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51 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Unidade II TEXTO ORAL E TEXTO ESCRITO: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PEDAGÓGICAS 5 A RELAÇÃO ORALIDADE/ESCRITA E SEUS DIFERENTES NÍVEIS DE FORMALIDADE E VARIAÇÃO: UMA QUESTÃO LINGUÍSTICA, SOCIAL E PEDAGÓGICA Caro aluno, não é novidade o fato de que o ensino tradicional de língua em nossas escolas (seja língua materna ou estrangeira) é, ainda, bastante questionável em muitos dos seus aspectos. Essa constatação já é um consenso entre os educadores brasileiros, e tem-se identificado na formação do professor uma das principais causas dessa situação. É claro que são vários os fatores que causam essa crise, sendo a formação deficiente do professor de língua apenas uma das marcas visíveis do problema. Um dos aspectos dessa deficiência é a falta de uma base teórica que lhe dê segurança para trabalhar com o texto em sala de aula, fornecendo os procedimentos de leitura, interpretação e produção de textos pertinentes e necessários. Como você deve supor, o ensino tradicional não considera a noção de variação linguística, não leva em conta a linguagem falada e trabalha com uma linguagem “estática”. Ele se torna ainda mais precário no que se refere ao trabalho: com a linguagem oral e com os níveis de formalidade do discurso; com a conceituação do que vem a ser o texto e seus critérios de textualidade; e com o processo de leitura e produção escrita. Infelizmente, a realidade escolar mostra sérios problemas relacionados à aquisição da linguagem escrita, envolvendo os processos de leitura e produção: • O discurso oral é tomado apenas como “antimodelo”, ou seja, o que deve ser evitado na escrita, deixando de ser explorado enquanto processo ativo na linguagem. • Os níveis de formalidade textual são encarados apenas como dois parâmetros, que classificam a linguagem como formal (escrita) ou informal (oral), deixando de conferir ao texto (oral ou escrito) uma posição em uma “escala” de formalidade, atribuindo-lhe a propriedade de ser mais ou menos formal de acordo com sua natureza. • O texto, na maioria das vezes, é tido como um conjunto de palavras a serem decodificadas sem se levar em conta elementos como autoria e sentido. • O processo de escrita é considerado como cópia do padrão da escrita literária e acadêmica, sem que se ensine como se dá esse processo nem quais as implicações da relação entre a passagem da oralidade para a escrita e o exercício da produção textual escrita. É urgente buscar soluções no sentido de se adotar uma postura mais séria e comprometida que supere e redimensione as concepções tradicionais de ensino de língua, veiculadas convencionalmente 52 Unidade II Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 nas escolas. Assim, justifica-se a ênfase na importância acerca da reflexão sobre um continuum na relação fala/escrita e suas implicações na aquisição da linguagem escrita e nos processos de leitura e produção, para uma aprendizagem mais proveitosa e adequada. Outro ponto merecedor de destaque é que refletir sobre a relação oralidade/escrita inevitavelmente traz à tona questões relacionadas à variação linguística, e, nesse sentido, é importante refletir sobre os aspectos teóricos que dizem respeito às modalidades oral e escrita em relação aos diferentes níveis de formalidade da linguagem e variação que compõem um continuum fala-escrita. A elaboração textual está baseada em uma diversidade de gêneros textuais, que, se bem explorada, a partir das diversas situações do dia a dia, nos diferentes níveis de formalidade, tanto no que se refere a textos falados como textos escritos, propicia uma reflexão acerca da influência mútua entre as modalidades oral e escrita, uma vez que tudo o que se fala pode se tornar escrito e vice-versa. Vejam-se alguns exemplos desses diferentes gêneros textuais do dia a dia (falados e escritos): Quadro 11 Diferentes gêneros textuais do dia a dia Escritos Falados Cartas: pessoais, de recomendação, de demissão etc. Novelas* (realização oral, elaboração escrita) Memorandos, ofícios, circulares Comerciais* (realização oral, elaboração escrita) Anúncios: publicitários, de emprego, de venda etc. Cinema* (realização oral, elaboração escrita) Formulários (diversos) Peças teatrais* (realização oral, elaboração escrita) E-mails, chats Telefonemas Multas Aulas Posts, coments de blogs Entrevistas de emprego Notas fiscais Conferências, palestras, comunicações, Listas de compra Discursos Bulas de remédio, receitas médicas, exames médicos Conversas de bar, de elevador, de ponto de ônibus, de namorados, de marido/mulher, de ex-marido e ex-mulher etc. Recibos Teleconferências Contas domésticas Bate-papo em viva-voz via Skype, MSN etc. Jornal impresso e eletrônico Programas de rádio e TV Cheques Pregão na feira, na rua, na bolsa de valores Placas, outdoors Fofocas Recados de geladeira, de Orkut, de post-it etc. “Bronca” (reprimenda) dos pais, da professora, do guarda de trânsito etc. Etc.! Etc.! A investigação linguística (sobretudo a textual), bem como a prática pedagógica, devem explorar as variedades de linguagem, não só incorporando o estudo da oralidade a suas questões de análise e investigação, mas concedendo-lhe uma consideração especial no que se refere à relação fala/escrita. 53 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Como bem coloca Marcuschi (1997), a variação linguística pode ser investigada tanto na oralidade como na escrita. No entanto, é interessante enfocarmos a fala, já que esta é uma atividade muito mais fundamental que a escrita na vida das pessoas. O homem é essencialmente um ser que fala. Entretanto, como temos visto, a escola não considera esse lugar da fala e confere, no ambiente acadêmico, uma posição inferior, desvalorizada, centralizando a atenção dos alunos nas atividades de escrita. Lembrete Esse imaginário já está tão arraigado que é comum ouvir que a escola está aí para ensinar a escrita e não a fala. A escola não pode ignorar a fala porque a escrita está essencialmente ligada a ela e, como já foi dito, o homem é essencialmente um ser que fala e não um ser que escreve. Se se parar para pensar um pouco sobre a questão, o que é possível observar é que a atenção dada à fala no ambiente escolar e nos manuais didáticos é também resquício dos pressupostos teóricos linguísticos dos últimos séculos, que não mantinham uma preocupação com a fala “real”, ou autêntica, e, portanto, desprezava a produção oral efetiva. Conforme Marcuschi, ”fenômenos como a prosódia e até mesmo aspectos e efeitos expressivos de usos variados da língua e a própria variação socioletal não estavam nos horizontes da linguística (op. cit., p. 40). Saiba que só nos últimos anos é que a oralidade começou a ser investigada mais seriamente e passou-se a refletir acerca da importância do estudo da fala e de suas variedades no ensino de língua. Hoje, a preocupação com a oralidade vem se tornando cada vez mais aceita no contexto escolar. Contudo, nem sempre essa preocupação volta-se para as questões principais que devem ser abordadas. O ensino de língua deve garantir que a oralidade assuma o seu papel e o seu lugar na sala de aula, e, portanto, deve ter em vista que variedade textual é adequada para ser trabalhada, considerando também a diversidade contextual. O principal objetivo em veicular um ensino baseado nessas questões é o de evitar a criação de uma concepção “monolítica” restrita ao modelo de escrita padrão. Como já se disse, a variedade linguística tanto se faz observar na fala como na escrita, e o estudodessas variedades deve ser conduzido de maneira continuada em ambas as modalidades. De acordo com Marcuschi, enxergar a língua por uma ótica “monolítica” leva a conceber um “dialeto de fala padrão” fundamentado na escrita, sem ligações com as relações de “influências mútuas” entre fala e escrita. A fala deve ter seu lugar bem-definido no ensino de língua. Entenda que não se trata de ensinar a falar, mas de identificar a grandiosa riqueza e variabilidade dos usos da língua, pois um aspecto central no estudo da oralidade é a variação. É de fundamental importância ter em mente que a língua falada é variável: 54 Unidade II Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 • de cultura para cultura; • de sociedade para sociedade; • de grupo para grupo; • de situação para situação; • de indivíduo para indivíduo; e • a visão do dialeto padrão uniforme é uma visão teórica, que não tem constatação no mundo real, não há um equivalente empírico para essa sistematização da língua(gem) (idem, p. 41). Assim, não podemos perder de vista, no ensino de língua materna, noções como: • padrão; • norma; • jargão; • dialeto; • gênero; • gíria; • variante; • sotaque; • registro; • estilo etc. Outro aspecto que não devemos perder de vista é a análise dos níveis de formalidade (+/- formal; +/- informal) e dos níveis de uso da língua e suas funções e valores sociais do mais ao menos formal, tanto na escrita como na fala, sem que tal abordagem se prenda restritamente à observação lexical. Conforme Marcuschi (op. cit.), a análise dos textos orais pode revelar as relações mútuas e diferenciadas que a fala mantém com a escrita, influenciando uma à outra nos diferentes processos de aquisição da escrita. O estudo da oralidade pode revelar a contribuição da fala na formação sócio-cultural e na preservação de tradições orais que persistem mesmo em culturas decisivamente letradas. Além disso, viabiliza, também, a investigação das diferenças e semelhanças nas atividades que relacionam fala e escrita, facilitando a abordagem da diversidade de processos de contextualização inserida nas produções orais e escritas. 