oliveira, 2011, p. 122). Um dos principais papeis do líder é justamente o de inspirar seus seguidores a apoiarem as causas da empresa, gerando comprometimento e ajustando o imaginário individual ao organizacional, em um processo de fascinação e de apego à organização (Siqueira, 2009). Atualmente, o mainstream da liderança, representado principalmente pelo seu enfoque mais influente (Lima, Lima, & Freitas, 2015) e mais pesquisado nas duas últimas décadas (Esper, Steil, & Santos, 2014), a liderança transformacional, tem como principal característica ser um estilo que trabalha com o reconhecimento, as perspectivas e as condições de desenvolvimento da capacidade de tomada de decisão dos liderados (Burns, 1978; Calaça & Vizeu, 2015). Tal estilo faria parte da abordagem da nova liderança, baseada numa ideia de líderes como gestores de significados, articuladores de uma visão e transformadores de seguidores em algo que correspondesse àquela visão (Bryman, 2009), ou seja, sob esse prisma os líderes seriam verdadeiros administradores do simbólico (Azevedo, 2002) e, portanto, produziriam mudanças nas crenças, nas necessidades e nos valores dos indivíduos (Kuhnert & Lewis, 1987). Esse entendimento da liderança transformacional guarda semelhanças com a gestão do afetivo abordada por Enriquez (1995), em que para mobilizar os indivíduos a seu favor, as organizações e seus dirigentes (líderes formais) fazem com que os indivíduos se liguem mais à realidade organizacional, estabelecem um processo de psicologização dos problemas e interiorizam nos funcionários a ideia de que eles podem ser ganhadores e “heróis criativos”. Se “os tempos não são mais do chefe que comanda, mas daquele que seduz, persuade, exala charme, anima e sabe jogar com as aparências”, obtendo-se, por meio de um controle psicossocial sutil a mobilização das energias em prol da cultura e do imaginário da organização (Enriquez, 1997), o líder transformacional apresenta-se como o instrumento ideal para promover a gestão do afetivo e, dessa forma, incutir nos indivíduos os ideais da empresa, auxiliando na reprodução da ideologia gerencialista. Os preceitos da liderança transformacional ganharam e ganham força e influência no meio empresarial não somente por meio das publicações acadêmicas, mas também pela literatura direcionada para a área de gestão, em que o estilo é defendido como ideal para ambientes de alta competitividade e sujeitos a grandes mudanças (Valadão, Oliveira, & Lima, 2007). A essa literatura produzida pela mídia de negócios e que compreende livros e revistas de rápido consumo dá-se o nome de pop-management, que geralmente dissemina textos de autoajuda corporativa, com prescrições, conselhos e modelos de conduta baseados em histórias de sucesso e clichês, reforçando o processo de gestão das paixões e da subjetividade nas organizações (Wood & Paula, 2002) e disseminando a retórica do management e a ideologia gerencialista (Paula & Wood, 2003; Wood & Paula, 2006). Calcado no aprofundamento dessas reflexões, o presente ensaio teórico busca analisar, sob uma perspectiva crítica, as interfaces entre liderança e, principalmente, o estilo de liderança transformacional, com a gestão do afetivo e o controle amoroso exercido pelas organizações sobre os indivíduos, e, consequentemente, com a reprodução da ideologia gerencialista predominante, tendo também como mola propulsora a literatura do pop- management. Considerando que o mainstream das pesquisas em liderança geralmente foca seus aspectos benéficos para as organizações, muitas vezes deixando de lado as preocupações com 3 seus aspectos e efeitos negativos (Sendjaya, 2005; Crevani, Lindgren, & Packendorff, 2010), a análise crítica aqui intentada justifica-se pelo fato de apresentar uma visão menos ingênua e mais complexa sobre o assunto (Calaça & Vizeu, 2015), incorporando o não dito ao que é manifestamente percebido (Faria, 2009). 