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Santo Graal Vitaminado – Atualizado por: XXXXX.
PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
SUMÁRIO
Ponto 1.a. Violação de direitos humanos e responsabilidade internacional do Estado. 4
Ponto 1.b. Relação entre violação de direitos humanos e crimes internacionais conexos: apartheid, tortura, desaparecimento forçado, genocídio, trabalho e comércio escravo, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. 7
Ponto 1.c. Proteção internacional dos direitos humanos e a reserva de jurisdição interna do Estado: limites e aplicabilidade do art. 2º, para. (7), da Carta da ONU. 9
Ponto 2.a. Princípio da universalidade dos direitos humanos e o relativismo cultural. Gramáticas diferenciadas de direitos. O ius cogens internacional em matéria de direitos humanos. 13
Ponto 2.b. Princípio da indivisibilidade dos direitos humanos. A teoria das “gerações” de direitos. Diferenças entre obrigações decorrentes da garantia de direitos civis e políticos e obrigações decorrentes da garantia de direitos econômicos, sociais e culturais. 20
Ponto 2.c. Direitos humanos e garantias constitucionais fundamentais: convergências e divergências conceituais. Tratamento diferenciado entre direitos fundamentais e direitos sociais na Constituição Federal. 25
Ponto 3.a. Relação entre o regime de proteção internacional de direitos humanos, o direito internacional humanitário, o direito de minorias, o direito de refugiados e o direito internacional penal. 27
Ponto 3.b. Eficácia vertical e horizontal de direitos humanos (“Drittwirkung”). Obrigação de respeitar e de garantir respeito a direitos. 31
Ponto 3.c: As Nações Unidas e a promoção universal dos direitos humanos: inteligência do art. 1º, para. (3), da Carta da ONU. Valor normativo da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 33
PONTO 4.a . Procedimentos especiais no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Os  procedimentos das Resoluções ECOSOC 1235 e 1503. As relatorias especiais. O sistema de "peer review". 36
Ponto 4.b. Sistema de monitoramento multilateral de direitos: relatórios periódicos, comunicações interestatais, petições individuais e investigações motu próprio. 42
Ponto 4.c. Direitos humanos e obrigações erga partes e erga omnes. Direito de Estados interferirem em situações de graves violações de direitos 45
Ponto 5.a Sistema interamericano de direitos humanos. A Declaração Americana dos Direitos e Deveres Humanos. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos: origem, composição e competências. A Corte Interamericana de Direitos Humanos: composição e competências. Medidas provisórias. Procedimento de fixação de reparações. Exequibilidade doméstica das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. 48
Ponto 5.b. Carta Democrática Interamericana de 2001. Natureza jurídica. Direito à democracia e obrigação de sua promoção. Democracia e direitos humanos 58
Ponto 5.c. Protocolo de San Salvador. Monitoramento pelo Conselho Interamericano de Educação, Ciência e Cultura, pelo Conselho Interamericano Econômico e Social e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos 60
Ponto 6.a. Derrogações implícitas e derrogações explícitas de direitos humanos. Estado de emergência. Condições para suspensão de direitos. Direitos inderrogáveis. Conceitos de segurança e ordem pública, direitos de outros, saúde pública, moral pública como critério de delimitação do gozo de direitos. 62
Ponto 6.b. Acesso à Justiça. Princípios de Brasília adotados pela Cúpula Judicial Ibero-americana. 65
Ponto 6.c. "Tortura e penas ou tratos cruéis, desumanas ou degradantes" como conceito integral. Diferenciação entre os elementos do conceito na jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos (caso irlandês) e seus reflexos no art. 16 da Convenção da ONU contra a Tortura de 1984. 67
Ponto 7.a. Direitos comunicativos. Conceito, limites e espécies. Formas de violação de direitos comunicativos. 69
Ponto 7.b. Povos indígenas e comunidades tradicionais em face do Direito Internacional. Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.  Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais de 2005. Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2007. 72
Ponto 7.c. Valor do tratado de direitos humanos na Constituição Federal. Hierarquia supralegal. Tratados "equivalentes a emendas constitucionais". 76
Ponto 08.a. Pena de morte. Restrições no direito internacional e, em especial, na Convenção Americana de Direitos Humanos. 78
Ponto 8.b. História e evolução organizacional do regime internacional de proteção dos direitos humanos. 80
Ponto 8.c. Proteção dos direitos das pessoas portadoras de deficiência no direito internacional. A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo facultativo. 85
Ponto 9.a. Instituições e Tratados de Direitos Humanos de que o Brasil é parte. 86
Ponto 9.b. Anistias autoconcedidas no direito internacional. Colisão com o dever de perseguir. Diferenciação no tocante a perdão, graça e indulto 91
Ponto 9.c. Incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal: competência para processo e julgamento, hipóteses de cabimento atribuição do Procurador-Geral da República. Intervenção federal para garantia dos direitos humanos: condições para decretação e escopo da medida. 93
Ponto 10.a. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará de 1994): definição de violência contra a mulher, obrigações dos Estados-Partes e sistema de monitoramento. A Lei n 11.340, de 07 de agosto de 2006 (“Lei Maria da Penha”): origem e escopo. 94
Ponto 10.b. Política Nacional de Direitos Humanos. O 3º Plano Nacional de Direitos Humanos. O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana - CDDPH. O Ministério Público e a defesa dos direitos humanos. 98
Ponto 10.c. Direito à autodeterminação dos povos (art. 1º comum aos dois Pactos Internacionais da ONU de 1966): conceito e convergência com o princípio de autodeterminação dos povos (art. 1º, para. (2) da Carta da ONU e Resolução 2625 (1970) da Assembleia Geral da ONU). 101
Ponto 11.a. Adequação do arcabouço legal brasileiro aos compromissos assumidos com o regime de proteção internacional dos direitos humanos. 106
Ponto 11.b. Experimentação humana. Limites bioéticos. Casos de convergência com o conceito de tortura. 112
Ponto 11.c. Os pactos internacionais da ONU de 1966. Direitos protegidos e sistemas de monitoramento. 116
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Ponto 1.a. Violação de direitos humanos e responsabilidade internacional do Estado.
Principais obras consultadas: Resumo dos Grupos 25º e 26º CPR; Flávia Piovesan. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional, 12ª Edição. Ed. Saraiva; Fábio Conder Comparato. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, 4º Edição. Ed. Saraiva; ESMPU. Manual Prático de Proteção de Direitos Humanos Internacionais.
Legislação Básica: CF, Artigos 1º, 3º, 4º, 5º, 6º, 37; Convenção Americana de Direitos Humanos; Jurisprudência Nacional e Internacional;
Introdução: Os direitos humanos não são um dado, mas um construído, frutos de um espaço simbólico de luta e ação social, sob um viés emancipatório. “Não mais se discute, na atualidade, a força vinculante do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Esse ramo do Direito Internacional consiste no conjunto de direitos e faculdades previstas em normas internacionais, que assegura a dignidade da pessoa humana”. “O estudo da proteção internacional aos direitos humanos está intimamente relacionado ao estudo da responsabilidade internacional do Estado, pois tal responsabilização é essencial para reafirmar a juridicidade das normas internacionais de direitos humanos. Com efeito, a negação dessa responsabilidade acarreta a negação do caráter jurídico da norma internacional” (artigo da R. CEJ, Brasília, n. 29, p. 53-63, abr./jun. 2005).
Conceito e elementosda responsabilidade internacional: André Carvalho Ramos aduz que a responsabilidade internacional do Estado é “uma reação jurídica, qualificada como sendo instituição, princípio geral de direito, obrigação jurídica ou mesmo situação jurídica pela doutrina e jurisprudência, pela qual o Direito Internacional justamente reage às violações de suas normas, exigindo a preservação da ordem jurídica vigente por meio da reparação aos danos causados.”
A responsabilização do Estado é essencial para reafirmar a juridicidade das normas de proteção internacional dos direitos humanos. Com efeito, na concepção do referido doutrinador, “de acordo com a prática internacional, são três os elementos da responsabilidade internacional do Estado. O primeiro deles é a existência de um fato internacionalmente ilícito (descumprimento dos deveres básicos de garantia e respeito aos direitos humanos consagrados em convenções internacionais). O segundo elemento é o resultado lesivo (prejuízos materiais e morais causados à vítima e seus familiares). O terceiro é o nexo causal entre o fato e o resultado lesivo (imputabilidade consiste no vínculo entre a conduta do agente e o Estado responsável).
Limites: o princípio da responsabilidade internacional do Estado por violações de Direitos Humanos encontra limites. Nessa perspectiva, “os Estados podem, durante situações excepcionais que abalem o seu funcionamento regular, suspender temporariamente uma série de obrigações contratuais. Usualmente, os Estados-Partes especificam no tratado sob quais pressupostos tal medida drástica é admissível. Em tratados internacionais de direitos humanos são as chamadas cláusulas de derrogação que versam sobre essa problemática.” (Manual Pratico de Proteção de Direitos Humanos, pg. 116).
