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Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 55 (4): 380-388, out.-dez. 2011380 Principais distúrbios tireoidianos e suas abordagens na atenção primária à saúde Anderson Soares da Silva1, Léa Maria Zanini Maciel2, Luane Marques de Mello3, Patrícia Kunzle Ribeiro Magalhães4, Altacílio Aparecido Nunes1 Main thyroid disorders and their approaches in primary health care artigo dE rEVisão 1 Professor Doutor do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. 2 Livre-Docente. Profa. Associada do Departamento de Clínica Médica FMRP-USP – Divisão de Endocrinologia. 3 Professora Colaboradora do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. 4 Médica Assistente, disciplina de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. rEsumo As doenças da tireoide são comuns no contexto da assistência primária em saúde e o médico generalista tem à sua disposição no Sistema Único de Saúde (SUS) testes sensíveis e específicos para o diagnóstico, além de alternativas terapêuticas eficazes para o tratamento dos seus distúrbios mais prevalentes. Objetiva-se com esta revisão apresentar os principais aspectos do diagnóstico e tratamento das doenças da tireoi- de, com um enfoque voltado para o médico que atua na atenção primária. Como os sinais e sintomas relacionados às disfunções da tireoide são variados e pouco específicos, aliar à história clínica, o exame físico adequado e alguns exames complementares (dosagens hormonais e de anticorpos, ultrassonografia, cintilografia, captação de iodo radioativo e a punção aspirativa com agulha fina), permite-se chegar a uma conclusão diagnóstica satisfatória na maioria dos casos. O tratamento do hipotireoidismo pode ser perfeitamente manejado pelo generalista e consiste na reposição com hormônio sintético. Casos de tireotoxicose secundária às tireoidites também podem ser perfeitamente condu- zidos por estes profissionais, pois a maioria dos pacientes requer apenas prescrição de anti-inflamatórios e betabloqueadores. Contudo, é aconselhável que os portadores de doença de Graves, bócios uni ou multinodulares tóxicos, ou nódulos malignos sejam encaminhados a um especialista experiente. Concluindo, quando adequadamente treinados, os profissionais de saúde que trabalham na atenção primária têm totais condições de reconhecer e manejar de maneira correta as principais disfunções tireoidianas. UNITERMOS: Doenças da Tireoide, Medicina de Família, Atenção Primária à Saúde. abstract Thyroid diseases are common in the context of primary health care and the general practitioner has at his disposal in the Unified Health System (SUS) sensitive and specific tests for the diagnosis, as well as effective alternative therapies for the treatment of its most prevalent disorders. Our aim in this review is to present the main aspects of diagnosis and treatment of thyroid diseases, with a focus on the physician who works in primary care. As the signs and symptoms related to thyroid dysfunc- tion are varied and not specific enough, combining the clinical history, appropriate physical examination and a few complementary tests (hormonal and antibodies levels, ultrasound, scintigraphy, uptake of radioactive iodine, and fine needle aspiration), allows to reach a satisfactory diagnostic conclusion in most cases. The treatment of hypothyroidism can be perfectly handled by general practitioners and consists of synthetic hormone replacement. Cases of thyrotoxicosis secondary to thyroiditis can also be perfectly conducted by these professionals, as most patients require only prescription of anti-inflammatory drugs and beta blockers. However, patients with Graves’ disease, toxic uni- or multinodular goiters, or malignant nodules should be forwarded to an experienced specialist. In conclusion, if properly trained, health professionals working in primary care are fully able to recognize and properly handle the major thyroid dysfunctions. KEyWORDS: Thyroid Diseases, Family Medicine, Primary Health Care. AMRIGS#4_miolo.indd 380 13/12/2011 11:38:00 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 55 (4): 380-388, out.-dez. 2011 381 PRIncIPAIS dIStÚRBIoS tIReoIdIAnoS e SuAS ABoRdAGenS nA Atenção PRIMáRIA à SAÚde Silva et al. introdução As doenças da tireoide são comuns no contexto da as- sistência primária em saúde, encontrando-se no conjun- to das 25 condições mais frequentemente diagnosticadas por médicos de família americanos (1). De fato, ao longo de sua prática clínica, o Médico Generalista deparar-se-á, muito provavelmente, com pessoas portadoras de doenças tireoidianas clinicamente evidentes ou, mais ainda, porta- doras apenas de alterações laboratoriais sugestivas de con- dições subclínicas (hipo ou hipertireoidismo subclínicos). Hipotireoidismo Epidemiologia Mundialmente, o principal distúrbio da tireoide é o bó- cio endêmico (ou bócio carencial), contudo, a principal dis- função hormonal tireoidiana é o hipotireoidismo primário, que se caracteriza pela diminuição da produção e secre- ção dos hormônios tireoidianos (HT). O hipotireoidismo é uma doença comum, afeta mais as mulheres do que os homens e torna-se mais frequente com o avançar da idade. Um dos estudos prospectivos mais bem conduzidos sobre a epidemiologia das doenças da tireoide, realizado na ci- dade inglesa de Whickham, constatou, ao final de 20 anos de acompanhamento, uma incidência média anual de 4,1 casos/mil entre as mulheres e de 0,6 casos/mil nos ho- mens (2). No Brasil, um estudo transversal realizado em São Paulo verificou que 6,6% dos