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MICROECONOMIA 1 Departamento de Economia, Universidade de Bras´ılia Notas de Aula 10 - Graduac¸a˜o Prof. Jose´ Guilherme de Lara Resende 1 Excedente do Consumidor Quando ocorre alguma mudanc¸a no ambiente econoˆmico, como por exemplo um aumento de prec¸o, um novo imposto, etc, o consumidor pode ficar numa situac¸a˜o melhor ou pior do que antes. O excedente do consumidor (EC) e´ a medida cla´ssica da mudanc¸a do bem-estar de um indiv´ıduo devido a uma mudanc¸a no ambiente econoˆmico. O excedente do consumidor e´ a diferenc¸a entre a utilidade total obtida pelo consumo e o valor pago pelas unidades consumidas de um determinado bem. Ele representa o ganho que o consumidor obte´m ao comprar va´rias unidades do bem pagando sempre o mesmo prec¸o. Graficamente, ele e´ a a´rea hachurada superior na figura abaixo. 6 - prec¸o qtde Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q QQ Curva de Demanda Inversa rp A 0 B x¯ Excedente do Consumidor ��� ��� ��� �: Valor pago pelas unidades consumidas �� ��*�� � � � � � � �� � � �� � �� �� O excedente do consumidor e´ portanto a diferenc¸a entre a quantidade ma´xima que o consumidor esta´ disposto a pagar pelo bem e a quantia realmente paga. Lembrem-se que a curva de demanda inversa revela o valor que o comprador assinala a cada unidade do bem. No gra´fico acima, o consumidor decidiu comprar x¯ unidades de um bem qualquer. Todas as unidades infra-marginais (isto e´, anteriores a` u´ltima unidade sendo consumida) geram utilidade marginal acima do prec¸o pago por aquela unidade. A somato´ria desse excedente para todas as unidades demandadas e´ o excedente do consumidor, que mede, portanto, os ganhos recebidos pelos compradores por fazer trocas no mercado (e pagar o mesmo prec¸o por todas unidades compradas). 1 Suponhamos que o prec¸o do bem 1 seja p. Enta˜o o consumidor comprara´ x unidades desse bem. A a´rea do triaˆngulo ApB na figura acima e´ o excedente do consumidor. A a´rea do retaˆngulo 0pBx¯ e´ o valor pago pelas unidades consumidas. A soma das a´reas do triaˆngulo e do retaˆngulo e´ a utilidade total gerada pelo consumo das x¯ unidades do bem. Podemos medir o excedente do consumidor como a a´rea do triaˆngulo na figura acima, ou seja, a a´rea entre a func¸a˜o de demanda inversa do bem e o prec¸o do bem, onde x¯ e´ a quantidade consumida do bem: EC = ∫ x¯ 0 [p(x)− p] dx Nota: Exclu´ımos do argumento das func¸o˜es usadas (demanda, demanda inversa) a sua de- pendeˆncia de varia´veis mantidas constantes, como os prec¸os dos outros bens e a renda, apenas para simplificar a notac¸a˜o. O excedente do consumidor e´ a ferramenta cla´ssica para medir mudanc¸as no bem-estar do con- sumidor causadas por alguma mudanc¸a de pol´ıtica. Por exemplo, qual a perda para o consumidor se o prec¸o de um bem aumenta devido a um novo imposto sobre o consumo desse bem? A variac¸a˜o no excedente do consumidor (∆EC) para uma mudanc¸a no prec¸o do bem de p0 para p1 , p1 > p0 (e a quantidade muda de x0 para x1, x1 < x0) e´: ∆EC = EC(p1)− EC(p0) = ∫ x1 0 [ p(x)− p1] dx− ∫ x0 0 [ p(x)− p0] dx, (1) onde p(x) e´ a func¸a˜o de demanda inversa do bem 1. O gra´fico abaixo ilustra essa variac¸a˜o. 6 - prec¸o qtde Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q QQ Curva de Demanda Inversa sp0 x0 10 sp1 x1 EC(p0) �� �� �* EC(p1) �� �� ���1XXXXXXXXXXXXXz ∆EC = EC(p1)− EC(p0) < 0� � � � � � � � � � � � � �� A variac¸a˜o do EC devido a um aumento de prec¸os do bem e´ o EC antes do aumento menos o EC