É importante perceber que, mesmo nesses contextos excepcionais, o Estado, quando mitiga determinados direitos humanos, deve pautar seu comportamento com base no princípio da proporcionalidade. Ademais, “além disso, há direitos humanos que jamais podem ser suspensos, porque tal medida seria sempre desproporcional. Esses direitos são fixados pelas cláusulas de derrogação como direitos humanos “não derrogáveis”. Nem sempre são os mesmos direitos. Quem lê, por exemplo, o art. 27° (2) da ConvADH (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), vai descobrir que ele é mais abrangente do que o art. 4° (2) do PIDCP (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos). Direitos não derrogáveis que praticamente todas as cláusulas de derrogação têm em comum são o direito à vida, a proibição da tortura e da escravidão e servidão, assim como o princípio da legalidade (nulla poena sine lege) e da não discriminação por motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social.” (Manual pratico de Proteção de Direitos Humanos, pg. 118).
Formas de responsabilização e reparação: A imputação da responsabilidade é antes de tudo uma operação jurídica. Assim, mesmo uma decisão com trânsito em julgado ou uma norma constitucional podem acarretar a responsabilização do Estado.
O Chile foi condenado a alterar o art. 19 de sua Constituição, relativo à liberdade de expressão. Nesse sentido, para evitar a responsabilidade do Estado por ato do Legislativo é necessário implementar o controle de convencionalidade das leis e da Constituição. Conforme leciona o Prof. Cançado Trindade (ASIL Proceedings, 1998, p. 200-201) a Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece o dever de prevenção a fim de impedir a repetição de violações dos direitos humanos, incluindo o dever de harmonizar a legislação nacional com as normas de proteção internacional. O caso Suárez Rosero é paradigmático no sistema de proteção interamericano por ter sido a primeira vez que uma decisão de um tribunal internacional de direitos humanos determinou a modificação de uma lei nacional. A obrigação convencional de proteção dos direitos humanos é o princípio fundamental da responsabilidade internacional do Estado, de modo que o argumento da separação de poderes não isenta o Estado da obrigação de reparar o dano, ainda que não possa desconstituir uma decisão judicial com trânsito em julgado. Atos ultra vires: praticados por agentes públicos, mas extrapolando as competências legais. O Estado responde pelo dano decorrente da atuação ilegal (ultra vires) por ter selecionado tais agentes públicos. Atos omissivos em face de condutas de particulares: o Estado responde por não adotar as medidas necessárias a coibir os abusos praticados pelos particulares. Exemplo: caso José Pereira resultou na condenação do Brasil por não evitar o trabalho escravo. Ato judicial que acarreta responsabilização: decisão tardia ou inexistente, bem como decisão violadora das normas de Direitos Humanos.
Casuística: Responsabilidade Internacional pela Conduta do Poder Executivo: Caso Velásquez Rodríguez: a CorteIDH decidiu que os atos ultra vires dos órgãos ou agentes são também imputáveis ao Estado, por sua injustificável omissão (v. Doutrina Osman1 ). A Corte consignou também o dever de organizar o aparato do Estado para garantir os direitos previstos na ConvADH. Doutrina Velásquez Rodríguez: determina a obrigação de o Estado reprimir penalmente as violações de direitos humanos. O Estado, portanto, responde pela violação do direito à vida e também pela eventual impunidade dos autores das violações. Caso José Pereira: o Brasil reconheceu perante a Comissão IDH sua responsabilidade por ter-se omitido em prevenir o trabalho escravo e por não ter conseguido punir os responsável pelo assassinato de um trabalhador (e tentativa de homicídio de José Pereira). Caso Godinez Cruz: Com efeito, um fato inicialmente não é imputável diretamente a um Estado, por exemplo, por ser obra de um particular..., pode acarretar a responsabilidade internacional do Estado, não por esse fato em si mesmo, mas por falta da devida diligência para prevenir a violação (...)” “Essa devida diligência constitui um agir razoável para prevenir ou punir situações de violação de direitos humanos”. Caso Damião Ximenes: Damião Ximenes, portador de doença mental foi assassinado dentro de clínica de repouso. A Corte IDH decidiu no mesmo sentido do Caso Niños de la Calle, entendendo que não basta que os Estados se abstenham de violar os direitos, mas é essencial que implementem medidas positivas adotadas em função das necessidades particulares de proteção do indivíduo (no caso de tratamento assumido por entes privados, há o dever de regular e fiscalizar).
Responsabilidade Internacional pela Conduta do Poder Legislativo: Segundo André Carvalho Ramos “nada impede que uma lei aprovada pelo Parlamento local viole os direitos humanos. Portanto, mesmo se as leis tiverem sido adotadas de acordo com a Constituição, e em um Estado democrático, isso não as exime do confronto com os dispositivos internacionais de proteção aos direitos humanos.” Forma-se, então, o chamado “controle de convencionalidade de leis perante o Direito Internacional dos Direitos Humanos”. Caso Suárez Roseros vs. Equador: a CorteIDH estabeleceu que o art. 114 do CP do Equador, ao privar os acusados de tráfico de drogas da garantia judicial da duração razoável do processo, violou o art. 2º da ConvADH. De modo inovador a Corte decidiu que a violação ocorre mesmo sem a aplicação concreta do art. 144, ou seja, a Corte fez um juízo de convencionalidade da lei doméstica, estabelecendo que o Estado é responsável pelo ato do legislador (concretiza-se o dever de prevenção, previsto nos arts. 1º e 2º da ConvADH). Caso La Ultima Tentacion de Cristo: a CorteIDH condenou o Chile pela censura prévia ao filme, por violar a liberdade de pensamento e expressão, bem como de consciência e religião. Foi determinada a adequação da legislação doméstica do Chile (que acarretou a reforma da Constituição). Caso Loayza Tamayo, Caso Barrios Altos, Caso Bámaca Velázquez, Caso Gomes Lund: a CorteIDH condenou a edição de leis de anistia aos autores de violações de direitos humanos. Para a Corte, os Estados não podem justificar o inadimplementode suas obrigações internacionais invocando dispositivos internos (reconheceu, assim, que para o direito internacional o direito interno é um mero fato). As leis de anistia violam, entre outros, o direito à verdade, o direito de acesso à justiça, o direito ao devido processo legal. Estabeleceu-se, portanto, o dever de os Estados investigarem e punirem os responsáveis por violações de direitos humanos. No Caso Loayza Tamayo, em que ela foi ilegalmente detida, a Corte decidiu, ainda, pela sua libertação e pela reinserção no meio social, através do seu retorno às atividades de docente, com a anulação de qualquer antecedente penal da vítima.
Responsabilidade Internacional pela Conduta do Poder Legislativo: Para o Direito Internacional, o ato judicial é um fato a ser analisado como qualquer outro fato. “A responsabilização internacional por violação de direitos humanos pela conduta do Poder Judiciário pode ocorrer em duas hipóteses: quando a decisão judicial é tardia ou inexistente (no caso da ausência de remédio judicial) ou quando a decisão judicial é tida, no seu mérito, como violadora de direito protegido.” Caso Genie Lacayo: a CorteIDH reconheceu a responsabilidade internacional da Nicarágua pela conduta do Poder Judiciário, em razão da delonga injustificada na prolação de sentenças contra os responsáveis pelo desaparecimento e morte de Genie Lacayo. Caso Niños de la Calle (Villagrán Morales): a CorteIDH decidiu que o direito à proteção da vida abarca inclusive as condições materiais mínimas de existência de uma pessoa, cabendo ao Estado, na promoção da vida, garantir o acesso às condições que garantam uma existência digna. Assentou-se, assim, que o direito à vida não possui apenas uma faceta dita de defesa, mas é, também, além de um direito civil e político, um direito econômico e social (indivisibilidade dos direitos humanos). Assim, a Corte exigiu da Guatemala a adoção de ações sociais e da garantia do mínimo existencial. Além disso, o direito à vida alcança ainda o dever de o Estado restaurar o “projeto de vida” (algo semelhante com a perda de uma chance). Por fim, decidiu a Corte que não se poderia invocar a tese defensiva de que a violação teria sido ocasionada pelo Poder Judiciário, que seria independente, uma vez que a responsabilidade é do Estado como um todo.
Leitura complementar: Artigo de autoria de André Carvalho Ramos intitulado “Responsabilidade Internacional do Estado por Violação aos Direitos Humanos”, artigo da R. CEJ, Brasília, n. 29, p. 53-63, abr./jun. 2005;
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Ponto 1.b. Relação entre violação de direitos humanos e crimes internacionais conexos: apartheid, tortura, desaparecimento forçado, genocídio, trabalho e comércio escravo, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Principais obras consultadas: Resumo dos Grupos 25º e 26º CPR; Flávia Piovesan. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional, 12ª Edição. Ed. Saraiva; Fábio Conder Comparato. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, 4º Edição. Ed. Saraiva; ESMPU. Manual Prático de Proteção de Direitos Humanos Internacionais.
