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Cirurgias oftálmicas Natalie Borges Introdução Estruturas anatômicas e implicações clínico-cirúrgicas As afecções que envolvem o bulbo do olho e seus anexos são várias e distintas. É nítida a necessidade do estudante de Medicina Veterinária, sobretudo os que se dedicam à clínica e cirurgia, um conhecimento amplo da anatomia e fisiologia ocular para desempenhar com segurança e efetividade a oftalmologia. Os olhos são órgãos sensitivos complexos que evoluíram de primitivas áreas sensíveis à luz, na superfície dos invertebrados. Protegidos por uma estrutura óssea, muscular e cutânea, os olhos possuem uma camada de receptores, um sistema de lente para focalização da luz e um sistema de nervos para condução dos impulsos dos receptores para o cérebro. Órbita A órbita é o arcabouço ósseo que circunda o olho, e é formada pelos ossos: frontal, lacrimal, esfenoide, zigomático, palatino e maxilar. Vasos sanguíneos e nervos que servem as estruturas orbitárias transitam através de numerosos forames nas paredes orbitárias ósseas. Os tecidos moles contidos na órbita estão envoltos pela periórbita, formada por tecido conjuntivo e situada junto às paredes ósseas. Órgãos oculares acessórios Pálpebras e conjuntivas As pálpebras, superior e inferior, são projeções móveis e delgadas de pele que normalmente cobrem os olhos. Elas convergem e se unem, formando assim, os ângulos (medial e lateral). O espaço entre as pálpebras é chamado de rima palpebral. As pálpebras são compostas de superfície epidérmica externa, músculo orbicular do olho, placa tarsiana, glândulas tarsais e conjuntiva palpebral, que reveste a pálpebra interiormente. As glândulas tarsais produzem a camada lipídica da película lacrimal. A placa tarsiana é um folheto fibroso pouco definido que dá sustentação às pálpebras. Os caninos possuem cílios apenas na pálpebra superior, enquanto os felinos, não os possuem. A conjuntiva é a membrana mucosa ocular que reveste as porções mais internas Das pálpebras superior e inferior, ambos os lados da terceira pálpebra, e a parte anterior do bulbo, excetuando a córnea. É dividida nas partes bulbar, do fórnix, palpebral ou tarsiana e da terceira pálpebra. Terceira pálpebra A terceira pálpebra é uma estrutura triangular com origem na porção ventromedial Oral da órbita. Uma cartilagem em forma de “T” dá sustentação ao conjunto e um retináculo fixa esta estrutura à parte ventromedial da órbita (Figura 5). O músculo orbitário (m. liso) é o responsável pela movimentação desta estrutura. A terceira pálpebra protege o globo, secreta e distribui a lágrima. Na base da terceira pálpebra localiza-se a glândula. Aparelho lacrimal O aparelho lacrimal tem como função produzir e remover as lágrimas. As glândulas lacrimais, responsáveis pela produção da maior parte da lágrima, estão localizadas na região da órbita entre o globo nasalmente e o ligamento orbital e o processo zigomático do osso frontal temporalmente (Figura 6). Os ductos destas glândulas são em número de 20 a 30, invisíveis a olho desarmado e se abrem através da conjuntiva no forni temporal. A glândula da terceira pálpebra é glândula lacrimal acessória e circunda a haste da cartilagem da terceira pálpebra, e contribui com uma parte importante do filme lacrimal. Cada pálpebra, superior e inferior, tem pequena abertura, o ponto lacrimal, que é o início do sistema de drenagem lacrimal e que se situam entre 2 e 5 mm do canto nasal. O ducto nasolacrimal tem início no saco lacrimal, continua rostralmente e se abre no assoalho da cavidade nasal. Abordagens cirúrgicas oculares que atuam agressivamente na glândula lacrimal, ou a extirpação da glândula da terceira pálpebra podem levar a afecções por diminuição da produção lacrimal como a ceratoconjuntivite seca. Músculos do bulbo A musculatura extraocular é composta por quatro músculos retos (medial, lateral, Dorsal e ventral), que se inserem na esclera posteriormente ao limbo, dois oblíquos (dorsal e ventral) e os retratores do bulbo. Afecções como proptose do bulbo do olho podem causar rupturas musculares e consequentemente estrabismo. Bulbo