indivíduos adultos anali- sados apresentavam a doença (3). De maneira geral, as causas de hipotireoidismo podem ser classificadas de acordo com a origem: hipotireoidismo primário, quando a disfunção tem origem na própria tireoi- de; hipotireoidismo secundário, quando a etiologia é hipofi- sária, levando a uma diminuição na secreção do Hormônio Estimulador da Tireoide ou Tireotrofina (TSH); e o hipoti- reoidismo terciário, quando houver qualquer alteração na se- creção do Hormônio Liberador de Tireotrofina (TRH). As duas últimas condições costumam ser agrupadas em hipoti- reoidismo central e respondem por menos de 5% dos casos. Além disso, de acordo com o grau da disfunção tireoidiana, o hipotireoidismo primário pode ser divido em subclínico e declarado. Na primeira situação, a falência da glândula é mínima (ocorre uma discreta diminuição dos HT), porém, as concentrações dos mesmos situam-se dentro da faixa de normalidade, no entanto, devida à elevada sensibilidade hi- pofisária, ocorre elevação discreta do TSH. Já no hipotireoi- dismo declarado, existe uma diminuição mais acentuada da produção hormonal pela tireoide, com consequente redução dos HT (abaixo da faixa de normalidade) e elevação do TSH. O hipotireoidismo pode ter diversas causas (Tabela 1), sendo a tireoidite de Hashimoto, ou tireoidite crônica autoimune, a etiologia mais comum em adultos residentes em áreas suficientes em iodo. É uma doença autoimune, tanto humoral quanto celular, tendo como alvo a glândula tireoide. Apresenta algumas peculiaridades como: suscepti- bilidade genética com agregação familiar, intenso infiltrado inflamatório linfo-monocitário do parênquima tireoidiano e presença de autoanticorpos dirigidos contra antígenos tireoidianos, principalmente a tireoglobulina (Tg), a pero- xidase (TPO) e o receptor de TSH. As mulheres são cerca de sete vezes mais afetadas que os homens e o pico de incidência encontra-se entre os 40 e 60 anos. tabEla 1 – causas de hipotireoidismo de importância para o gene- ralista grupo de causas hipotireoidismo Primário (95% dos casos) tireoidite de hashimoto Pós-radioiodoterapia (doença de Graves) Pós-cirurgia (tireoidectomia) Deficiência de iodo alimentar fármacos (p. ex., amiodarona, lítio,interferon) tireoidite pós-parto Doenças infiltrativas (p. ex., amiloidose, sarcoidose) hipotireoidismo Secundário/terciário Neoplasias do hipotálamo ou hipófise Pós-radioterapia da cabeça Necrose hipofisária (Síndrome de Sheehan) Outros tipos de tireoidites autoimunes, como a tireoi- dite pós-parto (também conhecida como tireoidite linfocí- tica) e a tireoidite de De Quervain (ou tireoidite subaguda) podem resultar em um estado transitório de hipotireoidis- mo (cerca de 1 ano), tipicamente precedido de um período de tireotoxicose, pela destruição dos folículos tireoidianos e consequente liberação de HT. A tireoidite pós-parto é a mais comum, chegando a afetar cerca de 5 a 7 por cento das puérperas nos primeiros meses pós-parto. Quanto à tireoidite subaguda, é a principal causa de dor na glândula, devido ao processo inflamatório que se instala (acredita-se que o gatilho seja uma infecção viral de vias aéreas superio- res). Ambas possuem ótimo prognóstico, evoluindo para o estado de eutireoidismo em 75 a 85% dos casos (4). A ingestão de alguns medicamentos como lítio e amioda- rona ou alimentos que contenham iodo podem levar a qua- dros de hipotireoidismo transitório ou até mesmo permanente, mormente em indivíduos suscetíveis (moradores de países com maiores concentrações de iodo alimentar, portadores de doença autoimune da tireoide ou aqueles que tenham sido submetidos a radioiodoterapia). Acredita-se que tal mecanismo se dê pela inibição, tanto da síntese, quanto da excreção do hormônio ti- reoidiano por esses indutores.Também, o interferon ou as in- terleucinas, utilizadas no tratamento de indivíduos com hepatite viral (B e C) e tumores malignos, podem causar hipotireoidismo via indução de autoanticorpos contra a tireoide (5). Avaliação História clínica Raramente o clínico deparar-se-á com quadros típicos (fácies infiltrada, rouquidão, letargia, ganho de peso, pele seca AMRIGS#4_miolo.indd 381 13/12/2011 11:38:00 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 55 (4): 380-388, out.-dez. 2011382 PRIncIPAIS dIStÚRBIoS tIReoIdIAnoS e SuAS ABoRdAGenS nA Atenção PRIMáRIA à SAÚde Silva et al. ção/ausência dos HT: interferência no metabolismo geral do organismo, levando à diminuição da fase de relaxamen- to dos reflexos osteotendíneos (ROT), bradicardia, hiper- tensão, e acúmulo de glicosaminoglicanas no interstício te- cidual, responsável pelo aspecto infiltrado e pálido da pele, queda dos pelos/cabelo, edema, etc. Ademais, algumas situações requerem maior atenção do médico, devendo o hipotireoidismo sempre fazer parte do diagnóstico diferencial em situações como as que se seguem: l crianças com atraso no desenvolvimento puberal, retar- do no crescimento ósseo e baixo rendimento escolar (7); l mulheres em idade fértil com oligomenorreia, ame- norreia ou dificuldade de engravidar, aquelas com menorragia ou metrorragia, nos casos de hiperprolac- tinemia e naquelas com síndrome do climatério (8); l em idosos, os sintomas clássicos (ganho de peso, pares- tesia, intolerância ao frio) podem estar ausentes e quan- do presentes (p.ex., sensação de cansaço ou fraqueza), podem ser confundidos com sinais ou sintomas de ou- tras doenças prevalentes nesta faixa etária (9). Por fim, é importante que o profissional esteja atento a al- gumas situações onde é maior o risco de desenvolvimento