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Identificação do Ser Humano à Luz da Revelação

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Identificação do Ser 
Humano à Luz da 
Revelação
1. OBJETIVOS 
• Entender e analisar o sentido cristológico dos conceitos 
"nova criatura", "filho" e "irmão".
• Relacionar os conceitos de Antropologia Vétero-testa-
mentária.
• Descrever o ser humano como imagem e semelhança 
com Deus. 
• Caracterizar, teologicamente, a pessoa humana.
2. CONTEÚDOS
• Identificação cristológica do ser humano.
• "Novas" criaturas em Cristo.
• Nossa filiação em Cristo.
• Fraternidade universal em Cristo.
© Antropologia Teológica54
• Antropologia do Antigo Testamento.
• Pessoa humana: imagem e semelhança com Deus.
3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE
Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que 
você leia as orientações a seguir:
1) Para fundamentar nossa identidade e nossa origem em 
Cristo, sugerimos que você leia os seguintes textos: Cl 
1,15-17; 1,18-20; Rm 8,28-30; Cl 3,10-15; Rm 6,3-11; 2 
Co 5,17 e Gl 6,15.
2) Sugerimos, ainda, que você veja as notas da Bíblia de 
Jerusalém, dos textos indicados anteriormente.
3) Pesquise, em dicionários de Teologia ou de Cristologia, 
a diferença entre os conceitos: "cristológico", "cristão", 
"cristocêntrico" e "crístico".
4) Além disso, é interessante abordar a questão levantada 
por Lutero (ano, p.): "o homem simultaneamente justo 
e pecador", a qual será estudada por você na Unidade 6. 
5) Lembre-se de que Jesus foi um homem livre. Ele usou 
a sua liberdade para dedicar-se totalmente a Deus. Foi 
sempre fiel a Deus e por essa razão, não pecou. 
6) Lembre-se, também, de que o mistério da "nova criatu-
ra" em Cristo vem desde antes da criação. Mas, só nos 
foi revelado em Jesus de Nazaré.
7) A Igreja ensina que Deus salva misteriosamente e de um 
modo só conhecido dele também àqueles que fazem o 
bem e seguem reta consciência. 
8) Lembre-se de que o homo sapiens tem, aproximadamen-
te, 150.000 anos. A língua portuguesa não traduz todo o 
significado da palavra "novo", "original". O "novo" é o 
original, o primeiro, o autêntico. Aqui, não é a questão 
de tempo (chronos), mas de perfeição (kairós). 
9) Não se esqueça de que nosso tema é a identificação do 
ser humano à luz da revelação (cristã). Somos criados 
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em Cristo, por Cristo e para Cristo. Nele, somos "novas 
criaturas". 
10) Para o entendimento de outros conceitos que serão 
apresentados nesta unidade, aconselhamos que você 
leia os seguintes textos bíblicos: Rm 8,15-23; Gl 4,1-7 
e Ef 1,5. Além disso, há estes que versam sobre a vida 
nova: Gl 1,4-5; Ef 5,20 e 2Ts 2,15-16.
11) Sugerimos, ainda, que você veja as genealogias de Jesus 
em Mt 1,1-17 e Lc 3,23-28.
12) Para obter maior familiaridade com o tema estudado, há 
uma leitura interessante, contida em: WÉNIN, André. O 
homem bíblico. Leituras do Primeiro Testamento. Cida-
de: Loyola, 2006. 
13) Nesta unidade, mencionaremos que Jesus é a imagem 
visível do Deus invisível, que ele é o modelo original, 
"novo", e que só apareceu na encarnação do Verbo. Nes-
se sentido, recomendamos que você retorne ao tema do 
ser humano como imagem e semelhança.
14) Para maior compreensão, propomos a leitura de: RIBEI-
RO, H. Quem somos? Donde viemos? Para onde vamos? 
Antropologia Teológica. Petrópolis: Vozes, 2007.