do olho O bulbo do olho é formado por três camadas ou túnicas. A mais externa é a fibrosa, e compreende a córnea e a esclera. A média é a túnica vascular e a mais interna é a túnica nervosa. Túnica fibrosa Córnea e esclera A córnea é a janela transparente no revestimento fibroso do olho, a esclera é a. Parte posterior opaca e o limbo é a zona de transição entre estas duas estruturas. Túnica vascular Íris, corpo ciliar e coróide A íris é formada por uma delicada rede de vasos sanguíneos, tecido conjuntivo, Fibras musculares e nervos. O corpo ciliar é estrutura caudal a íris, de constituição semelhante. Apresenta fibras Musculares indistintas no cão, que possuem pouca capacidade de acomodação. Possui como função acomodação da lente e constitui-se no local de maior produção do humor aquoso. Uma excisão cirúrgica acima de 25% do corpo ciliar pode prejudicar a dinâmica do humor aquoso. A coróide é a parte da camada vascular compreendida entre o corpo ciliar e a retina. Túnica nervosa Retina A retina, camada mais interna do bulbo do olho, é formada por células nervosas. Distribuídas em 10 camadas. Câmaras do olho Clinicamente o bulbo do olho pode ser dividido em dois segmentos. O anterior, cranial a lente e o posterior, caudal a lente. Anteriormente a lente, o olho é dividido em duas câmaras (anterior e posterior). A câmara anterior do bulbo está circundada anteriormente pela córnea e posteriormente pela íris. Ela se comunica com a câmara posterior através da pupila. A câmara posterior é um pequeno espaço limitado anteriormente pela íris e posteriormente pela lente e seus ligamentos. As câmaras são preenchidas pelo humor aquoso. A câmara vítrea do bulbo está situada entre a lente e a retina e contém o corpo vítreo. Quando a drenagem do humor aquoso está dificultada e a produção continua, ocorre uma situação chamada clinicamente de glaucoma. Cuidados pré-operatórios Alguns processos perioculares e oculares são realizados por veterinários clínicos gerais, entretanto muitos são tipicamente encaminhados a veterinários oftalmologistas. Complicações ou problemas perioculares graves ou da córnea e métodos intraoculares devem ser realizados por pessoas com treinamento especializado em oftalmologia veterinária. As condições cirúrgicas normalmente realizadas por cirurgiões gerais incluem métodos emergenciais (proptose traumática, pálpebra diminuída, lacerações conjuntivais e de córnea, feridas e ulceras penetrantes) e reparo de entropio e ectrópio, remoção de tumores e enucleação A cirurgia oftalmológica bem sucedida requer diagnóstico correto, uma escolha adequada do método cirúrgico, atenção aos detalhes e instrumentação e equipamentos apropriados. Cada animal deve ser examinado minuciosamente e isso deve incluir exame físico geral e exames complementares e isso inclui exames rotineiros de hemograma, bioquímica sérica. . A ultrassonografia, tomografia e RM são uteis na definição de doença orbital e retrobulbar. Como a microbiota normal do saco conjuntival dos ductos lacrimais e das glândulas tarsais incluem patógenos em potencial, o uso de antibióticos pré- operatórios é razoável. Os tecidos perioculares tornam-se rapidamente inflamados e edemaciados quando manipulados, esse edema pode ser minimizado pelo uso pré-operatorio de corticoides tópicos, sistêmicos oi AINES tópicos. Antibióticos de escolha: bacitracina, polimixina e neomicina, gentamicina e trobamicina e cloranfenicol. A dilatação pré-cirúrgica da pupila ( midríase) é obtida com tropicamida ou atropina 1% por via tópica. Flurbiprofeno é uma AINE tópica q auxilia na manutençãoda dilatação da pupila. Preparação do campo cirúrgico Posicionamento da cabeça O animal deve ter sua cabeça posicionada sobre uma superfície acolchoada e em decúbito que permita conforto para o animal e para que o cirurgião realize o procedimento com conforto. Tricotomia Pode-se aplicar lagrimas ratificais ou unguento oftálmico em ambos os olhos antes de realizar a tricotomia. Tricotomiza-se uma área ao redor do sitio cirúrgico usando uma maquina elétrica de tosa lamina 40, não usar vácuo para remover o pelo triconomizado, escova-lo gentilmente