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o paciente estiver sob efeito de seda- ção ou anestesia geral, não poderá comunicar o que estiver sentindo. Por outro lado, se imaginar acordado durante uma cirurgia pode ser muito assustador. Se não puder me co- municar, o anestesiologista estará atento ao meu lado e terá meios para perceber o que está se passando comigo? Em primeiro lugar, não se inicia uma cirurgia sem que seja devidamente avaliada a ausência de sensibilida- de, necessária para a realização do procedimento cirúrgi- co. Nas anestesias com bloqueio essa informação é for- necida pelo próprio paciente, através de testes realizados pelo anestesiologista, pois o tipo de sedação utilizada não incapacita o paciente de se comunicar quando isso for necessário. A monitorização permanente dos sinais vitais permite que, mesmo sob sedação ou anestesia geral, se possa acompanhar, e perceber com tempo su- ficiente, qualquer alteração nos níveis da anestesia. Não existe, dessa forma, a possibilidade que termi- ne a anestesia antes de se concluir a cirurgia, sendo que somente ao seu término tornam-se mais brandos os ní- veis de sedação do paciente com bloqueio, quando en- tão se promove o despertar. O ALÍVIO DO ACORDAR É outro momento em que, paradoxalmente, o acor- dar também pode ser vivido com alguns medos. Acordar tem não apenas o significado de despertar de um sono Não existe a possibilidade que termine a anestesia antes de se concluir a cirurgia. ANESTESIA 73 ou de um sonho, mas também, no sentido da metáfora, o de reviver, ressuscitar. O acordar da anestesia pode trazer o alívio do retor- no à vida. Não morremos, enfim. Porém, traz de volta a realidade de que não estamos despertando nem de um sono nem de um sonho. A percepção de algum incômo- do que a situação gerada pelo procedimento cirúrgico- anestésico estabelece torna presente essa realidade. O MEDO DA DOR APÓS A ANESTESIA A maioria dos pacientes refere o medo de sentir dor após o término da anestesia. Concluída a cirurgia, entre os efeitos imediatos do processo cura- tivo se inclui, num primeiro momento, a possibilidade de dor e desconforto. Mesmo havendo o esclarecimen- to de que logo após a cirurgia a perma- nência em uma sala especializada em recuperação pós-operatória, com uma equipe bem trei- nada, tem por objetivo atender esses cuidados, a preocu- pação maior é a de que o anestesiologista não estará mais à sua cabeceira de forma permanente como antes, para poder dar-lhe o alívio desejado. Aparece o temor de não ser bem cuidado, de não entenderem ou não valoriza- rem as queixas de dor e a necessidade de busca de bem- estar. Se a figura do anestesiologista é a última com quem o paciente tem contato antes de adormecer, é também a primeira com a qual se depara ao acordar. E, muitas ve- zes, devido à continuidade do atendimento, a que per- manece por mais algum tempo ao seu lado, visto que a A maioria dos pacientes refere o medo de sentir dor após o término da anestesia. 74 ANESTESIA recuperação da anestesia e a acomodação na Sala de Re- cuperação ultrapassam o tempo dos cuidados cirúrgicos no pós-operatório imediato. É comum, na fase da recuperação da consciência, reaparecerem os temores sobre os efeitos e os resultados dos procedimentos relacionados à cirurgia e à anestesia. E, justamente pela proximidade dessa continuidade, é com o anestesiologista que o paciente vai buscar tran- qüilizar-se. Com freqüência, surge o temor de que o anes- tesiologista possa não estar ao lado do paciente quando este acordar. Dessa forma, as expectativas dos pacientes relacio- nadas aos cuidados que esperam receber do seu aneste- siologista ultrapassam a tarefa de apenas tornar ausente a dor, para possibilitar o ato operatório. E um dos me- dos presentes é o de que o anestesiologista não possa sentir o paciente como um todo e com isso não estar atento para as angústias, que