55 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Saiba mais Você pode ampliar sua visão acerca deste assunto, variação linguística, observando e analisando alguns filmes como: Domésticas – o filme, de Nando Olival / Fernando Meirelles, 2001. Sinopse: “No meio da nossa sociedade existe um Brasil notado por poucos. Um Brasil formado por pessoas que, apesar de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia a dia, é como se não estivesse lá. Cinco das integrantes deste Brasil são mostradas em Domésticas – o filme: Cida, Roxane, Quitéria, Raimunda e Créo. Uma quer se casar, a outra é casada, mas sonha com um marido melhor. Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por missão na Terra servir a Deus e à sua patroa. Todas têm sonhos distintos, mas vivem a mesma realidade: trabalhar como empregada doméstica” (disponível em: <http://www.adorocinema.com/ filmes/domesticas/>). Desmundo, de Alain Fresnot, 2003. Sinopse: “Brasil, por volta de 1570. Chegam ao país algumas órfãs, enviadas pela rainha de Portugal, com o objetivo de desposarem os primeiros colonizadores. Uma delas, Oribela (Simone Spoladore), é uma jovem sensível e religiosa que, após ofender de forma bem grosseira Afonso Soares D’Aragão (Cacá Rosset), vê-se obrigada a casar com Francisco de Albuquerque (Osmar Prado), que a leva para seu engenho de açúcar. Oribela pede a Francisco que lhe dê algum tempo, para ela se acostumar com ele e cumprir com suas “obrigações”, mas paciência é algo que seu marido não tem e ele praticamente a violenta. Sentindo-se infeliz, ela tenta fugir, pois quer pegar um navio e voltar a Portugal, mas acaba sendo recapturada por Francisco. Como castigo, Oribela fica acorrentada em um pequeno galpão. Deprimida por estar sozinha e ferida, pois seus pés ficaram muito machucados, ela passa os dias chorando e só tem contato com uma índia, que lhe leva comida e a ajuda na recuperação, envolvendo seus pés com plantas medicinais. Quando ela sai do seu cativeiro continua determinada a fugir, até que numa noite ela se disfarça de homem e segue para a vila, pedindo ajuda a Ximeno Dias (Caco Ciocler), um português que também morava na região” (disponível em: <http://www.interfilmes.com/filme_ 13080_desmundo.html>. Considerar o estudo da fala e a ele se dedicar é, principalmente, criar uma oportunidade ímpar para explicitar, conforme Marcuschi, 56 Unidade II Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 aspectos relativos ao preconceito e à discriminação linguística, bem como, suas formas de disseminação. Além disso, é uma atividade relevante para analisar em que sentido a língua é um mecanismo de controle social e reprodução de esquemas de dominação e poder implícitos em usos linguísticos na vida diária, tendo em vista suas íntimas, complexas e comprovadas relações com as estruturas sociais (MARCUSCHI, op. cit., p. 43). Marcuschi (op. cit.) discute o papel e o lugar da oralidade no ensino de língua e ilustra sua argumentação com uma criteriosa análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e de uma gama considerável de livros didáticos de 1º e 2º graus. O autor afirma que, no século XXI, um dos desafios para as obras didáticas será aprender a lidar com a variação linguística em seus mais variados aspectos: 1. variação sociolinguística; 2. variação dialetal; 3. variação de registros e níveis de fala; 4. variação de gêneros textuais realizados na fala; 5. variação de estratégias organizacionais da interação verbal; 6. variação de estratégias comunicativas; 7. variação de estratégias e processos de compreensão na interação; 8. variação de situações sociocomunicativas; 9. variação de construções sintáticas; 10. variação de seleção lexical (idem, p. 76). Aceitar esse desafio e respeitar o lugar da oralidade na aula de língua é comprometer-se com um ensino sem discriminações linguísticas. 5.1 Diferenças e características da fala e da escrita: interferência mútua entre elas A fala e a escrita são duas modalidades de uso da língua que utilizam o mesmo sistema linguístico, mas têm suas próprias peculiaridades. Isso não significa que devam ser encaradas de maneira dicotômica (oposta, sendo uma superior e outra inferior). Conforme sintetiza Koch (2007; 1997), vários estudiosos dessa área, como Marcuschi (1995/2007a), Koch & Oesterreicher (1990), Halliday (1985) e Koch (1992), afirmam que “os diversos tipos de práticas sociais de produção textual situam-se ao longo de um continuum tipológico, em cujas extremidades estariam, de um lado, a escrita formal e, do outro, a conversação espontânea, coloquial” (KOCH, 2007, p. 31). 57 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Quadro 12 Escrita formal Oralidade informal Marcuschi deixa bem clara a natureza desse continuum tipológico, mostrando que as diferenças entre oralidade e escrita dão-se dentro de um continuum tipológico das práticas sociais de produção de texto e não na relação dicotômica de dois polos opostos. Assim, o continuum tipológico distingue e correlaciona os textos de cada modalidade quanto às estratégias de formulação textual que determinam o continuum das características que diferenciam as variações das estruturas, seleções lexicais etc. Tanto a fala como a escrita dão-se em um continuum devariações, surgindo daí semelhanças e diferenças ao longo de dois contínuos sobrepostos (MARCUSCHI, 2007a). Para proceder à localização dos diversos tipos de texto no continuum, Koch (2007) relata a contribuição de alguns importantes autores da linguística textual: • Koch & Oesterreicher indicam o uso do critério medium e do critério proximidade/distância. • Chafe considera o nível maior ou menor de envolvimento dos interlocutores. • Halliday sugere que o texto escrito tem maior densidade lexical, e o falado, maior complexidade sintática. • Koch sustenta que os textos escritos podem estar mais próximos do polo conversacional e vice-versa. Há ainda os tipos mistos e intermediários. Saiba mais Você pode ampliar sua visão acerca deste assunto assitindo ao filme Narradores de Javé, de Eliane Caffé, 2003 e analisando-o. Esse filme deixa bastante explícitas as diferenças entre fala e escrita, evidenciando ainda a importância e poder legitimador que tem a escrita (científica) para certos funcionamentos sociais. Sinopse: Somente uma ameaça à própria existência pode mudar a rotina dos habitantes do pequeno vilarejo de Javé. É aí que eles deparam com o anúncio de que a cidade pode desaparecer sob as águas de uma enorme usina hidrelétrica. Em resposta à notícia devastadora, a comunidade adota uma ousada estratégia: decide preparar um documento contando todos os grandes acontecimentos heróicos de sua história, para que Javé possa escapar da destruição. Como a maioria dos moradores são analfabetos, a primeira tarefa é encontrar alguém que possa escrever as histórias. Dispoível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/narradores-de-jave>. 58 Unidade II Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Observe que, conforme Koch (2007; 1997), alguns autores (Chafe, Tannen, Halliday, Oesterreicher etc.) a partir da década de 1960 consideraram a dicotomia entre as modalidades fala e escrita, atribuindo a cada uma características particulares. Koch afirma que tais características refletiam uma visão preconceituosa e centrada no modelo da escrita formal padrão. Com base em tal dicotomia fala x escrita, categorizava-se (KOCH, 2007, p. 32): Quadro 13 Fala Escrita Contextualizada Descontextualizada Implícita Explícita Redundante Condensada Não planejada Planejada Predominância do modus pragmático Predominância do modus sintático Fragmentada Não fragmentada Incompleta Completa Pouco elaborada Elaborada Pouca densidade informacional Densidade informacional Predominância de frases curtas, simples e coordenadas Predominância de frases complexas e subordinadas Pequena frequência de passivas Emprego frequente de passivas Poucas nominalizações Abundância em nominalizações Menor densidade lexical Maior densidade lexical Você deve compreender que, em linhas gerais, é possível considerar que essas características não são exclusivas nem de uma nem de outra modalidade e que elas foram estabelecidas a partir dos parâmetros da escrita por visão preconceituosa, que discriminava a fala. Nesse sentido, é mister entender que a fala possui características próprias, particulares à sua situação enunciativa, sua forma de organização e realização. Veja a seguir algumas das características mais essenciais da natureza da fala (mencionadas por KOCH, op. cit., e por MARCURSCHI, op. cit.), que merecem destaque e revelam-se originalmente particulares a ela. • Devido à sua interacionalidade intrínseca, a fala é, a priori, “não planejável”. Ela precisa ser apenas “localmente planejável”. • Possui sua verbalização e seu planejamento concomitantes, pois esses processos emergem no momento da interação – a fala é o seu próprio rascunho. • Apresenta descontinuidades frequentes no fluxo discursivo: abandono de tópicos discursivos; retomadas de tópicos discursivos, inserções abruptas de novos tópicos discursivos, truncamentos etc. • Sintaxe característica/típica ligada, de certa forma, à sintaxe geral da língua. Um exemplo é a topicalização: “Esse menino, eu não sei se tomou banho hoje”; “A violência, falta de segurança, eu não me acostumo com esse ritmo de grandes metrópoles no Brasil”. 