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Hanley, A. A Bolsa de Valores e o Financiamento de empresas em São Paulo, 1886 1917.

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A Bolsa de Valores e o Financiamento de Empresas em São Paulo, 1886-1917 
Anne Hanley 
Autor: Bruno Gabriel Witzel de Souza 
 
1. Introdução. 
 O foco explicativo para o grande desenvolvimento econômico do estado de São Paulo durante as três 
primeiras décadas do século XX em São Paulo fixa-se geralmente sobre a relação entre o capital cafeeiro e a transição 
para a economia urbana, ou então sobre a importância que teve o capital estrangeiro para o financiamento da expansão 
econômica do estado. 
 A autora propõe, por este artigo, uma revisão das fontes de financiamento das empresas paulistas, 
evidenciando o importante papel que teve o mercado de capitais para este processo de modernização econômica, 
sobretudo ao observar a relação entre o amplo crescimento da Bolsa de Valores de São Paulo ente 1905 a 1913 e o 
desenvolvimento industrial ocorrido no mesmo intervalo. 
 
2. Os Primeiros Tempos da Profissão de Corretagem de Valores. 
 Em 1850 foi promulgado o Código Comercial como uma tentativa de melhor regulamentar o então crescente 
mercado do café, determinando regras para o jogo econômico que se desenvolvia a passos largos. 
 A legislação decorrente de tal código, no entanto, era amplamente restritiva. Apesar de regulamentar a criação 
e o funcionamento de sociedades anônimas, ficam instituídas cláusulas sobre capital mínimo a ser realizado pelas 
empresas e sobre responsabilidade dos agentes societários que impede qualquer maior desenvolvimento desta 
organização empresarial no país. 
 Apenas os setores ligados aos bancos, às ferrovias e aos serviços de utilidade pública crescem como 
sociedades anônimas no período. 
 Os bancos experimentam crescimento porque realizam operações de baixo risco e podem, assim, atrair 
capitais mais facilmente. As ferrovias, dado o vulto dos investimentos necessários à sua construção e operação não 
têm outra saída a não ser recorrer ao mercado acionário; e seu desenvolvimento como sociedades anônimas só se dá 
mais fortemente após a cláusula governamental que garante às empresas ferroviárias a remuneração de juros de 7% 
sobre o capital investido – ou seja, é esta também uma empresa de baixo risco. Por fim, os serviços de utilidade 
pública contam também com investimentos em função do baixo risco que representam: gozavam de privilégios 
concessionários dos governos locais que forneciam às empresas o monopólio do fornecimento de tais serviços em 
determinadas áreas urbanas. 
 
3. 1890-1905. 
 A República gera reformas institucionais e legislativas que permitem o amplo desenvolvimento do mercado de 
capitais. 
 O Código Comercial é revisado: os requisitos de capital mínimo realizado caem e a responsabilidade pessoal 
dos sócios das empresas por ações diminui na nova legislação. 
 Além desta nova legislação mais liberal, a política econômica do Encilhamento estimula fartamente o 
desenvolvimento da atividade econômica, com mais de duzentas empresas de sociedade anônima sendo fundadas no 
primeiro semestre de 1890. O frenesi econômico, no entanto, duraria pouco: frente ao agravamento da situação 
econômica decorrente da especulação e da inflação do Encilhamento, o governo empreende na seqüência uma forte 
contração planejada da atividade econômica, levando à falência a maior parte das empresas fundadas naquele 
ambiente de expansão econômica. É no próprio ano de 1890 que a Bolsa de Valores de São Paulo é criada para 
atender às necessidades de operacionalização desta ampla atividade econômica. 
 Apesar da maior parte das empresas surgidas no período não ter sobrevivido ao fim do Encilhamento, este 
momento da história econômica brasileira foi fundamental para gerar algumas alterações profundas no mercado de 
capitais de São Paulo. 
 Em primeiro lugar, houve um aumento impressionante no crescimento do número de ações e de seu valor. Em 
segundo lugar, um número cada vez maior de agentes econômicos passou a integrar aquele mercado, 
“democratizando” de forma mais ampla o mercado de capitais. Finalmente, houve uma maior diversificação do tipo de 
empresas formadas por sociedades anônimas: o mercado acionário fora palco principalmente para bancos, ferrovias e 
serviços de utilidade pública; agora, um número cada vez maior de indústrias começava a dar as caras naquele 
mercado. 
 