para fora ou usar fita adesiva. Deve-se irrigar o saco conjuntival com colírio ou solução salina fisiológica com 10% de iodo-povidona : Povidine diluído (1:50 – 1:100), usar cotonetes estéreis, na região da pele pode ser usado PVPI diluído 1:25. Colocação dos panos de campo Os campos são posicionados em forma triangular e presos com pinças backhaus sem prender a pele. Como segundo pode-se utilizar um campo fenestrado para olho (fenestração pequena) ou campo adesivo transparente. Técnicas diversas rotineiras para cirurgião geral Entrópio- Técnica: Holtz-Celsius Esta afecção ocorre quando as pálpebras, superior ou inferior, apresentam introversão (viradas para dentro). É comum em cães e provavelmente hereditária em algumas raças. O início do aparecimento difere entre as raças. Os Shar Peis podem desenvolver Entrópio logo após a abertura das pálpebras e esta condição pode ser revertida com eversão temporária “suturas de alinhavamento”. Algumas raças como Retrievers, desenvolvem entrópio em idade posterior. A afecção pode ser estudada em categorias, isso ocorre devido o entrópio possuir diferentes origens. Podem ser dividido nas seguintes classes, de acordo com a origem: - Congênito (primário ou anatômico): quando a origem é hereditária. Sabe-se que existem raças mais predispostas a entropia congênita, comum em gatos Persas e cães das raças Shar Pei, Chow-chow, Labrador, São Bernardo, e Dobermann; - Espástico: relacionados a processos dolorosos (úlceras de córnea). O excesso de movimento palpebral (blefarospasmo) causa espasmo do músculo orbicular. Este tipo de entrópio pode ser diagnosticado com reversão, através do uso de colírio anestésico; - Adquirido (cicatricial): sequela de enoftalmo, cicatrizes de conjuntiva ou pálpebras. Os sinais clínicos aparecem em decorrência do contato dos pelos palpebrais e cílios com a córnea, causando dor, desconforto, lacrimejamento, blefarospasmo e até ceratite. No exame físico são encontrados sinais clínicos que sugerem a doença, como epífora, blefarospasmo, fotofobia, secreção e alterações corneais. O diagnóstico é clínico e baseia-se nos achados da anamnese e exame oftálmico. É importante avaliar o olho sem e com anestesia tópica. Muitas vezes o entrópio espástico pode ser um componente parcial da inversão palpebral, nas situações onde o entrópio congênito ou adquirido cause dor. Após a administração do anestésico, restará apenas o componente anatômico (primário). Para o congênito e adquirido, o mais indicado é a ressecção músculo cutânea (Hotz-Celsus), não esquecendo alguns passos importantes que devem ser seguidos, como: incisão inicial a 3 mm do tarso palpebral, promover leve hipocorreção (durante a cicatrização ocorre contração da pálpebra), secção da pele e músculo orbicular do olho e para finalizar a sutura deve ser iniciada no centro da ferida. A técnica consiste na retirada de pele em meia-lua abaixo ou acima do entrópio. A sutura inicia-se no centro da incisão para melhor acabamento. Recomenda-se fio seda ou mononáilon 4-0. O proprietário deve ser conscientizado em relação a recidivas. No pós-operatório tratam-se distúrbios relacionados, e, caso não existam, pomada antibiótica TID durante sete dias (Epitezan® ou Regenon®), e uso de colar protetor. Em cães jovens, sobretudo os Shar Peis, deve-se evitar a ressecção cutânea inicialmente. Recomendam-se “suturas de alinhavamento”, que, em algumas vezes podem solucionar o problema. Flaps de terceira pálpebra O flap de terceira pálpebra é uma técnica muito utilizada mundialmente, apesar de promover proteção adequada que reduz a dessecação e a fricção irritativa da córnea ulcerada. Pode ser indicada para ulcerações corneais superficiais não complicadas ou após cirurgias de remoção de cistos dermoides., é importante enfatizar que diferente do flap conjuntival o de terceira pálpebra não fornece suporte trófico para cicatrização de ulceras. O recobrimento com a membrana nictitante exige suturas ancoradas na pálpebra superior ou na conjuntiva bulbar dorsolateral. A sutura na membrana nictitante deve passar abaixo da cartilagem, porém não deve perfurar a conjuntiva para não expor o