59 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 • Fala é processo, portanto, é dinâmica: não é um produto pronto e acabado, pois está continuamente se refazendo, indo e voltando nos tópicos de interesse dos interlocutores, definindo-se em razão das necessidades, escolhas e pressões comunicativas da interação. Veja que na atividade de “coprodução” discursiva, os interlocutores empenham-se juntos na produção textual. Em função da interação imediata, há pressões de natureza pragmática que passam por cima das exigências sintáticas: truncamentos, correções, inserções, repetições e parágrafos. Esses elementos têm uma função importante, a função cognitivo-interacional (MARCUSCHI, 1986, apud KOCH, op. cit.). O texto falado não é caótico, ele tem sim uma estrutura própria, que se pauta a partir de sua produção. É nesse sentido que deve ser descrito, estudado e analisado. No processo de produção do texto falado, os interlocutores estão in praesentia – num mesmo tempo e espaço físico (salvo exceções como telefone, rádio e outras possibilidades de conversação oral à distância que a tecnologia oferece). Agora que você já conhece as diferenças e características que perfilam as duas modalidades (falada e escrita), vejam-se a seguir as principais interferências da oralidade na escrita, conforme aponta Koch (1997). I. Questão de referência: na oralidade, muitas vezes os referentes são recuperados no próprio contexto (basta apontar, por exemplo), dispensando assim que os falantes precisem explicitá-los sempre. Mas, na escrita, não é bem assim, pois por ser não presencial há a necessidade de explicitar sempre os referentes, por meio das marcas linguísticas. O trecho a seguir revela a produção escrita de um sujeito que ainda não consegue diferenciar bem os usos da situação oral dos usos da escrita. Exemplo: “[...] certo dia um homem muito rico mudou-se, para perto da fazenda do pobrehomem. Ese homen era mau e iguinorante. Assim que soube se sua existência, dia e noite não parava de atormentá-lo, então ele disse [...]” (KOCH, op. cit., p. 35). II. Repetições: no texto falado, a repetição é muito frequente, aliás ela é um dos seus mecanismos de organização, desempenhando funções didáticas, sintáticas, argumentativas, enfáticas etc. O trecho a seguir revela a interferência clara de um recurso da fala na escrita. Exemplo: “[...] já estavam chegando no final da gruta andaram andaram-andaram chegaram no final da gruta virão o bau-cheio de jóias moedas voutaram para casa e ficaram muito felizes” (idem, p. 36). III. Uso de organizadores textuais: são tópicos continuadores da fala, por exemplo: e, aí, daí, então, daí então etc. Os textos das crianças são ricos em organizadores textuais típicos da oralidade. Exemplo: “era uma vês un castelo abandonado e um dia 2 mininos pobres que tinham passado por lá. comesaram a reformar o castelo e o tempo foi pasando e a notícia se espahol e os mininos creseram e finalmente o castelo ficol pronto os mininos foram entrando e lá dentro tinha 8 cuartos” (ibidem). IV. Justaposição de enunciados sem marca de conexão explícita: é comum, nos textos, enunciados justapostos, sem elementos explícitos de conexão, ligação ou transição. O sujeito que está 60 Unidade II Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 adquirindo a modalidade escrita ainda não aprendeu os mecanismos sequenciadores próprios dessa modalidade e mistura à escrita o padrão oral.Exemplo: “Entraram na gruta com lanterna [/] primeiro foi o leão muitos tigres e onças depois foi milhares de cobras e serpente e la no teto é cheio de morcegos [/] já estavam chegando no final da gruta [/] andaram andaram-andaram [/] chegaram no final da gruta [/] virão o bau-cheio de jóias moedas [/] voutaram para casa e ficaram muito felizes” (ibidem).1 V. Discurso citado: o discurso citado é manifestado prioritariamente no estilo direto, é mais frequente na oralidade; em geral, sem a presença de um verbo que introduza a fala do outro (fulano disse:, fulano resmungou:, fulano gritou:). O sujeito ainda não aprendeu os mecanismos sequenciadores próprios da modalidade escrita e mistura a ela a estrutura mais típica da oral, que é a que ele conhece melhor. Exemplo: “Dez oras depois o Lucas vil um navio pirata elegrito gente vamos nos conder um navio pirata sea prosima vamologo ja sei vamos nos esconder na quela caverna certo elá atras sera que é perigos ela fora rárá vamos ficaricos maos pirtas não acharão droga vam em bora viva camos ricos e turma vou ta para casa. Fim” (idem, p. 37). VI. Segmentação gráfica: também é comum que a segmentação gráfica, em textos de sujeitos iniciantes na modalidade escrita, seja feita em função do que ele ouve. É curioso notar que a criança, por vezes, tentando acertar a segmentação gráfica adequada, acaba dividindo no meio algumas palavras ou juntando outras em uma só! Exemplo: “sabiacomoaranjar, arainha, poriso, aguera, masantesdiso, convoce, masnã, elegrito, vamologo” (ibidem). VII. Grafia correspondente à palavra: ou sequência de palavras tal como pronunciadas oralmente, isto é, reproduzindo o que a criança ouve. Exemplo: “virão (= viram), vamos nos conder (= nos esconder), perigos (= perigoso), maos piratas (= mas os) espahol (= espalhou), ficol, partil, vil (= ficou, partiu, viu)” (ibidem). VIII. Correções feitas da forma como se fazem no texto oral: assim como na fala, o sujeito não apaga ou risca a forma que considera inadequada, mas justapõe a esta a forma corrigida. Exemplo: “Chegando lá a turma rezol rezolvrão to(mar) banho de cachoeira mas algen esquso o maio [...]” (idem, p. 36). Para finalizar este tópico, é importante ainda trazer algumas considerações sobre a organização da coesão e da coerência na conversação. Já que na Unidade I a abordagem desses critérios de textualidade foi longamente trabalhada, valendo conceitualmente tanto para a fala como para a escrita, mas sempre 1A inserção de barras é nossa e serve para separar os enunciados a fim de evidenciar a justaposição sem conectividade entre eles. 61 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 tomando como exemplos textos escritos para ilustrar seus múltiplos fatores, subtipos (enfim, seus funcionamentos), aqui tomaremos como referência o texto falado, a conversação propriamente para analisar o funcionamento destes critérios de textualidade. Para essa discussão, apontamos a autora Leonor Fávero (2009) que traz um capítulo de seu livro “Coesão e coerência textuais” sobre estas questões. Essa autora, na mesma linha de pensamento de Koch, Marcuschi e outros autores citados nesta Unidade II, entende que a conversação deve ser analisada com justiça aos seus aspectos que são particulares e essenciais. Antes de entramos nas especificações dadas à construção da coesão e da coerência no texto falado, é importante frisar alguns aspectos cruciais da natureza da fala, conforme essa autora. Fávero reitera que a conversação “é uma atividade linguística, que pertence às práticas diárias de qualquer cidadão, independente de seu nível sociocultural. Ela representa o intercurso verbal em que duas ou mais pessoas se alternam, discorrendo livremente sobre questões propiciadas pela vida diária” (CASTILHO, 1986 apud FÁVERO, 2009, p. 84). Conforme retoma Fávero de Castilho, há dois tipos de conversação: • a natural – com suas variedades informal, coloquial e formal; • a artificial – desenvolvida em peças de teatro, filmes, novelas, romances etc.; estas seguem um tipo de roteiro prévio. Lembre-se de que tanto no texto oral como no escrito o sistema linguístico é o mesmo para a construção sintática. Entretanto, as regras para a realização oral, bem como os meios utilizados são distintos, o que acaba por revelar materialidades linguísticas totalmente diferentes. Você também deve considerar que, assim como a escrita, a fala também deriva da mesma base semântica, fazendo uso do mesmo repertório lexical, variando, inclusive, na escolha e organização do vocabulário, e, nesse sentido, reafirmamos um fundamento linguístico já enfatizado: o de que fala e escrita são variações funcionais do mesmo sistema linguístico. Observação É comum muitos autores repetirem o equívoco de que o texto falado não é planejado. Mas devemos considerar que o planejamento do texto oral é diferente do planejamento do texto escrito. Fávero aponta quatro graus de planejamento da conversação (indo do texto falado não planejado ao escrito planejado), defendidos por Ochs (1979 apud FÁVERO 2009): • falado não planejado – prescinde de reflexões e preparação prévia: uma briga ou discussão, uma conversa no elevador, dar uma informação na rua etc.; 62 Unidade II Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 • falado planejado – é pensado e projetado antes de sua realização, mas está sujeito às pressões da situação comunicativa em coprodução com o(s) interlocutor(es): uma aula, um discurso, uma reunião de condomínio, uma conversa para romper um relacionamento etc.; • escrito não planejado – elaborado em situações informais do dia a dia, caracterizadas pela necessidade do uso da escrita, mas levando em conta situações sem preparação