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Odonto 2010;18(35):24-29 24 artigo científico Padrão de respiração em crianças asmáticas Breathing Patterns In Children With Asthma Valdenice Aparecida de Menezes* Amanda Maria Ferreira Barbosa** Rossana Barbosa Leal*** Janaína Albuquerque Santos**** Lenilce Fabrícia Barros**** Maria de Fátima Arraes de Azevedo**** * Professora Doutora Adjunta de Odontope- diatria da Universidade de Pernambuco e da Associação Caruaruense de Caruaru/ASCES. ** Mestre em Odontopediatria pela Univer- sidade de Pernambuco/UPE, doutoranda em Odontopediatria pela FOP/UPE. *** Professora Doutora Adjunta de Odontope- diatria da Associação Caruaruense de Caruaru/ ASCES. **** Graduadas em Odontologia pela Univer- sidade de Pernambuco/UPE. Endereço para correspondência: Valdenice Aparecida de Menezes. Rua Carlos Pereira Falcão, 811/602 Boa Viagem, Recife/PE CEP: 51021-350 Email: valdenicemenezes@terra.com.br Recebimento: 2/10/2009 Aceito: 10/12/2009 RESUMO Objetivo: avaliar o padrão respiratório de crianças asmáticas. Material e métodos: foi realizado um estudo do tipo transversal com 111 pacientes asmáticos de 09 a 12 anos de idade e de ambos os sexos. O diagnóstico da respiração foi realizado por meio de dois testes; Teste 1 - espelho de Glatzel (vapor) para verificação da presença de vapor decorrente da respiração e o Teste 2: tempo de permanência de água na boca, com cronometragem de três minutos. O grau de concordância interexaminadores quanto ao diagnóstico da respiração foi avaliado pelo teste Kappa (0,83). A análise estatística consistiu de distribuições absolutas e percentuais e o teste estatístico Exato de Fisher. Resultados: o percentual de respiração oral foi de 45%. Verificou-se que 30,6% das crianças apresentaram asma persistente leve, 48,6% asma persistente moderada, 4,5% asma persistente grave e 16,2% asma intermitente. Conclusão: as crianças portadoras de asma apresentaram um padrão de respiração oral elevado. Palavras-chave: Asma; Respiração Bucal; Criança. ABSTRACT Aim: to evaluate the breathing pattern of asthmatic children. Material e méthods: this was a kind of cross-sectional study a sample of 111 children from 09 to 12 years of age and both sexes. The diagnosis of respiration was performed by means of two tests, Test 1 - metal plate of Glatzel (steam) and Test 2 - The residence time of water in the mouth. The degree of interexaminer agreement on the diagnosis of breathing was evaluated by Kappa test (0,83). Statistical analysis consisted of absolute and percentage distributions and statistical analysis Fisher’s exact. Results: the percentage of mouth breathing was 45%. It was found that 30.6% of children had mild persistent asthma, 48.6% moderate persistent asthma, severe persistent asthma 4.5% and 16.2% intermittent asthma. Conclusion: the children with asthma showed a pattern of mouth breathing. Keywords: Asthma; Mouth Breathing; Child. Menezes et at. Odonto 2010;18(35):24-29 25 INTRODUÇÃO A asma é uma doença inflamatória crônica comum na infância e na adolescência, caracterizada por obstrução reversível das vias aéreas, com ou sem tratamento8, sendo responsável por até 30% das limitações de atividades em crianças6, por 0,07% do total de mortes e 0,9% dos óbitos devido às doenças do aparelho respiratório3. Além de afetar uma parcela significativa da população (terceira causa entre crianças e adultos jovens), com elevado custo social e econômico, a asma constitui um sério problema de saúde pública, tanto pela prevalência quanto por sua morbidade2,7,10,19-20 podendo causar consideráveis restrições físicas, emocionais e sociais. Estimativas da Iniciativa Global para Asma (Global Initiative for Asthma, GINA) apontam para o ano de 2025, mais de 100 milhões de asmáticos na população mundial5. Outro distúrbio respiratório, freqüente em crianças e adolescentes, é a respiração oral. Sabe-se que ao nascimento o padrão de respiração correto é o nasal14. No entanto, caso ocorra alguma alteração no modelo fisiológico de respiração, pode surgir à respiração oral de suplência11, tendo como principais fatores etiológicos a obstrução mecânica das vias respiratórias e os hábitos bucais deletérios14. Existem três tipos de respiradores orais17: o Insuficiente Respirador Nasal Orgânico, o Insuficiente Respirador Nasal Funcional e os Respira- dores Orais - Impotentes Funcionais. A respiração oral pode provocar, dependendo de sua duração, várias alterações no sistema