15) O Vaticano II faz uma belíssima reflexão teológica sobre 
o ser humano como imagem de Deus. Fundamentado 
nessa reflexão, elabore uma síntese do nº 12 da Gau-
dium et Spes e, depois, compare-a com os nº 17, 34 e 68 
e, ainda, com o nº 5 de Nostra aetate (NA). 
16) É importante você pesquisar, em dicionários de Religião, 
de Teologia e de Filosofia – sem esquecer os temas es-
tudados em Introdução à Antropologia Filosófica – o 
conceito ou a descrição de "pessoa" ("homem", "ser hu-
mano") no budismo, no islamismo e nas filosofias grega, 
moderna e contemporânea. 
17) Você pode elaborar uma síntese sobre o tema, estudan-
do a expressão "pessoa humana" nos documentos do 
Vaticano II. Para isso, consulte o índice analítico. Como 
são muitas as descrições existentes, você deve ter bem 
presente o que afirmam a GS 3,10,12-22,26-27 e a DH 1. 
© Antropologia Teológica56
18) Finalmente, seria interessante, ao começar esta uni-
dade, que você comparasse nossas afirmações com os 
enunciados do teólogo Philip Hefner citado no final da 
Unidade 1. 
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na primeira unidade, você aprendeu que a Antropologia Teo-
lógica se relaciona com várias outras ciências, inclusive teológicas, 
como, por exemplo, com a Teologia da Criação (também conheci-
da como Protologia), com a Escatologia (Teologia da consumação 
do mundo e do ser humano) e com a Cristologia (sobretudo ao 
enfocar Cristo como modelo e como salvador do ser humano e de 
toda a humanidade). 
Naquela unidade (a primeira), procuramos identificar os li-
mites do conceito grego de "homem". Para tanto, elaboramos uma 
descrição sobre a pessoa humana, situando o ser humano para 
além do antropocentrismo. Dessa maneira, vamos, nesta unida-
de, discutir o sentido cristológico dos conceitos "nova criatura", 
"filho" e "irmão", relacionando-os com as Antropologias Vétero-
-testamentária e Neotestamentárias. Serão, também, objetos de 
nosso estudo a ideia de "novas criaturas" e a "fraternidade univer-
sal" em Cristo. 
Muitos que escrevem sobre a Antropologia Teológica se sen-
tem devedores da tradição manualística, que aparecia nos trata-
dos De Deo creante e De Deo elevante. A catequese também sofre 
(ainda) essa influência. Então, ao se identificar teologicamente o 
ser humano, temos, entre as primeiras ideias que nos vêm, isto: 
fomos criados por Deus (na origem do universo) à sua imagem e 
semelhança; em Adão e Eva, tornamo-nos pecadores (pecado ori-
ginal), e Deus concede-nos graças para nos tirar do pecado e para 
nos salvar (por isso, a grande graça salvadora é Jesus, homem-
-Deus). 
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Assim, a partir da Bíblia e, mais especificamente, desde o An-
tigo Testamento, a criação teve um enfoque teológico. A Antropo-
logia atual torna-se mais cristológica. O ser humano, sem dúvida, 
é contemplado, decididamente, a partir de Cristo, que o remete ao 
mistério trinitário. 
A criação é abordada teologicamente por que: 
• a origem de tudo está em Deus; 
• a razão da criação é sua glória; 
• tudo converge para Deus. 
Com base nessas informações, iniciemos, pois, o nosso es-
tudo. 
5. IDENTIFICAÇÃO CRISTOLÓGICA DO SER HUMANO
A Antropologia Cristã é bem mais um estudo a partir do ser 
humano que jamais pode estar desvinculado da Trindade e, mais 
precisamente, de Cristo, afinal, tudo foi criado por ele, nele e para 
ele (cf. 1Cor 8,5-6; Cl 1,15-20). A Antropologia Cristã estuda, por 
um lado, o ser humano criado e consumado em Cristo e, por outro 
lado, analisa as questões de autonomia do ser humano dentro da 
história da salvação. O mistério do ser humano explica-se em Cris-
to, em sua totalidade. Isso quer dizer que se leva em conta o Cristo 
pascal, contemplado como salvador preexistente, encarnado na 
humanidade, senhor da história, filho de Deus, sentido profundo e 
último da história e da realização cósmica.