Legislação Básica: CF, Artigos 1º, 3º, 4º, 5º, 6º, 37; Convenção Americana de Direitos Humanos; a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (ONU, 1965); a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (ONU, 1979); a Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989); a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006); a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias (Resolução nº 45/158, AG da ONU, 1990); a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas cruéis, desumanos e degradantes (ONU, 1984), a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio (1948); Jurisprudência Nacional e Internacional;
Conceito e aspecto histórico: A Comissão de Direito Internacional da ONU define crime internacional como o descumprimento, pelo Estado, de uma obrigação essencial para a salvaguarda de interesses fundamentais da sociedade internacional e cuja transgressão é, por esse motivo, reconhecida como grave pelos membros dessa coletividade. Embora esse conceito seja incompleto, por não levar em conta a personalidade internacional dos indivíduos, os deveres que estes devem cumprir na vida social – inclusive no âmbito internacional – e o princípio da responsabilidade individual, que é uma das marcas do Direito Penal com um todo, deixa entrever a íntima correlação que a idéia de crimes internacionais tem com a violação aos direitos humanos (valores e interesses fundamentais tutelados em favor da dignidade humana).
A relação entre crimes internacionais e violação de direitos humanos é perceptível a partir dessa necessidade que a sociedade internacional possui de resguardar determinados direitos essenciais dos seres humanos. Assim, partindo-se do pressuposto de que os direitos humanos nascem a partir de lutas sociais de resistência, ou seja, os direitos humanos são construídos em contextos que envolvem sua violação, a noção de crimes internacionais está necessariamente ligada a um mecanismo de tutela desses direitos humanos.
O desenvolvimento da noção de crimes internacionais é fenômeno que remonta à segunda metade do século XIX, quando teve início um esforço internacional de humanização da guerra. Entretanto, a consolidação do conceito é fenômeno posterior ao final da II Guerra Mundial e decorre diretamente da formação de um sistema internacional de proteção dos direitos humanos e de um mecanismo internacional de segurança coletiva administrado pela ONU.
Com efeito, a construção da ideia de crimes internacionais é também fenômeno típico de um mundo em que há certa convergência em relação a uma pauta mínima de valores e no qual há muitas questões que dizem respeito a mais de um Estado específico ou a toda a sociedade internacional. É a consciência comum em relação à necessidade de se deferir especial tutela a certos valores (v.g., igualdade de gênero, de raça, etnia; inviolabilidade de crenças e convicções religiosas; liberdade do ser humano e autodeterminação dos povos, etc) que conduziu o DIP à preocupação de tipificar como “criminosas” as condutas transgressoras dos valores/bens/direitos relacionados com a dignidade humana.
Neste sentido, Flávia Piovesan anota que o Tribunal de Nuremberg (1945-1946) significou um poderoso impulso ao movimento de internacionalização dos direitos humanos. Ao final da II Guerra e após intensos debates sobre o modo pelo qual poderiam os alemães ser responsabilizados pela guerra e pelos bárbaros abusos do período, os aliados chegaram a um consenso, com o Acordo de Londres de 1945, pelo qual ficava convocado um Tribunal Militar Internacional para julgar os criminosos de guerra. Ainda como contribuições históricas para reprimir os crimes internacionais, vale citar o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia e o Tribunal Penal Internacional para Ruanda, criados na década de 90 do século passado para processar e julgar indivíduos por atos cometidos nos conflitos ocorridos nesses dois países.
Critérios de Incriminação: Existem alguns fatores que levam a sociedade internacional a se preocupar com certas condutas puníveis, considerando-o um crime internacional: 1) a conduta afeta um interesse internacional significativo, em especial uma ameaça à paz e à segurança internacionais; 2) a conduta ofende valores compartilhados pelo conjunto da comunidade internacional (mas o interesse não é de altíssima significância); 3) a conduta tem implicações transnacionais, por envolver ou afetar mais de um Estado, seja pela diversidade de nacionalidade dos sujeitos. Isto é, considera-se a transnacionalidade. Para tanto, saímos do plano do objeto jurídico para a morfologia da conduta (mais de uma nacionalidade envolvida ou a conduta se estende para mais de um território); 4) a conduta é ofensiva a pessoa ou interesse sujeito a proteção internacional (mas o interessenão é de altíssima significação). 5) a conduta é de tal natureza que sua prevenção e repressão podem ser vantajosamente levadas a efeito pela conjugação de esforços nacionais.
Previsão dos crimes internacionais. Codificação dos direitos humanos: A partir do que foi aduzido no item concernente ao conceito e o aspecto histórico, a adoção da Convenção para a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, em 8 de dezembro de 1948, que afirmou ser o genocídio um crime contra a ordem internacional, deu início, então, aos esforços para a criação de um Tribunal Penal Internacional permanente (Piovesan, pag. 282-283).
Segundo o artigo 6º da Convenção, “as pessoas acusadas de genocídio serão julgadas pelos tribunais competentes do Estado em cujo território foi o ato cometido ou pela corte penal internacional competente com relação às Partes Contratantes que lhe tiverem reconhecido a jurisdição”. Todos esses eventos convergiram esforços internacionais para a criação de um organismo intergovernamental permanente, o Tribunal Penal Internacional (TPI), competente para examinar quatro tipos de ilícitos, desde que sejam de maior gravidade e que afetem a comunidade internacional em seu conjunto: crimes de guerra, crimes contra a humanidade, crimes de agressão e genocídio.
No Sistema Global de proteção de Direitos Humanos, cumpre enumerar diversos tratados destinados a conferir especial proteção aos valores caros á Sociedade Internacional, tais como: a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (ONU, 1965); a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (ONU, 1979); a Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989); a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006); a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias (Resolução nº 45/158, AG da ONU, 1990); a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas cruéis, desumanos e degradantes (ONU, 1984), a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio (1948).
Leitura complementar: PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional Público e Privado. Salvador: JusPodivm, 2009. PIOVESAN, Flávia. “O direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados”.In: PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. São Paulo: Saraiva, 2006.
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Ponto 1.c. Proteção internacional dos direitos humanos e a reserva de jurisdição interna do Estado: limites e aplicabilidade do art. 2º, para. (7), da Carta da ONU.
Principais obras consultadas: Resumo dos Grupos 25º e 26º CPR; Flávia Piovesan. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional, 12ª Edição. Ed. Saraiva; - O artigo intitulado “A INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA COMO FORMA LEGÍTIMA DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS” de autoria de “Anita Kons da Silveira”; Fábio Conder Comparato. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, 4º Edição. Ed. Saraiva; ESMPU. Manual Prático de Proteção de Direitos Humanos Internacionais.
Legislação Básica: CF, Artigos 1º, 3º, 4º, 5º, 6º, 37; Convenção Americana de Direitos Humanos; Jurisprudência Nacional e Internacional; Carta das Nações Unidas (1945).
Noções Gerais: Os tratados internacionais volvidos à proteção dos direitos humanos, ao mesmo tempo em que afirmam a personalidade internacional do indivíduo e endossam a concepção universal dos direitos humanos, acarretam aos Estados que os ratificam obrigações no plano internacional. Com efeito, se, no exercício de sua soberania, os Estados aceitam as obrigações jurídicas decorrentes dos tratados de direitos humanos, passam então a se submeter à autoridade das instituições internacionais, no que se refere à tutela e fiscalização desses direitos em seu território. Sob esse prisma, a violação de direitos humanos constantes dos tratados, por significar desrespeito a obrigações internacionais, é matéria de legítimo e autêntico interesse internacional, o que vem a flexibilizar a noção tradicional de soberania nacional (pg. 61, PIOVESAN). Nesse sentido, destaque-se a afirmação do Secretário-Geral das Nações Unidas, no final de 1992: “Ainda que o respeito à soberania e integridade do Estado seja uma questão central, é inegável que a antiga doutrina da soberania exclusiva e absoluta não mais se aplica e que esta soberania jamais foi absoluta, como era então concebida teoricamente. Uma das maiores exigências intelectuais de nosso tempo é a de repensar a questão da soberania (...). Enfatizar os direitos dos indivíduos e os direitos dos povos é uma dimensão da soberania universal, que reside em toda a humanidade e que permite aos povos um envolvimento legítimo em questões que afetam o mundo como um todo. É um movimento que, cada vez mais, encontra expressão na gradual expansão do Direito Internacional.” (pg. 62, PIOVESAN).
Limites e aplicabilidade do art. 2º, para. (7), da Carta da ONU: a inclusão da obrigação de se respeitarem os direitos humanos na Carta da ONU foi um marco histórico no Direito Internacional Público, pois pela primeira vez os Estados comprometiam-se perante outros Estados a adotar um comportamento determinado ante os não sujeitos do direito internacional, ou seja, seus habitantes desprovidos de direitos. Entretanto, a Carta da ONU é um documento amplo. Sendo um tratado constitutivo de uma organização internacional que contém os princípios básicos do direito internacional. Destarte, as disposições devem permanecer gerais. No mais, a ONU é uma organização de coexistência, ou seja, as disposições devem permitir que tanto países ocidentais, comunistas, desenvolvidos e subdesenvolvidos concordem. Logo, não se encontram na Carta da ONU, por exemplo, comentários sobre a democracia, pois, em 1945, nem a União Soviética nem a Arábia Saudita (ambos membros fundadores) teriam concordado.
Porém, os Estados-Membros da ONU comprometeram-se a cooperar entre si e cada um para a promoção dos direitos humanos. Com isso, o fundamento para o desenvolvimento dos direitos humanos foi dado, sem, contudo, uma concreta definição a ser cumprida ou direitos humanos designados (Manual de Direitos Humanos, pag. 26).