vão um pouco além do trabalho de anestesiar a dor física. O MEDO DE PERDER O OBJETO CUIDADOR Podemos tentar entender um pouco mais a respeito de todos esses medos a partir de outra instância. Confor- me Sigmund Freud, a dor física vem sempre acompanhada de dor mental. Também foi ele quem escreveu sobre o sentimento de desamparo da criança muito pequena quando afastada da mãe. Disse ele que, ao ser separada da mãe e deparando-se com alguém estranho, o sentimento Conforme Sigmund Freud, a dor física vem sempre acompanhada de dor mental. ANESTESIA 75 observado era de ansiedade e de dor. Dor pela separação dessa pessoa conhecida, seu objeto cuidador, e ansiedade como reação ao perigo da perda de quem transmite se- gurança. Em outras palavras, ao nascer, a criança se encontra em situação de extremo desamparo. A partir da percep- ção gradual disso é que acaba adquirindo o reconheci- mento da sua dependência e da necessidade do objeto cuidador. Assim, como reação a uma situação de perigo, por um deslocamento ulterior ao longo da vida, o senti- mento de ansiedade reapareceria. Dessa maneira, uma situação nova a ser enfrentada, que possa ser vivida como de risco, acrescida da impossi- bilidade de resolução pelo próprio indivíduo, certamen- te, de uma forma ou de outra, dará origem à ansiedade. Não apenas isso, mas também propiciará, através dos meandros do inconsciente, uma ligação direta e contí- nua com o sentimento de desamparo infantil, gerando a necessidade de mais uma vez poder contar com alguém para o seu cuidado e proteção. A RELAÇÃO PACIENTE/ANESTESIOLOGISTA Deixamos para acrescentar por último, não por ser de menor importância, que um dos medos relatados com muita freqüência é o de não poder estabelecer uma boa relação com o anestesiologista. E que imaginar essa pos- sibilidade é capaz de gerar pânico e sensação de desam- paro. Se pensarmos no tipo de cuidado que o paciente espera receber, além do alívio da dor física, vamos en- contrar a necessidade de que sejam entendidas as suas 76 ANESTESIA preocupações com a doença ou lesão que está fazendo com que seja submetido à cirurgia, como aparece bem no cartão escrito pelo paciente, ao agradecer ao aneste- siologista a atenção dada ao problema da sua perna. Vamos encontrar a necessidade de ter alguém que escute zelosamente e entenda todos os temores, queixas e dores que possam surgir. Que acompanhe de perto o momento da entrada no sono da anestesia, e esteja pre- sente durante o acordar. E esteja presente até mesmo depois, se isso se fizer necessário, mantendo o alívio da dor e, conseqüentemente, da dor mental associada a ela. Ou seja, que propicie um sono tran- qüilo, de preferência com bons sonhos e nenhuma dor, como aquilo que foi escrito no mesmo cartão. Estamos então frente à necessidade de um outro objeto cuidador, que só faltaria dizer, na hora em que o paciente adormece: “Durma bem e tenha lindos sonhos”, como as mães costumam dizer muitas vezes aos filhos, ao colocá-los para dormir. COMO ENFRENTAR O MEDO Enfrentar o medo da anestesia poderia começar, quem sabe, pela compreensão de que nem toda ansieda- de associada a ele tem cunho apenas realístico, e dessa forma alguma ansiedade ou medo sempre irá existir, em maior ou menor grau. A melhor maneira de aliviar o medo é estabelecer, sempre que possível, um contato prévio com o aneste- siologista, acrescentando-se nesse momento uma outra compreensão: a de que na situação de paciente de um “Durma bem e tenha lindos sonhos.” ANESTESIA 77 procedimento cirúrgico, frente a uma situação nova como a anestesia, se depende intensamente do anestesiologista para o alívio da dor e para a manutenção da vida. Esse contato, denominado de entrevista pré-anes- tésica, permite ao anestesiologista avaliar exames, solici- tar algum outro que possa julgar ne- cessário e também orientar-se pelo his- tórico médico e familiar do paciente.