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Furtado, C. Formação Econômica do Brasil, caps. 25 30.

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Formação Econômica do Brasil 
Celso Furtado 
Autor: Bruno Gabriel Witzel de Souza 
 
Capítulo XVI - O Fluxo de Renda na Economia de Trabalho Assalariado. 
 Furtado classifica o desenvolvimento inicial do trabalho assalariado como a característica inegavelmente mais 
marcante da economia brasileira na segunda metade do século XIX. Ao passo que as expansões econômicas anteriores 
ou basearam-se no sistema escravocrata ou no de subsistência, não foi possível que se criasse e consolidasse um 
mercado interno. 
 Se bem que a produção cafeeira estivesse incluída nos moldes da grande agricultura de exportação de produtos 
primários para um mercado demandante internacional mais robusto economicamente, a inserção da forma assalariada 
de trabalho criaria aquele dinamismo econômico interno até então inexistente. A renda gerada pelas exportações de 
café acabava distribuída entre o cafeicultor (classe não assalariada), remunerando o capital e geralmente 
transformando-se em novas inversões de capital, e os assalariados, que a utilizavam principalmente na aquisição de 
bens de consumo. 
 Esta divisão da renda tendia a criar mercados dinâmicos, intensificando a economia monetária e criando a 
possibilidade de consolidar-se um mercado interno. Com a crescente consolidação de tal mercado, estimulava-se a 
produção interna, de modo que a ocorriam aumentos na produtividade e melhor utilização de fatores até então 
subutilizados. 
 Vale salientar, porém, que os salários médios tenderam a permanecer relativamente constantes ao longo de 
toda a segunda metade do século XIX na economia cafeeira, apesar de o salário médio da economia brasileira como 
um todo tenha crescido neste período (reflexo do aumento da produtividade que se operou em função do 
desenvolvimento do mercado interno). Esta constância nos salários médios da economia cafeeira deveu-se, 
principalmente, ao aumento da oferta de mão-de-obra nacional em períodos posteriores, sobretudo para atividades 
como desflorestamento, construções e outras tarefas auxiliares. 
 Sendo os salários relativamente constantes e tendo os lucros aumentados a partir das altas no preço do café, 
permitia-se aos empresários cafeicultores expandir a produção extensivamente em um cenário de disponibilidade de 
terras. 
 