ou expectativa prévia: um recado de geladeira, bilhetinhos trocados em sala de aula, a escrita/“conversa” dos chats na internet etc. • escrito planejado – é pensado e projetado antes de sua publicação: um livro, um artigo de jornal, uma carta de demissão, uma solicitação formal a uma instituição pública etc. Observação Uma das marcas essenciais da organização da conversação é que ela é fruto de uma criação coletiva e dialógica, pois os interlocutores produzem o texto em cooperação. Aqui vale a máxima: “quando um não quer, dois não ‘conversam’2”! O fato de o planejamento da fala se dar localmente confere-lhe uma característica denominada “fragmentação”, consequente de sua natureza espontânea, que se opõe a uma maior “integração” da modalidade escrita, em função do maior tempo de que ela dispõe para ser produzida (Fávero, op. cit., p. 86). A rapidez com que o locutor constrói a fala tem consequências no controle do fluxo da informação, conduzindo-o a descontinuidades nesse mesmo fluxo, reveladas por fenômenos como repetições, paráfrases, inserções, anacolutos, falsos começos e outros; desse modo ela vai revelando seus processos de construção, ao contrário da escrita que busca escondê-los, mostrando somente os resultados (ibidem). Outra característica forte da fala apontada por Chafe (apud FÁVERO, op. cit., p. 86) é o “envolvimento” interpessoal, que se opõe ao “afastamento”, típico da escrita. Considere ainda que as “descontinuidades” da fala são, em sua maioria, técnicas linguísticas usadas como estratégias controladoras do diálogo, que estão baseadas em regras conversacionais3 do tipo: • não diga o óbvio, e sim concentre-se no que é importante; • seja claro para não dispersar nem perder o interesse de seu interlocutor, bem como os objetivos do diálogo; 2O provérbio original é “quando um não quer, dois não brigam”. 3 Sobre a conceituação destas regras conversacionais, sugere-se a leiturade Logic and conversation, de H. Grice, 1975. 63 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 • não fale de forma irresponsável ou inconsequente, para não fugir ao que refere a sua opinião e confundir o interlocutor. Feitas as colocações anteriores, focalizemos, então, o funcionamento da coerência e da coesão na conversação. Analisar esses critérios de textualidade no texto oral é trazer à tona uma discussão polêmica, por se tratar de um fenômeno linguístico com poucas evidências empíricas estudadas até então. Na conversação, a coesão não pode ser definida em termos estritamente formais, pois o texto se produz dialogicamente, na concorrência de dois ou mais agentes. A coerência não é uma unidade de sentido, e sim uma dada possibilidade interpretativa resultante localmente. Dois interlocutores se entendem não só porque são coerentes no que dizem, mas principalmente porque sabem do que se trata em cada caso. E, quando não sabem, manifestam seu desentendimento de modo a integrá-lo como parte efetiva no próprio texto (MARCUSCHI, 1988 apud FÁVERO, op. cit., p. 90). Nessa perspectiva, a coerência se dá em função de os enunciados construídos na conversação se mostrarem mutuamente relacionados, de modo ordenado e significativo, melhor caracterizada em termos de “tópico discursivo”, considerando a sua centração, organicidade e delimitação. Ao lado (ou dentro!) da organização do tópico discursivo, há frequentemente as “digressões”, ou partes que não estão topicamente relacionadas com o que veio imediatamente antes, ou com o que vem logo depois, mas que no todo da conversação é possível recuperar tentacularmente, e por isso fazem sentido. • Por outro lado, a coesão é uma relação linear4 entre as sentenças, não sendo necessariamente condicional ou suficiente para a coerência. Ela não é um fator interdependente, mas um subproduto da coerência. Seguem alguns exemplos da coesão na conversação5: 1. Coesão referencial – reiteração, repetição do mesmo item lexical por: • autorrepetição: “... ele já ia à escola da manhã que eu comecei quando eu comecei trabalhar... comecei a trabalhar há dois anos... e quer dizer então... ele já ia à escola de manhã”. • heterorrepetição: “L1 - nós somos: seis filhos. L2 - e a do marido? L1 - e a do marido... eram doze agora são onze...”. 4 Conforme foi enfaticamente destacado na Unidade I. 5 Os exemplos citados são retirados de Fávero (op. cit., p. 91ss), que usou como fonte o inquérito de número 360 do arquivo do Projeto NURC-SP (sobre a linguagem falada culta na cidade de São Paulo). 64 Unidade II Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 2. Coesão recorrencial – paráfrase: “contexto: o tópico que se desenvolve é mercado de trabalho, especificamente, a “procura de engenheiro”. “L2 ... a grande maioria é engenheiro administradores economistas L1... é que a gente está na:: na espera da tecnologia, né?... L2 ... mas engenheiro o peso é muito grande...” 3. Coesão sequencial – por conexão: “contexto: o tópico que vem se desenvolvendo é o do planejamento familiar”. “L1 e:: nós havíamos programado Nove ou dez filhos... não é? ... L2 a sua família é grande? L1 nós somos:: seis filhos L2 e a do marido? L1 e a do marido... eram doze agora são onze...”. 5.2 Mais algumas considerações teóricas sobre o binômio oralidade e escrita Nesta sessão, você acompanhará algumas considerações a respeito de categorias teóricas e perspectivas científicas em torno da relação oralidade e escrita. Mais especificamente, aspectos relacionados à visão dicotômica sobre oralidade x escrita; às especificidades das categorias oralidade/ fala e letramento/escrita; ao binômio oralidade/escrita e prática sociais; à visão culturalista; à visão variacionista; à interacional; à visão funcionalista da relação fala e escrita. Tais considerações são apresentadas por Marcuschi (2007a). I. Fala x escrita – a perspectiva das dicotomias: essa visão é da perspectiva dicotômica entre fala x escrita, é considerada restrita, pois polariza essas duas modalidades da língua. Por outro lado, há quem considere nessa perspectiva as relações fala x escrita dentro de um continuum. Aqui as análises são voltadas para o código com permanência no fato linguístico. Essa teoria deu origem ao prescritivismo gramatical e à norma linguística. De modo geral, as características próprias à fala e à escrita são descritas/ prescritas por essa visão da seguinte maneira: • Fala = contextual, implícita, redundante, não planejada, imprecisa, não normatizada. • Escrita = descontextualizada, explícita, condensada, planejada, precisa, normatizada. Tal visão, baseada no perfil das condições empíricas de uso da língua, é uma visão formalista distorcida do fenômeno textual. É uma visão “imanentista” que originou as Gramáticas Pedagógicas. Ela remonta a separação “forma x conteúdo”, classifica a fala como pouco “complexa” e postula que a escrita é fundada num conjunto de regras que regem a língua. 65 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 II. Oralidade x letramento ou fala x escrita? – há que se observar algumas especificidades dessas categorias teóricas, pois tais especificidades relacionam-se ao seu emprego em teoria e análise. O binômio oralidade x letramento está voltado para analisar as diferenças entre duas “práticas sociais”; enquanto que o binômio fala x escrita volta-se às diferenças entre duas modalidades de uso da língua. Quadro 14 Oralidade: prática social apresentada sob várias formas ou gêneros textuais em sua diversidade de uso formal e contextual. Fala: forma de produção discursivo-textual oral que dispensa um aparato técnico, necessitando, apenas, dos recursos próprios ao ser humano. Letramento: uso social da escrita que vai de uma apropriação mínima da escrita até uma utilização científica dela. Escrita: tecnologia de representação abstrata da fala e produção discursivo-textual com especificidades próprias. III. Oralidade e escrita no contexto das práticas sociais: Marcuschi (2007a) situa o papel das práticas sociais da escrita e da oralidade na civilização contemporânea. Ele considera a relação entre “vida cotidiana” e os fenômenos da fala e escrita. O texto seria, então, uma prática social, e não um artefato linguístico. Compreenda que a escrita, enquanto prática social, tornar-se-ia indispensável. Em relação ao uso da língua (fala e escrita), as práticas sociais têm o seu lugar, papel e grau de relevância de ambas as modalidades na sociedade – eixo de um continuum sócio-histórico-tipológico e até morfológico. Lembrete Homem = naturalmente um “ser que fala”, e não um “ser que escreve” – a escrita é derivada, e a fala é primária. Fala = prática social do dia a dia. Escrita = prática de um ambiente formal – escola (o que lhe confere prestígio). A escrita permeia hoje praticamente todas as práticas sociais das comunidades em que se insere sob a forma de “letramento”. Os objetivos e a ênfase do uso da escrita variam de acordo com os contextos em que se inserem: a “apropriação/distribuição” da escrita e da leitura (padrões de alfabetização); e os “usos/papéis” da escrita e da leitura (processos de letramento). Mesmo as pessoas analfabetas também estão sob a influência das estratégias da escrita em seu desempenho oral. A escrita passou a ter um status bastante singular no contexto das atividades cognitivas em geral. Devem-se distinguir, então: • Letramento: processo de aprendizagem sócio-histórica da leitura e da escrita em contextos informais e para usos utilitários. 