Cada vez mais, ao produzirem Antropologia Teológica, os 
teólogos preferem identificar a pessoa humana com base em Jesus 
Cristo. Foi assim que procederam o Concílio Vaticano II, na Gau-
dium et spes (cf. GS 22), e João Paulo II, na Redemptoris hominis 
(RH 11): "Só Jesus Cristo explica verdadeiramente quem é o ser 
humano e sua altíssima vocação".
São Paulo afirma: Cristo faz nova a sua criatura. 
© Antropologia Teológica58
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São Paulo, o Apóstolo Paulo (Tarso c. 3 – Romac. 66), 
juntamente com o apóstolo Pedro, é considerado uma das 
colunas da Igreja nascente. Suas cartas continuam sendo 
estudadas e comentadas como importantes fontes de en-
sinamento doutrinal (Imagem: disponível em: <http://www.
parceria.nl/images/assets/12532381>. Acesso em: 10 abr. 
2012).
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Ainda mais: São Paulo aproveitou um hino de sua época e fez 
uma adaptação belíssima (cf. Ef 1,3-13). Entre outras afirmações, 
Paulo diz: "Fomos criados em Cristo, por ele e para ele. É o plano 
de Deus, já desde antes criar tudo quanto existe" (Ef 1,3ss). 
Nesse sentido, sugerimos que você releia, neste momento, 
todo o texto de GS 22. Assim, você compreenderá por que só Cris-
to revela quem é realmente o ser humano (independentemente 
de ele ser católico, budista, muçulmano ou espírita). Lembre-se 
de que Deus amou tanto o mundo (a humanidade inteira) que nos 
deu seu filho único. Veja que isso não depende de religião ou de 
crença; é um ato de amor de Deus acima e antes de qualquer outra 
coisa. Deus não faz distinção de pessoa; faz chover sobre bons e 
maus e faz o sol brilhar sobre justos e injustos (cf. Mt 5,45). 
São Paulo ajuda-nos a compreender o significado cristocên-
trico tanto da criação quanto do ser humano. Observe: 
E nós todos que com a face descoberta, refletimos como num es-
pelho a glória do Senhor, somos transfigurados nessa mesma ima-
gem, cada vez mais resplandecente pela ação do Senhor, que é o 
Espírito (2Cor 3,18). 
Em Cristo feito carne e ressuscitado, conhecemos a imagem 
de quem somos e de quem seremos. O filho de Deus, que preside 
a criação, intervém nela para comunicar a nós o reflexo do rosto 
do Pai. Cada ser humano participa do dinamismo da criação, em 
pessoa pelo filho, como imagem do Pai. Tudo isso se revela em ple-
nitude pela ressurreição de Cristo. A nossa criação em Cristo só irá 
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completar-se de modo definitivo quando ressuscitados. Seremos 
configurados a Cristo. Por ele, seremos apresentados ao Pai como 
glória do Pai. A chave da criação, por Cristo e em Cristo, só tem 
seu sentido na participação da glória do Pai. Levamos a imagem 
de Cristo impressa em nós desde antes da criação. Santo Irineu 
dizia que o filho preparou (criou) nossa carne (nossa humanidade) 
de tal modo que pudesse conter sua divindade. Com isso, visava 
levar-nos à sua estatura de filho de Deus. 
A Antropologia Cristã amplia a Antropologia (Teológica) do 
Antigo Testamento e revela todo o significado cristológico de pes-
soa humana. Daí, pode-se afirmar que toda pessoa é crística por 
origem e por destinação. Toda pessoa é feita por ele e, por ele, é 
elevada à glória do Pai. 
Disso, decorre o dever moral de nos assemelharmos a Deus 
e a seu Cristo, como "homens novos", por meio de nossas atitudes 
e pela graça do Espírito. 