Capítulo XVII – A Tendência ao Desequilíbrio Externo. 
 O desenvolvimento de uma economia baseada no trabalho assalariado demonstraria alguns desequilíbrios 
econômicos que haviam sido pouco ou nada relevantes enquanto se operava economicamente com o regime servil. 
 Um dos maiores desequilíbrios seria evidenciado pela participação nacional no regime monetário do padrão-
ouro. Este, fundamentado nas características da economia européia, explicitava que os países deveriam manter 
reservas metálicas suficientemente elevadas para cobrir eventuais déficits de suas balanças de pagamento. Assim, se 
um país eventualmente tivesse um déficit, parte de suas reservas iriam cobri-lo, de forma que o meio circulante 
daquele país diminuiria, gerando internamente uma baixa dos preços e decorrente estímulo para o desenvolvimento de 
suas exportações. Tal mecanismo podia funcionar bem no estágio em que se encontrava a economia européia, nas 
quais se observava um grau de desenvolvimento relativamente próximo e cujos coeficientes de importação eram 
relativamente baixos, principalmente quando comparados ao nível de suas exportações de manufaturados. 
 Mas dificilmente tal sistema poderia operar satisfatoriamente em uma economia com as características 
brasileiras e de outros países que ainda se baseavam na exportação de produtos primários. Estas economias estavam 
muito sujeitas às oscilações de preços sobre os produtos que exportavam, de modo que alterações sensíveis nestes 
provocam uma grande desestabilização de todo o sistema econômico, isso sem contar que eram economias ainda 
muito dependentes do setor internacional, ou seja, tinham altos coeficientes de importação. 
 Quando uma crise era deflagrada nos centros internacionais demandantes daqueles produtos primários, ocorria 
uma forte contração da demanda por eles. Conseqüentemente, os preços caiam e, assim, reduziam-se as entradas de 
divisas internacionais; por outro lado, o nível de importações não caía na mesma velocidade, já que havia uma 
defasagem temporal importante: as importações realizadas enquanto caiam os preços dos bens exportados estavam 
sendo financiadas por expansões anteriores daquelas exportações. Assim, incorria o país em rombos orçamentários 
que deviam ser cobertos pelas reservas do padrão-ouro. Logo, na possibilidade de incorrer continuamente em déficits, 
surgia como muito problemática a manutenção do padrão-ouro. 
 No entanto, cabe ressaltar que este desequilíbrio mostrava-se latente apenas porque o trabalho assalariado se 
colocara. Quando prevalecia o sistema servil, o escoamento de reservas metálicas para o exterior, reduzindo o meio 
circulante interno, tinha poucos problemas, uma vez que apenas uma classe relativamente restrita da população 
participava da economia monetária, de forma que a demanda por moeda era relativamente pequena. Quando se 
colocou a base assalariada, no entanto, a maior complexidade da distribuição de renda, da qual se falou no capítulo 
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anterior, fez com que a demanda por moeda crescesse naquela economia; assim, as saídas de reservas nacionais, 
reduzindo o meio circulante, tinham efeitos sérios sobre o funcionamento da economia como um todo. 
 Acirrados como estavam em propugnar a teoria econômica européia para o Brasil, não perceberam os 
condutores da política econômica nacional que as características que regulavam o funcionamento do sistema aqui 
eram diferentes das que existiam lá. Desta incompatibilidade entre a teoria e a realidade brasileira, surgiram muitos 
problemas práticos e a tendência que se observou, ao longo do século XIX, de classificar as características próprias da 
economia nacional como “patológicas”. 
 