66 Unidade IIRe vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 • Alfabetização: domínio ativo e sistemático das habilidades de ler e escrever. • Escolarização: prática formal e institucional de ensino que visa a uma formação do indivíduo, sendo que a alfabetização é apenas uma das atribuições/atividades (MARCUSCHI, 2007a). Você deve observar que são muitos os usos de oralidade e escrita em nossa sociedade, como você já viu anteriormente. Também vimos que há diferentes meios de acesso e usos da linguagem na sociedade, tanto em relação à fala quanto em relação à escrita. E esses diferentes usos possibilitados por meio de diferentes mídias e tecnologias, além da própria voz e do código escrito, põem em contato/interação/ dialogismo diferentes subjetividades, em diferentes espaços sociais: • homem/mulher; • pai/filho; • sogra/nora; • patrão/empregado; • professor/aluno; • padre/fiel; • fornecedor/consumidor; • civil/militar; • governante/povo; • dentro/fora da escola; • dentro/fora de casa; • dentro/fora do trabalho; • dentro/fora da igreja; • dentro/fora do tribunal etc. A escrita é uma fonte de preconceito, na medida em que se atribui o desenvolvimento à alfabetização. A escrita é um fato histórico e deve ser tratado como tal, e não como um bem cultural (ibidem). A história do uso da escrita e da alfabetização ocidental é descontínua e contraditória (relação alfabetização/processo de industrialização). A alfabetização instituída dá-se de preferência sob o controle do Estado, orientando-se por seus objetivos. Assim, a aquisição da escrita é um fenômeno “ideológizavel”. A fala é contínua no dia a dia e a oralidade tem lugar em seus diferentes contextos e usos sociais. IV. Oralidade x escrita: a tendência fenomenológica de caráter culturalista: essa visão é aculturalista e de perspectiva epistemológica. Ela observa as práticas sociais da oralidade x escrita, faz análise cognitiva dos efeitos de organização e produção do conhecimento no aspecto 67 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 psicossocioeconômico-cultural. Essa tendência é inadequada para o trato com os fatos da língua. Ela confere ao domínio da escrita o avanço na capacidade cognitiva individual: Quadro 15 X Cultura oral Cultura escrita Pensamento concreto Pensamento abstrato Raciocínio indutivo Raciocínio dedutivo Atividade artesanal Atividade tecnológica Cultivo da tradição Inovação constante Ritualismo Analitismo Há três grandes problemas nessa tendência: • etnocentrismo; • supervalorização da escrita; e • tratamento globalizante. V. Fala x escrita – perspectiva variacionista: tal visão trata do papel da escrita a partir dos processos educacionais e da variação na relação língua padrão e não padrão em contextos de ensino formal. Modelos teóricos baseiam-se no “currículo bidialetal”. Não há dicotomias, verificam-se as regularidades e variações: Quadro 16 Língua padrão Variedade não padrão Língua culta Língua coloquial Norma padrão Norma não padrão Marcuschi (ibidem) afirma simpatizar com essa tendência, mas acredita serem necessárias maiores reflexões. Para ele, fala e escrita não são dialetos, mas “modalidades” de uso de língua. Nesse sentido, o aluno se tornaria “bimodal”. VI. Oralidade x escrita – a perspectiva interacional: essa perspectiva trata das relações entre fala e escrita, considerando o continuum textual. É a visão interacionista, cujos fundamentos baseiam-se em: • relação dialógica no uso; • estratégias de linguagem; • funções interacionistas; 68 Unidade II Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 • envolvimento e situacionalidade; • formulaicidade. Esse modelo percebe mais sistematicamente a língua enquanto fenômeno dinâmico e estereotipado, centrando-se em atividades dialógicas que frisam os aspectos mais salientes da fala. Porém tem um baixo potencial explicativo e descritivo dos fenômenos sintáticos e fonológicos da língua (ibidem). Considere que, nessa visão, as análises se prestam a observar a diversidade de formas textuais produzidas monológica e dialogicamente. Além disso, nela trata-se de fenômenos de compreensão na interação verbal e com o texto escrito, detectando especificidades na atividade de construção do sentido. Essa perspectiva postula que não se deve polarizar ou dicotomizar a relação entre fala e escrita e orienta-se por uma linha discursiva e interpretativa. VII. Concepção e funcionamento da língua – consequente relação fala/escrita: o sucesso da análise vai depender da concepção de língua que subjaz à teoria, bem como da noção de funcionamento da língua, esta é fruto das condições de produção. A noção de sistema atém-se à concepção básica de uma “estrutura virtual”. Fica desde já eliminada uma série de distinções geralmente feitas entre fala e escrita, tais como a contextualização (na fala) x descontextualização (na escrita), implicitude (na fala) x explicitude (na escrita) e assim por diante. A língua (seja oral ou escrita) reflete a organização da sociedade, uma vez que se relaciona com as “representações e as formações sociais”. Entretanto, a fala e a escrita representam formas de organização da mente por meio das próprias representações mentais. Vale salientar, sobretudo, que, assim como a fala não apresenta propriedades intrínsecas negativas, também a escrita não tem propriedades intrinsecamente privilegiadas. São modos de representação cognitiva e social que se revelam em práticas socioculturais específicas. A oralidade e a escrita são ambas práticas sociais e não propriedades de sociedades distintas. 5.3 Retomando alguns conceitos na análise do texto Vamos recuperar alguns conceitos importantes! Conforme vem sendo exposto, ao longo dessa discussão sobre as modalidades de texto oral e escrito, a oralidade tem sido fonte de muitos preconceitos no universo pedagógico (e social), que tende a privilegiar a escrita ou optar por uma única variável privilegiada socialmente, que se aproxima das normas da escrita: o padrão letrado. Isso acontece apesar do trabalho de educadores e linguistas acerca da variação dialetal e da relação fala/escrita, que tem sido veiculado ao longo das últimas décadas. Convencionalmente, a orientação social e pedagógica (tradicionalista) para o ensino-aprendizagem de língua (materna ou estrangeira) dá prioridade à reflexão metalinguística e ao ensino da nomenclatura gramatical, resultando, assim, em um ensino-aprendizagem limitado quanto aos recursos que possibilitam ao falante/autor e ao ouvinte/leitor desenvolver sua competência e desempenho linguístico-textual no funcionamento escolar e social. 69 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Vários autores, como você acompanhou, acreditam que, para mudar essa concepção didático-metodológica do ensino da língua, faz-se necessário refletir e buscar fundamentos em uma concepção que privilegie o exercício da escrita enquanto uma contínua relação entre fala/escrita, que viabiliza os processos de leitura, interpretação e produção textual. Conforme você viu, durante muito tempo, a ciência da linguagem conviveu com perspectivas teóricas limitadas e preconceituosas, que ou descartavam totalmente o estudo da fala ou tratavam a oralidade e a escrita como dois polos opostos (sendo um superior – a escrita – e outro inferior – a fala), o que de certa forma corroborou com a visão míope e equívoca veiculada social e pedagogicamente e que ainda hoje lutamos para derrubar. Observação Atualmente,os teóricos da linguagem (e do texto) pensam a relação fala/escrita como parte de um contínuo em que não se podem estabelecer limites estanques. A linguagem tem níveis de formalidade que podem variar de posição dentro de uma escala de formalidade entre os pontos (+) formal e (-) formal. Entenda que quanto mais formal a oralidade, mais próxima das normas da escrita ela vai estar; e, da mesma forma, quanto mais informal for a escrita, mais ela vai se aproximar da oralidade. Assim, o que se defende hoje é que as diferenças entre fala e escrita não estão em polos extremos, mas que estas são modalidades de uma mesma língua, as quais se tornarão mais ou menos distintas ou próximas de acordo com o grau de interação entre produtores/interlocutores e o propósito com que são produzidas. É preciso compreender bem que a oralidade, que já faz parte de nossa vida, e a escrita, que devemos aprender na escola, são sistemas diferentes, com características “físicas” (voz, imagem), “situacionais” e “funcionais” que particularizam cada uma dessas modalidades e que possuem especificidades relativas à sua estrutura gramatical, à sua organização discursiva e à sua tipologia textual. Mas ambas estão sujeitas às normas sociais de uso de uma mesma língua, e, nesse sentido, é imprescindível considerar o continuum da relação fala/escrita, contextualizando as práticas sociais e institucionais da linguagem. Para visualizar melhor essas questões teóricas refletidas, observem-se, logo mais, alguns aspectos analisados em um texto escrito (a música Saudosa maloca, de Adoniran Barbosa) com várias marcas de oralidade. Antes, porém, de proceder à breve análise, é importante relembrar algumas questões sobre a textualidade. Tomando o texto como unidade comunicativa básica, sendo este uma ocorrência linguística (oral ou escrita, formal ou informal) de qualquer extensão, constituída de unidade sociocomunicativa, semântica e formal. O texto será bem-compreendido quando avaliado sob três aspectos: 1. O pragmático, que tem a ver com seu funcionamento enquanto atuação informacional e comunicativa [intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, intertextualidade, informatividade. 