de hipotireoidismo: puérperas; pessoas com história familiar de doença autoimune da tireoide ou história patológica pregressa de irradiação da cabeça e/ou pescoço, ou radioterapia/cirur- gia da glândula; portadores de outras doenças autoimunes (p. ex., insuficiência adrenal, anemia perniciosa, diabetes mellitus tipo 1, doença celíaca, vitiligo, síndrome de Sjögren). Exame físico Os principais sinais presentes no doente com hipoti- reoidismo estão descritos na Tabela 3 e são compatíveis com as duas principais alterações induzidas pela diminui- ou intolerância ao frio), ensinados nas salas de aula das esco- las médicas ou enfermarias de hospitais universitários. Pelo contrário, na maioria das vezes, devido à evolução insidiosa da doença, o médico encontrará pacientes com queixas ines- pecíficas, tais como: ganho de peso (moderado), constipação intestinal ou sensação de parestesia (Tabela 2). Além da ins- talação lenta e progressiva da doença, muito provavelmente contribuem para a dificuldade diagnóstica o amplo leque de condições médicas ou de vida (separações, falecimentos na família, etc.) capazes de simular as manifestações do hipoti- reoidismo ou até mesmo a própria diminuição da capacidade de reconhecimento pelo paciente de que algo não está bem. Portanto, a maneira como o hipotireoidismo se manifesta clinicamente depende tanto da duração e do grau de dimi- nuição do hormônio tireoidiano circulante (abrupto, após a remoção cirúrgica da glândula, ou paulatino, típico das tireoi- dites autoimunes), quanto da presença de outras condições (menopausa, depressão, fibromialgia, etc.) comuns na faixa etária em que a doença é mais frequente. tabEla 2 – Sintomas mais comuns relacionados ao hipotireoidismo Sudorese diminuída Rouquidão Parestesia Pele seca constipação intestinal diminuição da acuidade auditiva Ganho de peso fonte: zulewski h, Müller B, exer P et al.(6) tabEla 3 – Sinais mais comuns relacionados ao hipotireoidismo Atraso na fase de Relaxamento dos Rot* edema periorbital Pele infiltrada Pele fria letargia fonte: zulewski h, Müller B, exer P et al.(6) Em relação ao exame da tireoide, o aumento da glându- la (bócio) pode ou não estar presente. No caso da tireoidite de Hashimoto, ela está aumentada difusamente em 90% dos casos, apresentando uma consistência firme (seme- lhante à de uma borracha “escolar”), irregular e indolor à palpação. Na tireoidite pós-parto, a maioria dos doentes apresenta um bócio pequeno, firme e indolor. Já a tireoidite subaguda caracteriza-se por um quadro de dor intensa na glândula, associado a febre e mal-estar geral. Exames complementares A confirmação laboratorial se faz pela dosagem de TSH e de tiroxina livre (T 4 L) no plasma. No hipotireoidismo pri- mário declarado ocorre elevação do TSH com diminuição do T 4 L, enquanto na forma subclínica só é detectado um au- mento discreto de TSH (geralmente até 20 mUI/L), com o T 4 L ainda dentro da faixa de normalidade. O hipotireoidismo central é caracterizado por uma diminuição no T 4 L associada a uma concentração de TSH inapropriadamente não elevada. Pode-se também requisitar a dosagem de anticorpos an- titireoidianos: antiperoxidase (anti-TPO, antigamente cha- mados de antimicrossomais) e antitireoglobulina (anti-Tg), pois, quando presentes em altas titulações no plasma, prin- cipalmente o anti-TPO (positivo em 80 a 100% dos casos de tireoidite de Hashimoto), reforçam bastante a possibilidade de tireoidite autoimune (10). Além de possuírem valor diagnósti- co, também apresentam valor prognóstico, como no caso do hipotireoidismo subclínico: quanto maior a titulação plasmá- tica, maior o risco de evoluir para hipotireoidismo declarado. Uma vez que os sinais e sintomas do hipotireoidismo são frequentemente enganosos, deve-se estar sempre aten- to a algumas alterações laboratoriais que podem ser a chave para o diagnóstico como anemia normocrômica normo- cítica, hipercolesterolemia (presente em cerca de 4 a 14% dos hipotireoideos), hiponatremia, hiperprolactinemia, hi- poglicemia e elevação da creatininofosfoquinase, sobretu- do, a fração MM (11). tratamento O tratamento do hipotireoidismo declarado constitui- -se na reposição com HT sintético, a levotiroxina sódica. AMRIGS#4_miolo.indd 382 13/12/2011 11:38:01 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 55 (4): 380-388, out.-dez. 2011 383 PRIncIPAIS dIStÚRBIoS tIReoIdIAnoS e SuAS ABoRdAGenS nA Atenção PRIMáRIAà SAÚde Silva et al. Trata-se de uma medicação efetiva, que requer apenas uma tomada ao dia e apresenta baixa incidência de efeitos cola- terais. Vale frisar que as apresentações farmacêuticas exis- tentes no mercado são equivalentes, não se devendo for- mular esse fármaco em farmácias de manipulação. A dose de manutenção em adultos situa-se em torno de 1,6 µg/ kg e deve ser atingida de maneira escalonada, de acordo com a idade e condições mórbidas associadas: indivíduos com menos de 60 anos e sem comorbidades – iniciar com 50µg/dia (em indivíduos mais jovens, pode-se iniciar com a dose plena); aqueles com mais de 60 anos e/ou doenças associadas – iniciar com 25 µg/dia (aqui, os incrementos na dose devem ser feitos com parcimônia – 12,5 a 25 µg a cada 2 semanas). É importante considerar que pacientes com síndrome de má absorção ou cirurgia de by-pass do intestino podem apresentar prejuízo na absorção da levotiroxina. Este fato também acontece quando do uso concomitante de algu- mas medicações: ferro, carbonato de cálcio, suplementos minerais, hidróxido de alumínio, inibidores da bomba de prótons (omeprazol, pantoprazol) e