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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE POLO UNIVERSITÁRIO VOLTA REDONDA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS INTRODUÇÃO A ÉTICA GERAL ÉTICA EM ARISTÓTELES E EPICURO Cássia Kinte da Cruz Oliveira RESUMO Este trabalho de conclusão do curso de Introdução a ética pretende apresentar a filosofia ética de Aristóteles e Epicuro, dois principais filósofos da história, baseando-se nas obras Ética a Nicomaco e Cartas para a Felicidade. Se apresenta a tentativa de não apenas interpretá-los e compará-los, mas concluir criticas a esses conceitos com analises de seus reflexos a sociedade atual. INTRODUÇÃO A ética, do grego ethos -caráter, modo de viver- diz do conjunto de valores e virtudes que guiam a ação do homem para com o outro e para com a sociedade. Quando falamos de ética, pontuamos, mesmo que em subjacente, a seguinte questão: qual o limite para que as convenções sociais e leis morais do coletivo a qual o ser humano pertence ditem, e não apenas orientem, suas ações e manifestações no mundo? Porque com efeito falar de ética enquanto ciência filosófica não é estabelecer indicadores de certo e errado ou de posturas e atitudes ideais, assim como nos Códigos de ética contemporâneos; uma convivência ética propõe transigência para se respeitar o que é próprio de cada sujeito. Mais de 400 anos antes de Cristo, Sócrates inicia uma investigação filosófica das virtudes que abala a sociedade grega. Ao instituir a filosofia no conhecimento do homem, significando a máxima délfica “Conhece-te a ti mesmo” como não apenas uma meditação do indivíduo mas um propósito de se fazer o esforço negativo da dúvida a fim de chegar na essência das coisas, Sócrates usa o método dialético para questionar os cidadãos atenienses quanto aos seus valores base, o que acarreta em sua sentença de morte. Suas indagações nos permitem refletir para além, acerca do comportamento ético das pessoas. Se não conhecemos o intrínseco de nossas virtudes como podemos torná-las regras de convivência social? Mais que isso, com a afirmação “Só sei que nada sei” atribuída a ele, é proposta a ponderação quanto a certeza dos saberes. Se a respeito de nossas virtudes não podemos apontar verdades absolutas, o indivíduo deve de ter o direito a suas convicções morais particulares, onde a tolerância sustentaria a boa convivência da pluralidade, a atuação ética. Com base nessas considerações, analisaremos nesse trabalho a ética de dois filósofos gregos do século IV: Aristóteles e Epicuro. ARISTÓTELES Aristóteles nasceu em Estagira, em 384 a.c. Filho de Nicomaco renomado médico que servia ao Rei da Macedônia, Aristóteles foi criado rodeado de médicos e intelectuais amigos de seu pai, e disso se observa a predileção de Aristóteles pelo experimental em sua filosofia. Graças ao status e recursos do seu pai, teve acesso a boas escolas, e aos 17 anos se mudou para a Atenas a fim de continuar seus estudos na Academia de Platão, onde permaneceu, primeiro como discípulo e depois como professor, por 20 anos. No amadurecimento de seu pensamento, Aristóteles se torna crítico a teoria das Ideias de seu mestre, afirmando que a razão do homem deve ser prática e voltada a vida na pólis em busca de sua finalidade. Ele quebra assim com o dualismo platônico e constrói a argumentação do que seria essa finalidade do ser na obra Ética de Nicomaco. A ética procura determinar o Bem Supremo, aquele que encontra fim em si mesmo, ou a felicidade. É ela que todas as ações buscam, mas a felicidade se encontra na própria ação: “Chamamos aquilo que merece ser buscado por si mesmo mais absoluto do que aquilo que merece ser buscado com vistas em outra coisa, e aquilo que nunca é desejável no interesse de outra coisa mais absoluto do que as coisas desejáveis tanto em si mesmas como no interesse de uma terceira; por isso chamamos de absoluto e incondicional aquilo que é sempre desejável em si mesmo