4. 1905-1917. 
 O período entre 1905 e 1913 foi marcado por uma nova rápida expansão do mercado de capitais em São 
Paulo, sobretudo a partir da boa conjuntura macroeconômica proporcionada a partir da valorização do café de 1906. 
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 Neste período, o processo de reestruturação da Bolsa de Valores mencionado acima continua seu curso, 
sobretudo pelo aumento da participação mais variada de empresas no mercado acionário: “embora seja verdade que 
nenhum outro setor emergiu em 1917 para desalojar as ferrovias como principal setor representado na Bolsa, há 
indícios claros do significativo crescimento de empresas de serviços de utilidade pública e de firmas comercias e 
industriais depois de 1905”. 
 O exemplo da indústria têxtil é bastante representativo: em 1905, apenas uma indústria têxtil tinha capitais 
negociados na Bolsa e representava menos de 1% do total de capitais então negociados; em 1913, já havia 24 firmas 
têxteis, responsáveis por 10% dos capitais negociados na bolsa paulista. 
 Para a autora, foi a Bolsa de Valores a principal fonte de financiamento das indústrias paulistas. É verdade que 
apenas um pequeno número de empresas industriais tinha ações na bolsa, mas estas empresas eram as de maior porte, 
representando mais de 50% de todo o capital investido na indústria nacional. Assim, as fontes tradicionais de 
financiamento (através de empréstimos familiares, entre amigos ou em bancos) não eram suficientes para suprir as 
demandas de capital dessas indústrias nascentes e daí o papel fundamental da Bolsa ao preencher esta lacuna. 
 A autora é também crítica quanto à idéia de que o desenvolvimento da economia paulista deu-se em função do 
capital estrangeiro investido no estado. É verdade que houve enormes afluxos de capital estrangeiro para o país, 
sobretudo de capitais ingleses. No entanto, estes capitais internacionais concentraram-se fundamentalmente em três 
setores: nas ferrovias, nos serviços de utilidade pública e nos empréstimos aos governos federal e estadual. No 
entanto, a indústria contava sobretudo com o capital fornecido por investidores nacionais, via a Bolsa de São Paulo, 
conforme observado acima. 
 Por fim, a autora discorda que a Bolsa de Valores de São Paulo fosse controlada por certos grupos familiares, 
como de fato ocorria no Rio de Janeiro. O enorme número de ações negociadas, o seu aumento ao longo do tempo (de 
1,2 milhão de ações em 1905 para 2,4 milhões em 1913) e a existência de um mercado secundário de ações claramente 
indicam a existência de um grande número de investidores, o que garantia à bolsa paulista um caráter de fato 
impessoal. 
 
5. Conclusão. 
 Em nenhum outro momento de sua história, a Bolsa de Valores de São Paulo (mesmo depois de ter-se 
configurado como o principal centro financeiro do país), obteve um desenvolvimento similar ao experimentado entre 
1890-1905 e entre 1905-1913. 
 Embora a maior parte da historiografia tradicional defenda que a Bolsa de Valores teve um caráter apenas 
efêmero, funcionando apenas quando a conjuntura era boa, Hanley argumenta que o papel desempenhado por esta 
instituição enquanto agente financiadora da economia merece destaque; não fossem os mecanismos da bolsa, não teria 
o setor industrial encontrado os recursos necessários para financiar suas maiores empresas, não teriam as cidades de 
médio e pequeno porte encontrado os recursos para modernizar suas instalações e serviços públicos, não se teria 
desenvolvidoo mercado de ações no país, enfim, o amplo processo de modernização por que passou o país no começo 
do século XX ou teria acontecido muito mais lentamente ou talvez nem tivesse chegado a ocorrer.

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