Cumpre destacar que em seu artigo 2º, parágrafo 7º, encontra-se previsto que: A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios: (...). 7.Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capitulo VII , ou seja, o princípio da não intervenção não obsta que a ONU adote medidas coercitivas contra Estados que pratiquem atos de ameaça à paz, à ruptura da paz e atos de agressão.
Infere-se do supracitado dispositivo da Carta da ONU que o princípio da soberania ainda possui extrema importância nas relações internacionais. Ora, se trata de um princípio basilar do Direito Internacional Público. Nessa medida, a regra é a não intervenção internacional em assuntos decorrentes de fatos internos ocorridos no âmbito de um Estado. Entretanto, sabe-se que o Direito Internacional Público vive na atualidade uma verdadeira expansão dos direitos humanos. Nesse sentido, existência de ius cogens é explicitamente reconhecida pelos Estados na Convenção de Viena sobre Tratados Internacionais, bem como pela jurisprudência internacional. Uma característica do ius cogens é sua capacidade de limitar o tradicional principio do Direito Internacional Público denominado pacta sunt servanda além de flexibilizar a noção tradicional de soberania.
Aplicabilidade: A Carta da Organização das Nações Unidas, entre outros objetivos, pretendeu sanar as falhas do Pacto Briand-Kellog e sustentar a ilegitimidadedo jus ad bellum através da redação do art. 2º, n. 4, que assim dispõe: Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.
Este artigo não se aplica somente aos membros da Organização das Nações Unidas, mas vincula toda a comunidade internacional. Ele proíbe o recurso à força pelos membros da ONU contra qualquer outro Estado, sendo este membro ou não, uma vez que a Carta da ONU estatui em seu art. 2º, n. 6 que a Organização se compromete em assegurar que os Estados que não são seus membros ajam de acordo com os princípios erigidos na Carta, visando à manutenção da paz e segurança internacionais. A guerra, assim, tornou-se um ilícito internacional e a Carta da ONU teve a oportuna cautela de não se referir nominalmente à guerra, mas à ameaça ou utilização da força, algo bem mais extenso e abrangente. Segundo o art. 2º, §4º, qualquer uso da força no cenário internacional empreendido pelos Estados-membros, independente da razão, é vedado, a menos que expressamente permitido pela Carta. É com a redação dele que se cristaliza o princípio da resolução pacífica das controvérsias, que é complementado pelo princípio da não intervenção, consolidado no art. 2º, n. 7 da Carta. Uma vez proscrita a guerra, emerge este princípio como expressão da autonomia estatal e para impossibilitar que grandes potências, sob a alegação da defesa de qualquer interesse, interviessem por ameaça ou utilização da força nos assuntos domésticos ou externos de outro Estado de forma arbitrária e prejudicial à liberdade e independência das nações. O princípio da não intervenção é considerado corolário lógico da proibição do uso da força e é conquista dos países de Terceiro Mundo, haja vista que estes foram os principais alvos de intervenções por parte das grandes potências. Entende-se intervenção como a ação de um Estado ou grupo de Estados que interfere em outro Estado soberano ou independente, para impor a sua vontade nos assuntos internos e externos, sem o respectivo consentimento, a fim de manter ou alterar um estado de coisas. É, portanto, uma prática ilícita, pois contraria o consagrado princípio da não-intervenção. Contudo, a própria Carta da ONU só proíbe a intervenção nos assuntos internos e é a ONU quem decide se a matéria pertence ou não à jurisdição doméstica dos Estados.2 Cabe destacar, ainda, que as pressões políticas, econômicas e diplomáticas violam também o art. 2º, n. 7, quando tiverem o sentido de verdadeiro ultimato, isto é, sempre que puderem ser comparadas ao uso da força devido à efetiva imposição da vontade de um Estado sobre outro para que este faça ou deixe de fazer algo, por meio da eliminação ou restrição das opções que se oferecem ao governo estrangeiro numa conjuntura particular histórica. Pode-se afirmar, portanto, que se abster de medidas coercitivas é elemento essencial para definir o dever de não-intervenção que se impõe aos Estados.3
Casuística: Importantes contornos do princípio da não-intervenção foram definidos nas decisões da Corte Internacional de Justiça nos casos do Estreito do Corfu e Nicarágua. No acórdão que inaugura a sua jurisprudência no assunto, a Corte assevera: “O pretenso direito de intervenção não pode ser entendido senão como a manifestação de uma política de força, política que no passado deu lugar a graves abusos e que não poderia encontrar qualquer lugar no direito internacional, quaisquer que sejam as deficiências atuais da organização internacional.”4
Limites: a letra da Carta cria uma exceção à regra ao prescrever no próprio artigo que o consagra: “esse princípio não poderá prejudicar a aplicação das medidas executórias do capítulo VII”; de forma que não há controvérsia quanto à possibilidade das Nações Unidas, amparada no capítulo VII, autorizar o uso da força contra algum Estado-membro. A intervenção, portanto, só é considerada ilícita quando a força é utilizada nas hipóteses não autorizadas pelo Capítulo VII da Carta. O problema proposto neste caso é identificar quais são os assuntos de domínio reservado5 dos Estados que não podem sofrer a interferência da Organização. Neste ponto, verifica-se que o respeito aos direitos humanos é um dos principais propósitos consagrados na Carta da ONU, e, além dela, vários outros documentos internacionais expressam a obrigação dos Estados em respeitar as disposições internacionais humanitárias.
Ademais a expressão “ações incompatíveis com os propósitos das Nações Unidas”, inserta no artigo 2º, n. 4, reflete uma “abertura” nos termos da Carta, uma vez que o dispositivo permite incluir várias situações imprevistas e vindouras, que podem ser enquadradas na norma e permitir que a Organização atue em determinados casos. As ações incompatíveis com os propósitos das Nações Unidas são aquelas contrárias ao disposto no primeiro artigo  da Carta, ou seja: a) atos contrários à paz e segurança internacionais; b) solução não-pacífica de controvérsias; c) ações contrárias à autodeterminação dos povos; d) ações contrárias à igualdade de direitos dos povos e e) violações aos direitos humanos e às liberdades fundamentais. A inclusão destas expressões demonstra a preocupação de proibir a ameaça ou utilização da força não somente nos casos de integridade territorial ou independência política de qualquer Estado, mas, em qualquer ação militar que fosse contrária aos propósitos das Nações Unidas. A propósito, o disposto no art. 2º, §7º da Carta da ONU tende a ceder frente à constatação da existência de uma ameaça contra a paz, de uma ruptura da paz ou de um ato de agressão; casos em que as Nações Unidas, por meio da atuação do Conselho de Segurança, poderão empreender ações, armadas inclusive, em conformidade com o Capítulo VII da Carta, a fim de manter ou restabelecer a paz internacional.6
Valor normativo da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Foi objeto da questão 57 na fase objetiva em que o examinador considerou que a declaração “não é formalmente vinculante, mas é indicativo de amplo consenso internacional, integrando o chamado soft law”. Como esta questão gerou certa confusão, especialmente porque alguns autores simplesmente consideram a declaração universal sem fazer mais considerações, cabem alguns comentários.
O conteúdo da Declaração é repetido e ampliado por inúmeros tratados de direitos humanos, gerais ou específicos, universais ou regionais. Tais tratados são formalmente vinculantes para os Estados que deles fazem parte. Por outro lado, muito do conteúdo da declaração é costume ou princípio de direito internacional. O fato de um determinado direito ou obrigação estar inserido na declaração é forte indicativo de que ele é vinculante por outros motivos (tratado, costume ou princípio), porém isto não faz da Declaração em si formalmente vinculante, ainda que a maior parte de seu conteúdo vincule os Estados por outros motivos.
Leitura complementar: SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural de Direitos Humanos. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). PIOVESAN, Flávia. O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2000. PIOVESAN, Flávia; e PIROTTA, Wilson Ricardo Buquetti. “Os direitos humanos das crianças e dos adolescentes no direito internacional e no direito interno”. In: PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003. RAMOS, André de Carvalho. Direitos humanos em juízo. São Paulo: Max Limonad, 2001.
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Ponto 2.a. Princípio da universalidade dos direitos humanos e o relativismo cultural. Gramáticas diferenciadas de direitos. O ius cogens internacional em matéria de direitos humanos.
Principais obras consultadas: Resumo do Grupo do 25º CPR; Resumo do Grupo do 26º CPR; Marcelo D. Varella. Direito Internacional Público. 3ª Edição. Ed. Saraiva; Flavia Piovesan. Direitos humanos e justiça internacional.2ª ed. Ed. Saraiva; Paulo Henrique Gonçalves Portela. Direito internacional público e privado. 2ª ed. Ed. Juspodivm; Ramos, André de Carvalho.Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional / André de Carvalho Ramos — 2. ed. — São Paulo : Saraiva, 2012.
Legislação básica: Declaração Universal de 1948. Declaração de Direitos Humanos de Viena (1993). Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados (CVDT).