apo´s o aumento do prec¸o. 2 A variac¸a˜o no EC causada por um aumento do prec¸o do bem pode ser decomposta em duas a´reas. A primeira e´ a perda gerada pelo aumento do prec¸o nas quantidades do bem que ainda sa˜o consumidas (a´rea A na figura abaixo). A segunda e´ a perda gerada pela diminuic¸a˜o do consumo do bem causada pelo aumento do prec¸o (a´rea B na figura abaixo). Note que pela fo´rmula (1) acima, o valor do excedente do consumidor sera´ negativo. O sinal negativo serve apenas para indicar que, com o aumento do prec¸o do bem, houve uma queda no bem-estar do consumidor. 6 - prec¸o qtde Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q QQ Curva de Demanda Inversa 10 sp0 A x0 sp1 B x1 ∆EC2 �� ��* ∆EC1 � � � � � ��� ∆ECTotal = ∆EC1 + ∆EC2� � � � � � � � � � Decomposic¸a˜o do EC em duas a´reas, no caso de um aumento do prec¸o do bem: 1. A e´ a perda por pagar mais pelas unidades ainda consumidas do bem, e 2. B e´ a perda por consumir menos do bem. Podemos simplificar a expressa˜o (1) usando a seguinte propriedade de integrais:∫ x0 0 p(x)dx = ∫ x1 0 p(x)dx+ ∫ x0 x1 p(x)dx Enta˜o a expressa˜o para ∆EC torna-se: ∆EC = ∫ x1 0 p(x)dx− (∫ x1 0 p(x)dx+ ∫ x0 x1 p(x)dx ) − ∫ x1 0 p1dx+ ∫ x0 0 p0dx Simplificando a expressa˜o acima, obtemos: ∆EC = − [∫ x0 x1 ( p(x)− p0) dx+ (p1x1 − p0x1)] , (2) onde a integral na expressa˜o (2) representa a a´rea B da figura anterior e o termo (p1x1 − p0x1) representa a a´rea A da figura acima, e o sinal de menos indica que houve uma queda no bem-estar do consumidor. 3 A interpretac¸a˜o do EC usando a func¸a˜o de demanda inversa e´ bem intuitiva. Pore´m, para cal- cular o EC para uma mudanc¸a de prec¸os, pode ser mais conveniente usar a demanda Marshalliana diretamente. Nesse caso, o EC para um n´ıvel de prec¸os p e´: EC = ∫ p¯ p xM(p)dp, onde p¯ e´ o menor prec¸o que faz a demanda se igualar a zero (x(p¯) = 0). Portanto, para uma alterac¸a˜o no prec¸o do bem, de p0 para p1, a variac¸a˜o no excedente do consumidor e´: ∆EC = ∫ p0 p1 xM(p)dp Logo, o ∆EC calculado usando a demanda diretamente e´ apenas a a´rea abaixo da demanda do bem, como ilustra a figura abaixo. 6 - qtde prec¸o Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q QQ Curva de Demanda sx1 p1 sx0 p0 ∆EC � � � � � �� � � � � �� � � � � � � � � �� Exemplo: Suponha que a func¸a˜o de demanda de um bem para um certo consumidor e´ x(p) = 20 − 2p. Imagine que o prec¸o desse bem aumentou de R$ 2,00 para R$ 3.,00. A variac¸a˜o no excedente do consumidor para esse aumento de prec¸o e´: ∆EC = ∫ 2 3 [20− 2p] dp = − ∫ 3 2 [20− 2p] dp = − [20(3− 2)− (32 − 22)] = −15 Nesse caso, como o prec¸o aumentou, invertermos os limites da integral acima. Observe que a variac¸a˜o no excedente do consumidor e´ negativa, indicando uma perda de bem-estar para o consumidor. 4 Vamos agora calcular a variac¸a˜o do EC usando a demanda inversa, dada por p = 10 − x/2. Como estamos representando o mesmo consumidor, ∆EC calculado desse modo tem que ser igual a −15 tambe´m. Vamos verificar isso usando a fo´rmula abaixo: ∆EC = − [∫ x0 x1 (p(x)− p0)dx+ ( p1x1 − p0x1)] = −[∫ x0 x1 p(x)dx+ ( p1x1 − p0x0)] Precisamos achar as quantidades x0 e x1. Elas sa˜o encontradas usando a func¸a˜o de demanda: p0 = 2 ⇒ x0 = x(p0) = 20− 2p0 = 16 p1 = 3 ⇒ x1 = x(p1) = 20− 2p1 = 14 Usando esses valores na fo´rmula para ∆EC acima, temos que: ∆EC = − [∫ 16 14 [ 10− x 2 ] dx+ ( p1x1 − p0x0)] = − [ 10(16− 14)− 1 4 ( 162 − 142)+ (3× 14− 2× 16)] = −15, e, portanto, a variac¸a˜o no excedente do consumidor, calculada usando a demanda inversa, e´ igual a` variac¸a˜o calculada usando a demanda Marshalliana, como era de se esperar. Note que o consumidor perdeu 15 unidades do seu excedente original com o aumento do prec¸o (o excedente do consumidor e´ negativo, para indicar uma perda de bem-estar). 