2 A hegemonia da ideologia gerencialista Por gerencialismo (ou managerialism), pode-se entender “o sistema de descrição, explicação e interpretação do mundo a partir das categorias da gestão privada” (Chanlat, 2002,p. 2), cuja principal suposição é a de que as organizações possuem mais semelhanças do que diferenças e, portanto, o desempenho de qualquer uma pode ser maximizado por meio da aplicação de teorias, conceitos e ferramentas gerenciais padronizados (Wood & Paula, 2008). O movimento gerencialista ganhou força a partir dos anos 1980, especialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, espalhando-se posteriormente pela Europa e pela América Latina, disseminando e consolidando os valores do mundo dos negócios, juntamente com o culto à excelência e com a cultura do empreendedorismo, em um processo que passou a moldar a experiência social (Wood & Paula, 2006). Assim, as organizações são compelidas a aceitar e a reproduzir a ideologia gerencialista hegemônica (Onuma, Zwick, & Brito, 2015), que prega a mobilidade e a flexibilidade e transforma o modo de organizar por meio de uma gestão utilitarista e instrumental, baseada na busca incessante por melhores desempenho e qualidade, em que a eficácia é necessidade básica (Gaulejac, 2007). Gaulejac (2007) aponta e critica os paradigmas nos quais se funda o gerencialismo (Tabela 1): objetivista, funcionalista, experimental, utilitarista e economista, em um entendimento de que o pensamento gestionário seria a “encarnação caricatural do pensamento ocidental” (Gaulejac, 2007, p. 82). Tabela 1 Crítica dos paradigmas que fundamentam o gerencialismo PARADIGMAS PRINCÍPIO BÁSICO CRÍTICA Objetivista Compreender é medir, calcular Primado da linguagem matemática sobre qualquer outra linguagem Funcionalista A organização é um dado Ocultação dos mecanismos de poder Experimental A objetivação é um dado científico Dominação da racionalidade instrumental Utilitarista A reflexão está a serviço da ação Submissão do conhecimento a critérios de utilidade Economista O humano é um fator da empresa Redução do humano a um recurso da empresa Nota. Fonte: Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social (p. 81). Aparecida-SP: Ideias e Letras. Assim, ao designar o gerencialismo como uma ideologia, subentende-se que, nas entrelinhas das regras e dos instrumentos gerenciais há uma certa visão de mundo e algumas crenças incrustadas, de forma que a gestão se apresenta como racional, mas na verdade objetiva iludir e dissimular seu real projeto: a dominação (Gaulejac, 2007). Para Gaulejac (2007), a hegemonia gerencialista atual é tão premente que se assume a possibilidade de tudo gerenciar: cidades, administrações, instituições, famílias e, até mesmo, os relacionamentos e as emoções, sendo os indivíduos convidados a se tornarem empreendedores de si mesmos. O poder gerencialista atua por meio da mobilização da psique para promover metas de produtividade, com a utilização de técnicas que assimilam desejos e angústias individuais e os direcionam em favor da organização, transformando a energia libidinal em impulso para o 4 trabalho, em uma realidade paradoxal que induz os indivíduos a uma submissão consentida (Gaulejac, 2007). Esse sistema “managinário”, mistura de management com imaginário, implicaria em uma espécie de simbiose entre trabalhador e organização, em que o primeiro vê uma oportunidade de aplacar suas frustrações e dar vazão a sua energia narcísica, enquanto a organização torna possível o seu projeto gerencialista (Gaulejac, 2007; Salimon & Siqueira, 2013). Trata-se, portanto, de submeter o indivíduo à ideologia gerencialista por meio da afetividade, geralmente via fascinação e sedução, que possibilitam à empresa impor a sua cultura de maneira sutil, fazendo-se presente no inconsciente do indivíduo e minimizando ações e posturas críticas em relação a ela, de forma quase hipnótica, em um verdadeiro abandono vinculado ao controle amoroso (Siqueira, 2009; Salimon & Siqueira, 2013). Como consequência dessa dominância gerencialista há, por um lado, melhorias tecnológicas, financeiras e econômicas, mas sob o custo de uma degradação das condições de trabalho, que levam a consequências relacionadas a doenças profissionais, sofrimento no trabalho e insegurança social (Gaulejac, 2007). 