e nunca no interesse de outra coisa. Ora, esse é o conceito que preeminentemente fazemos da felicidade. É ela procurada sempre por si mesma e nunca com vistas em outra coisa, ao passo que à honra, ao prazer, à razão e a todas as virtudes nós de fato escolhemos por si mesmos” (ARISTÓTELES apud BORNHEIM; VALLANDRO, 1984). Aristóteles ainda diz da felicidade ser um dom divino e efeito somente da autossuficiência. Mas se auto governar é se conhecer e poder estabelecer juízos sobre o mundo. Uma vez sendo um grande intelectual, Aristóteles coloca a sabedoria como patamar na divisão dos homens. Afirma primeiro que os jovens, suscetíveis a seguir suas paixões e não princípios racionais, nada podem julgar, pois pouco viveram e coisa nenhuma conhecem propriamente. Depois, cita Hesíodo para definir as 3 qualidades de Homem: “Ótimo é aquele que de si mesmo, conhece todas as coisas; Bom, o que escuta os conselhos dos homens judiciosos. Mas o que por si não pensa, nem acolhe a sabedoria alheia. Esse é, em verdade, uma criatura inútil.¹” (ARISTÓTELES apud BORNHEIM; VALLANDRO, 1984). Importante lembrar que Aristóteles, como a maioria dos atenienses consideravam o ócio um dom do homem sábio e se apenas na vida de exercício racional ou contemplativo e não no trabalho se conhece a sim mesmo logo só é ótimo e assim autossuficiente aquele que não trabalha. A esses se renega ouvir e seguir o sábio para não passar a inutilidade. Examinemos ainda o conceito de justiça aristotélico: “Dar a cada um o que é seu”, que mais se traduz por dar aos amigos o bom e aos inimigos o mau. Para os atenienses, os estrangeiros deveriam ser escravizados, assim como as mulheres deveriam se manter submissas ao seu pater, e essas coisas seriam justas pois é aquilo que a eles convém. Em revelia aos conceitos aristotélicos vistos, temos que uma ética oligárquica, onde o Homem político, cidadão de Atenas, procura sua eudaimonia sem os limites impostos a aqueles que ele governa; esses encontrariam a felicidade em seu servir, pois essa seria sua finalidade, e disso temos o justo da sociedade helenística. EPICURO Epicuro teria tido uma infância diferente da de Aristóteles em sua simplicidade. Seu pai, Neócles, colonizou terras na ilha de Samos a envio de Atenas, e lá ele nasceu e viveu até a adolescência, quando foi enviado a Teos para continuar seus estudos, pois não concordava com as ideias de Pánfilo, seu professor na terra natal. Iniciou seu estudos pelo atomismo, ao que considerava a doutrina filosófica que não vulgarizava os deuses, pois ao acompanhar sua mãe em seus serviços de adivinha e curandeira, concluiu que o medo dos deuses causava sofrimento a humanidade. Por essa visão foi foco na tese de doutorado de Karl Marx, que destaca suas modificaçõesno atomismo e sua quebra com o misticismo das divindades, e o chama de o “iluminista radical da Antiguidade”. Sua ética é principalmente desenvolvida em uma carta dirigida ao seu discípulo Meneceu, chamada Carta para a Felicidade, que já se inicia opondo-se a Aristóteles quanto a capacidade de conhecer do jovem: “Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz.” (EPICURO apud LORENCINI; DEL CARRATORE, 1997) Em seguida Epicuro critica aqueles que inferem qualquer coisa sobre os deuses, e deles afirma a existência. O que os homens dizem dos hábitos, vontades ou virtudes dos deuses seriam noções falsas e um equivoco mais profano que a descrença. A ética epicurista é centrada no hedonismo; a felicidade para sua filosofia é o prazer. Não o prazer supérfluo pela busca imoderada dos gozos mundanos e materiais, mas o prazer da singeleza de uma vida que se contenta com si mesma, se guia pela prudência, que exercita o raciocínio filosófico ao bem do espírito e que se preserva da dor e do sofrimento, mesmo sendo esses naturais da vida. Para se atingir a felicidade e a serenidade da alma, Epicuro especifica que não devemos temer a morte, pois ela não se encontra em nosso presente e quando