2 Variac¸a˜o Compensadora e Variac¸a˜o Equivalente Outrasduas medidas de bem-estar do consumidor sa˜o a variac¸a˜o compensadora (V C) e a variac¸a˜o equivalente (V E). Em certas situac¸o˜es, essas medidas sa˜o mais adequadas do que o excedente do consumidor para medir o efeito no bem-estar causado por uma mudanc¸a qualquer (veremos a raza˜o disso mais a frente). Suponha uma mudanc¸a de pol´ıtica econoˆmica qualquer que resulta na reduc¸a˜o do prec¸o de um certo bem de p0 para p1 (ou seja, p1 < p0). Uma medida natural da variac¸a˜o no bem-estar do consumidor causada pela mudanc¸a de prec¸o e´ dada pela variac¸a˜o na sua utilidade indireta: v(p1,m)− v(p0,m) Essa diferenc¸a e´ positiva no caso de uma reduc¸a˜o no prec¸o do bem, ja´ que essa redc¸a˜o de prec¸o beneficia o consumidor. Se o prec¸o tivesse aumentado, a diferenc¸a acima seria negativa, significando que a mudanc¸a de pol´ıtica dimininui o bem-estar do consumidor. 5 Pore´m, essa medida e´ vazia de sentido. Na˜o ha´ significado pra´tico nela, ja´ que considera a utilidade indireta, que depende da forma funcional da utilidade usada. Isso ocorre por que a teoria do consumidor que estamos analisand e´ uma teoria puramente ordinal. Pore´m, podemos utilizar a utilidade indireta para calcular duas medidas de bem-estar do consumidor, que sa˜o independentes da representac¸a˜o da utilidade usada. Essas duas medidas foram propostas pelo economista John Hicks, no seu livro Value and capital, publicado em 1939. A variac¸a˜o compensadora (V C) pode ser definida como a quantidade de dinheiro que temos que tirar do indiv´ıduo depois da variac¸a˜o de prec¸os, para deixa´-lo com o mesmo bem-estar que tinha antes dessa variac¸a˜o. Portanto, a V C pode ser calculada implicitamente como o valor tal que: v(p1,m− V C) = v(p0,m) (3) Como p0 > p1, enta˜o V C > 0 (a queda do prec¸o do bem beneficia o consumidor, para deixa´-lo com o mesmo n´ıvel de satisfac¸a˜o anterior, precisamos reduzir a sua renda). Vamos calcular V C explicitamente. Usando a igualdade acima, podemos usar a func¸a˜o dispeˆndio para encontrar V C: e(p1, v(p1,m− V C)) = e(p1, v(p0,m)) Como e(p, v(p,m)) = m, enncontramos: V C = m− e(p1, v(p0,m)) Essa e´ a forma expl´ıcita de calcular a variac¸a˜o compensadora: ela e´ a diferenc¸a entre a renda original e a renda que, aos novos prec¸os, mante´m o consumidor com o n´ıvel de utilidade original. Essa diferenc¸a nesse caso e´ positiva: como o prec¸o baixou, precisamos diminuir a renda m do consumidor para que, frente aos novos prec¸os, continue com o n´ıvel de utilidade original. A V E pode ser definida como a quantidade de dinheiro que temos que dar ao indiv´ıduo antes da variac¸a˜o de prec¸os, para deixa´-lo com o mesmo bem-estar que tera´ depois dessa variac¸a˜o (compare com a definic¸a˜o acima da V C). Portanto, a V E pode ser calculada implicitamente por: v(p1,m) = v(p0,m+ V E) (4) Como p0 > p1, enta˜o V E > 0 (a queda do prec¸o do bem beneficia o consumidor. Para deixa´-lo hoje com o mesmo n´ıvel de satisfac¸a˜o que tera´ amanha˜, apo´s o aumento do prec¸o, precisamos aumentar a sua renda). Vamos calcular V E explicitamente. Usando a igualdade acima, novamente usamos a func¸a˜o dispeˆndio para encontrar V E: e(p0, v(p1,m)) = e(p0, v(p0,m+ V E)) 6 Como