fio de sutura à córnea. Os fios são passados na pálpebra superior e protegidos com cáptons para não lesar a pele (Figura 39). Outra técnica consiste em ancorar a sutura na conjuntiva, fixando a membrana nictitante na conjuntiva bulbar dorsolateral, utilizando-se dois ou três pontos sob padrão Wolff. Nas duas técnicas o fio de sutura utilizado é o náilon 4-0 ou 5-0. As suturas são removidas 10-14 dias após. Enxertos conjuntivais proporcionam maior vantagem diante do recobrimento com membrana nictitante, já que pela conjuntiva, um grande número de vasos sanguíneos atinge a córnea, carreando nutrientes, células de defesa e imunoglobulinas. Existem várias técnicas de recobrimento, uma delas consiste em um flap pedicular. Após a realização do flap é comum ocorrer edema palpebral, desta foram Complicações relacionadas a esta técnica como visto nesta imagem pode ocorrer como necrose palpebral, deformação da cartilagem da terceira pálpebra, quando mal realizada o fio de sutura pode irritar a córnea, provocando dor e blefaroespasmos. Remoção do olho (enucleação, evisceração e exenteração) A remoção do bulbo do olho é indicada para varias situações nas quais o tratamento primário de salvamento do globo tenha falhado é o caso das neoplasias intraoculares, trauma grave ao globo com perda de conteúdo ocular, panoftalmite, dor intratável principalmente em pacientes com glaucoma, existem 3 termos para definir a remoção do bulbo do olho. Enucleação É a retirada somente do globo ocular, e indicada em casos de neoformações intraoculares, panoftalmite, exoftalmite, protrusões crônicas com laceração muscular ou de túnica fibrosa, ruptura de nervo óptico e glaucoma crônico com olho muito aumentado em que o animal já perdeu a visão e tem muita dor. A técnica rotineiramente empregada é transconjuntival. O procedimento inicia- se com cantotomia lateral, incisão da conjuntiva perilimbar, dissecção junto ao globo, secção dos músculos junto ao bulbo, tração, secção do nervo óptico, hemostasia, sutura da conjuntiva e sutura da pele. Remove-se a terceira pálpebra e o tarso palpebral antes da sutura Evisceração É a retirada somente do conteúdo ocular (úvea, corpo ciliar, lente e corpo vítreo). Mantém-se córnea e esclera para adaptação de próteses. Faz-se tarsorrafia protetora com a terceira pálpebra. Após a enucleação uma prótese intraorbital pode ser colocada para um resultado cosmético melhor da enucleação em indivíduos jovens em particular o uso de próteses ainda possuem outra vantagem evitam a baixa taxa de crescimento da orbita pós enucleação, q está relacionada a ausência de volume orbital. Exenteração É a remoção do bulbo e todo o conteúdo da órbita (pálpebra, terceira pálpebra, músculos e tecido adiposo). Indicada em casos de tumores invasivos da órbita. É mais comum em animais de grande porte. Faz-se sutura contínua das pálpebras, Incisão da pele até encontrar a conjuntiva e a musculatura, divulsão até atingir o nervo óptico, incisão, ligadura e sutura. A tração exageradado bulbo deve ser evitada prevenindo assim lesões no quiasma óptico. Cuidados no pós-operatório Recuperar o animal calmamente para prevenir traumas ao local cirúrgico. Proteger a área após a cirurgia pela aplicação de um colar elisabetano. Dar analgésicos conforme a necessidade, nos primeiros dias. Aplicar antibióticos tópicos e corticosteroides após as cirurgias (restrição às ulcera de córnea). Usar antibióticos e midriaticos se houver ulceras de córnea. É esperado um edema mínimo de pálpebra no pós-operatório que deve resolver-se em 48 horas. A avaliação das correções de entropio e ectrópio devem ser realizadas 5-7 dias após. A remoção das suturas devem ser feitas após 10 dias manter o colar após 3-4 dias de remoção do colar. Os retalhos de terceira pálpebra devem ser examinados diariamente ou em intervalos de poucos dias. Após a enucleação ou exenteração o edema e a hemorragia são minimizados com compressas geladas e com contra pressão com bandagem no olho. Os atb. São indicados se houver infecção persistente ou se for implantada uma prótese ocular ou orbital.
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