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1 O Populismo na Política Brasileira Francisco Correa Weffort Autor: Bruno Gabriel Witzel de Souza 1. Introdução. O populismo enquanto fenômeno político que buscava controlar as aspirações das massas, cooptando sua adesão para a legitimação do Estado através de uma série de concessões muito bem condicionadas pelas classes socialmente mais altas, pode ser compreendido apenas nos quadros de alterações político-econômicas que marcam o Brasil da década de 1930. A crise do regime oligárquico que se instaura a parir da Revolução de 1930, o vazio de poder decorrente do movimento revolucionário, o Estado de Compromisso que emerge a partir dele e, principalmente, a emergência das classes populares nos âmbitos econômicos e sociais, pressionando por maior representatividade política, são todos aspectos fundamentais para se compreender o populismo enquanto fenômeno social. Vale lembrar, no entanto, que o termo “populismo” engloba diversos governos, tipos de regime (revolucionário, ditatorial e democrático) e conjunturas (revolução de 1930, Estado Novo, II GM, recuperação do pós- II GM etc.), cada qual com suas peculiaridades, apresentando, inclusive, muitas contradições entre si. No entanto, apesar dessas diferenciações amplas, é possível compreender o populismo enquanto fenômeno social mais amplo, já que este foi o reflexo da maior emergência das classes populares e uma maneira pela qual as elites tradicionais lidaram com as pressões colocadas por elas. 2. A Crise da Oligarquia e as Novas Classes. Weffort classifica o movimento de 1930 como liderado fundamentalmente pelas oligarquias dissidentes e pelas classes médias urbanas descontes com sua baixa representação política (contrapor, aqui, a idéia de Boris Fausto de que a classe média tinha uma relativa simpatia pelas oligarquias tradicionais – o que explica, por exemplo, a presença maciça de cafeicultores descontentes com o PRP e da classe média no PD de SP em oposição, por exemplo, aos industriais que cerravam fileiras no PRP). A participação das classes médias fez-se sentir desde a década de 1920, sobretudo pela série de levantes de caráter militar que tiveram suas expressões mais acabadas com as revoltas tenentistas – muitos dos quais advinham da classe média e contavam com amplo apoio popular em seu meio. Levada a cabo por classes não tradicionalmente representadas em larga escala no cenário político brasileiro, a Revolução de 1930 marcar-se-ia, portanto, pelo deslocamento das oligarquias paulistas tradicionalmente ligadas à cafeicultura de sua posição hegemônica no poder. Ao fazê-lo, a Revolução de 1930 conduziu à criação de um vazio de poder: surgia agora o Estado de Compromisso, segundo o qual o Estado tinha que lidar com diversos grupos de interesse sem subordinar-se por completo a nenhum deles. Na verdade, a Aliança Liberal, segundo o autor, apresentou-se como uma esperança para grupos sociais muito diversos entre si. Nas palavras de um observador contemporâneo das eleições de 1930, antes da revolução, “A Aliança Liberal apresentava-se como um remanso acolhedor para todos os descontentamentos e todas as esperanças. O pobre, o milionário, o operário, o funcionário, o comunista, a feminista, todos podiam confiar na serenidade de ação do candidato por ela indicado”. Nesse contexto de alterações políticas, não se pode esquecer as pressões crescentes exercidas pelas classes populares. Embora não organizados como classes sociais hegemônicas, os grupos sociais de base já vinham mostrando sua força desde os primórdio do desenvolvimento do capitalismo industrial no Brasil (recordar do texto de Malloy sobre a política de “pão e bastão” adotada já pelo governo Artur Bernardes). Nas décadas de 1920 e 1930, as pressões exercidas pelas classes populares crescem significativamente e ganham uma projeção ainda maior com o Estado de Compromisso, que se vê obrigado a lidar com elas sem ferir os interesses de outros grupos com os quais atua. É das manobras do Estado de Compromisso com os grupos populares que emerge o populismo no Brasil. Dada a necessidade de transacionar com diversos grupos de interesse, o Estado se vê obrigado a negociar também com a base social, inclusive em função de sua maior expressão nos cenários econômico, social e político. 3. Estado e Classes Populares. Apesar de não ter aumentado vertiginosamente, a participação política da sociedade como um todo teve de crescer necessariamente a partir da consolidação do Estado de Compromisso. Embora a ação dos grupos populares estivesse claramente condicionada pelas elites, a impossibilidade de participação direta na política, característica que vigorara enquanto perdurara o modelo oligárquico pré-1930, fora removida. Frente a essa maior complexidade social e política, os primeiros anos do governo foram de grande instabilidade. A Revolução de 1932 em São Paulo, a criação da Aliança Nacional Libertadora por Prestes e a ação integralista de Plínio Salgado dão evidências da conturbada situação que teve de enfrentar o novo governo. 