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Fausto, B. A Revolução de 1930 Caps. I e III.

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A Revolução de 1930 
Bóris Fausto 
Autor: Bruno Gabriel Witzel de Souza 
 
Capítulo I – Burguesia Industrial e Revolução de 1930. 
1. As Teorias dualistas: política e historiografia. 
 As principais correntes ligadas ao marxismo tradicional tendem a classificar a Revolução de 1930 como uma 
ruptura na estrutura econômica brasileira que se perpetuara como uma verdadeira herança colonial, ou seja, aquela 
economia agrícola classificada como possuidora de caracteres feudais. A Revolução de 1930 marcaria a completa 
ascensão da classe dinâmica daquela economia, da classe propriamente capitalista: segundo tal perspectiva, a 
Revolução de 1930 teria alçado ao poder e conduzida pelos industrialistas. 
 Mesmo outras perspectivas estruturalistas e não necessariamente marxistas tendem a adotar uma posição 
semelhante, afirmando o caráter de quebra estrutural e rearranjo econômico a partir da Revolução de 1930, que teria 
posto ponto final àquele período agrário (embora não necessariamente feudal) e iniciado a época do dinamismo 
industrial-capitalista no país. 
 O autor argumentará, por outro lado, que a Revolução foi fruto do descontentamento das oligarquias 
dissidentes não ligadas diretamente ao café, que encontraram no período de crise do fim da década de 1920 as 
condições para romperem o status quo político até então vigente, embora isto não necessariamente represente uma 
quebra violenta na condução da vida econômica ou mesmo política do país. 
 
2. A Indústria na década de 1920. 
 Avaliar a importância que teve a classe burguesa industrial na Revolução de 1930 requer uma breve descrição 
das condições industriais do Brasil na década que precede o movimento revolucionário. 
 Efetivamente o setor industrial já se instalara no país de forma mais significativa desde os primórdios do 
período republicano, mas no início da década de 1920 era ainda uma indústria pouco capitalizada, de escala reduzida e 
muitas vezes dotada de uma característica simplesmente artesanal, sem o emprego de tecnologias mais elaboradas. 
 Mesmo nesse período, São Paulo já aparece como o maior centro industrial do país, tendo ultrapassado a 
posição de proeminência industrial de que desfrutara até 1907 o Distrito Federal, o qual assume agora o segundo lugar 
em importância. O Rio Grande do Sul, palco inicial da Revolução de 1930, aparece em terceiro lugar, com uma 
produção industrial que respondia por 11% do total brasileiro e que se concentrava sobretudo na indústria alimentícia 
da carne. 
 Assim, vê-se que apesar de a indústria crescer em importância, é o setor agrícola o principal motor dinâmico 
da economia da década de 1920, empregando, por exemplo, quase 70% de toda a mão-de-obra brasileira. 
 Nesse contexto, não havia uma burguesia industrial propriamente unida ou consolidada. Alguns grandes 
industriais já se faziam notar e possuíam algum grau de influência política, mas o governo estava muito longe de ser 
influenciado por uma classe burguesa ou estar compelido a adotar uma política propriamente industrialista. 
 