6. "NOVAS" CRIATURAS EM CRISTO
Antropologicamente, o amor de Deus pelo ser humano pos-
sui três faces: a criação, a conservação e a consumação. Desde a 
criação, levamos o sinal de Cristo; por ele, somos feitos filhos do 
Pai Eterno e, por ele, haveremos de ver a Deus. Essa relação do 
amor trinitário de Deus tem sentido nitidamente cristocêntrico (cf. 
Lumen gentium – LG 38). O Pai predestinou-nos a sermos imagem 
de seu Filho Primogênito, em quem todos somos irmãos (cf. Rm 
8,29). 
Nele, nós todos nos tornamos, também, cooperadores de 
Deus (ver GS 34), cocriadores com ele. Estabelecemos uma relação 
de irmãos com todos os filhos de Deus.
E por que somos novos?
© Antropologia Teológica60
"Nova" contrapõe-se a "velha criatura", que é o ser humano 
em seu pecado. O velho Adão é o ser humano em pecado. Mas, em 
Cristo, está o verdadeiro ser humano, sem pecado. Nele, está o ser 
original e novo, não o ser envelhecido pelo pecado. Isso faz uma 
diferença muito grande. Evidentemente, quem é cristão (conscien-
te) sabe que viver em Cristo é viver como uma "nova" criatura. 
Isso é um mistério que nos foi revelado, exatamente, em Jesus de 
Nazaré. Então, além de Cristo nos revelar quem somos, ele nos faz, 
também, seres humanos novos. Viver em Cristo é uma dimensão 
moral. Contudo, ser nova criatura é o princípio antropológico.
Atualmente, quando os cristãos – católicos e outros – usam 
a expressão "nova criatura", eles o fazem quase só em sentido mo-
ral (e moralista). Isso é correto, porque quem recebe o batismo 
quando criança – por meio dos pais e dos padrinhos – sabe, pes-
soalmente, que assumiu explicitamente a condição de cristão. E, 
como tal, deve viver essa "nova" condição de vida. 
A(s) Igreja(s) usa(m) essa linguagem ("novo" e "velho" ho-
mem) também em referência aos sacramentos (batismo, penitên-
cia, unção dos enfermos), à moral (e ao moralismo) e à membresia 
religiosa. Ademais, é usada ao se falar de "pecado original". 
Ao professar que todos os homens e mulheres nascem sob o 
signo do pecado original, a Igreja Católica não afirma que todos os 
seres humanos, por natureza, nascem pecadores. Sabe-se que o 
pecado original só é pecado analogicamente. Ninguém é pessoal-
mente responsável por ele. Apenas o é por solidariedade moral. 
Por natureza, nós não somos pecadores. Só o somos por partici-
pação. Sem dúvida, pelo ensino da Igreja, sabe-se que "o pecado 
das origens" "debilita" o ser humano em sua liberdade. Contudo, 
ao menos de Jesus e Maria, a Igreja fala de modo claro que eles 
foram isentos do pecado. Lembre que Jesus só foi perfeito porque 
sempre foi fiel a Deus, em que centrou sua vida, e, em consequên-
cia, não pecou. 
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Na Carta aos Romanos (cf. 5,1ss), Paulo, para realçar a gran-
deza de Cristo, compara-o ao "velho Adão", "o homem em peca-
do". O "homem velho" é o que está sob o jugo do pecado, do qual 
não se pode libertar sem a graça de Cristo. Em outras palavras, o 
pecador perdeu a liberdade de sair por si só de seu pecado, e, en-
tão, só Cristo pode libertá-lo. Assim, fica realçada a função reden-
tora de Cristo. Somente ele e por ele se reconquista a liberdade, 
sempre comprometida pela concupiscência e sempre amparada 
pela graça. 
Deve-se dizer, pois, que apenas Cristo faz "nova" a criatura; 
só ele nos liberta de nossos pecados, porque restitui a nossa dig-
nidade. 
Agora, estamos em condições de aprofundar duas questões, 
as quais são, antropologicamente, pouco estudadas. 
