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UNIVERSIDADE PAULISTA INTERATIVA LICENCIATURA EM LETRAS ESTUDOS DISCIPLINARES IX TRABALHO EM GRUPO PRECONCEITO LINGUÍSTICO Ângela Ferreira Possidônio Angiolett RA 1512588 Noélia Alexandre Rocha RA 1511891 Polo Brusque – Santa Catarina 2017 1. Leia o texto abaixo: Vender é o que interessa… O gerente de vendas recebeu o seguinte fax de um dos seus novos vendedores:"Seo Gomis, o criente de Belzonte pidiu mais cuatrucenta pessa. Faz favor toma as providenssa. Abrasso, Nirso". Aproximadamente uma hora depois recebeu outro: "Seo Gomis, os relatorio di venda vai xega atrazado proque to fexando umas venda. Temo que mandá treiz miu pessa. Amanhã to xegando. Abrasso, Nirso". No dia seguinte: "Seo Gomis, num xeguei pucausa de que vendi maiz deis miu em Beraba. To indo pra Brazilha. Abrasso, Nirso". No outro: "Seo Gomis, Brazilha fexo 20 miu. Vo pra Frolinoplis e de lá pra Sum Paulo no vinhão das cete hora. Abrasso, Nirso". E assim foi o mês inteiro. O gerente, muito preocupado com a imagem da empresa, levou ao presidente as mensagens que recebeu do vendedor. O presidente, um homem muito preocupado com o desenvolvimento da companhia e com a cultura dos funcionários, escutou atentamente o gerente e disse: -Deixa comigo que eu tomarei as providências necessárias. E tomou. Redigiu de próprio punho um aviso e afixou no mural da empresa, juntamente com as mensagens enviadas pelo vendedor: "A parti de oje nois tudo vamo fazê feito o Nirso. Si priocupá menos em iscrevê serto, mod vendê maiz. Acinado, o Prizidenti". Disponível em <http://www.palestrante.srv.br/index.php/fabulas/627-fabula-e-parabola>. Acesso em 07 ago. 2016. O gênero textual piada, comumente, reflete uma postura preconceituosa. O texto “Vender é o que interessa...”, de autoria desconhecida, provoca a reflexão sobre a imagem que se faz das pessoas a partir de como usam a língua. Por que a piada reflete uma visão linguística preconceituosa? O texto conta a história de Nirso. Ele é o novo vendedor da empresa. Em sua rotina de trabalho, redige os pedidos dos clientes, enviando-os ao seu gerente de vendas através do fax. Nesta atividade ele usa uma escrita diferente que não corresponde à escrita da variedade linguística padrão ou da norma culta. Nirso viajou por várias cidades durante todo o mês conseguindo excelentes vendas. Com certeza o desempenho do novo vendedor seria motivo de entusiasmo para a empresa. Porém, o gerente de vendas, ao invés de ficar animado e empolgado com seu novo vendedor, fica muito preocupado com a imagem da empresa, devido ao tipo de escrita que Nirso usa nos pedidos. A preocupação é tanta que o faz levar a situação ao presidente da empresa. A atitude do gerente revela uma visão linguística preconceituosa. Esta visão recebe o nome de preconceito linguístico. Segundo Bagno: O preconceito linguístico se baseia na crença de que só existe (...) uma única língua portuguesa digna (...). Qualquer manifestação linguística que escape desse triângulo escola-gramática-dicionário é considerada (…) errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente (…). (2011, pág.56) O preconceito linguístico é um conceito onde acredita-se que o uso da língua deve ser feito através do uso obrigatório da variedade norma culta. É como se a língua se resumisse apenas no uso da gramática normativa. Uma escrita diferente e distante da gramática tradicional é considerada oriunda de pessoas iletradas ou com pouca escolarização. Esta ideia vem desde a época da gramática tradicional alexandrina (século III a.C.). Ninin afirma: Essa abordagem foi ainda mais reforçada pelos alexandrinos, que, por conta do interesse pelas grandes obras literárias clássicas, cultivaram ideias, hoje consideradas erradas, de que ( …) a evolução ou as mudanças operadas em uma língua podem deteriorá-la. Assim, pessoas cultas manteriam