Capítulo XVIII – A Defesa do Nível de Emprego e a Concentração da Renda. 
 Já foi observado que a constância no nível dos salários reais da economia cafeeira foi fundamental para que se 
processasse a expansão desta produção. 
 Neste contexto, é possível afirmar que a expansão cafeeira não se deu a partir de um aumento na intensidade 
da produção, mas teve um caráter apenas extensivo: dada a disponibilidade de terras e a manutenção dos níveis 
salariais, o empresário do café, não tendo de pagar salários mais altos ou renda pelas terras ocupadas, apropriava-se 
por completo dos lucros decorrentes de aumentos no preço do café no mercado internacional. “O empresário estava 
sempre interessado em aplicar seu capital novo [decorrente dos lucros da produção antiga] na expansão das 
plantações, não se formando nenhum incentivo à melhores dos métodos do cultivo”. Este caráter extensivo do avanço 
cafeeiro fica muito evidente quando se consideram as terras esgotadas pelo cultivo dos pés de café, as quais eram 
deixadas de lado porque era mais atrativo ocupar novas áreas as recuperar as antigas e aumentar-lhes a intensidade 
produtiva. 
 Assim, a margem de lucro do cafeicultor era determinada principalmente pelas expansões do preço do café, 
uma vez que os salários ficavam relativamente constantes, havia disponibilidade de terras e a produtividade física não 
tinha qualquer incentivo para ser desenvolvida. Tais expansões, por sua vez, decorriam de flutuações do preço do café 
nos mercados internacionais; podia-se pensar, assim, que períodos de queda dos preços significariam uma diminuição 
proporcional nos lucros dos cafeicultores, tendendo a diminuir a concentração da renda que se operava nas épocas de 
elevação dos preços. 
 Mas não era este o caso. O desequilíbrio constante da balançade pagamentos (decorrente da 
operacionalização do padrão-ouro em uma economia com as características brasileiras da época – tema do capítulo 
anterior) fazia com que o governo levasse a cabo uma política contínua de desvalorização da moeda nacional através 
de desvalorizações cambiais. 
 Tal desvalorização tendia a diminuir o poder de compra internacional da moeda brasileira, de forma que a 
importações eram encarecidas; ao mesmo tempo, tal política funcionava como um “colchão” para os exportadores em 
épocas nas quais os preços internacionais do café caíam: apesar de o preço efetivamente ter caído, dada a 
desvalorização da moeda nacional no mercado internacional, quando as rendas que obtinham eram cambiadas para a 
moeda nacional, parte das perdas era amenizada. 
 Assim, com importações mais caras, a grande massa populacional saía grandemente prejudicada. Seus salários 
eram relativamente fixos e o poder de compra desses tendia a diminuir significativamente, uma vez que muitos bens 
essenciais, como alimentos e vestimenta, eram importados por esses assalariados. Do outro lado, os não assalariados 
tinham suas perdas amenizadas na reconversão das moedas. 
 “Em síntese, os aumentos de produtividade econômica alcançados na alta cíclica eram retidos pelo empresário 
[...]. Crescendo os lucros mais intensamente que os salários, ou crescendo aqueles enquanto estes permaneciam 
estáveis, é evidente que a participação dos lucros no total da renda territorial tendia a aumentar. Na etapa de declínio 
cíclico, havia uma forte baixa na produtividade econômica do setor exportador. [...] O mecanismo pelo qual a 
economia corrigia o desequilíbrio externo – o reajustamento da taxa cambial – possibilitava a transferência do prejuízo 
para a grande massa consumidora. Destarte, o processo de concentração de riqueza que caracterizava a prosperidade, 
não encontrava um movimento compensatório da etapa de contração da renda”. 
 Vale ressaltar que este mecanismo de socialização das perdas nos períodos de baixa nos preços era uma 
verdadeira forma de defesa daquela economia ainda muito dependente e relativamente ainda pouco desenvolvida. Se 
as perdas decorrentes das quedas do preço fossem absorvidas apenas pelo cafeicultor, este diminuiria sua produção 
gradativamente e a parte mais substantiva daquela economia tenderia à estagnação e talvez ao declínio, decaindo junto 
a ela a economia salarial que se começava a colocar e que tenderia, nessas circunstâncias, à subsistência. 
 Além disso, nas épocas de flutuação negativa dos preços, como os fazendeiros não tinham prejuízos 
proporcionais aos lucros que obtinham nas altas e como as plantações significavam uma imobilização de capital já 
significativa, era interessante para eles manter o nível da produção. Assim, mesmo nos períodos de crise de preço, os 
níveis de emprego mantinham-se relativamente constantes. Neste contexto, para que o nível de emprego fosse mantido 
constante, aquela concentração de renda por parte dos cafeicultores era mesmo necessária: “do contrário, parte destes 
seria forcada a paralisar suas atividades [...]”. 
 