A primeira está muito presente em nosso cotidiano, mas 
quase só sob o prisma da moral. Aqui, é necessário ter presente 
que não vamos considerar os pecados morais nem afirmar a his-
toricidade de Adão, que, com sua esposa Eva, cometeu o pecado 
original. Para Paulo, Adão é: 
• em geral, o símbolo da humanidade (homem natural); 
• às vezes, símbolo da humanidade pecadora; 
• também, o símbolo do ser humano sem Cristo, ou melhor, 
daquele que o nega.
A segunda questão é esta: Cristo foi constituído por Deus 
como o salvador da humanidade já antes da criação. Recorde-se 
de que "salvar"/"salvação" tem dois sentidos: "salvar do pecado" 
(sentido negativo) e "salvar para a vida eterna" (sentido positivo).
A salvação do homem "pecador" fez-se historicamente ne-
cessária, pois, quando o Verbo se encarnou, encontrou o ser hu-
mano ferido pelo pecado e "impotente" diante da liberdade. Cristo 
restituiu-nos, pela graça, a vida nova. Desse modo, ele fez "novas 
criaturas" todos os que viviam sob o domínio do pecado. E ele con-
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tinua salvando do pecado todo homem e toda mulher que abusam 
de sua liberdade e escravizam-se no reino do pecado. 
Jesus mostra a possibilidade, com a graça de Deus, de se evi-
tar o pecado. Mais ainda: ele quer nos salvar para a vida com Deus. 
Aliás, salvar, aqui, quer dizeristo: sob a força do Espírito, ele quer 
nos levar à realização plena. Quer nos colocar diante de Deus, face 
a face com ele. É ele quem, com o auxílio do Espírito Santo, nos 
leva à realização plena. Isso significa que ele nos salva. 
Todo ser humano foi criado para ser salvo. Ele é livre e pode 
pecar – e, de fato, muitas vezes, peca. Não por ser obrigado, mas 
porque faz essa escolha. Então, é Cristo que nos "re-nova" com sua 
graça. À medida que nos voltamos para ele, ele nos "re-nova" (faz 
a nós novos de novo). Restitui-nos nossa "originalidade".
Mesmo tendo o dom da liberdade e sofrendo impactos da 
tentação (como Jesus), ninguém é obrigado a cometer pecado(s) 
nem a ser pecador. Dizem que Santa Terezinha do Menino Jesus 
afirmava que, desde os quatro anos de idade, nunca cometeu um 
pecado. 
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Sem ocupar-nos do aspecto moral da nova criatura, podemos concluir que: 
O ser humano é nova criatura, pois é nascido em Cristo, dele e por ele. Origi-
nalmente, ele é o modelo. Ele é a imagem visível do Deus invisível. Santo Irineu 
ajuda-nos outra vez: o modelo apenas apareceu recentemente. O primeiro Adão 
(o ser histórico, natural) apareceu antes do Adão original. O primeiro Adão é a 
humanidade histórica que o Antigo Testamento conheceu e chamou de "imagem 
de Deus". "Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu próprio 
Filho, nascido de mulher" (da humanidade, em geral, e de Maria, em particular), 
(cf. Gal. 4,4). No homem Jesus, encontramos Deus mesmo. No mistério do Ver-
bo encarnado, viu-se um homem tão humano que era Deus. Aquele que existia 
desde toda a eternidade – o Verbo – se uniu profundamente à humanidade e foi 
um de seus fi lhos. Após a sua morte, Deus ressuscitou-o e revelou que aquele 
seu fi lho amado era (é) o homem original, sua imagem visível, o qual havia sido 
pensado desde toda a eternidade para que, um dia, se manifestasse entre nós 
como um de nós. Era o primeiro e o verdadeiro Adão, mesmo que tenha apa-
recido somente depois, como Cristo. Ele, o primogênito de toda criatura, era o 
"novo" (o original, o modelo), mesmo que só tenha aparecido recentemente, há, 
aproximadamente, 2.000 anos.