3. A Fração de Classe e sua Intervenção no Episódio Revolucionário. 
 A idéia fundamental de Fausto é que a Revolução de 1930 foi conduzida pelas oligarquias do Rio Grande do 
Sul e de Minas Gerais, de forma que a participação ativa dos industrialistas foi nula no processo revolucionário. 
 Em primeiro lugar, os industrialistas foram amplos defensores da campanha de Júlio Prestes, fornecendo apoio 
formal à sua candidatura e organizando listas eleitorais entre os trabalhadores das fábricas que concordassem com seus 
pontos de vista. 
 Ainda mais claro do apoio dos industriais ao governo eleito e deposto pelo golpe foi o amplo apoio 
industrialista aos esforços bélicos da Revolução de 1932: “logo após a eclosão da revolta, o órgão de classe dos 
industriais e a Associação Comercial, em manifesto conjunto, assinado em nome das classes conservadoras, deram sua 
adesão ao movimento”. 
 Outras provas contundentes da não participação industrial no movimento revolucionário podem ser 
encontradas nos quadros dos partidos envolvidos no contexto político de 1930. 
 O Partido Democrático (PD), principal adversário de Washington Luís em SP, uniu-se à Aliança Liberal em 
apoio a Vargas, embora estivesse completamente alheio aos movimentos revolucionários do período pós-eleitoral. A 
idéia de que este era um partido surgido do descontentamento das novas classes, em particular dos industrialistas, não 
tem o menor cabimento quando se consideram as posições anti-industriais que adotou ao longo de sua história. O PD 
defendia que a grande vantagem comparativa do Brasil estava na agricultura, de forma que a política industrial 
significaria apenas uma perda de recursos para a nação. Assim, o PD “não expressa o impulso de „áreas 
modernizantes‟, supostamente identificadas com a indústria, mas uma aliança das classes médias de São Paulo com 
elementos descontentes do setor agrário. A tônica anti-industrialista reflete muito mais a visão agrarista da sociedade 
brasileira, de que era portadora a classe média paulista. 
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É sob esta convicção que o partido se oporá, por exemplo, às proteções tarifárias a serem garantidas à indústria. 
 A Aliança Liberal, por sua vez, era formada principalmente por membros das oligarquias do Rio Grande do 
Sul e de Minas Gerais, não sendo expressiva a participação de industriais (mesmo porque a participação do segundo 
setor na economia destes estados era, como visto, muito limitada). O comportamento político destas oligarquias, “nos 
anos vinte, revela uma atitude de indiferença, senão de hostilidade, às reivindicações específicas dos industriais”. 
 A Aliança Liberal terá em seu programa político algumas novidades, como colocar em pauta alguns 
problemas da classe operária (salário mínimo, lei de férias etc.) e também algumas questões industriais, como a 
necessidade do desenvolvimento da siderurgia nacional. No entanto, isto está longe de significar uma política pró-
indústria: as referências à siderurgia, por exemplo, constavam também do programa de Júlio Prestes e estavam 
imbuídas de um caráter muito mais voltado à defesa e autonomia nacional que ao desenvolvimento de nossa indústria. 
 Boris Fausta observará, então, como uma prova de sua tese, que o principal núcleo partidário dos industriais 
era o PRP. O apoio dos industriais a Júlio Prestes não foi fruto do acaso: “as ligações entre o PRP – sem dúvida, 
fundamentalmente, o representante dos interesses cafeeiros – e os setores industriais não constituem um acordo 
ocasional, mas uma íntima e permanente aliança”. Os industriais mobilizam diversos fundos deste partido e têm em 
seu interior representantes diretos, daí a clara impossibilidade de terem sido os industriais um pilar da Revolução de 
1930. 
 Assim, embora existissem diversos atritos entre cafeicultores e industrialistas, a ligação entre essas duas 
classes era relativamente grande, mesmo porque muitas das fortunas industriais tinham sua origem fundamental no 
grande capital cafeeiro. 
 
4. O Estado como Representante da Burguesia Industrial. 
 No período de 1930-1937, não é possível falar de uma política industrializante de Getúlio Vargas. As medidas 
de proteção tarifária, por exemplo, não objetivavam proteger o setor industrial e em muitos casos foram anuladas em 
sua efetividade por acordos político-econômicos entre Brasil e EUA, que adotavam taxas especiais de importação no 
mercado doméstico para os produtos ianques. 
 No entanto, se o Estado não era propriamente pró-indústria, também não lhe era contrário. Nesse contexto, 
alguns industriais foram elevados a posições de destaque, como para a chefia do BB ou para Ministro do Trabalho. 
Além disso, a preocupação em se garantir uma situação financeira equilibradae diminuir a dependência em relação a 
produtos importados fez com que a indústria recebesse alguns benefícios efetivos. 
 Assim, a Revolução de 1930 esteve longe de ser conduzida pela classe industrial. No poder, o novo governo 
não quebrou essencialmente as linhas de condução política até então prevalentes, mas não se pode negar que a 
indústria se tenha beneficiado, até certo grau, do que veio na seqüência e das próprias características econômico-
políticas que geraram as condições para a ocorrência da Revolução. 
 
Capítulo III – A “Derrubada” das Oligarquias. 
 A idéia básica de Boris Fausto neste capítulo é discutir o governo pós-1930 como formulador do Estado de 
Compromisso, isto é, um articulador dos interesses de diversas oligarquias que obteve sucesso por meio do aumento 
do poder estatal e da centralização política. 
 Segundo sua perspectiva, a Revolução de 1930 não pôde substituir a oligarquia cafeicultora paulista no poder, 
mas elevou os interesses de outras oligarquias regionais até então descontentes com sua baixa representação política 
no poder central a partir do regime descentralizado prevalente desde o início da República. 
 