estomatognático com seqüelas significativas para o indivíduo12,21. Conhecendo a importância da asma e da síndrome da respiração oral como problemas de saúde pública, este estudo tem como objetivo avaliar a freqüência de respiração oral em pacientes asmáticos. MATERIAl E MéTODOS Foi realizado um estudo transversal a partir de uma amostra intencio- nal composta por 111 pacientes selecionados de forma consecutiva com idades entre 09 e 12 anos, de ambos os gêneros, regularmente acompan- hados em um hospital da rede pública da cidade do Recife-PE, o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), no período de setembro a dezembro de 2006. Foram excluídas do estudo as crianças que não quiseram participar do estudo ou cujos pais não autorizaram a sua participação. Todos os pacientes foram diagnosticados pelo médico como portadores de asma intermitente ou persistente, de acordo com a definição e classificação de gravidade das IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma7. O estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Instituição e seguiu as normas estabelecidas pela resolução 196/96 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde, Padrão de respiração em crianças asmáticas Odonto 2010;18(35):24-2926 incluindo a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos responsáveis. Para determinação do padrão respiratório foram realizados dois testes: Teste 1: com a placa metálica (Glatzel), a qual é colocada abaixo das narinas para verificação da presença de vapor decorrente da respiração; Teste 2: tempo de permanência de água na boca, com cronometragem de três minutos, tempo este que pode ser reduzido dependendo do tipo de respirador. Para fins de análise estatística foram considerados como respiradores orais àqueles classificados como tal nos dois testes realizados, ou seja, apresentaram vapor na parte inferior ou inferior/superior da placa me- tálica de Glatzel e permaneceram por menos de três minutos com a água na boca. Com o objetivo de verificar-se o grau de coincidência interex- aminadores quanto ao diagnóstico do padrão de respiração foi aplicado o teste Kappa, cujo valor foi de 0,83. A análise estatística consistiu de distribuições absolutas e percentuais das variáveis, sendo também utilizado o teste estatístico Exato de Fisher. Os dados foram digitados na planilha Excel e o software estatístico uti- lizado para a obtenção dos cálculos estatísticos foi SAS (Statistical Analysis System) na versão 8.0. O nível de significância utilizado foi de 5%. RESUlTADOS Na tabela 1 encontram-se as características da população estudada. Dos 111 pacientes, 56,8% eram do gênero masculino e 43,2% do feminino. A idade de nove anos representou 48,7% da amostra. Cerca de metade (48,6%) dos pesquisados tinha asma persistente moderada, 30,6% asma persistente leve e persistente grave com 4,5%. O percentual de pacientes com asma intermitente foi 16,2%. Tabela 1. Distribuição dos pacientes segundo as variáveis: gênero, faixa etária e tipo de asma. Variável N % • Gênero Masculino 63 56,8 Feminino 48 43,2 • Idade (em anos) 9 54 48,7 10 16 14,4 11 22 19,8 12 19 17,1 • Tipo de asma Intermitente 18 16,2 Persistente leve 34 30,6 Persistente moderada 54 48,6 Persistentegrave 5 4,5 TOTAL 111 100 Menezes et at. Odonto 2010;18(35):24-29 27 O diagnóstico do padrão de respiração, obtido pelos resultados do teste do tempo de água na boca e o teste do vapor, revelou que 45% crianças eram respiradores orais. O percentual de respiração oral foi mais elevado nos casos de asma persistente moderada (51,8%) e intermitente (50,0%), entretanto ao nível de 5% não se comprovou associação significante entre tipo de asma e o padrão de respiração (Tab. 2). Tabela 2. Avaliação do padrão de respiração segundo o tipo de asma. Padrão de Respiração Tipo de asma Nasal Oral Grupo Valor total de p n % n % n % Intermitente 9 50,0 9 50,0 18 100,0 p(1) = 0,3079 Persistente leve 22 64,7 12 35,3 34 100,0 Persistente moderada 26 48,2 28 51,8 54 100,0 Persistente grave 4 80,0 1 20,0 5 100,0 TOTAL 61 55,0 50 45,0 111 100,0 (1) - Através do teste Exato de Fisher. DISCUSSÃO Apesar da asma e da respiração oral caracterizarem distúrbios respiratórios de alta prevalência na população infantil e constituírem problemas de saúde pública, pouca atenção tem sido dirigida à avaliação do padrão respiratório das crianças asmáticas e sua influência na qualidade de vida. A prevalência de respiração oral no presente estudo foi equivalente à de outras