e(p, v(p,m)) = m, encontramos: V E = e(p0, v(p1,m))−m Essa e´ a forma expl´ıcita de calcular a variac¸a˜o equivalente: ela e´ a diferenc¸a entre a renda que, aos prec¸os antigos, mante´m o consumidor com o n´ıvel de utilidade que tera´ apo´s a mudanc¸a de prec¸os e a renda original. Essa diferenc¸a nesse caso e´ positiva: como o prec¸o baixou, precisamos aumentar a renda m do consumidor para que, aos prec¸os antigos, ele alcance hoje o n´ıvel de utilidade que tera´ amanha˜, apo´s a mudanc¸a de prec¸os. Pelo modo como definimos V E e V C, os duas medidas tera˜o sempre o mesmo sinal. Mais ainda, se a mudanc¸a ocorrida melhorou o bem-estar do indiv´ıduo, enta˜o V C > 0 e V E > 0. Se a mudanc¸a ocorrida piorou o bem-estar do indiv´ıduo, enta˜o V C < 0 e V E < 0. Note que o sinal de V C e V E e´ igual ao sinal da variac¸a˜o do EC: se a variac¸a˜o de prec¸os melhora o bem-estar do consumidor, enta˜o V C > 0, V E > 0 e ∆EC > 0; se a variac¸a˜o de prec¸os piora o bem-estar do consumidor, enta˜o V C < 0, V E < 0 e ∆EC < 0. A func¸a˜o µ(p1, p2,m) = e(p1, v(p2,m)), usada para calcular ambas a V C e a V E, mede quanto dinheiro o consumidor precisa aos prec¸os p1 para estar ta˜o bem quanto estaria aos prec¸os p2 e renda m. Ela e´ chamada de func¸a˜o indireta da me´trica do dinheiro. Essa func¸a˜o tem a propriedade deseja´vel de conter apenas varia´veis observa´veis e de na˜o existir nenhuma ambiguidade quanto a transformac¸o˜es monotoˆnicas da func¸a˜o utilidade. Se escrevermos as VC e VE em termos da func¸a˜o indireta da me´trica do dinheiro, obtemos: V C = µ(p1, p1,m)− µ(p1, p0,m) V E = µ(p0, p1,m)− µ(p0, p0,m), pois µ(p, p,m) = m (relac¸a˜o de dualidade e(p, v(p,m)) = m). Logo, as duas medidas diferem apenas com relac¸a˜o ao prec¸o usado como base. A V C usa o prec¸o p1 como base e diz a variac¸a˜o de renda necessa´ria para compensar o consumidor pela variac¸a˜o no prec¸o. Ja´ a V E usa o prec¸o p0 como prec¸o base e diz a variac¸a˜o de renda necessa´ria para compensar o consumidor pela variac¸a˜o no prec¸o. Vamos analisar graficamente essas duas medidas, ainda para o caso de uma queda do prec¸o do bem 1. Suponha que os prec¸os e a renda originais sa˜o m∗ e p∗1, com p ∗ 2 = 1 (o prec¸o do bem 2 e´ normalizado em R$ 1,00). A escolha o´tima do consumidor antes da mudanc¸a de prec¸o e´ representada por E = (x∗1, x ∗ 2), onde ele alcanc¸a o n´ıvel de utilidade u ∗. A escolha o´tima do consumidor apo´s da mudanc¸a de prec¸o e´ representada por Eˆ = (xˆ∗1, xˆ ∗ 2), onde ele alcanc¸a o n´ıvel de utilidade uˆ∗. As duas medidas de bem-estar esta˜o representadas nos gra´ficos abaixo. 7 6 - x2 x1 Variac¸a˜o Equivalente: quanto de dinheiro tem que ser dado ao indiv´ıduo antes da mudanc¸a de prec¸os, para deixa´-lo com a mesma utilidade que ele tera´ apo´s a variac¸a˜o de prec¸os. m∗ V E e e e e e e e e e e e e e rE rEˆ Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q 6 - x2 x1 Variac¸a˜o Compensadora: quanto de dinheiro tem que ser tirado do indiv´ıduo apo´s a mudanc¸a de prec¸os, para deixa´-lo com a mesma utilidade que ele tinha antes da variac¸a˜o de prec¸os. m∗ V C e e e e e e e e e e e e e rE rEˆ Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Leitura Recomendada • Varian, cap. 14 - “O Excedente do Consumidor. • Pindick e Rubinfeld, cap. 4 - “Demanda Individual e Demanda de Mercado”, sec¸a˜o 4 - “Excedente do Consumidor”. • Nicholson e Snyder, cap. 5 - “Income and Subsitution Effects”, sec¸a˜o 8 - “Consumer Sur- plus”. 8
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