sucralfato. Por outro lado, há certos fármacos que aceleram o seu metabolismo: rifampicina, fenobarbital, fenitoína, carbamazepina, po- dendo ser necessário o ajuste da dose de manutenção. Quanto ao hipotireoidismo subclínico, o tratamento ainda encontra recomendações divergentes na literatura. Contudo, é consenso tratar indivíduos com TSH superior a 10 mUI/L e grande risco de evolução para hipotireoidis- mo declarado (presença de anticorpos antitireoidianos). Aqueles com TSH inferior a 10 mUI/L só devem receber tratamento nas seguintes condições: dislipidemia associa- da, risco cardiovascular aumentado, presença de sintomas de hipotireoidismo, bócio, gestantes e mulheres inférteis que queiram engravidar (12). dicas Abaixo, seguem algumas orientações quanto à monito- rização do tratamento com levotiroxina: l tomar o medicamento pela manhã, em jejum (aguar- dar 1/2 hora antes do café), ingerido com bastante água – 1 copo pelo menos; l ajustar a dose em 25µg por vez (ajustes menores, por exemplo: 12,5µg em idosos ou pacientes com proble- mas cardíacos); l requisitar novo TSH em 4 a 6 semanas a cada ajuste de dose; l pacientes que apresentam valores aumentados de TSH podem não estar tomando a levotiroxina de ma- neira adequada; reforçar o uso correto da medicação e repetir a dosagem de TSH em 2 meses. Caso os va- lores de TSH permaneçam elevados, reajustar a dose; l após atingir o controle adequado (TSH normal), do- sar o TSH anualmente, ou antes, se o paciente apre- sentar sintomas ou em mulheres que desejam engra- vidar ou estejam grávidas; l coronariopatas ou portadores de outras doenças car- diovasculares devem ser tratados de maneira conser- vadora (tolerando-se níveis séricos de TSH um pouco acima do valor de referência), a fim de se evitar indu- zir um quadro de hipertireoidismo iatrogênico; l alertar o paciente sobre a demora na melhora dos sin- tomas clínicos (3 a 6 meses, após a normalização do TSH). Quando encaminhar Embora a maioria dos médicos generalistas esteja apta a diagnosticar e tratar pessoas com hipotireoidismo, em al- gumas situações é aconselhável encaminhar o doente a um especialista (13): l crianças e adolescentes; l gestantes ou mulheres no período pós-parto; l ausência de melhora clínica a despeito da prescrição correta da levotiroxina; l portadores de doença cardiovascular ou gravemente enfermos; l uso concomitante de drogas como lítio, amiodarona ou anticonvulsivantes (fenitoína e carbamazepina); l alterações estruturais da glândula: bócios volumosos, nódulos; l hipotireoidismo grave, levando ao mixedema; l hipotireoidismo central. tireotoxicose Epidemiologia Na literatura, podem-se encontrar os termos hiperti- reoidismo e tireotoxicose empregados como sinônimos, porém, conceitualmente, o primeiro se refere ao aumen- to da produção de hormônios pela tireoide e o segundo refere-se ao quadro clínico decorrente da exposição dos tecidos-alvo ao excesso de HT (seja por dano, hiperfunção da glândula ou por ingestão de HT). Somente em raras oca- siões o hipertireoidismo não leva à tireotoxicose, como no caso da resistência aos hormônios tireoidianos, em que os tecidos-alvo não são capazes de responder ao seu estímulo. Tal como o hipotireoidismo, o hipertireoidismo tam- bém pode ser subdividido em declarado e subclínico. Na primeira condição, ocorre aumento das concentrações dos HT e supressão do TSH, enquanto o subclínico é definido como concentração suprimida de TSH com valores nor- mais de HT, na ausência de doença hipofisária ou hipo- talâmica. Quanto à epidemiologia desta condição, segundo o já citado estudo prospectivo sobre a epidemiologia das doen- ças tireoidianas (“Whickham Survey”), a incidência média nas mulheres foi de 0,8 casos por mil/ano, sendo insignifi- cante nos homens (2). Estudos de prevalência demonstram que a presença de hipertireoidismo situa-se em torno de 2 a AMRIGS#4_miolo.indd 383 13/12/2011 11:38:01 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 55 (4): 380-388, out.-dez. 2011384 PRIncIPAIS dIStÚRBIoS tIReoIdIAnoS e SuAS ABoRdAGenS nA Atenção PRIMáRIA à SAÚde Silva et al. 3% das mulheres e 0,2% dos homens (14), sendo essas ta- xas semelhantes no Brasil (3). Há também diferenças quan- to à prevalência das principais causas de hipertireoidismo em relação à suficiência de iodo na dieta (áreas carentes de iodo apresentam maior número de indivíduos com bócio multinodular em relação à doença de Graves) e quanto à idade (bócio multinodular é mais comum em idosos). Didaticamente as causas de tireotoxicose podem ser di- vididas em dois grandes grupos: 1) endógenas – decorren- tes do aumento da produção hormonal pela tireoide, ou da destruição do tecido tireoidiano por processo inflamatório, com a liberação do HT na corrente sanguínea; 2) exógenas – relacionadas ao uso de certas medicações. A maioria dos casos de tireotoxicose por hipertireoidismo pertence a três etiologias principais: doença de Graves, bócio multinodu- lar e adenoma tóxico, com uma pequena contribuição das tireoidites. As demais causas podem ser vistas na Tabela 4. manifestações oculares sem hipertireoidismo e, conforme já explicitado, existem outras causas de hipertireoidismo que não a doença de Graves. O bócio multinodular tóxico é a segunda causa mais co- mum de hipertireoidismo, manifestando-se pela presença de um ou mais nódulos autônomos hiperfuncionantes. A evolução de um bócio difuso para um bócio multinodular atóxico e deste para um bócio multinodular tóxico é gra- dual (geralmente muitos anos) e depende em grande parte da quantidade diária de iodo ingerido