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Esse Cristo, que nos revela, em si e por si, quem somos ver-
dadeiramente, é o protótipo do ser humano. Uma vez que somos 
de sua origem e de sua vida, também somos "novas" criaturas (as 
pensadas por Deus desde a origem). O que nos envelhece é a ido-
latria e o pecado; não a idade ou o tempo. A graça é um dom de 
Deus que nos pode manter sempre novos como Cristo, mesmo vi-
vendo na história. 
Antropologicamente (antes que no aspecto moral), somos 
novas criaturas em Cristo, porque somos feitos nele, por ele e para 
ele. Com a graça de Deus, podemos nos manter nessa história de 
salvação como "criaturas novas" ( isto é, então, uma questão mo-
ral) Os cristãos têm consciência desse mistério que só agora nos foi 
revelado e que estava oculto, inclusive, aos próprios anjos.
7. NOSSA FILIAÇÃO EM CRISTO
Vamos aprofundar, neste momento, o tema de nossa filiação 
divina. Nossa identificação vai além da criaturidade nova. Por meio 
de Cristo, tornamo-nos filhos de Deus. Essa categoria – filho de 
Deus – é fundamental e é afirmada no batismo, mas não podemos 
confundir: por causa de Cristo – desde toda a eternidade e pelo 
simples fato de nascermos –, somos filhos de Deus. Jesus é o Fi-
lho Unigênito de Deus. Por meio dele, todo homem e toda mulher 
também o são. O batismo torna consciente, em cada pessoa, sua 
filiação divina. 
A noção de "filho" indica a especial relação nossa com Deus. 
Foi Cristo quem repartiu, desde toda a eternidade (cf. Ez 1,3ss), 
essa filiação adotiva assumida pelo Pai. Desse modo, afirma a GS 
que "somos as únicas criaturas que Deus quis por si mesmas" (GS). 
Alguns teólogos seguem um raciocínio diverso: é porque nos 
comportamos dignamente diante de Deus que vivemos essa filia-
ção divina. Nós afirmamos aqui: a causa da filiação está no tão 
grande amor de Deus por nós. Ele nos fez filhos no filho. Isso é 
© Antropologia Teológica64
antropológico. A outra questão é moral: viver com dignidade o que 
somos. 
Você, Cristo, eu e todos os homens e mulheres somos filhos 
de Deus por meio de Cristo. Aliás, dizer que os homens são filhos 
de Deus (ou dos deuses) é uma atitude também frequente nas 
outras religiões. Os cristãos, porém, dão a essa identificação um 
sentido peculiar. 
Nos evangelhos, Jesus revela um sentido novo da paterni-
dade de Deus e de nossa filiação. Há uma diferença fundamental 
entre ele e nós (cf. Mt 5,45; 25,34; Lc 24,49). Mas, nem por isso, 
deixamos de ser filhos. Isso é dado exatamente por ele, o filho. 
Paulo elabora teologicamente melhor nossa condição de fi-
lhos. O fundamento da filiação não é a criação, mas a adoção. O 
filho eterno, que se encarnou, é o único filho de Deus, mesmo que 
se fale dele como Unigênito ou Primogênito. Nós somos filhos por-
que Deus se torna nosso Pai por meio do seu Filho . Desde toda a 
eternidade, "fomos criados nele [...]" (cf. Cl, 1,16) 
Não é uma questão jurídica. Antes, é uma questão de amor 
divino. E, por isso, novamente, antropológica e pneumatológica. É 
claro que haverá, também, uma dimensão moral na filiação. 
Somos elevados à condição de filhos, porque, pelo seu Filho, 
Deus nos infunde uma vida nova. Guiados pelo Espírito de Jesus, 
chegaremos ao Pai. 
O texto mais importante desse tema, no entanto, está em 
Efésios 1,3-14. O texto sagrado faz uma grande e majestosa síntese 
da filiação divina, fundada na gratuita eleição do Pai, que nos ado-
ta por meio de seu Filho e que nos concede, como dom, o Santo 
Espírito como garantia da herança a ser recebida.