2 “O novo governo terá, portanto, que mover-se sempre dentro de uma complicada faixa de compromissos e conciliações entre interesses diferentes e por vezes contraditórios”. E é nessas condições de compromisso e instabilidade que surgem algumas das características dos governos populistas que se seguiriam: personalização do poder na figura do líder, a imagem do Estado controlador da vida social e a necessidade de uma participação muito bem controlada das massas; tudo isso surgiu como uma resposta do governo às diversas pressões com que teve de lidar. 4. Pressão Popular e Cidadania. Quando se pensa em populismo geralmente a imagem que se concebe é a de um paternalismo que torna passiva a massa trabalhadora. Esta visão, embora reflita bem a cooptação das massas e sua relativa manipulação, esconde um princípio básico fundamental do período: as massas não foram simples objeto de manipulação, facilmente controláveis. Na verdade, as classes populares, ao emergirem nas esferas econômicas e sociais, foram partícipes ativas requerendo direitos e atuando grupos fortes de pressão. Vale lembrar que quando se fala em grupos populares, massas trabalhadoras ou classes baixas está-se tratando na verdade de uma gama vastíssima de indivíduos, muitos deles com condições de vida, de trabalho e reivindicações muito diferenciadas. Assim, o governo populista não lidava com uma única classe trabalhadora, mas com diversos grupos sociais distintos que compartilhavam algumas características e é nesse sentido que as relações de paternalismo faziam-se mais fortes porque os diversos ramos sociais eram individualizados – embora, ressalta-se uma vez mais, tal paternalismo populista esconda as pressões efetivas e ativas exercidas por esses grupos. A relação entre populismo, subordinação de massas a conquista ativa da cidadania pelas classes populares torna-se muito evidente quando se consideram as políticas trabalhistas do período, sobretudo do governo Vargas. A construção da figura de Vargas enquanto “pai dos pobres” dá margem muito forte à idéia de um populismo baseado exclusivamente na concessão de cima para baixo, no paternalismo em sua forma mais acabada. No entanto, esta concepção esconde o fator fundamental de que o Estado só se comprometeu com as políticas trabalhistas na medida em que os trabalhadores apresentaram sua força, sua capacidade de influência. Assim, apesar de muitas das políticas sociais terem decorrido de certa relação paternalista, de uma concessão de cima para baixo, o trabalhador foi partícipe ativo no processo; além disso, na medida em que as instituições jurídico-políticas reconhecem os direitos dos trabalhadores, estes podem, enquantocidadãos imbuídos de direitos e liberdade, requerer o exercício de tais direitos, de forma que a cidadania torna-se uma realidade para eles. Weffort constrói o argumento segundo o qual politicamente as leis trabalhistas podem ser observadas como concessões na relação entre o Estado de Compromisso e as demandas trabalhistas, mas socialmente estas leis transformam o trabalhador em cidadão na medida em que regulam as relações entre classes sociais distintas (trabalhador e empregador, por exemplo). 5. O Estado em Crise. Com o retorno ao regime democrático em 1945, a participação popular na esfera política crescera significativamente, embora a estrutura de poder e a organização social estabelecidas no regime ditatorial de Vargas ainda fossem capazes de se conservar por muito tempo. É no período 1945-1964 que as forças sociais em oposição se confrontam mais fortemente e abertamente. Até então englobados no Estado de Compromisso, que conseguira lidar razoavelmente bem com elas por meio do governo autoritário, os interesses diversos daquela socidade muito complexo em que se transformara o Brasil no pós-II GM começaram a se digladiar com maior robustez. As pressões foram controladas razoavelmente bem pelos mesmos mecanismos populistas vigentes até então, como a cooptação da massa trabalhadora e manobras para sua relativa manipulação. É com Jânio Quadros que a situação começa a mostrar-se insustentável. As classes populares, agora insatisfeitas com o caráter populista pelo qual suas reivindicações foram tratadas até então, começam a organizar-se mais coesamente e apresentar propostas de alterações nas bases da organização econômico-social, como, por exemplo, através das reivindicações por reforma agrária. De outro lado, a burguesia industrial, a classe média e, principalmente, a elite agrícola do país (que observava os movimentos sociais estenderem-se para o campo e começarem a tocar no tema “reforma agrária” – tema inviolável em uma sociedade secularmente baseada na grande propriedade) passavam a considerar cada vez mais seriamente a possibilidade de um golpe de Estado como forma de contenção das ameaças representadas pelas classes populares. Assim, o regime populista dava mostras de fraquezas no governo Jânio Quadros e não tardaria a falir com João Goulart. O Estado de Compromisso fora rompido: as pressões de cada grupo social tornaram-se suficientemente díspares para não mais poderem ser sintetizadas em um Estado que atendia a todas as demandas sem subordinar-se a nenhuma delas. E sem o compromisso das classes sociais, que permitira as muitas manobras políticas e sociais de concessões, o populismo não mais poderia manter-se. 3
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