3 Liderança transformacional e reprodução da ideologia gerencialista Para Faria e Meneghetti (2011, p. 113), a liderança é “a condição, atributo ou capacidade de um sujeito individual ou coletivo (pessoa, grupo ou organização) de mobilização de outros sujeitos ou indivíduos (massas)”, estando vinculada ou à “hipnotização” ou ao “convencimento” calcados na expectativa de resolução de problemas ou atendimento de necessidades dos liderados. No contexto gerencialista, é na atuação da liderança que o controle amoroso tipicamente se manifesta, principalmente por meio da fascinação, utilizada para inspirar a missão e a visão de futuro organizacional nos liderados, que veem no líder uma referência de conduta e um modelo a ser seguido, em um processo de enamoramento (Siqueira, 2009), semelhante ao que Enriquez (1995) denomina de gestão pelo afetivo. Liderar é atrair, estimular, dominar e, portanto, a liderança é uma forma de sedução (Calás & Smircich, 1991), conduzida por meio de um jogo que envolve máscaras e disfarces, com a utilização de uma linguagem própria que vai ao encontro dos desejos narcísicos dos indivíduos, em um círculo de enganação que, paradoxalmente, os incita a vontade de triunfar (Freitas, 2000b). Pelo prisma da sedução, o líder gerencialista seria semelhante ao personagem Don Juan, no sentido de ser uma figura que impressiona e persuade, marcado pela lisonja, pelo charme e pelas promessas, mas ao mesmo tempo pela fraude: o jogo de impressões termina quando atinge seus objetivos por meio de outrem (Freitas, 2000b), tal qual o indivíduo não importa mais para o líder quando deixa de atender ao ideário organizacional. Utilizando a sedução ou a inspiração, o líder age para manter a cultura organizacional, de forma que os trabalhadores persigam os objetivos da empresa com seu corpo, pensamento e psiquismos (Siqueira, 2009). A liderança incorpora, dessa forma, duas formas de controle social propostas por Faria (2003): o simbólico-imaginário (relacionado à valorização de símbolos de sucesso e fracasso que guiam atitudes) e o por vínculos (referente à concepção de um projeto comum envolvendo identificação afetiva). A administração do simbólico e do imaginário, conforme brevemente mencionado na introdução, é a característica que predomina na abordagem da nova liderança (Azevedo, 2002; Bryman, 2009), da qual se sobressai na literatura e na prática organizacional o estilo do líder transformacional, que trabalha seus seguidores por meio de uma consideração 5 individualizada, estímulo intelectual, motivação inspiracional e influência idealizada, ferramentas que supostamente levariam os indivíduos a um desempenho superior e à melhor aceitação dos propósitos e da missão do grupo ou da organização (Bass, 1990). O ingrediente que propicia a obediência dos liderados em relação ao líder transformacional é a habilidade que este manifesta em destacar um ideal comum a ser compartilhado, imprimindo uma causa e valores morais comuns e entendidos como relevante por todos (Calaça & Vizeu, 2015). Assim, a gestão do simbólico, na liderança transformacional, teria como fator facilitador a existência de um vínculo afetivo entre líder/liderado, em um processo mediado pela indução, persuasão, gratificação, inspiração e influência, carregando em seu bojo as sementes para a manipulação psicológica e a dominação (Allix, 2000). Essa possibilidade de manipulação presente na liderança transformacional seria fruto da apropriação feita por Bass (1990) do modelo inicialmente desenvolvido por Burns (1978), imprimindo uma perspectiva mais gerencialista focada nas competências dos líderes e na possibilidadeinstrumental de treinar gestores para as exercerem (Calaça & Vizeu, 2015). Os elementos que remetem à possibilidade de manipulação e ao controle simbólico e afetivo fazem com que o líder transformacional assemelhe-se ao matador cool descrito por Enriquez (1997), que mobiliza as energias do grupo por meio do entusiasmo e, quando necessário, adota as atitudes necessárias, seja quais forem, para eliminar o problema, porém sempre agindo com “doçura”. O líder transformacional, assim como o manager descrito