na dieta (em áreas carentes de iodo, chega a ser 10 vezes mais comum). Aco- mete mais indivíduos acima de 60 anos e é mais comum em mulheres (17). O adenoma tóxico causa hipertireoidismo por meca- nismo semelhante ao do bócio multinodular (produção de HT pelas células foliculares independente da regulação do TSH). A diferença é que no bócio multinodular tóxico as alterações genéticas responsáveis pelo automatismo são na maioria indeterminadas, enquanto que no adenoma tóxico o crescimento e a diferenciação celular das células folicula- res são secundários a uma mutação no gene que expressa o receptor de TSH. Sua prevalência aumenta com a idade, também é mais comum em mulheres e geralmente desen- volve autonomia quando o nódulo atinge diâmetro > 3 cm, e à semelhança do anterior, apresenta maior prevalência em áreas com carência de iodo alimentar. Outras causas não incomuns de hipertireoidismo são aquelas induzidas por drogas, sendo a de maior importân- cia, pela frequência de seu uso, a amiodarona. Aproxima- damente37% da estrutura química deste antiarrítmico é composta por iodo, o que se traduz em uma liberação di- ária deste composto no organismo da ordem de 75 a 225 mg (correspondente à dose de manutenção de 200 a 600 mg/dia de amiodarona). Portanto, ao redor de 3% dos pacientes que usam este fármaco podem se tornar hiper- tireoideos, basicamente por meio de dois mecanismos: a) o excesso de iodo contido na amiodarona induz a síntese de HT (efeito semelhante ao fenômeno de Jod-Basedow – hipertireoidismo induzido pela ingestão de iodo), espe- cialmente em pacientes com uma doença subjacente da tireoide (p. ex., doença de Graves ou bócio uni ou multino- dular tóxico latente); b) ação tóxica direta da amiodarona, levando à destruição das células foliculares e consequen- temente liberação de HT na circulação (18). Devido à sua complexidade (p. ex., descontinuar ou não a amiodarona), geralmente estes casos requerem a opinião de um endocri- nologista experiente. Avaliação História clínica Os sintomas clássicos de tireotoxicose são: hiperati- vidade, perda de peso, sudorese excessiva, irritabilidade e palpitações (Tabela 5). Contudo, usualmente, as manifes- tações clínicas surgem de maneira insidiosa, influenciadas pela idade do doente (geralmente os quadros são menos tabEla 4 – causas de tireotoxicose de importância para o gene- ralista grupo de causas endógenas doença de Graves Bócio nodular tóxico (uni ou multinodular) tireoidites Subaguda (Granulomatosa ou de Quervain) Autoimunes (Hashimoto, atrófica, pós-parto) Estímulo da tireoide pela gonadotrofina coriônica humana (bHCG) Mola hidatiforme coriocarcinoma Struma ovarii (produção ectópica de ht) Induzida por excesso de iodo Medicamentos (amiodarona, contraste) Pós-dose terapêutica com iodo radioativo Suplementos nutricionais Induzida por excesso de tSh Tumores hipofisários produtores de TSH Resistência aos hormônios tireoidianos câncer folicular tireoidiano (raramente) exógenas Iatrogênica- excesso de ingestão de ht (levotiroxina, alimentos contendo ht) factícia A principal causa de hipertireoidismo é a doença de Graves (60 a 80% dos casos), caracterizando-se por ser uma disfunção autoimune causada pela existência de anticorpos IgG estimuladores do receptor do TSH, que mimetizam o efeito da tireotrofina produzida pela hipófise, estimulan- do o aumento de volume e a função da tireoide. Além de sua característica clássica (hipertireoidismo), a doença de Graves frequentemente está associada à orbitopatia autoi- mune infiltrativa (orbitopatia de Graves) e mais raramente, à dermopatia ou mixedema pré-tibial (15). Alguns autores relatam a possibilidade de estímulos ambientais (eventos estressantes de vida, infecções virais) poderem desencade- ar a produção dos anticorpos pelo organismo (16). Vale salientar que o termo “doença de Graves” e hipertireoidis- mo não são sinônimos, pois, alguns pacientes apresentam AMRIGS#4_miolo.indd 384 13/12/2011 11:38:01 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 55 (4): 380-388, out.-dez. 2011 385 PRIncIPAIS dIStÚRBIoS tIReoIdIAnoS e SuAS ABoRdAGenS nA Atenção PRIMáRIA à SAÚde Silva et al. floridos nos idosos), etiologia e duração da doença, grau de excesso de HT circulante e presença de comorbidades (p.ex., doença coronariana, insuficiência cardíaca ou trans- torno psiquiátrico). nas pelos fibroblastos orbitários. Devido à inflamação e ao acúmulo destas moléculas glicosaminoglicanas (principal- mente ácido hialurônico) nos músculos extraoculares e te- cidos adiposo e conectivo retro-orbitários, ocorre aumento do volume dos mesmos, elevação da pressão retrobulbar, com edema e hiperemia conjuntival, exoftalmia, alteração da motilidade muscular, diplopia e, em casos graves, dis- função do nervo óptico (15, 21). A dermopatia da doença de Graves (mixedema pré- -tibial) caracteriza-se por uma lesão nodular ou em placa, eritemato-infiltrada (aspecto semelhante ao de uma casca de laranja), localizada geralmente na região tibial anterior ou dorsal do pé. É um achado bem menos frequente (me- nos de 5% dos casos) e praticamente está associado à or- bitopatia. Por fim, o quadro clínico dos indivíduos com bócio uni ou multinodular tóxico é bem menos flagrante que aquele dos pacientes com doença de Graves, pelo fato de haver menor quantidade de HT circulante nos casos de doença nodular e por ser mais prevalente em faixas etárias mais tardias. Não obstante, ao realizar a entrevista do paciente, o ge- neralista deve estar atento aos seguintes fatores de risco as- sociados ao desenvolvimento de