Vejamos, em contrapartida, o que São João afirma sobre a 
filiação divina:
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1) João não acentua tanto o aspecto moral (fazer-ser filho), 
mas, sim, a realidade antropológica (ser filho). A filiação 
é um dom que vem do alto (cf. Jo 3,7). Não somos cha-
mados a sermos filhos. Nós o somos realmente – por 
meio de Cristo –, mesmo que isso ainda não se tenha 
manifestado plenamente (cf. 1Jo 3,1-2). Não nos torna-
mos filhos nem pelo nascimento nem pelo agir (vontade 
da carne ou do homem). É a gratuita bondade de Deus 
que nos elege (cf. Jo 1,13). 
2) Segundo João, somos filhos de Deus Pai, não da Trinda-
de, por sermos irmãos de Jesus (cf. Jo 20,16-17) e nas-
cidos do Espírito (cf. Jo 3,8). Deus é considerado Pai de 
todos os seres humanos sempre e só enquanto o é de 
Jesus Cristo (cf. 1Tes 1,1; 3,11-13; 2Ts 2,1; 2,16; 2Cor 2,1; 
Gl 1,2 etc.). 
3) Ser filho implica, de modo inseparável, ser herdeiro. 
"Fomos feitos sua herança" (Ef 1,13): "Se nós somos fi-
lhos, logo somos também herdeiros, herdeiros de Deus 
e co-herdeiros de Cristo, se é certo que com ele padece-
mos, para que também com ele seremos glorificados" 
(Rm 8,17). Essa herança está ligada à herança/bênção de 
Abraão (cf. Gl 11,7) e culmina na fortificação da herança 
dos santos na luz (cf. Cl 3,24; 1Pd 1,4). 
8. FRATERNIDADE UNIVERSAL EM CRISTO 
Da nossa criaturidade em Cristo, pelo fato de ele nos fazer 
"criaturas novas" e de nos tornar filhos adotivos de seu Pai, surge, 
quase naturalmente, a questão da nossa fraternidade em Cristo e 
com Cristo. Se somos todos criados nele, então, todos os homens 
e mulheres são irmãos uns dos outros. Se todos têm a filiação co-
mum, então, também têm a fraternidade em comum. Todo ho-
mem e toda mulher são irmãos entre si, independentemente do 
tempo, do lugar, da situação socioeconômica, entre outros. 
• Somos filhos de Deus. Nele, está a raiz da fraternidadehu-
mana universal. Ela é um dom do alto, porque Deus se fez 
Pai comum no Verbo eterno. Além disso, ele a concede a 
© Antropologia Teológica66
nós, antropologicamente, como um dom e, eticamente, 
como uma tarefa. Essa fraternidade não está circunscri-
ta à comunidade dos crentes. A filiação divina institui um 
estatuto universal entre todas as pessoas e manifesta-se 
de modo concreto no amor ao próximo (cf. Mt 5,44ss; 2Pd 
1,7). Para os seguidores de Cristo, impõe-se, inclusive, 
como amor aos inimigos.
• Além da paternidade universal, o fundamento da frater-
nidade humana está em Cristo Jesus. É ele quem une e 
unifica todos os homens e mulheres da história. Ao assu-
mir a carne humana, Deus fez-se nosso irmão. O próprio 
Jesus afirma isso inúmeras vezes (cf. Mt 12,50; Mc 3,34; 
Heb 2,11; Lc 8,21; Heb 2,11-17). Toda diferença deve ser 
superada moralmente nas questões raciais, nacionais, se-
xuais etc. porque, dos povos divididos, Jesus Cristo fez um 
só povo: o povo de Deus.
Ao assumir a natureza humana, o Verbo fez-se, em tudo, 
igual a nós. Isso quer dizer que ele se tornou membro da família 
humana. 