por Gaulejac (2007), é o arauto moderno do gerencialismo, aquele que busca uma mediação entre paradoxos não mediáveis, como obter de seus liderados a submissão espontânea à ordem coercitiva gerencial. Portanto, o exercício da liderança transformacional nas organizações contemporâneas serve como indutor da ideologia e das práticas gerencialistas, que preferem a “adesão voluntária à sanção disciplinar, a mobilização à obrigatoriedade, a incitação à imposição, a gratificação à punição, a responsabilidade à vigilância”, o que proporciona uma força enraizada em valores que levam ao engajamento individual para a obtenção do lucro, objetivo maquiado pela infusão de um ideal na psique dos trabalhadores (Gaulejac, 2007, p. 119). 4 Liderança transformacional, pop-management e disseminação gerencialista No decorrer das décadas de 1980 e 1990, os livros e revistas de negócios transformaram-se em um negócio lucrativo, constituindo uma literatura inspirada pelo contexto sócio-organizacional em franca transformação, repleta de tópicos relacionados às questões e vicissitudes da vida empresarial, compondo um conjunto de publicações denominado de literatura de pop-management (Wood & Paula, 2006). Tal literatura, muitas vezes consumida de forma voraz pelos executivos, é marcada pelo que se supõe ser politicamente correto, apesar de possuir qualidade discutível (Amorim & Perez, 2010), principalmente porque os textos típicos do pop-management são marcados por “palavras de ordem, chavões, clichês e slogans” (Wood & Paula, 2006, p. 100) e não raro são escritos com base em opiniões ou experiências com pouco fundamento teórico e escassa base empírica (Paula & Wood, 2003). Um dos assuntos mais populares dessa literatura é a liderança (Wood, 2000) e seus manuais (Paula & Wood, 2003), sendo que o estilo mais abordado é o transformacional (Valadão et al, 2007), persistindo nas publicações do mainstream que tratam do tema uma redução às questões personalísticas, por vezes relacionadas ao interesse comercial de consultorias na venda de receitas fáceis (Vizeu & Calaça, 2013). 6 O fato de tratar do tema de forma prescritiva, com a receita de modelos como a liderança transformacional, ilustra os resultados das pesquisas que indicam a literatura de pop- management como um agente de popularização da cultura do management (gerencialismo), por meio da difusão de teorias e práticas ideologicamente carregadas e metamorfoseadas em modismos gerenciais (Wood & Paula, 2006). Especula-se que a mídia popular de negócios pode estar alimentando um mundo de faz de conta caracterizado pelo reducionismo e pela tendência a simplificar o complexo, instando a aderência ao gerencialismo e popularizando indiscriminadamente modas e modismos, que constituem uma lente distorcida pela qual as organizações entendem seu ambiente, identificam seus problemas, escolhem prioridades e estabelecem cursos de ação (Wood & Paula, 2008). O próprio Gaulejac (2007) atribui aos manuais da administração, uma espécie pertencente ao pop-management, a característica de disseminadores ideológicos e indutores de modelos que se pretendem universais e, assim, representantes de uma visão do trabalho idealizada e distante da realidade (Gaulejac, 2007; Onuma et al, 2015). Assim, em resposta ao ambiente dito competitivo e compelidas pela busca incessante da maximização de resultados, as empresas tendem a procurar a inovação constantemente e, frequentemente, encontram as respostas e alternativas para tanto nos modismos gerenciais propalados pela mídia de negócios e por consultorias especializadas, fato que pode explicar a adoção do downsizing e outras práticas gerenciais que culminaram em demissões em massa nas últimas décadas (Siqueira, 2009). Diante do exposto até aqui, infere-se que a liderança transformacional e a literatura de pop-management estão intimamente relacionadas, formando o casamento perfeito e tendo como prole o fortalecimento da ideologia gerencialista. De um lado, as práticas da liderança transformacional reproduzem seus elementos no contexto organizacional e, de outro, as publicações da mídia de negócios os disseminam e formam novos líderes transformacionais, novos reprodutores ideológicos, em um círculo vicioso. 