hipertireoidismo: a) pes- soais – sexo feminino, disfunção tireoidiana prévia, uso de medicamentos (amiodarona, citocinas, lítio) ou compostos que contenham iodo, tabagismo (risco maior para oftalmo- patia), puerpério, fator estressante ambiental (separação, morte, etc.); b) familiares – doenças da tireoide, doenças autoimunes (miastenia gravis, diabetes mellitus tipo 1, in- suficiência adrenal primária) (17-20). Exame físico Os achados do exame físico mais comuns no indiví- duo com tireotixicose estão descritos na Tabela 6. Na do- ença de Graves, a maioria dos indivíduos apresenta uma tireoide difusamente aumentada (usualmente 2 a 3 vezes o tamanho normal), lisa, firme e indolor. Pode-se encon- trar também a presença de frêmito e sopro nos bócios de maior volume. Já aqueles com bócio multinodular, o exame da glândula revela um aumento difuso e irregular, com a presença de nódulos de diversos tamanhos em sua superfície. No adenoma tóxico, o achado característico é a presença de um nódulo unilateral, firme, bem definido, normalmente > 3 cm. Em relação aos olhos, pode ocorrer retração das pál- pebras superiores e/ou inferiores, que é frequente em to- das as formas de tireotoxicose, independente da sua causa. Também é comum o atraso palpebral. Estas manifestações oculares parecem ser resultantes do aumento do tônus adrenérgico e devem ser diferenciadas da orbitopatia infil- trativa que ocorre apenas na doença de Graves. A orbito- patia de Graves é um achado frequente – cerca de 70% dos doentes apresentam manifestações subclínicas da doença quando submetidos a exames de ultrassonografia ou to- mografia computadorizada (21). É uma doença autoimune, onde linfócitos T circulantes dirigidos contra o antígeno das células foliculares tireoidianas reconhecem um antí- geno semelhante em tecidos orbitários, com consequen- te infiltração da órbita por células T ativadas, liberação de citocinas (interferon-gama, interlucinas e fator de necrose tumoral-beta), estimulação da expressão de proteínas imu- nomoduladoras e produção de moléculas glicosaminoglica- tabEla 5 – Sintomas mais comuns nos quadros de tireotoxicose Irritabilidade/nervosismo, hiperatividade Intolerância ao calor, sudorese aumentada Palpitação cansaço, fraqueza Perda de peso com aumento do apetite diarreia Poliúria oligomenorreia, perda de libido fonte: Jameson Jl, Weetman AP(19) tabEla 6 – Sinais mais comuns nos quadros de tireotoxicose Taquicardia, fibrilação atrial tremor de extremidades Bócio Pele quente e úmida fraqueza muscular, miopatia proximal Retração palpebral Ginecomastia fonte: Jameson Jl, Weetman AP(19) Exames complementares Tal como no hipotireoidismo, a confirmação diagnósti- ca também se faz pelas dosagens de TSH e HT (usualmen- te T 4 L), que na forma declarada da doença encontram-se, respectivamente diminuída (normalmente < 0,1 mIU/L) e elevada. Já no hipertireoidismo subclínico, a concentra- ção sérica de TSH encontra-se suprimida (abaixo de 0,3 mIU/L) e os valores de HT estão dentro da faixa de nor- malidade. Uma causa rara de tireotoxicose é o hipertireoidismo induzido por TSH devido a um adenoma produtor de TSH ou resistência aos hormônios tireoidianos; nestes casos, o pacienteapresenta concentração de TSH normal ou eleva- da, apesar das altas concentrações de HT (22). A dosagem dos anticorpos antirreceptores do TSH (TRAb) representa um recurso auxiliar para o diagnóstico diferencial das causas de hipertireoidismo (estão presentes em mais de 90% dos pacientes com doença de Graves), mas a sua utilidade diagnóstica é limitada, pois, a análise dos sinais e sintomas, aliada à constatação da hiperfunção da glândula pelo TSH/T 4 L, torna a determinação dos anticorpos TRAb desnecessária na maioria dos casos. Há, no entanto, algumas situações nas quais se justificaria a determinação deste an- ticorpo: 1) em pacientes eutireoideos com oftalmopatia de Graves; 2) para avaliar o risco de hipertireoidismo neonatal AMRIGS#4_miolo.indd 385 13/12/2011 11:38:01 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 55 (4): 380-388, out.-dez. 2011386 PRIncIPAIS dIStÚRBIoS tIReoIdIAnoS e SuAS ABoRdAGenS nA Atenção PRIMáRIA à SAÚde Silva et al. em mães com doença de Graves; 3) para analisar a probabi- lidade de recidiva em pacientes com doença de Graves após a suspensão do tratamento clínico (17). O exame de captação de iodo radioativo (I123 ou I131), outrora usado como recurso diagnóstico, perdeu espaço para as técnicas mais modernas de dosagem de TSH ultras- sensíveis e de anticorpos. Não obstante, ainda é solicitado quando a história clínica, o exame físico e as dosagens hor- monais não conseguem definir a etiologia da tireotoxicose, tais como: destruição de folículos tireoidianos por neopla- sias, tireoidites autoimunes, radiação ou tireotoxicose factí- cia (nestes casos, a captação de iodo radioativo encontra-se suprimida), e como recurso auxiliar no cálculo da dose de I131 a ser empregado na radioiodoterapia. Nos indivíduos com suspeita de doença nodular e que apresentam tireotoxicose, a cintilografia da tireoide está formalmente indicada, visando o diagnóstico diferencial entre bócio multinodular (neste caso, a concentração de ra- dioisótopo se distribui de maneira heterogênea) e adenoma tóxico (revela um nódulo único hiperfuncionante, com o restante da glândula hipofuncionante). tratamento O tipo de tratamento vai depender de vários fatores, tais como: a causa e a gravidade da doença, a idade do paciente, o tamanho do bócio, preferências regionais, custo, doenças associadas e a preferência do paciente. Além