1. A Crise dos Anos Vinte. 
 Na esfera social, a década de 1920 é marcada essencialmente pelo crescente descontentamento das classes 
médias urbanas e pelo “tenentismo”. 
 O desenvolvimento das classes médias foi fundamentalmente o desdobrar da expansão econômica gerada pela 
cafeicultura. Assim, gestava a expansão cafeeira seus próprios elementos contestadores, uma vez que aquela classe 
média, social e economicamente melhor, não encontrava nos meios políticos oligárquicos então vigentes uma brecha 
para poder expressar seus interesses, do que decorria sua contestação daquele modelo político. 
 Já o tenentismo demonstrava o descontentamento militar das esferas de mais baixa patente com a 
subordinação do Exército às oligarquias e com a aceitação desta situação pelos membros de mais alta patente. 
Começava a ganhar corpo também a idéia de que o as Forças Armadas tinham um dever cívico para além do militar, 
sendo obrigação sua zelar pelas melhores condições sociais no interior do país, o que não era garantido pelo regime 
político então vigente. 
 Na década de 1920 gestava-se, portanto, um desequilíbrio social claro frente à organização política vigente. 
Além disso, apesar de até 1929 vigorar um período de relativa bonança econômica, à época observaram-se índices 
crescentes de preços, o que certamente tendeu a aumentar o descontentamento daquela classe média. 
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 Apesar destas críticas crescentes, “os setores inconformados com o predomínio da burguesia do café não têm 
um projeto de estruturação econômica do país diverso do núcleo cafeeiro”, dada a posição central que assumia o 
produto para a economia nacional. 
 É nesse contexto já marcado pela instabilidade que surgirão os acontecimentos políticos para a eleição de 
1930. A insistência de Washington Luís em indicar um paulista para que sua política monetário-cambial fosse levada 
adiante cria atritos em um momento fundamental, levando as oligarquias mineiras a abandonarem sua ligação de longa 
duração com São Paulo e voltarem-se à Aliança Liberal. 
 Em meio a estes numerosos atritos sociais, ocorre o início da Grande Depressão com a quebra da Bolsa de 
NY, em 1929. “A crise não produziu a revolução, como uma espécie de curto-circuito em um sistema em pleno 
funcionamento e é possível mesmo especular sobre a queda da República Velha, independentemente dela. Mas as 
contradições da economia cafeeira, das instituições que consagravam seu predomínio, ganharam outra dimensão”. A 
crise põe na mesa as condições para o fim da supremacia da elite cafeicultora. 
 Além disso, a crise possibilitava mais facilmente a ocorrência de insurreições armadas frente à situação social 
caótica por ela gerada. O exemplo da América Latina é típico: foram nada menos que 11 revoluções, a maior parte 
conduzida por membros das forças armadas. Embora haja pouca relação entre tais revoluções,s é certo que o período 
de crise funcionou para possibilitar-lhes a ocorrência. 
 No caso da Revolução de 1930, tendo perdido as eleições, os membros mais jovens da oligarquia do sul viram 
nas armas o meio único de chegar ao poder, de forma que conseguiram levar consigo os membros mais velhos 
daquelas oligarquias. O sucesso da revolução seria marcado também pela participação das forças armadas, em especial 
pela ligação que tinham alguns aliancistas com o movimento tenentista. 
 
2. O Estado de Compromisso. 
 Conforme salientado, o governo do período 1930-1937 marcou-se por consolidar o Estado de Compromisso, 
isto é, por não substituir efetivamente a oligarquia cafeeira no poder, mas soerguer os interesses de outras oligarquias 
e criar um compromisso entre os objetivos mais diferenciados destes grupos. A classe média encontrou também maior 
representatividade, embora tivesse claramente um papel subordinado quando comparado aos interesses das diferentes 
oligarquias. 
 Apesar destes novos interesses oligárquicos, a política do café, dado ser este o produto condutor da economia 
nacional, manteve sua posição prioritária. Conforme ressaltara Vargas, ainda na campanha eleitoral: “A lavoura do 
café é, por assim dizer, a linha mestra da nossa economia. A influência da produção cafeeira na vida do país é tão 
importante que se lhe não podem negar as honras e o largo alcance de um problema de interesse eminentemente 
nacional”; e Antonio Carlos acrescentou: “só por exploração eleitoral se poderia dizer que o dr. Getúlio Vargas, na 
presidência da República, se desinteressará da política defensora dos preços do café”. Ainda mais importante foram as 
medidas de proteção financeira aos grandes cafeicultores: um decreto de 1933 indenizava por completo as casas 
bancárias (com títulos públicos) para que os fazendeiros em débito não fossem executados. 
 A manutenção deste Estado de Compromisso requereu a maior concentração do poder político e o 
fortalecimento do poder central a expensas dos poderes estaduais. Tal processo de centralização ligou-se a maior 
cooptação das classes populares – como a forte repressão aos movimentos trabalhistas, ao mesmo tempo em que se 
adotava uma política de maior proteção ao trabalhador (ou seja, esvaziavam-se os movimentos sociais dos 
trabalhadores, garantindo-lhes alguns benefícios e pressionando-lhes à força) – ao emprego do Exército e ao 
esvaziamento dos movimentos tenentistas. 
 O Estado de Compromisso marca o fim da ideologia liberal: as oligarquias regionais devem agora subordinar-
se ao poder central e o Estado passa a caracterizar-se por um intervencionismo que vai muito além da política de 
defesa do café.

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