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Capítulo XXIX – A Descentralização Republicana e a Formação de Novos Grupos de Pressão. 
 O processo de transferência de renda que decorria das políticas de desvalorização cambial afetava grande parte 
da população brasileiro: trabalhadores na agricultura de subsistência e trabalhadores rurais assalariados viam seu 
poder de compra efetivamente diminuído. A classe mais prejudicada, no entanto, era a dos trabalhadores urbanos, que 
recebiam salários ou ordenados e que importavam a maior parte dos produtos de que necessitavam. 
 Outras medidas governamentais, para além da esfera puramente cambial, tendiam também a agravar este 
processo de concentração de renda. A principal fonte de receita governamental, por exemplo, era o imposto sobre as 
importações, que tinha uma taxa cambial fixa. Assim, os impostos sobre a importação permaneciam fixos em 
momentos de elevação dos preços das importações, o que prejudicava ainda mais aquelas classes referidas acima. Por 
fim, dados os problemas de equilíbrio na balança de pagamentos e dos pagamentos da dívida pública, o governo 
adotou algumas políticas de emissão monetária que tenderam a gerar fortes pressões inflacionárias e a diminuir ainda 
mais o poder de compra dos assalariados. 
 À época, o governo imperial passava também por problemas quanto à política monetária, sem defini-la 
adequadamente. Enquanto o regime de servidão perdurou, a carência de controle sobre o numerário ou sua 
insuficiência não constituíram problemas porque a economia monetária do país ainda era muito raquítica. Com o 
desenvolvimento do trabalho assalariado, porém, mostrou-se quão inadequado era o sistema monetário nacional e 
quão escassa era a oferta de moeda. 
 É nesse contexto de “incapacidade do governo imperial para dotar o país de um sistema monetário adequado, 
bem como sua inaptidão para encaminhar com firmeza e positivamente a solução do problema de mão-de-obra [...]” 
que se revela o surgimento de grupos de interesse diversos nas distintas regiões do país. Enquanto perdurara a 
escravidão, não havia nenhum interesse dicotômico entre o norte e o sul do Brasil; no entanto, “a organização social 
do sul transformou-se rapidamente, sob a influência do trabalho assalariado nas plantações de café e nos centros 
urbanos [...]”. As novas necessidades destas regiões dificilmente poderiam ser atendidas pelo governo imperial, no 
qual ainda tinham posições de destaque membros ligados mais aos caracteres da economia nordestina, ainda aferrada 
aos laços da escravidão. 
 Assim, a proclamação da República tomará a forma de um movimento para reivindicar autonomia regional, a 
qual é de fato obtida. 
 Um reflexo desta maior autonomia regional pode ser percebido, por exemplo, pela permissão do governo 
central para que os Estados da federação promovessem, eles próprios, a política monetária mais adequada. O reflexo 
foi a proliferação de muitos bancos regionais, com uma expansão creditícia até então inédita no país (e com 
conseqüente desenvolvimento febril de muitas atividades financiadas pelas linhas de crédito recém-inauguradas). 
 No entanto, a maior complexidade social que se processou no Brasil durante a república, e que se iniciara com 
a introdução do trabalho assalariado, fará com que os interesses dos grandes cafeicultores não sejam os únicos a ter 
peso no nível estadual: é dessa forma que uma classe média nascente, assalariados urbanos e rurais e nascentes grupos 
industriais se oporão, por exemplo, às políticas cambiais de desvalorização. 
 As tensões sociais, que haviam desaparecido desde o Período Regencial, dos períodos iniciais da república são 
reflexos desta nova organização social decorrente da modernização econômica por que vinha passando a nação. 
 
Capítulo XXX – A Crise da Economia Cafeeira. 
 Em fins do século XIX, a cafeicultura brasileira passou por forte expansão, estimulada pelas dificuldades por 
que passaram outras economias exportadoras do produto (como os problemas climáticos do Ceilão), pelo aumento das 
linhas de crédito mencionadas no capítulo anterior e pela maior autonomia dos estados, que permitiu a São Paulo 
promover mais eficientemente a política de imigração. 
 Nessas condições, a tendência inevitável era que a produção do café crescesse até que houvesse o esgotamento 
dos fatores produtivos: terra e mão-de-obra, o que geraria a tendência à baixa nos preços. 
 No entanto, as condições excepcionais de que desfrutava o Brasil para o cultivo do café, fez do país o 
ofertante de mais de 75% do café mundial, de sorte que sua posição semi-monopolística permitia-lhe manobras de 
controle de preços que não eram ignoradas pelos cafeicultores, cientestanto da posição brasileira na oferta mundial do 
produto quanto de suas próprias posições de influência junto ao governo, sobretudo a nível estadual. 
 A primeira crise de super-produção do café viria ainda em fins do século XIX, mas sua magnitude ainda era 
suficientemente pequena para ter sido controlada apenas pela desvalorização cambial. A segunda crise de maior 
relevância, em 1906, já não podia ser controlada por este mecanismo, seja por sua maior proporção, seja pela 
emergência de novos grupos de interesse contrários à desvalorização cambial e que já contavam com algum peso 
representativo, como o caso das classes médias urbanas e dos assalariados rurais. 
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 Assim, os cafeicultores estabeleceram o objetivo da valorização do preço do café no Convênio de Taubaté, 
cujos pontos determinavam que a oferta brasileira seria controlada artificialmente pela compra, pelo governo, dos 
excedentes, de sorte a valorizar o preço internacional do produto.

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