assim o fizer já nada poderemos pensar ou sentir dela. A morte é quando não somos, e como somos em vida, esta deve ser valorizada: “O sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e não-viver não é um mal. Assim como opta pela comida mais saborosa e não pela mais abundante, do mesmo modo ele colhe os doces frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve.” (EPICURO apud LORENCINI; DEL CARRATORE, 1997) Por essas coisas se faz o homem feliz e sábio, que também não reconhece o destino ou a sorte, pois o acaso e a necessidade encaminham a vida humana. Em desacordo com Aristóteles, Epicuro prega a autarquia, onde qualquer um pode dizer de si e buscar seu prazer no cuidado da vida, do corpo e da saúde, da mente e do espírito, dos amigos e pessoas amadas, assim como se cuida de um jardim. E é Jardim o nome de sua escola, onde ele viveu e lecionou na companhia de seus discípulos por 36 anos, até a sua morte. Lá não se faziam distinções de classe social, raça ou gênero, e era pregado, contrariando novamente o aristotelismo, que o social necessário ao homem não é a pólis exatamente, mas um coletivo afetivo. CONCLUSÃO Parto da certeza que, em nossa sociedade atual, já foi concluído que preconceitos e opressões são uma das escoras das agonias humanas. Essas agonias são o foco da Psicologia, se desses conceitos de Aristóteles e Epicuro estão claros, é possível acordar que a ética epicurista nos traria uma convivência e uma vida mais feliz, e dela poderíamos partir em nossa pratica profissional em qualquer área, mas principalmente na de nosso curso. Ora, se a filosofia aristotélica mais dizia do povo ateniense, que se regia acerca do pater familias, que nessa época ela se mantenha como mérito de compreensão histórica. Sem ousar claro, em descartar todo o trabalho de um dos maiores filósofos da história, mas reconhecendo a evolução da sociedade para fora das amarras do pai de família e a evolução do conceito de cidadão, é proposto analisar os benefícios que os ensinamentos de Epicuro, verdadeiramente belos e simples, trariam para nossa atualidade doente. A dominação corrompe o individuo, pois a superioridade não é essencial ao homem, e o papel da ética seria trazer a elasticidade moral a cada um no experimento de se construir uma coletividade livre da busca pelo poder e pelo ter. Voltando a questão inicial “qual o limite para que as convenções sociais e leis morais do coletivo a qual o ser humano pertence ditem, e não apenas norteiem, suas ações e manifestações no mundo?“, a resposta em Epicuro é o limite individual. Cada um em sua jornada tem por direito a busca de seu prazer se reconhecendo essa felicidade em seus termos de simplicidade, afastamento do sofrimento (principalmente o desnecessário) e a vivencia com as pessoas queridas. Vemos a possibilidade de nada atestar ou cobrar da moral alheia se todos vivermos felizes. A infelicidade da busca que um faz pelo poder e pelo excesso, é a infelicidade de todos. Mais radical ainda, podemos ver a falta de moral como principio gerador desses caminhos individuais que edificariam uma sociedade mais feliz. Para Nietzche, o ser amoral é o ser ético, pois das amarras de leis universais nada tem e assim se propõe a reflexibilidade ao lidar com o outro. De todas essas coisas posso estar a cometer conclusões infundadas na falta de leituras mais aprofundadas, mas não me nego criticar como exercício acadêmico. E se a felicidade só se encontra na liberdade, é em ser livre que mais precisamos ser éticos. E na frase de Hebert Spencer se concentra um grande, se não o mais importante princípio ético: “A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro”. REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução: BORNHEIM, G. VALLANDRO, L. Victor Civita Editor. 1984. EPICURO. Carta sobre a felicidade (A Meneceu). Trad de Álvaro Lorencini e Enzo del Carratore. São Paulo: Editora UNESP; 1997.
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