70 Unidade II Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 2. O semântico-conceitual, de que depende sua coerência. 3. O formal, que diz respeito à sua coesão. Você verá agora, a título de ilustração, mencionados superficialmente, alguns elementos do tipo textual narrativo, que é o tipo que abrange o texto proposto para análise (a música Saudosa maloca), procurando estabelecer a influência da estrutura narrativa no contínuo fala/escrita. Conforme Gancho (1991), um texto narrativo é constituído basicamente por uma sequência de fatos no tempo, considerando, portanto, a existência de uma relação de anterioridade e posterioridade entre esses fatos. Esse gênero requer a apresentação de uma estrutura específica cujos componentes basicamente são: enredo, personagens, tempo, espaço e foco narrativo. Saudosa maloca Se o sinhô não tá lembrado Dá licença de contar Ali onde agora está Este adifício arto Era uma casa veia Um palacete assobradado Foi aqui seu moço Que eu, Mato Grosso e o Joça Construimo nossa maloca Mais um dia, nóis nem pode se alembrá Veio os home com as ferramenta E o dono mandô derrubá Peguemos todas nossas coisas E fumos pro meio da rua Apreciá a demolição Que tristeza que nóis sentia Cada táuba que caía Doía no coração Mato Grosso quis gritar Mas por cima eu falei Os home tá co’a razão Nóis arranja outro lugar Só se conformemo quando o Joca falou Deus dá o frio conforme o cobertor E hoje nóis pega as paia nas grama do jardim E pra esquecer nóis cantemos assim: Saudosa maloca, maloca querida Dim dim donde nóis passemo 71 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Os dias feliz da nossa vida Saudosa maloca, maloca querida Dim dim donde nóis passemo Os dias feliz da nossa vida. (BARBOSA, 1990). Veja que a escolha do gênero musical e do tipo narrativo justifica-se em função da abordagem da relação fala/escrita, já que, se por um lado o tipo narrativo é tão típico da oralidade quanto da escrita, por outro, o gênero musical, apesar de sua realização oral, é originalmente um texto escrito. O texto anterior (a música Saudosa maloca, de Adoniran Barbosa), embora seja escrito, traz importantes marcas de oralidade. Tal texto foi planejado (poeticamente) para assemelhar-se, o mais próximo possível, de uma determinada forma de oralidade que identifica uma certa classe social (economicamente desfavorecida), com a intenção de sensibilizar o leitor/ouvinte a ponto de este imaginar e visualizar o próprio personagem da narrativa. Para isso, o autor utiliza recursos caracterizadores da modalidade falada que ele intenta imitar – a própria estrutura narrativa que caracteriza o texto, a linguagem simples com as variantes próprias dessa oralidade (“sinhô”, “alembrá”, “táuba”, “nóis pega as paia” etc.). É claro que por ser um texto escrito (previamente elaborado), não dispõe de outros recursos caracterizadores da modalidade falada, como os de cunho prosódico, paralinguístico, entonacional (hesitações, truncamentos, tomada de turno, entre outros), mas o que interessa é que se trata de um texto escrito que (em uma escala de formalidade) se posiciona em um ponto muito perto do texto oral/informal. Fique atento para o seguinte: o texto pode ser considerado como literário e deve ser observado por seu perfil artisticamente mimético, no que se refere à reprodução de um tipo de oralidade própria a uma determinada classe social. É relevante ainda salientar que o autor escolhe uma estrutura que é própria da modalidade de fala informal: a narrativa originada do diálogo. No caso do texto em estudo, não há diálogo na estrutura geral da conversa. Há um ouvinte (“se o sinhô...”) e um falante (eu/nós – “eu, Mato Grosso e o Joca”, “nóis nem pode”), há citações diretas e indiretas de personagens envolvidos no enredo da narrativa. Quanto à estrutura narrativa, temos um enredo (a demolição e a perda da casa), que se localiza em um tempo (“foi aqui”, “mais um dia...”) e em um espaço (“ali”, “nesse adifício arto”, “uma casa veia”), que tem personagens (“eu, Mato Grosso e o Joca”), e tem foco narrativo (“Se o sinhô num tá lembrado”/ “Dá licença de contá”). Ou seja, o texto preenche todos os elementos da estrutura narrativa informal, trazendo também as etapas concernentes a esse tipo de texto: apresentação do problema, declaração dos fatos desenvolvimento, tensão, clímax e resolução (GANCHO, 1991). Considere ainda que o texto trata de um depoimento informal, que se subsidia da linguagem estritamente oral e informal para expressar, da maneira mais verossímil possível, o drama das pessoas que não têm um teto, um emprego, uma perspectiva digna de vida, não exercem sua cidadania e dependem de um canto em uma praça ou em um jardim para se recolherem. 72 Unidade II Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Com a intenção de sensibilizar e chamar a atenção do leitor para esses aspectos, o autor reproduz o discurso deste personagem típico representante de um sério problema social, valendo-se do que há de mais típico da variação socioletal em relevância. O texto oferece a oportunidade de refletir sobre os processos de leitura, a interpretação e a produção como parte de um continuum entre fala e escrita; a compreensão da relação continuada entre fala e escrita e dos níveis de formalidade. 6 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO Agora discorreremos mais aprofundadamente sobre a teoria linguística que se dedica exclusivamentea tratar da linguagem oral, ou seja, da conversação. Vamos conversar, então? Esta área tem um caráter interdisciplinar, na medida em que divide alguns pressupostos teóricos com outras áreas (inclusive com a LT). Ela busca estabelecer relações com a exterioridade da linguagem, problematizando a separação entre a materialidade da língua e seus contextos de produção. Assim como a sociolinguística, a pragmática, a análise do discurso, a semiótica discursiva e a própria linguística textual, esta área também mobiliza saberes de outras ciências como a filosófica da linguagem, a antropologia, a história, a sociologia, a psicanálise e as ciências cognitivas. Foi na década de 1980 que foi lançado, no Brasil, o primeiro livro nessa área com o título Análise da conversação, de Luiz Antônio Marcuschi (1986/2007b). Para esse autor, a conversação é o exercício prático das potencialidades cognitivas do ser humano em suas relações interpessoais, tornando-se assim um dos melhores testes para a organização e o funcionamento da cognição na complexa atividade da comunicação humana. A conversação é a primeira das formas de interação a que estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca abdicamos pela vida afora [...]. Conversação, aqui, trata das formas de interação verbal de nossa sociedade, apesar de alguns estudiosos da área considerarem apenas as interações verbais face a face em que há “simetria de direitos e espontaneidade na realização do evento” (MARCUSCHI, op. cit., p. 14). Como enfatiza Marcuschi (2007b), a análise da conversação (doravante AC) teve origem na década de 1960 no campo dos estudos sociológicos ligados à etnometodologia a partir de trabalhos referenciais como os de Harold Garfinkel, Harvey Sacs, Emanuel Schegloff e Gail Jeferson. A partir dessa perspectiva, os estudiosos da AC têm procurado investigar os aspectos da organização do texto conversacional. Observação Para a etnometodologia, os analistas têm de ser perceptivos aos fenômenos interacionais, centrando-se nos detalhes estruturais do processo interativo. 73 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Vejamos três níveis essenciais desse enfoque apontados por Hilgert (1989 apud MARCUSCHI, 2007b): a. Macronível: nas fases conversacionais – abertura, fechamento e parte central e o tema central e subtemas da conversação. b. Nível médio: turno conversacional, tomada de turnos, sequência conversacional, atos de fala e marcadores conversacionais. c. Micronível: elementos internos do ato de fala, que constituem sua estrutura sintática, lexical, fonológica e prosódica. Não se esqueça de que a análise da conversação estabelece o texto como seu objeto de estudos, mas essa área vai dedicar-se única e exclusivamente ao estudo do texto oral, natural e presencial (face to face), ou seja, aquele texto produzido em situações espontâneas. Portanto, textos “artificiais”, como os de novela, cinema ou ainda conversas telefônicas, não são objeto de interesse específico nesse campo científico. Em uma conversa, geralmente aborda-se um ou mais tópicos discursivos, algo sobre o que duas pessoas (pelo menos) conversam. Esse tópico discursivo define-se como uma atividade que correlaciona objetivos entre os interlocutores em que há um movimento dinâmico da estrutura conversacional, que faz dele a base do texto oral. A organização tópica, como já foi anteriormente retomada de Fávero, pauta-se em três propriedades: a centração, organicidade e delimitação. Na análise da conversação, o tópico discursivo (aquilo sobre o que se fala) é o fio condutor da conversação, e a unidade funcional da conversação é o turno (período de tempo que cada falante ocupa). Observação A conversa espontânea é uma atividade coprodutiva sem “controle” exato de como o interlocutor orienta sua intervenção, mas nem por isso torna-se caótica. Os falantes negociam uma relação com o curso da conversa, produzindo sentidos estrutural e funcionalmente. Para sinalizar que compartilhamos cognitivamente da interação, recorremos, naturalmente, a expressões do tipo: “isso me lembra”, “por falar em” etc., que podem marcar a passagem de um tópico a outro. A estrutura tópica serve, assim, de fio condutor da organização linear do discurso. Conforme Dionísio: O conjunto de relevâncias em foco em dado momento vai, paulatinamente, cedendo lugar a outros conjuntos de relevâncias, ligadas a aspectos antes marginais do tópico em desenvolvimento ou a novos conjuntos que vão sendo introduzidos a partir dos já existentes (2005, p. 72). 