desses fatores, cabe ao médico generalista considerar o encaminhamento desses pacientes para profissionais ou serviços com maior experiência no tratamento de doenças da tireoide (tal fato vai depender da segurança em lidar com pacientes com hi- pertireoidismo, da estrutura e organização do sistema de saúde local, etc.). Como terapia adjuvante ao controle dos sintomas adre- nérgicos (palpitações, tremores, nervosismo), são usados fármacos betabloqueadores (propranolol, atenolol) em doses progressivamente maiores até a melhora dos sinto- mas (p. ex., 80 a 120 mg de propranolol/dia). No caso das tireoidites, muitas vezes são os únicos medicamentos uti- lizados para o controle da curta fase de hipertireoidismo característica desse grupo de doenças. Quando a escolha for o uso de drogas antitireoidianas, tem-se à disposição no Brasil as seguintes: propiltiouracil e metimazol. Estas tionamidas agem basicamente bloque- ando a oxidação e organificação do iodo na tireoide, su- primindo assim a síntese do hormônio pela glândula. O propiltiouracil prescrito em altas doses também possui uma ação periférica, bloqueando a conversão da tiroxina em triiodotironina (efeito desejável nos casos de hiperti- reoidismo grave). Apesar de ambas serem efetivas, a re- comendação atual é que se dê preferência ao metimazol, devido à sua comodidade posológica (uma tomada ao dia), menor custo e menor incidência de efeitos colaterais (raros, em doses menores que 20 mg/dia). A dose inicial é de 15 a 30 mg/dia, devendo ser reajustada de acordo com as dosa- gens de TSH/T 4 L (em geral, atinge-se controle satisfatório com 6 a 12 semanas de tratamento). Importante salientar que o melhor parâmetro laboratorial de controle do hiper- tireoidismo são os níveis de T 4 L e T 3 L, visto que as do- sagens de TSH podem permanecer suprimidas por vários meses, mesmo quando os pacientes tornam-se eutireoideos (14). Após 12 a 18 meses de tratamento clínico, a droga antitireoidiana deve ser suspensa e os títulos de TSH/T 4 L acompanhados a intervalos regulares. A remissão do hiper- tireoidismo é conseguida em até 50% dos pacientes com doença de Graves, havendo maiores chances de retorno dos sintomas após a suspensão do tratamento em pessoas com bócios volumosos, longo tempo de doença e níveis muito elevados de T 3 (17). Caso haja recidiva da doença, o melhor a fazer é encaminhar o paciente para tratamento definitivo (normalmente a radioiodoterapia). O uso do iodo radioativo (I131) é primeira opção para o tratamento da doença de Graves nos Estados Unidos e em alguns países da Europa. Também opta-se por esse tipo de terapêutica nos casos de bócio multinodulares ou adenoma tóxico. Por causar destruição celular e atrofia da glândula, a maioria dos pacientes torna-se hipotireoideo ao final de 1 ano da radioiodoterapia (fato este que precisa ser infor- mado ao paciente). É uma terapia de baixo custo, eficaz, de fácil administração e segura, não havendo evidências de que esteja associada a maiores índices de câncer da tireoide ou outras neoplasias (14). O tratamento cirúrgico é empregado apenas em casos bem selecionados (e.g. bócios muito volumosos, presença de nódulos malignos, falha do tratamento clínico em ges- tantes durante o último trimestre). A técnica mais usada é a tireoidectomia subtotal, devido a menor chance de com- plicações. Quanto ao tratamento dos quadros de tireotoxicose que acompanham as tireoidites, conforme já mencionado, a maioria dos casos não necessita de tratamento específico, apenas o uso de betabloqueadores na fase inicial. No caso da tireoidite subaguda, para o controle da dor, podem ser prescritos analgésicos comuns (paracetamol), anti-inflama- tórios não hormonais ou até mesmo esteroides por via oral (prednisona 20 a 40 mg/dia, com retirada gradual). O tratamento do hipertireoidismo subclínico ainda que controverso, encontra consenso entre os especialis- tas nas seguintes situações: idosos (> 60 anos), mulheres na pós-menopausa, evidência de doença cardíaca (p. ex., fibrilação atrial recente, insuficiência cardíaca, doença ar- terial coronária), indivíduos com osteoporose, e naqueles com TSH inferior a 0,1 mU/L (23). dicas l Para a confirmação diagnóstica de hipertireoidismo é preferível utilizar as dosagens séricas de T 4 L (eventual- mente T 3 L), pois, condições que afetam as concentrações das globulinas ligadoras dos hormônios tireoidianos po- dem afetar as dosagens de T 3 e T 4 totais (Tabela 7); AMRIGS#4_miolo.indd 386 13/12/2011 11:38:01 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 55 (4): 380-388, out.-dez. 2011 387 PRIncIPAIS dIStÚRBIoS tIReoIdIAnoS e SuAS ABoRdAGenS nA Atenção PRIMáRIA à SAÚde Silva et al. dos casos, quando considerados achados acidentais em es- tudos ultrassonográficos (25). História clínica A anamnese e exame físico devem ser realizados de ma- neira a buscar os principais fatores de risco para o câncer de tireoide, quais sejam (26): l anamnese: irradiação de cabeça ou pescoço quando criança, ou irradiação total recebida (p. ex., preparação para transplantes de medula), história familiar de câncer de tireoide (parentes de 1º grau) ou neoplasia endócrina múltipla, queixas de mudanças na voz, tosse e cresci- mento rápido do nódulo; l exame físico: fixação ao tecido subjacente (verificar mo- bilidade à deglutição), adenomegalia regional ipsilateral,paralisia de corda vocal ipsilateral. Exames complementares A dosagem do TSH sanguíneo deve ser realizada em todos os pacientes, visando descartar possível hipertireoi- dismo. Nas situações em que o TSH estiver diminuído