UNIVERSALIDADE E RELATIVISMO CULTURAL:
A internacionalização dos direitos humanos confere primazia ao valor da dignidade humana, como paradigma e referencial ético. Tendo como consequências: (a) a relativização da soberania (concepção kantiana, centrada na cidadania universal); (b) reconhecimento da condição de sujeito de direitos aos indivíduos. Para os universalistas, os Direitos Humanos decorrem da dignidade humana (único requisito é ser pessoa), sendo inatacável o “mínimo ético irredutível”. Em contraposição, os relativistas exprimem que a noção de direitos está ligada ao sistema político, econômico, cultural e moral, de modo que cada cultura possui o seu discurso acerca dos direitos fundamentais. Piovesan (pag. 46) destaca a posição – conciliatória – de Bhikhu Parekh e Joaquín Herrera Flores, para quem seria “necessário desenvolver um catálogo de valores universais não etnocêntricos, por meio de um diálogo cultural aberto, no qual os participantes decidam quais os valores a serem respeitados” (tese do universalismo pluralista ou de confluência).
O debate ainda em aberto: ser universal na diversidade. O Direito Internacional dos Direitos Humanos convive com um grande desafio, muitas vezes olvidado: criar, por meio de tratados e costumes internacionais, um rol amplo de direitos e um grupo de órgãos judiciais ou quase judiciais que, por sua vez, determinarão interpretações comuns dos mais importantes temas das heterogêneas sociedades humanas (aborto, pesquisa de célula-tronco, “waterbording”, verdade e memória, autoanistia, arquivos secretos, igualdade, etc.), em suma, em ser universal na diversidade. A universalidade dos direitos humanos já é prevista em diversos diplomas internacionais, mas mesmo assim, ainda muito discutida entre os internacionalistas. Tal conflito ficou evidente já na elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), quando alguns países questionaram a redação de alguns direitos, desqualificando pretenso consenso da humanidade. Já em 1993, foi realizada a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos de Viena, em 1993, na qual consagrou-se a universalidade dos direitos humanos. Por isso, alguns autores consideram superado o debate: os direitos humanos, quer seja a partir da Declaração Universal de Direitos Humanos (BOBBIO) ou a partir da Declaração de Viena (LINDGREN ALVES) são universais, pois contam com o apoio dos Estados de diferentes matizes da comunidade internacional.
Conceito e consagração. Com efeito, a universalidade dos direitos humanos pode ser entendida em três planos (PECES-BARBA). O primeiro plano é o da titularidade. O segundo plano é o temporal. Por fim, há o plano dito cultural.  Os dois últimos planos advêm do reconhecimento do primeiro.
 A consagração filosófica dos direitos do homem tem antecedentes históricos remotos na Antiguidade grega e como expoentes mais recentes os iluministas de Locke a Rousseau.
 Após a aceitação filosófica destes direitos da pessoa humana, o rol de direitos humanos foi inserido nas Constituições e Declarações de Direitos. De fato, a consequência indireta da positivação dos direitos no século XIX, com a promulgação de Constituições em cada país, foi a restrição dos “direitos inerentes a todo ser humano” no estreito figurino dos “direitos postos” pelo ordenamento estatal. Ou seja, os direitos humanos eram locais e não universais, dependendo das leis internas de cada Estado. Assim, cada país poderia, a seu talante, conceder ou retirar direitos dos indivíduos em seu território. A universalidade foi resgatada com a internacionalização dos direitos fundamentais. Para tanto, foi essencial a 2ª Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, que foi um marco para o Direito Internacional. O resultado foi a elaboração de uma Declaração e um Programa de Ação para a promoção e proteção de direitos humanos. A Declaração de Viena admitiu que as particularidades locais devem ser levadas em consideração, assim como os diversos contextos históricos, culturais e religiosos, mas é dever do Estado promover e proteger todos os direitos humanos, independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais. Logo, peculiaridades locais ou ocasionais não poderiam justificar a violação ou amesquinhamento desses direitos. Todavia, restam críticas a tal universalização. Em várias situações, parte da doutrina e Estados opõem-se à aplicação de determinados direitos, que seriam ofensivos às práticas culturais ou mesmo às opções legislativas locais. Cite-se o conhecido exemplo da clitoridectomia (mutilação da genitália feminina) e a draconiana lei californiana do chamado “three strikes and you’re out”, além de casos como do Otto-Preminger Institut apreciado pela Corte Europeia de Direitos Humanos, ocorrido na Áustria, onde houve censura e confisco de filme considerado ofensivo à Igreja Católica. A Corte não condenou tal prática, pois considerou que o Estado austríaco possuía margem de apreciação para permitir a limitação da liberdade de expressão em nome do respeito à religião dominante (católica) daquele país. Para alguns autores a universalidade dos direitos humanos é forma de colonialismo e a proteção de direitos humanos, uma indisfarçável ingerência estrangeira (ocidental) nos assuntos domésticos internos, cuja consequência seria a imposição de valores com o consequente sacrifício da diversidade cultural.
As objeções à universalidade dos direitos humanos. O argumento filosófico: existência de diversas percepções valorativas do mundo. O argumento da falta de adesão dos Estados: ora a falta de adesão formal, ora, na existência da adesão formal, a falta de engajamento prático. Segundo POLLIS e SCHWAB, dois dos mais agudos críticos do universalismo, o conceito de universalização dos direitos humanos foi expressão disfarçada do imperialismo cultural eurocêntrico, sob o fundamento que, embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos tenha sido aprovada sem voto em sentido contrário sob a forma de resolução da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, houve oito abstenções (Bielorússia, Tchecoslováquia, Polônia, União Soviética, Ucrânia, Iugoslávia, Arábia Saudita e África do Sul). O argumento geopolítico: uso do discurso de proteção de direitos humanos como um elemento da política de relações exteriores de numerosos Estados. O argumento cultural:  dicotomia entre indivíduo-comunidade, cultura oriental-ocidental etc. O argumento desenvolvimentista: os direitos humanos exigem um estágio ulterior de desenvolvimento para sua correta proteção e implementação.
A reafirmação da universalidade dos direitos humanos. Os direitos humanos não oferecem ritos ou símbolos: são conceitos jurídico-normativos, que estabelecem o ethos de liberdade no regramento da vida em sociedade, não competindo nem servindo como substitutos às convicções religiosas. Não se trata de buscar, assim, um denominador comum mínimo dos diversos valores culturais, que aceita diversas condutas humanas apenas por serem integrantes de tradições culturais, em sacrifício da dignidade da pessoa humana, mas de se afirmar que a pluralidade de culturas e orientações religiosas (ou de cosmovisões) devem ser respeitadas com o reconhecimento da liberdade e participação com direitos iguais para todos. O argumento cultural de relativização à universalidade dos direitos humanos somente pode ser aceito como cláusula de salvaguarda àqueles que assim desejarem exercer seus direitos de escolha, mas nunca para coagir outros a se submeterem a determinados comportamentos apenas por se tratar de “prática tradicional”. Em relação à objeção dita“geopolítica”, note-se que a mesma crítica pode ser feita em relação a qualquer tema do Direito Internacional. Aliás, diga-se que é justamente no domínio dos direitos humanos que estão sendo desenvolvidos mecanismos coletivos de apuração de violações de direitos humanos, quase judiciais ou judiciais, o que representa um inegável progresso rumo ao banimento da seletividade e do double standard atacado pela objeção ora em comento. Quanto à crítica “desenvolvimentista” à universalidade dos direitos humanos resta ressaltar que tal argumento, em síntese, nos leva a postergar o gozo dos direitos humanos em nome da lógica da “razão de Estado”, que teria maiores recursos para a obtenção de seu desenvolvimento.
Perspectivas interculturais no século XXI. Em 2001, a Organização das Nações Unidas celebrou o Ano do “Diálogo entre as Civilizações”, contrapondo-se, em especial, à tese de HUNTINGTON de que o século XXI será o século do choque de civilizações (sarcasticamente denominado “the West against the Rest”). Neste diapasão, AN-NA´IM propõe um novo paradigma que rompa a dicotomia universalismo versus relativismo. Para o citado autor, é necessário estabelecer um duplo diálogo: primeiramente, um diálogo interno no qual determinada cultura possa debater sua visão de dignidade da pessoa humana e dos direitos humanos; após, um diálogo externo, igualitário e baseado na reciprocidade, no qual as diversas concepções possam convergir. O diálogo é possível a partir de premissas aceitas pelo autor. Em primeiro lugar, há de se reconhecer que todas as culturas e religiões comungam dos ideais gerais de igualdade e liberdade encontrados na Declaração Universal de Direitos Humanos, mas divergem quanto à extensão e conteúdo dos direitos em concreto o que exigirá reinterpretação dos preceitos locais (ou “interpretação iluminista”). Em segundo lugar, tal reinterpretação é essencial, uma vez que a fórmula de organização europeia do Estado-nação espalhou-se pelo globo, e, assim, há a necessidade de mecanismos de proteção do indivíduo contra os abusos do Estado. Assim sendo, o diálogo interno é essencial para por em xeque determinados dogmas culturais, levando a releitura de concepções locais, agora à luz dos direitos humanos. Em complemento, o diálogo externo (com outras culturas) acarreta a revaloração dos próprios padrões de direitos humanos, usados anteriormente como marcos hermenêuticos do diálogo interno. Ocorre o fenômeno da legitimação retrospectiva dos padrões universais, que, antes de rejeitar tais padrões, busca por meio desse diálogo multicultural revalidá-los. Este diálogo relegitimador dos direitos humanos não impõe a aceitação sem ressalvas dos marcos universais. Mas este procedimento gera reflexão e aceita o olhar externo sobre as práticas locais. Este mesmo diálogo e interpretação iluminista será útil nas constantes reinterpretações do conteúdo e sentido das normas de direitos humanos realizadas pelas Cortes Supremas em cada Estado, que são fruto da evolução social e da necessária textura aberta das normas de direitos humanos. No Brasil, é digno de nota a existência de valiosos institutos como os do amicus curiae e da audiência pública que possibilitam ao Supremo Tribunal Federal travar um diálogo franco com a comunidade, evitando a aplicação mecânica e desconectada da norma.