74 Unidade II Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Lembre-se de que o planejamento na fala ocorre no momento da interação, pois a conversação é localmente planejada. Considere ainda que em se estabelecendo uma gradação do informal para o formal, observa-se uma variedade entre esses dois polos que se estabelecem dentro de um continuum e que podem ser exemplificadas relacionando diferentes variedades entre fala e escrita, escrita e escrita, e fala e fala, conforme já foi refletido a partir das contribuições de Marcuschi nesse assunto. Após esta apresentação da AC, acompanhe a seguir alguns dos pontos mais importantes dessa teoria linguística. I. Sobre o tratamento dos dados orais – primeiramente, deve-se considerar o sistema de transcrição de texto oral: as conversações naturais que servem de corpus para a AC devem ser gravadas ou filmadas para que o analista possa observar, transcrever e comprovar seus dados da maneira mais fiel possível. O analista pode privilegiar os aspectos fundamentais para sua análise, mas a transcrição deve ser legível. Em função do trabalho com textos orais, esta área possui normas de transcrição de texto bastante específicas para atender a todas as situações. A AC analisa materiais empíricos, orais, contextuais, incluindo realizações entonacionais e gestuais que possam colaborar com a construção do sentido. Outro aspecto importante para caracterizar o perfil da análise da conversação é a importância conferida também aos recursos não verbais utilizados na fala. Os recursos não verbais são de grande relevância na transcrição e análise das conversações. Steinberg (1988 apud DIONÍSIO, 2005, p. 77) sistematiza os recursos não verbais normalmente empregados nas conversações: 1. Paralinguagem – pequenos sons emitidos pelo aparelho fonador que não constituem signos linguísticos, mas interferem na significação: hm hm, shiiii, tsc tsc. 2. Cinésica – movimento do corpo, mãos, gestos na conversação. 3. Proxêmica – proximidade/distância entre os interlocutores. 4. Tacêsica – uso de toque durante a conversação. 5. Silêncio – ausência de conversação, mas que às vezes diz mais que mil palavras: falamos, portanto, com a voz e com o corpo. Vejamos um exemplo retirado de Dionísio (2005, p. 78): 203 M03 certas coisas... eu digo peraí... tinha uma bacia conforme essa aqui ((pega 204 numa bacia plástica que está próxima e mostra)) uma bacia... de loiça... eu 205 maiei aqui assim ((demarca na bacia o nível da água colocada na época)) eu 206 butei água... 75 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 No segundo capítulo do livro Análise da conversação, Marcuschi (2007b) apresenta um sistema de transcrição para textos falados, que sintetiza bem como deve ser o tratamento formal de transcrição da fala e que inclusive serve de base às transcrições do Projeto NURC6. Segue o referido quadro adaptado: Quadro 17 Ocorrências Sinais Exemplificação 1. Indicação dos falantes Os falantes devem ser indicados em linha, com letras ou algumasigla convencional H28 M33 Doc. Inf. 2. Pausas ... não... isso é besteira 3. Ênfase MAIÚSCULA ela comprou um OSSO 4. Alongamento de vogal : (pequeno) :: (médio) ::: (grande) eu não tô querendo é dizer que ... é: o eu fico até:: o: tempo todo 5. Silabação - do-minadora 6. Interrogação ? ela é contra a mulher machista... sabia? 7. Segmentos incompreensíveis ou ininteligíveis ( ) (ininteligível) bora gente... tenho aula... ( ) daqui 8. Truncamento de palavras ou desvio sintático / eu pre/ pretendo comprar 9. Comentário do transcritor (( )) M.H. ... é ((rindo)) 10. Citações “” “mai Jandira eu vô dize a Anja agora que ela vai apanhá a profissão de madrinha agora mermo” 11. Superposição de vozes [ H28. é... existe... [você ( )do homem... M33. [pera aí... você Acha... pera aí... pera aí 12. Simultaneidade de vozes [[ M33. [[mas eu garanto que muita coisa H28. [[eu acho eu acho é a autoridade 13. Ortografia tô, ta, vô, ahã, mhm II. A organização da conversa – em uma conversa, os interlocutores devem falar um por vez. Eles devem esperar um lugar relevante para a transição (LRT), ou seja, esperar por marcas na fala do interlocutor como pausas, hesitações, entonações descendentes, marcadores etc. Os interlocutores emitem sinais para marcar o fim de seu turno ou um convite à fala do outro e trocam o tempo todo os papéis de falante e ouvinte, mas isso não impede que, em algumas situações, muitas pessoas falem ao mesmo tempo e se entendem. Todos os falantes têm direito à fala. Conforme explica Marcuschi (2007b), a noção de turno engloba dois sentidos: 1. distribuição de turno; 2. unidade construcional. 6Projeto de Estudo Coordenado da Norma Urbana Linguística Culta. 76 Unidade II Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Saiba que os turnos podem ser nucleares (centrais no desenvolvimento do tópico discursivo) e inseridos (produções marginais ao tópico). A mudança de turno pode ocorrer por meio da passagem, do assalto e da sustentação da fala. A passagem do turno pode ser requerida ou consentida pelo falante; os assaltos são uma espécie de violação da regra “falar um de cada vez”, e o falante invade o turno do outro sem solicitação ou consentimento (o interlocutor assaltado pode perder e em seguida retomar, abandonar ou recuperar o comando da interação sobrepondo-se à fala do outro); e a sustentação é uma tentativa do falante de garantir a posse do turno, recorrendo a marcadores conversacionais, alongamentos, repetições e elevação da voz. No caso das entrevistas formais, que apresentam uma estrutura básica de pergunta e resposta, em geral, a elaboração do turno conversacional apresenta uma distinção nítida: os turnos de resposta tendem a ser longos e, apesar de pausas, truncamentos, hesitações, alongamentos etc., não há tomada de turno. A estrutura em pergunta e resposta compõe a unidade fundamental da organização conversacional e pode variar na sua realização. III. Dos marcadores conversacionais – como o texto oral é planejado e verbalizado ao mesmo tempo, dos recursos mais característicos da fala natural são os marcadores conversacionais que podem ser verbais, não verbais ou prosódicos: alguns marcam finalização de turno (“não é?”, “entendeu?”); outros marcam participação (“uhrum”); e outros marcam convergência (“exato”, “sim”). Os marcadores conversacionais são produzidos pelos falantes para dar tempo à organização do pensamento, sustentar o turno, monitorar o ouvinte, corrigir-se, reorganizar e reorientar o discurso e pelos ouvintes para orientar e monitorar o falante quanto à recepção com sinais de convergência, indagação e divergência. Os marcadores (MCs) se apresentam divididos em quatro grupos: 1. MCs simples: um só item lexical – “mas”, “éh”, “aí”; 2. MCs compostos: sintagmas geralmente estereotipados – “sim, mas”, “bom mas aí”; 3. MCs oracionais: pequenas orações – “eu acho que”, “sim, mas me diga”; 4. MCs prosódicos: recursos prosódicos – entonação, pausa, hesitação, tom de voz. IV. A construção da compreensão no texto falado – quando dois ou mais indivíduos conversam, eles coordenam conteúdos e ações, contruindo um texto coerente. O sucesso da interação atrela-se ao processo interacional estabelecido entre os participantes em um esforço coletivo pela construção de sentidos. Conforme Marcuschi (op. cit.), a compreensão na interação verbal face a face, resulta de um projeto conjunto de interlocutores em atividades cooperativas e coordenadas de coprodução de sentido e não de uma simples interpretação semântica de enunciados postos. O analista deve dar conta de como os participantes de uma interação resolvem suas estratégias e seus processos de compreensão. Marcuschi apresenta algumas atividades de compreensão na interação verbal que merecem destaque: • Estratégia 1 – negociação: central para a produção de sentidos na interação verbal dada a sua natureza conjunta. 