ou suprimido com T 3 L e T 4 L aumentados, praticamente está descartado câncer, pois, a maioria dos pacientes com neo- plasia maligna da tireoide é eutireoideo (27). O exame ultrassonográfico também deve fazer parte da análise, pois, além da sua finalidade diagnóstica (sensibilida- de de 97%), pode auxiliar tanto na terapia (p. ex., injeção de etanol), quanto no monitoramento dos nódulos. Apresenta limitação na diferenciação entre nódulos benignos e malignos, contudo, pode fornecer alguns achados que são sugestivos de malignidade como hipoecogenicidade, microcalcificações, margens irregulares e hipervascularização intranodular (26). A PAAF é o exame tido como padrão ouro para se di- ferenciar nódulos benignos de malignos (acurácia ainda maior quando guiada pelo ultrassom). Está indicada em to- dos os nódulos acima de 1 cm de diâmetro, naqueles com características de malignidade ao exame ultrassonográfico (independente do tamanho), ou quando da presença de fa- tores de risco para câncer de tireoide na história clínica. tratamento Para os casos que em que a PAAF indicar malignidade ou suspeita de malignidade, o tratamento primário é a re- moção cirúrgica da glândula (total ou parcial). Nos indiví- duos com bócio multinodular atóxico, deve-se puncionar apenas os nódulos maiores ou iguais a 1 cm, ou menores, caso possuam critérios de malignidade ditados pelo ultras- som. Já aqueles com resultado benigno da citologia obtida pela PAAF, aconselha-se acompanhamento clínico com re- alização de novo exame de ultrassom a cada 12 a 18 meses (intervalos maiores se nódulo permanecer estável). Deve- -se repetir PAAF apenas se houver aumento de 20% ou mais do nódulo. Quando encaminhar Conforme já mencionado, a menos que o generalista seja bastante experimentado no manejo de indivíduos com hipertireoidismo (declarado e subclínico), é aconselhável o encaminhamento desses pacientes a especialistas habi- litados. Seria interessante que, em comum acordo com o endocrinologista, o paciente já saia da consulta com o ge- neralista medicado (betabloqueadores e talvez tionamidas), para se ganhar tempo no controle dos sintomas, evitando- -se também complicações relacionadas à doença. nódulos tireoidianos O principal desafio do médico generalista frente a um pa- ciente com suspeita de nódulo tireoidiano é excluir neoplasia maligna, pois, apesar da maioria dos casos ser benigna, de 5% a 10% deles são carcinomas de tireoide. A melhor forma de determinar o risco de malignidade na doença nodular ti- reoidiana é aliar uma avaliação clínica criteriosa à realização de dosagem de TSH, ultrassom e classificação citológica por meio da punção aspirativa com agulha fina (PAAF). Epidemiologia Nódulos tireoidianos palpáveis constituem um achado clínico comum, apresentando uma prevalência de 4 a 7% nas mulheres e 1% nos homens, podendo chegar a 67% tabEla 7 – circunstâncias associadas a alterações da ligação dos ht à globulina carreadora aumentam diminuem doença hepática hipoproteinemia linfoma Síndrome nefrótica Gravidez desnutrição Grave Infecção pelo hIv enteropatia Perdedora de Proteína Anticoncepcionais hormonais Andrógenos Anfetaminas Salicilatos Amiodarona furosemida Propranolol Altas doses de Glicocorticoides heroína fenitoína fonte: fischbach, f • às vezes, nos estágios iniciais de tireotixicose, o clí- nico pode deparar-se com a seguinte situação: TSH suprimido, T 4 L normal e T 3 L aumentado (quadro co- nhecido como tireotoxicose por T 3 ); • é aconselhável a realização de um hemograma e do- sagens de enzimas hepáticas e bilirrubinas (29) antes do início da medicação antitireoidiana. Entretanto, não há necessidade de submeter o paciente à análise seriada dos granulócitos, mas sim, orientar quanto à necessidade de interrupção do tratamento e procura imediata de assistência médica, caso apresente dores de garganta, febre ou outro sinal de imunossupressão; • durante o primeiro trimestre da gestação e na lacta- ção, a droga de escolha deve ser o propiltiouracil. AMRIGS#4_miolo.indd 387 13/12/2011 11:38:01 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 55 (4): 380-388, out.-dez. 2011388 PRIncIPAIS dIStÚRBIoS tIReoIdIAnoS e SuAS ABoRdAGenS nA Atenção PRIMáRIA à SAÚde Silva et al. Quando encaminhar Indivíduos sem fatores de risco clínico ou ultrassono- gráfico para câncer de tireoide, que apresentam nódulos palpáveis com as mesmas características por anos, ou com nódulos não palpáveis assintomáticos, recém-descobertos por exame de imagem do pescoço, podem ser perfeitamen- te acompanhados pelo generalista. Contudo, seguem algu- mas situações que merecem encaminhamento a especialista habilitado, segundo o grau de prioridade (28): l não urgente: quando avaliação inicial demonstrar TSH diminuído ou suprimido; l urgente (espera permitida de 2 semanas): mudanças na voz ou rouquidão sem causa aparente, nódulo ti- reoidiano em crianças, surgimento de adenopatia cer- vical (região cervical profunda ou supraclavicular), crescimento rápido e assintomático da tireoide em um período de semanas (apresentação rara). rEfErÊncias bibliogrÁficas 1. Stange KC, Zyzanski SJ, Jaen CR, Callahan EJ, Kelly RB, Gillanders WR, et al. Illuminating the black box. A description of 4454 patient visits to 138 family physicians. J Fam Pract. 1998;46(5):377-89. 2. Vanderpump MP, Tunbridge WM, French JM, Appleton D, Bates D, Clark F, et al. The incidence of thyroid disorders in the commu- nity: a twenty-year follow-up of the Whickham Survey. Clin Endo- crinol. 1995;43(1):55-68. 3. 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