GRAMÁTICAS DIFERENCIADAS DE DIREITOS:
No artigo “A Gramática dos Direitos Humanos”, do prof. Oscar Vilhena Vieira, publicado no Boletim Científico da ESMPU, julho/setembro 2002, a expressão “gramática dos direitos” é utilizada como sinônimo de linguagem dos direitos (texto está no dropbox). PIOVESAN,  também utiliza a expressão “gramática dos direitos humanos” como sinônimo de linguagem ou interpretação dos direitos humanos (texto está no dropbox). A expressão “gramática dos direitos humanos” refere-se às diversas linguagens produzidas ao longo da história ou pelos diferentes povos acerca da concepção dos Direitos Humanos. Neste ponto, a Declaração de 1948 inovou a gramática dos direitos humanos, ao introduzir concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos e combinando o discurso liberal da cidadania com o discurso social, elencando tanto direitos civis e políticos (arts. 3 a 21), como direitos sociais, econômicos e culturais (arts. 22 a 28).
O IUS COGENS INTERNACIONAL EM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS
Superioridade normativa. O conceito de jus cogens e sua evolução no Direito Internacional. No Direito Internacional, a norma imperativa em sentido estrito (também denominadas norma cogente ou norma de jus cogens) é aquela que contém valores considerados essenciais para a comunidade internacional como um todo, e que, por isso, possui superioridade normativa no choque com outras normas de Direito Internacional. A título de conhecimento: ACR denomina “norma imperativa em sentido amplo” o conjunto de normas que contém valores essenciais para a comunidade internacional como um todo, o que abrange as obrigações erga omnes e as normas imperativas em sentido estrito (CARVALHO RAMOS, André de. Processo internacional de direitos humanos. 2. ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011). Assim, pertencer ao jus cogens não significa ser considerado norma obrigatória, pois todas as normas internacionais o são: significa que, além de obrigatória, a norma cogente não pode ser alterada pela vontade de um Estado e sim pela comunidade internacional como um todo. Sabe-se que à essa categoria de normas não se aplica a figura do “persistent objector” (utilizado para demonstrar que o Estado não está obrigado a observar determinado costume ou tratado por ter se manifestado contrário, de forma consistente e expressa). Pois bem. Coube à Convenção internacional sobre o Direito dos Tratados de Viena (CVDT, 1969 - ratificada e incorporada internamente no Brasil pelo Decreto n. 7.030/2009) o papel de explicitar o conceito de jus cogens ou norma imperativa no Direito Internacional, em seus artigos 53, 64 e 71. A investigação histórica da emergência do conceito de norma imperativa ou norma de jus cogens revela que, desde o período clássico (século XVI-XIX) do Direito Internacional, há menções esparsas à existência de normas contendo valores essenciais e superiores às demais. Para CASELLA, foi VITORIA quem introduziu, inspirado no direito romano, o conceito de jus cogens no Direito Internacional na sua relectio sobre o poder civil (1528). Por sua vez, GROTIUS mencionou a liberdade do uso do mar como um preceito universal acima da vontade dos Estados. Quanto ao Direito Humanitário, fruto dos horrores de Solferino, as restrições às práticas militares poderiam ser derrogadas por necessidades militares ou pela prática da represália, justificativa utilizada pela Alemanha e Aliados em plena 1GM → isso demonstra que não se tratava de um direito inderrogável, como é o caso do jus cogens. Já no período entre 1919 e 1969 (data da edição da CVDT), houve vários passos importantes que auxiliaram uma futura implementação do conceito de jus cogens. Em primeiro lugar, o progressivo banimento do uso da força, ensaiado na 2a Conferência de Paz da Haia (1907), restou mencionado no Pacto de Proibição da Guerra de Agressão (Briand-Kellogg, 1928). Em segundo lugar, a criação da Corte Permanente de Justiça Internacional aprofundou o sistema internacional de solução pacífica de controvérsias, adicionando o mecanismo judicial ao lado da já existente arbitragem e outros métodos políticos, apesar de sua incapacidade de evitar um novo conflito mundial. Porém, houve o desperdício desse contexto promissor, pois novamente a prática dos Estados restou vacilante, deixando órfã a doutrina. Mesmo a tutela dos direitos das minorias, consagrada após a 1a Guerra Mundial, sofreu abalo sísmico com a Declaração de Potsdam de 2 de agosto de 1945, pela qual os Estados Unidos, União Soviética e Grã-Bretanha determinaram a deportação compulsória de 12 milhões de indivíduos de origem germânica residentes na Hungria, Tchecoslováquia e em todo o territórioalemão cedido e anexado à Polônia. E isso apesar de ter o Tribunal de Nuremberg considerado a deportação da população civil, para trabalho escravo ou para qualquer outra finalidade, crime de guerra (artigo 6, “b”, do Estatuto de Criação do Tribunal Internacional Militar). Ironicamente, o princípio da proibição da transferência compulsória de civis pelo novo ocupante foi consagrado em declaração do Presidente norte-americano Wilson já em 1918 (o chamado “Four Principles speech”). Por sua vez, a Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI), no entre-guerras, possui tão somente passagens de votos isolados, defendendo a existência de uma ordem pública internacional, que não poderia ser vulnerada pela vontade dos Estados (exemplo de casos citados: caso Oscar Chinn, caso do Sudoeste Africano, caso da Plataforma do Mar do Norte). Assim, em que pesem as inúmeras manifestações favoráveis da doutrina e dos votos dissidentes de membros de tribunais internacionais, a contribuição da Comissão de Direito Internacional, ao introduzir o conceito de jus cogens no projeto de Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT), foi imensa, pois serviu para dar o decisivo passo rumo à cristalização.
O rol das normas imperativas. A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT) foi omissa na determinação do rol de normas pertencentes ao jus cogens. A CDI, nos seus trabalhos, apontou alguns exemplos, como a proibição do uso da força, determinadas violações de direitos humanos e crimes internacionais. A origem, então, do rol das normas cogentes é o costume internacional, mas não é impossível que os Estados editem tratado com essa finalidade. Parte da doutrina sustenta posição contrária à existência de rol de jus cogens de origem convencional, pois esse tratado estaria sujeito à derrogação e outras condições do Direito dos Tratados (Eduardo Correia Baptista é um dos que defende a impossibilidade de tratado veicular norma de jus cogens). Na realidade, nada impede que os Estados clarifiquem o rol de normas cogentes pela via convencional: o regime jurídico de regência desse tratado é que será especial, em virtude do seu conteúdo, tal qual como ocorre nos tratados de direitos humanos ou com os tratados humanitários. As próprias negociações e a redação final do tratado estimulariam também a consolidação do costume internacional para os não contratantes. Podemos listar os seguintes conjuntos normativos, todos eles com relevância para a proteção internacional de direitos humanos: 1) proibição do uso ilegítimo da força, agressão e da guerra de conquista; 2) autodeterminação dos povos; 3) determinadas normas de direitos humanos, incluindo as que tratam de crimes internacionais, como o genocídio e a tortura. Citações no Manual de Direitos Humanos da ESMPU: (1) proibição de genocídio, da tortura, da escravidão e da discriminação racial”, conforme reconhecido pela CIJ, no caso “Barcelona Traction” (pág. 103). (2) A Corte Interamericana de Direitos Humanos já reconheceu o caráter de “jus cogens” de diversos dispositivos da Convenção Americana de Direitos Humanos (ex., parágrafo 137 da sentença da CIDH no caso “guerrilha do Araguaia”). (3) A maioria dos DIH não possui status de “jus cogens” (Manual ESMPU, pág. 104, que cita o caso julgado pela CIJ, imunidade ex chefe de Estado, Rep. Congo vs Bélgica). Podemos resumir as seguintes características do “ius cogens”: a) primazia na ordem jurídica internacional; b) imperatividade; c) erga omnes (o descumprimento pode ser sancionado até por Estados cujos direitos não tenham sido violados.); d) rigidez: só modificável por norma posterior de igual natureza; e) conteúdo variável.