77 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 • Estratégia 2 – construção de um foco comum: na interação, a base da troca é a sintonia referencial, o interesse comum e referentes partilhados. • Estratégia 3 – demonstração de (des)interesse e (não)partilhamento: se não há esse partilhamento, a interação não progride. • Estratégia 4 – existência e diversidade de expectativas: os interlocutores criam expectativas diversas em relação um ao outro, relacionadas ao contexto, às condições em que são produzidas, conhecimento partilhado etc. • Estratégia 5 – marcas de atenção: sinais enviados pelos interlocutores que demonstram se há boa ou má sincronia na interação. A análise da conversação no Brasil constitui-se em uma linha de pesquisa praticada sistematicamente com uma produção editorial que abrange transcrições de materiais do corpus do Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta (NURC), análises de textos orais sobre diversos temas da AC, gramáticas do português falado (com o corpus dos NURCs), além de teses e dissertações defendidas nos programas de pós-graduação das universidades brasileiras. Resumo Nesta Unidade II, você refletiu sobre os gêneros textuais do dia a dia, tanto falados como escritos: • Fala (telefonemas, aulas, entrevistas de emprego, conferências, palestras, comunicações, discursos, conversas de bar, de elevador, de ponto de ônibus, de namorados, de marido/mulher, de ex-marido e ex-mulher, teleconferências, bate-papo em viva-voz via Skype, MSN etc., programas de rádio e TV, pregão na feira, na rua, na bolsa de valores, fofocas, “bronca” (reprimenda) dos pais, da professora, do guarda de trânsito etc.). • Escrita (cartas: pessoais, de recomendação, de demissão etc., memorandos, ofícios, circulares, anúncios: publicitários, de emprego, de venda etc., formulários, e-mails, chats, multas, posts, coments de blogs, notas fiscais, listas de compra, bulas de remédio, receitas médicas, exames médicos, recibos, contas domésticas, jornal impresso e eletrônico, cheques, placas, outdoors, recados de geladeira, de Orkut, de post-it etc.). Você também observou que na linguagem existem vários níveis de variação linguística e que a linguagem é variável em seus mais diversos aspectos: a. variação sociolinguística; 78 Unidade II Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 b. variação dialetal; c. variação de registros e níveis de fala; d. variação de gêneros textuais realizados na fala; e. variação de estratégias organizacionais da interação verbal; f. variação de estratégias comunicativas; g. variação de estratégias e processos de compreensão na interação; h. variação de situaçõessociocomunicativas; i. variação de construções sintáticas; j. variação de seleção lexical. E viu também que a teoria da linguística textual elabora a definição de um continuum tipológico entre os gêneros de fala e escrita pautados pelos seus níveis maior ou menor de formalidade. Sobre as características próprias da fala, é importante considerar: • Devido à sua interacionalidade intrínseca, a fala é, a priori, “não planejável”. Ela precisa ser apenas “localmente planejável”. • Possui sua verbalização e seu planejamento concomitantes, pois esses processos emergem no momento da interação – a fala é o seu próprio rascunho. • Apresenta descontinuidades frequentes no fluxo discursivo: abandono de tópicos discursivos; retomadas de tópicos discursivos, inserções abruptas de novos tópicos discursivos, truncamentos etc. • Sintaxe característica/típica ligada, de certa forma, à sintaxe geral da língua. Um exemplo é a topicalização: “Esse menino, eu não sei se tomou banho hoje”; “A violência, falta de segurança, eu não me acostumo com esse ritmo de grandes metrópoles no Brasil”. • Fala é processo, portanto, é dinâmica: não é um produto pronto e acabado, pois está continuamente se refazendo, indo e voltando nos tópicos de interesse dos interlocutores, definindo-se em razão das necessidades, escolhas e pressões comunicativas da interação. Refletiu ainda mais formalizadamente sobre as particularidades e característica que distinguem a fala da escrita e os funcionamentos de uma que interferem na outra. 79 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Dando continuidade à discussão acerca do binômio oralidade x escrita, você acompanhou a discussão sobre as perspectivas científicas em torno da relação oralidade e escrita apresentadas por Marcuschi (op. cit.). 1. Fala x escrita – a perspectiva das dicotomias. 2. Oralidade x letramento ou fala x escrita? 3. Oralidade e escrita no contexto das práticas sociais. 4. Oralidade x escrita: a tendência fenomenológica de caráter culturalista. 5. Fala x escrita – perspectiva variacionista. 6. Oralidade x escrita – a perspectiva interacional. 7. Concepção e funcionamento da língua – consequente relação fala/ escrita. Para fixar melhor os conceitos, você acompanhou uma análise das principais categorias a partir da música Saudosa maloca, de Adoniran Barbosa. E, por fim, você acompanhou a apresentação das principais características e categorias da análise da conversação: tratamento dos dados orais; recursos não verbais da conversação; a organização da conversa; os marcadores conversacionais; as estratégias de negociação, construção, demonstração e diversidade de expectativas na conversação. Exercícios QUESTÃO 1. Leia a letra da música a seguir e analise as afirmações subsequentes. As mariposa As mariposa quando chega o frio Fica dando vorta em vorta da lâmpida pra si isquentá Elas roda, roda, roda e dispois se senta Em cima do prato da lâmpida pra descansá Eu sou a lâmpida E as muié é as mariposa 80 Unidade II Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Que fica dando vorta em vorta de mim Todas noite só pra me beijá Tá muitu bom... Mas num vai si acostumá, viu dona mariposinha? (BARBOSA, 1974). I. Adoniran usa o nível de linguagem popular, que, além de caracterizar o personagem da música, cria efeito de humor. II. Se a letra da música fosse alterada de acordo com as regras da norma culta, o efeito de sentido permaneceria o mesmo. III. O compositor comete erros gramaticais com o intuito de desvalorizar a cultura popular, deixando evidente que a população brasileira não tem bom nível de escolaridade. Está correto o que se afirma somente em: A) I. B) II. C) III. D) I e II. E) II e III. Resposta correta: alternativa A. Análise das alternativas: I. Afirmativa correta. Justificativa: o nível de linguagem popular explorado por Adoniran Barbosa em suas músicas é essencial para a produção de efeito de humor e também para caracterizar os personagens. II. Afirmativa incorreta. Justificativa: se alterássemos a letra para o nível formal, toda a graça da obra se perderia. III. Afirmativa incorreta. Justificativa: as letras de Adoniran não têm como objetivo a desvalorização da linguagem popular. Ele apenas reproduz em suas composições o modo de falar de um determinado grupo. 81 Teorias do TexTo Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 QUESTÃO 2. (Provão 1999) Considere o texto abaixo. A praia de frente pra casa da vó Eu queria surfar. Então vamo nessa: a praia ideal que eu idealizo no caso particularizado de minha pessoa, em primeiramente, seria de frente para a casa da vó, com vista para o meu quarto. Ia ter uma plantaçãozinha de água de coco e, invés de chão ser de areia, eu botava uns gramadão presidente. Assim eu, o Zé e os cara não fica grudando quando vai dar os rolê de Corcel ! Na minha praia dos meus sonhos, ia rolar vááárias vós e uma pá de tia Anastácia fazendo umas merenda nervosa! Uns sorvetão sarado! Uns mingauzão federal! Umas vitaminas servida! X-tudo! XCalabresa Cebola Frita! Xister Mc Tony’s e gemada à vontade pros brother e pras neneca! Tudo de grátis! As mina, exclusive, ia idrolatar surfistas chamados Peterson Ronaldo Foca (conhecidentemente como no caso da figura particularizada da minha pessoa, por exemplo). Pra ganhar as deusa, o xaveco campeão seria... o meu: “E aís, Nina (feminina)? Qual teu C.E.P.? Tua tia já teve catapora? E teu tio? E tua avó? Uhu!! Já ganhei!!” E se ela falasse: “Vai procurar a tua turma!” , minha turma estaria bem do meu lado, pra eu não ficar procurando muito! Exclusive, eu queria surfar, mas na praia ideal dos meus sonho (aquela que eu desacreditei, rachei o bico e falei “nooossa!” ) Não haveriam tubarães. (Haveriam porque é vários tubarães!). A “Eu, o Zé e os Cara, Paneleiros and Friends Association” ia encarregar o colocamento de placas aleatórias com os dizeres: “Sai fora, tubarão! Cê num sabe quem cê é!” . E os bicho ia dar área rapidinho! Cê acha, jovem?! Nóis num quer ficar que nem um colega meu, O Cachorrão, da Associação dos Surfistas de Pernambuco, umas entidade sem pé nem cabeça! Então vamo nessa: na praia dos sonhos que eu falei “É o sooonho!”, teria menos água salgada! (Menas porque água é feminina!) Eu ia conseguir ficar em pé na minha triquilha tigrada, sair do back side, subir no lip, trabalhar a espuma, iiihaa!! Meus pés ia grudar na parafina e eu ia ficar só lá: dropando os tubo e fazendo pose pras tiete, dando umas piscada de rabo de olho e rasgando umas onda de 30 metros (tudo bem, vai! Um metro e meio...). Mesmo sem abrir a boca, eu ia ser o centro das atençães e os repórter ia me focalizar com neon, luz estetoscópica robotizada e uns show de raio lazer!! De 18 concorrentes, eu ia sagrar décimo sétimo, porque um esqueceu a prancha. (Tamém, o cara marcou!) E as mina só lá: “Uhu!! Foca é animal!! Focaliza o Foca!! O cara é o própio galã de Óliud!” Exclusivamente, eu queria surfar, daí os carinha da República me pediram pra falar na revista, a vó tirou um pelo de mim: “Cê nunca vai falar na revista, Peterson Ronaldo!” Daí eu falei: “Artigo?? Eu? É comigo? Tá limpo!” . Eu já apareço no rádio! Por que eu não posso falar na revista?! Então vamo nessa de novo: eu queria pensar, mas eu nem tô ligado nesses lance de utopia...Dormir na pia... Supermetropia! Esses lance aí quem pensa é o Zé! Eu queria escrever! Em súmula: eu parei de pensar, agora eu só surfo! Consequentemente, Peterson Foca. Peterson Foca, personagem cult de “Sobrinhos do
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