a pureza das línguas, enquanto os ignorantes e iletrados tenderiam a corrompê-la (NININ, 2011, p.16). E, ainda, conforme Lyons: O segundo erro de concepção inerente à abordagem alexandrina do estudo da língua era a suposição (...) de que a “pureza” de uma língua é mantida pelo uso das pessoas cultas e corrompida pelos “iletrados”. Por mais de dois mil anos esse preconceito deveria manter-se inatingível (LYONS, 1979, p.9). Esta visão não considera as variedades linguísticas como um fenômeno natural das línguas e, por consequência, as variedades linguísticas são vistas como resultado da ausência ou da pouca escolaridade, ou ainda, característica única de área rural. Na história do texto a preocupação do gerente de vendas, volta-se para a imagem da empresa. O gerente, alimentado por uma visão preconceituosa, considera Nirso de pouca escolaridade. E não é bom, para a imagem da empresa, ter um colaborador de baixa escolaridade utilizando uma escrita “errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente” (BAGNO, 2011, p.56) na elaboração dos pedidos. Em contra-partida, o presidente da empresa não demonstra preocupação com a escrita diferente de Nirso. Ele ficou tão empolgado com as vendas que tomou a providência de redigir e afixar um recado a todos pedindo o esforço em aumentar as vendas. O detalhe interessante é o fato do presidente utilizar a escrita diferente de Nirso em seu próprio recado. Os estudos linguísticos modernos comprovam a natureza evolutiva, dinâmica e viva das línguas. Por isso, rompem com a visão da gramática tradicional e definem como preconceito linguístico esta concepção. Segundo a linguística atual as línguas são culturalmente situadas e modificam-se para satisfazer as necessidades do usuários. Por isso, diferentes situações, diferentes contextos de comunicação geram variações naturais no uso da língua. O desconhecimento desses estudos modernos da linguística contribui para a formação dessa visão preconceituosa. Segundo Lyons: “Todas as línguas estão sujeitas a constantes transformações”. (1979, p.43) As línguas acompanham a evolução humana, elas não são estáticas, enrijecidas. A abordagem pedagógica das escolas, baseada na concepção da gramática normativa como uma variedade obrigatória e única no ensino da língua materna, em muito colaborou para a formação do preconceito linguístico. Torna-se necessário levar ao conhecimento dos profissionais da educação os estudos linguísticos modernos e adotar um ensino voltado para todas as variedades linguísticas, para a natureza dinâmica e transformacional das línguas e formar os estudantes para a compreensão do uso da língua conforme a situação comunicativa. Cada situação comunicativa exige um uso adequado da língua. O falante deve aprender a discernir essas situações, pois é inoportuno utilizar uma linguagem não apropriada à situação comunicativa. No mundo do trabalho costuma-se adotar uma linguagem escrita próxima da variedade norma culta, com maior ou menor informalidade,dependendo do setor. Uma atitude mais conveniente do gerente de vendas seria o de estabelecer uma linguagem própria para os relatórios nas atividades da empresa a fim de buscar uma linguagem adequada para a situação comunicativa de relação de trabalho. Porém, qualquer linguagem própria definida para uma determinada situação comunicativa não deve estigmatizar ou desprestigiar os falantes no uso de outras variações linguísticas. O preconceito linguístico será superado na medida em que as gerações compreenderem os estudos linguísticos modificando o comportamento e assumindo uma nova postura. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico. 54ª ed. São Paulo: 2011. LYONS, John.Introdução à linguística teórica. São Paulo:1979. NININ, Maria Otília Guimarães. Linguística geral.. São Paulo: Editora Sol, 2011.
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