5 Considerações finais Este ensaio propôs que a liderança e seu estilo transformacional, por meio de suas características de gestão do simbólico e do afetivo, aliada à forte influência da literatura de pop-management no cotidiano corporativo, contribui para a reprodução e a disseminação da ideologia gerencialista e suas práticas de caráter instrumental. Tal realidade sujeita os indivíduos a serem servos dos valores gerencialistas, tendo sua voz e sua liberdade sequestradas, mantendo-se sempre ao dispor da organização e, na vã esperança de serem reconhecidos e valorizados, conduzirem sua vida como intrinsecamente vinculada ao seu sucesso profissional (Calgaro & Siqueira, 2008), sem saberem que estão impedidos de exercer suas manifestações psíquicas mais fundamentais: seus desejos, vontades e fantasias (Schmitt & Leal, 2006). Como resultado, o indivíduo cada vez mais atinge seu limite, em especial o emocional, sendo frequentes as doenças tanto físicas quanto psicológicas, além de problemas relacionados ao estresse, à ansiedade, à droga, ao álcool e às dificuldades de relacionamento (Siqueira, 2009). Uma possibilidade de amenizar os impactos da cultura e ideologia gerencialistas seria atuar em um dos elos que forma o movimento circular liderança / pop-management / gerencialismo. Talvez o elo menos resistente seja a liderança, que é geralmente exercida por indivíduos. Faria e Meneghetti (2011) propõem formas mais brandas de liderança, em que o líder tenha discernimento se está servindo de mero instrumento às aspirações organizacionais, preocupando-se constantemente com a qualidade do trabalho e com os interesses pessoais de 7 cada liderado. Para esses autores, é fundamental que o líder tente evitar a dominação desmesurada por parte da organização e que aja sempre pautado pela ética. As considerações tecidas ao longo deste trabalho, acerca do relacionamento entre liderança transformacional, literatura da mídia de negócios e ideologia gerencialista, carecem de investigações mais profundas, com interface empírica. Uma possibilidade de pesquisa envolveria, em uma mescla da sugestão de Wood e Paula (2008), ouvir os leitores de pop- management, principalmente aqueles que exercem papéis de liderança nas organizações em que trabalham, e verificar como eles assimilam, interpretam e aplicam esses conteúdos na realidade corporativa, em busca de sinais que revelem a disseminação dos ideais gerencialistas. Aliado a isso, poderiam ser compulsadas fontes secundárias, tais como os livros de autoajuda empresarial e os artigos das revistas especializadas em negócios, procurando identificar o que é escrito e prescrito sobre liderança transformacional. Por fim, a contribuição deste ensaio reside no alerta acerca do impacto, muitas vezes desconsiderado no contexto corporativo, de elementos como liderança e pop-management na reprodução e disseminação do gerencialismo, com a consequente e crescente precarização do trabalho e alienação do indivíduo. O alerta aqui contido pode servir como um estímulo pararepensar a gestão, abrindo as portas para se imaginar “outras formas de governabilidade, capazes de construir mediações entre os interesses dos acionistas, dos clientes e do pessoal, levando em conta o respeito pelo meio ambiente, as solidariedades sociais e as aspirações mais profundas do "ser do homem"” (Gaulejac, 2007, p. 317). Referências Allix, N. M. (2000). Transformational leadership. Educational Management & Administration, 28(1), 7-20. Amorim, M. C. S., & Perez, R. H. M. (2010). Poder e liderança: as contribuições de Maquiavel, Gramsci, Hayek e Foucault. Revista de Ciências da Administração, 12(26), 221- 243. Azevedo, C. S. (2002). Liderança e processos intersubjetivos em organizações públicas de saúde. Ciências & Saúde Coletiva, 7(2), 349-361. Bass, B. M. (1990). From transactional to transformational leadership: learning to share the vision. Organizational Dynamics, 18(3), 19-31. Bryman, A. (2009). 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