As normas cogentes de direitos humanos. Como sustenta CORREIA BAPTISTA, a prática da Organização das Nações Unidas, ao condenar a violação de direitos humanos por parte de um Estado, confirma que se trata de uma questão de ordem pública internacional, ou seja, de uma questão relativa à norma imperativa internacional. Os tribunais internacionais caminham no mesmo sentido. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja jurisdição obrigatória o Brasil já reconheceu, possui jurisprudência constante no sentido de reconhecer a qualidade de jus cogens de determinados direitos fundamentais. Em paralelo, houve inconteste esforço da comunidade internacional de prevenir violações graves de direitos humanos desde o final da 2a Guerra Mundial, o que culminou com a redação do Estatuto de Roma, que criou o primeiro tribunal internacional penal permanente da história da humanidade. Hoje, os direitos humanos protegidos pela tutela internacional penal estrito senso – v.g., crimes contra a humanidade, crimes de guerra, genocídio – são parte integrante do jus cogens, uma vez que a vontade de um Estado ou de Estados isolados não impedirão a ação punitiva dos tribunais internacionais penais, em especial o Tribunal Penal Internacional estabelecido pelo Estatuto de Roma. Conclui-se que os direitos humanos constituem o núcleo essencial de normas que compõe o ordenamento jurídico internacional contemporâneo e, então, a norma de direitos humanos é norma hierarquicamente superior no ordenamento, que seja pelo critério material (conteúdo) ou pelo critério formal (norma de jus cogens). As consequências de tal qualidade de jus cogens das normas protetoras de direitos fundamentais não são meramente teóricas. Tratados tradicionais, como os de extradição, podem ser considerados ofensivos ao jus cogens por terem violado direitos fundamentais do extraditando. Mesmo condutas unilaterais dos Estados ou coletivas, adotadas no seio de organizações internacionais, podem ser confrontadas com o respeito às normas de jus cogens. Para José Carlos de Magalhães, “Os Direitos Humanos e sua proteção constituem o cerne do Direito Internacional contemporâneo. Resultam da consciência da comunidade internacional de que é necessário evitar a repetição de atos e fatos que degradam a natureza humana. Foi a noção de que o Direito deve atender às aspirações da Humanidade, expressas em valores, princípios, normas e costumes dos mais diversos povos e civilizações que a compõem, que inspirou e inspira a multiplicidade de instrumentos legais nacionais e internacionais tendentes a resguardar os direitos fundamentais da pessoa humana, dentre os quais se incluem os que lhe asseguram a dignidade e os relativos à proteção ao meio ambiente, que procuram preservar a vida no planeta” (MAGALHÃES, José Carlos. “Prefácio” in CARVALHO RAMOS, André de. Direitos humanos em juízo. Comentários aos casos contenciosos e consultivos da Corte Interamericana de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad. 2001).
O que se espera dos Estados.  Não resta dúvida da importante contribuição dada pela CVDT ao consagrar o conceito de jus cogens, que vem sendo utilizado pelos tribunais internacionais e pela doutrina até os dias de hoje, ultrapassando os limites do Direito dos Tratados.
 Se a comunidade internacional como um todo reconhece a existência de valores essenciais que não podem ser derrogados por outros tratados, a não ser que sejam também oriundos do jus cogens, é claro que esse reconhecimento se espalha para toda e qualquer conduta dos Estados, inclusive os atos unilaterais, a formação de costume etc. Ensina Cançado Trindade que “parece-nos uma consequência inelutável da própria existência de normas imperativas do Direito Internacional não se limitarem estas às violações resultantes de tratados, e se estenderem a toda e qualquer violação, inclusive as resultantes de toda e qualquer ação e quaisquer atos unilaterais dos Estados” (CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de direito internacional dos direitos humanos, v. II, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 416). Não basta que seja reconhecido o estatuto de jus cogens de determinada regra internacional. O conceito de jus cogens exige que o Estado se comporte de modo a respeitar seu conteúdo, não o derrogando com sua conduta comissiva ou omissiva. Logo, o desrespeito ao direito à autodeterminação por parte deum Estado deveria gerar reação da comunidade internacional como um todo, para que essa derrogação não prospere. Infelizmente, mesmo Estados que aparentemente comungam com os conteúdos cogentes de hoje não agem com a coerência esperada, como se viu, por exemplo, no caso da invasão recente do Iraque (proibição do uso da força?), no caso dos Territórios Ocupados da Palestina e do Tibet (direito à autodeterminação dos povos?) e, finalmente, nos casos da “rendição extraordinária” e da prisão sem acusações e sem prazo em Guantánamo (normas cogentes de direitos humanos?). Segundo ACF, é necessário que o conceito de jus cogens gere o seu desdobramento lógico: permitir que os Estados possam, pacificamente, fazer valer seus conteúdos pelo acesso obrigatório aos tribunais internacionais, dispensando-se a anuência como requisito de acesso à jurisdição internacional (CARVALHO RAMOS, André de. Responsabilidade Internacional por Violação de Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, em especial p. 55 e seguintes. Cabe lembrar que a Corte Internacional de Justiça desperdiçou a oportunidade de fazer valer o conceito de “jus cogens” e obrigações “erga omnes” em sua integralidade ao exigir o reconhecimento de sua jurisdição pela Indonésia, justamente a potência invasora, no caso Portugal vs. Austrália (1995), já citado).
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Ponto 2.b. Princípio da indivisibilidade dos direitos humanos. A teoria das “gerações” de direitos. Diferenças entre obrigações decorrentes da garantia de direitos civis e políticos e obrigações decorrentes da garantia de direitos econômicos, sociais e culturais.
Principais obras consultadas: Resumo do Grupo do 25º CPR; Resumo do Grupo do 26º CPR; Marcelo D. Varella. Direito Internacional Público. 3ª Edição. Ed. Saraiva; Flavia Piovesan. Direitos humanos e justiça internacional. 2ª ed. Ed. Saraiva. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional / André de Carvalho Ramos — 2. ed. — São Paulo : Saraiva, 2012
Legislação básica: Declaração Universal de 1948. Declaração de Direitos Humanos de Viena (1993).
Princípio da indivisibilidade dos direitos humanos: Numa perspectiva histórica, aos direitos consagrados nas Declarações Francesa (1789) e Americana (1776), de ótica contratualista liberal e absenteísta, voltados a impor controle e limites à atuação abusiva do Estado e de discurso liberal da cidadania, opunham-se os direitos prestacionais, influenciados pela Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado da URSS e pelas Constituições Mexicana de 1917 e de Weimar de 1919, que continham um discurso social da cidadania, em que a igualdade era o direito basilar e era previsto um extenso rol de direitos econômicos, sociais e culturais.
Esta linguagem dicotômica foi eliminada na Declaração Universal de 1948 que, ao lado da universalidade, introduz a indivisibilidade dos DH, ao conjugar o catálogo dos direitos civis e políticos com o dos direitos econômicos, sociais e culturais. Assim, a Declaração parificou os direitos civis e políticos e os direitos econômicos e sociais, afirmando, ainda, a interrelação, indivisibilidade e interdependência de todos estes direitos: “Sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais, enquanto sem a realização dos direitos civis e políticos, os direitos econômicos, sociais e culturais carecem de verdadeira significação” (Piovesan, pag. 142). A indivisibilidade foi reafirmada na Resolução 32/130 da AG-ONU e na Declaração de Direitos humanos de Viena (1993).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece a indivisibilidade dos direitos humanos, combinando o discurso liberal com o discurso social da cidadania. Tal indivisibilidade e interdependência é reafirmada na Conferência Mundial de Direitos Humanos (Declaração de Viena, 1993). A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento, ao passo que a pobreza extrema e a exclusão social constituem violações aos direitos humanos. A Declaração de Viena consigna que a democracia, o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais são conceitos interdependentes.
Para André de Carvalho Ramos a indivisibilidade dos direitos humanos consiste no reconhecimento de que todos os diretos humanos devem ter a mesma proteção jurídica, uma vez que são essenciais para uma vida digna.
Assim, a classificação dos direitos humanos em direitos civis e políticos, de um lado, e direitos econômicos, sociais e culturais, de outro, perde a importância. A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 adotou a indivisibilidade, pois contêm tanto os chamados direitos liberais quanto os direitos sociais. Consagrou, assim, a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, conjugando o valor liberdade ao valor igualdade na seara dos direitos humanos.
A indivisibilidade dos direitos humanos no plano internacional também foi reconhecida na Primeira Conferência Mundial de Direitos Humanos em 1968, patrocinada pela Organização das Nações Unidas em Teerã, sendo reiterada como uma das mais importantes características do regime jurídico dos direitos humanos pela Segunda Conferência, já citada, realizada em 1993 em Viena.
A Conferência de Teerã de 1968 adotou a tese da impossibilidade da completa realização dos direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos sociais, econômicos e culturais. Por seu turno, na Conferência de Viena declarou-se, no seu documento final, a necessária indivisibilidade de todo o conjunto de direitos humanos protegidos, para que não houvesse a desconsideração dos chamados direitos de conteúdo econômico, social e cultural.
A indivisibilidade possui duas facetas. A primeira implica reconhecer que o direito protegido apresenta uma unidade incindível em si. A segunda faceta, mais conhecida, assegura que não é possível proteger apenas alguns dos direitos humanos reconhecidos.
No tocante à primeira faceta, cite-se, como exemplo, o reconhecimento do direito à ampla defesa no processo crime, o que implica assegurar, pelo caráter incindível do direito exposto, o direito ao recurso de apelação a todos.