pesquisas, porém não em crianças asmáticas, fato que dificulta uma análise comparativa dos dados. Estudos que objetivaram verificar a freqüência de respiração oral em pacientes sem alteração respiratória aparente, revelaram dados divergentes desta patologia. Os maiores percentuais foram verificados em uma pesquisa sobre hábitos orais de sucção em população de baixa renda, cuja prevalência foi de 77,78%4. Em um levantamento epidemiológico18 para determinar a prevalência de hábitos orais deletérios e freqüência de respiração oral com 217 crianças, constatou-se que o maior percentual encontrado para hábito bucal dele- tério correspondeu à respiração oral com 34,5%. Dados similares foram encontrados em uma pesquisa com 265 crianças22. Diferenças entre estes percentuais podem ser resultantes da diversidade metodoló gica dos estu- dos, incluindo viés de amostragem e de critérios de diagnóstico adotados, principalmente no que se refere ao tipo de respirador, oronasal e/ou exclusivo oral. Padrão de respiração em crianças asmáticas Odonto 2010;18(35):24-2928 A respiração oral foi mais prevalente nas crianças com asma persis- tente moderada, entretanto ao nível de 5,0% não se comprovou associação significante entre tipo de asma e o padrão de respiração. Também não foi observada diferença significativa (P > 0,05), entre o padrão de respiração e tipo de asma, classificada em dois grupos: intermitente e persistente, embora a prevalência de respiração oral no grupo total tenha sido alta. A distribuição das crianças foi feita em dois grupos: as portadoras de respiração nasal e as portadoras de respiração oral. Fizeram parte deste último grupo àquelas portadoras de respiração oronasal, considerando que na amostra estudada não foi verificado nenhum caso de respiração exclusivamente oral concordando com a literatura14,22 de que este padrão de respiração é raro, sendo mais comum o paciente, por algum fator que o dificulte respirar livremente pelo nariz (obstrução crônica das vias aéreas, alergias, adenóides, amígdalas hipertrofiadas, processos tumorais, sinus- ites, etc.) realizar uma respiração mista: parte bucal e parte nasal15. Com relação ao tipo de asma, a maioria das crianças apresentou a asma persistente, sendo o predomínio do tipo moderada, como verificado em outro estudo1. No entanto, em uma pesquisa com 163 crianças entre 04 e 14 anos de um Ambulatório Universitário de Pediatria, em Cuiabá/ MS, foi observado que a maioria dos pacientes apresentava a forma leve da doença, 28,8 % moderada e apenas 1,7% grave16. Cabe ressaltar que o maior percentual de asma leve e moderada, talvez seja devido ao tratamento supervisionado, como o realizado no local deste estudo, com cuidados de equipe multidisciplinar, cujas crianças recém diagnosticadas como asmáticas permanecem sob constante acompanhamento médico a fim de que se consiga o controle total da doença. Os resultados deste estudo devem ser entendidos à luz de suas limita- ções metodológicas; a primeira delas está no fato de ter se utilizado uma amostra intencional. Outro aspecto foi a não verificação da influência da rinite alérgica na asma, especialmente a respiração oral que é fundamen- talmente secundária à obstrução nasal9. Sabe-se que a asma é uma doença inflamatória crônica8 que afeta a região broncopulmonar, que se relaciona com maior freqüência a infecções de via aérea superior e, tendo como conseqüência o aumento dos tecidos linfóides13. Sugere-se que outros estudos sejam realizados, levando-se em con- sideração a influência da rinite na determinação do padrão respiratório de asmáticos. CONClUSõES 45% das crianças examinadas nesse estudo eram respiradoras orais;• o percentual de respiração oral apresentou-se mais elevado nos • casos de asma persistente moderada e intermitente. Menezes et at. Odonto 2010;18(35):24-29 29 REFERÊNCIAS 1. BRITTO, M.C.A., et al. Asthma in schoolchildren from Recife, Brazil. Prevalence com- parison: 1994-95 and 2002. J. Pediatr., v. 80, n. 5, p. 391-400, 2004. (______.), et al. Asthma prevalence in schoolchildren in a city of Northeast of Brazil. Ann. Trop. Paediatr., v. 20, p. 95-100, 2000. 2. CAMPOS, H.S. Mortalidade por asma no Brasil: 1984 a 1988. J. pneumol., v.3, p.20- 04, 1994. 3. CAVASSANI, V.G.S., et al. Hábitos orais de sucção: estudo piloto em população de baixa renda. Rev. bras. Otorrinolaringol., v. 69, n.1, p. 106-10, 2003. 4. CERCI NETO, A. Asma em Saúde Pública. 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