Quanto à segunda faceta da indivisibilidade, é conhecida a tese do caráter meramente programático dos direitos sociais. Ora, a proteção de direitos humanos orbita em torno da preservação da dignidade da pessoa humana, sendo impossível, então, cindir tal proteção por espécie de direito. Assim, não há o direito a um recurso perante o Poder Judiciário para a proteção de direitos sem que se garanta também o direito à assistência jurídica gratuita.
Teoria das “gerações” de direitos:  A assim chamada teoria das gerações de direitos decorre de uma incompreensão surgida a partir de uma metáfora usada por Karel Vasak numa conferência na década de 1950.
Parte-se do critério do momento histórico em que o direito foi concebido. Não se trata de sucessão geracional de direitos, mas de expansão, cumulação ou fortalecimento dos direitos humanos, todos essencialmente complementares.
Atualmente prefere-se usar o termo dimensões para diferenciar os direitos civis e políticos, consagrados na fase liberal do Estado de Direito, daqueles reconhecidos a partir das lutas sociais ao longo do século vinte. Muitos autores descrevem o direito ao meio ambiente, ao desenvolvimento e ao patrimônio cultural como direitos de terceira geração e ainda há quem acrescente uma quarta e quinta geração, em fase de consolidação.
Primeira geração: fundamento na liberdade individual, tendo a estrutura de direitos de defesa (prestações estatais negativas). Segunda geração: fundamento na igualdade material, tendo a estrutura de direito prestacionais (prestação estatal positiva). Terceira geração: fundamento na solidariedade – ou fraternidade –, são de titularidade coletiva e indivisíveis, não fracionáveis quanto aos seus destinatários. Alguns autores aventam a existência de direitos de quarta geração, ligados à democracia participativa (plebiscito, referendo, iniciativa popular, ação popular)e à democratização dos fóruns de deliberação internacional (ex. direito de representação de cidadãos de um determinado estado nos órgãos de deliberação em órgãos internacionais, como o Parlamento do Mercosul).
Para André de Carvalho Ramos a afirmação histórica dos direitos humanos é marcada pela mutação e constante renovação, desde a Antiguidade aos dias de hoje. Por isso, a abordagem tradicional do conteúdo dos direitos humanos é a da chamada “geração de direitos”.
Tal teoria foi lançada pelo jurista francês de origem checa, KAREL VASAK, que, em Conferência proferida no Instituto Internacional de Direitos Humanos no ano de 1979, classificou os direitos humanos em três gerações, cada uma com características próprias. Assim, a teoria geracional dos direitos humanos divide os direitos protegidos em três (para alguns, quatro) gerações.
A primeira geração engloba os chamados direitos de liberdade, que são direitos às chamadas prestações negativas, nas quais o Estado deve proteger a esfera de autonomia do indivíduo. Para CANOTILHO, são direitos de defesa, possuindo o caráter de distribuição de competências (limitação) entre o Estado e o ser humano, sendo denominados direitos civis e políticos.
Por isso, são conhecidos como direitos ou liberdades individuais, que tem como marco as revoluções liberais do século XVIII na Europa e Estados Unidos, que visavam restringir o poder absoluto do monarca, impingindo limites à ação estatal. São, entre outros, o direito à liberdade, igualdade perante a lei, propriedade, intimidade e segurança, traduzindo o valor de liberdade. Saliente-se que o papel do Estado na defesa dos direitos de primeira geração é tanto o tradicional papel passivo (abstenção em violar os direitos humanos, ou seja, as famosas prestações negativas) quanto ativo, pois há de se exigir ações do Estado para garantia da segurança pública, administração da justiça, entre outras.
A segunda geração de direitos humanos representa a modificação do papel do Estado, exigindo-lhe um vigoroso papel ativo, além do mero fiscal das regras jurídicas. Esse papel ativo, embora necessário para proteger os direitos de primeira geração, era visto anteriormente com desconfiança, por ser considerado uma ameaça aos direitos do indivíduo. Contudo, sob a influência das doutrinas socialistas, constatou-se que a inserção formal de liberdade e igualdade em declarações de direitos não garantia a sua efetiva concretização, o que gerou movimentos sociais de reivindicação de um papel ativo do Estado para realizar aquilo que CELSO LAFER denominou “direito de participar do bem-estar social”.
Cabe salientar que, tal qual os direitos da primeira geração (ou dimensão), os direitos sociais são também titularizados pelo indivíduo contra o Estado. Nesse momento, são reconhecidos os chamados direitos sociais, como o direito à saúde, educação, previdência social, habitação, entre outros, que demandam prestações positivas do Estado para seu atendimento e são denominados direitos de igualdade por garantirem, justamente às camadas mais miseráveis da sociedade, a concretização das liberdades abstratas reconhecidas nas primeiras declarações de direitos.
Os direitos humanos de 2a geração são frutos, como vimos, das chamadas lutas sociais na Europa e Américas, sendo seus marcos a Constituição mexicana de 1917 (que regulou o direito ao trabalho e à previdência social), a Constituição alemã de Weimar de 1919 (que, em sua parte II estabeleceu os deveres do Estado na proteção dos direitos sociais) e, no Direito Internacional, o Tratado de Versailles, que criou a Organização Internacional do Trabalho, reconhecendo direitos dos trabalhadores.
Já os direitos de terceira geração são aqueles de titularidade da comunidade, como o direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito à autodeterminação e, em especial, o direito ao meio ambiente equilibrado.
São chamados de direitos de solidariedade. São frutos da descoberta do homem vinculado ao planeta Terra, com recursos finitos, divisão absolutamente desigual de riquezas em verdadeiros círculos viciosos de miséria e ameaças cada vez mais concretas à sobrevivência da espécie humana.
BONAVIDES, escorado em lições de VASAK e outros, adiciona ainda o direito de comunicação e recentemente defende o nascimento da quarta geração ou dimensão, sendo resultante da globalização dos direitos humanos, correspondendo aos direitos de participação democrática (democracia direta), informação e direito ao pluralismo.
A teoria geracional vista acima é criticada nos dias de hoje por transmitir, de forma errônea, o caráter de sucessão de uma geração por outra. Como salienta BONAVIDES, enquanto em relação aos seres vivos há a sucessão entre as gerações, no caso dos direitos humanos há, ao contrário, a acumulação de direitos. Para o citado autor, a melhor expressão seria “dimensão”, que se justifica tanto pelo fato de não existir realmente uma sucessão ou desaparecimento de uma geração por outra, mas também quando novo direito é reconhecido, os anteriores assumem uma nova dimensão, de modo a melhor interpretá-los e realizá-los.
Diferenças entre obrigações decorrentes da garantia de direitos civis e políticos e obrigações decorrentes da garantia de direitos econômicos, sociais e culturais: Diferente dos direitos civis e políticos, considerados absolutos no que tange a sua autoaplicabilidade, os direitos econômicos, sociais culturais consagrados no PIDESC têm como característica a realização progressiva, conforme os recursos de cada Estado. Além disso, a forma de acompanhamento da efetivação exclusivamente através de relatórios resulta em mera condenação política, o que confere baixa efetividade, razão pela qual na Declaração de Viena consta a recomendação para que seja aceita a petição individual como instrumento de cobrança da efetivação do PIDESC.
Não obstante é assente a ideia de que é vedado o retrocesso social, ou seja, prevalece o efeito catraca em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, constituindo condições materiais para a efetiva fruição dos direitos civis e políticos.
A doutrina mais recente entende que os DESC são direitos subjetivos públicos, ainda que de efetivação complexa como reconhece Luís Roberto Barroso. Em consonância com o Direito Internacional dos Direitos Humanos o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento, ADPF 45, de que a cláusula da reserva do possível não pode resultar na nulificação ou aniquilação de direitos fundamentais, preservando assim o núcleo essencial dos direitos econômicos, sociais e culturais ao assegurar o mínimo existencial. Nesse sentido, Deborah Duprat, na ADPF em defesa da pessoa deficiente argumenta que o mínimo existencial constitui um pressuposto para a liberdade, bem como para a participação democrática na vida pública.
Verifica-se ainda que os DCP caracterizam-se por impor ao Estado um dever de abstenção (não fazer), de não interferência no espaço de autodeterminação do indivíduo. Mas há hipóteses em que um direito de 1ª geração dá lugar a um direito à prestação positiva (ex. a propriedade privada pode revelar um dever prestacional do estado, como a segurança pública, de modo a evitar a usurpação da propriedade). Já os DESC demandam uma atuação estatal corretiva, gerando uma obrigação estatal de fazer ou de dar. Mas há hipóteses em que um direito de 2ª geração dá origem a direito de defesa (ex. direito de greve e direito à livre associação sindical, cuja dimensão preponderante é negativa, a exigir do estado a tolerância aos movimentos grevistas e às associações).
Para André de Carvalho Ramos a classificação dos direitos humanos no Direito Internacional afastou-se da polêmica teoria geracional ou dimensional vista acima. Após a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, foram feitos estudos na Comissão de Direitos Humanos da ONU para a elaboração de um tratado internacional de direitos humanos, contendo os direitos protegidos reconhecidos pela comunidade internacional.
A Guerra Fria, entretanto,

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