A expressão de Gl 4,4 "nascido de mulher" implica afirmá-
-lo como "filho da humanidade"; portanto, o irmão universal. Ade-
mais, Deus constitui-o Primogênito. Ele é o irmão maior, com os 
direitos e os deveres de Primogênito (cf. Ex 13,2; 34,19; Lv 27,26; 
Nm 3,13; Dt 21,17; Ne 10,36). Somos irmãos de Deus, e Deus é 
nosso irmão, porque ele quis pertencer à nossa família, a fim de 
nos fazer participar, também, de sua família: a Trindade. Essa ir-
mandade em Cristo não é consequência de nossos atos, mas um 
dom prévio de Deus que, nem por isso, nos converte em Deus ou 
deuses. A fraternidade, intimamente relacionada à filiação, indica 
a igual dignidade e a solidariedade universal. Ela é um processo, 
pois não somos nem perfeitos nem imperfeitos, mas processual-
mente em construção, em aperfeiçoamento. 
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© U2 - Identifi cação do Ser Humano à Luz da Revelação
A fraternidade universal – fundada em Cristo, nosso irmão, 
e na filiação de Deus – cria, entre os irmãos, a consciência e a res-
ponsabilidade ética de todos por todos. Da experiência judeu-cris-
tã, surge uma indicação especial: os pobres. São milhões e milhões 
os pobres da Terra, irmãos de todos. No Antigo Testamento, Deus 
voltava-se, em primeiro lugar, para os pobres. Além disso, Jesus 
também nos legou esse princípio. Nossa fraternidade exige a op-
ção pelos pobres acima de qualquer discussão (teórica). 
9. ANTROPOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO
Você deve ter percebido que, na identificação dos seres hu-
manos (criados em Cristo, "nova criatura", filhos do Pai de Jesus e 
irmãos universais em Cristo e por ele), a Teologia se baseou, sobre-
tudo, na Bíblia neotestamentária. Em contrapartida, deve ter per-
cebido, também, que o Novo Testamento não tem uma linguagem 
conceitual, filosófica. Ela é, especialmente, descritiva. Finalmente, 
deve ter entendido que a Antropologia Cristã não se esgota nessas 
grandes ideias. 
Linguagem do Antigo Testamento
Você deve estar se perguntando, neste momento, sobre en-
sino bíblico a respeito da alma e do corpo. 
Pois é! O que você quer descobrir deve ser buscado mais na 
Filosofia que na Bíblia – apesar de a Igreja ter, também, frequen-
temente, se deixado influenciar pelo helenismo. São Paulo até fala 
do corpo e da alma do ser humano, porém, não usa os conceitos 
gregos. Ele, inclusive, chega a falar de corpo, de alma e de espírito 
humanos. A tricotomia paulina é uma descrição do ser humano e 
não uma definição. São Paulo faz uma Teologia eminentemente 
cristológica, sotereológica. É a partir daí que decorre sua Antropo-
logia. O mesmo fez a Igreja no Vaticano II (cf. GS 19).
© Antropologia Teológica68
Ao falar do ser humano, na verdade, discorre sobre Cristo. 
Isso quer dizer que ele não faz Antropologia em si. Antes, tem, 
nesse sentido, intenções cristológicas pastorais e, inclusive, mo-
rais. Por isso, predominam as seguintes dicotomias em Paulo: ve-
lha criatura, nova criatura; segundo a carne, segundo o Espírito; 
homem carnal, homem espiritual; desde o pecado, desde a justi-
ficação etc. No mais, como a Bíblia, ele sempre vê o ser humano à 
luz de Deus (à luz de Cristo, no Novo Testamento). É por isso que 
utiliza a linguagem da Antropologia Bíblica. 
Tal linguagem é sempre descritiva e, com frequência, fala de 
um aspecto do ser humano para indicar o todo. Assim, palavras 
como "rim", "coração", "corpo", "alma", "espírito", "mão", "san-
gue", "ossos", "vísceras" etc. sempre têm o sentido de indicar o 
todo pela parte. Por exemplo, no Antigo Testamento, quando Deus 
manda "cingir os rins" para a batalha, está querendo dizer: "prepa-
ra-te, ó homem, para a luta entre Deus e os ídolos".
Em contrapartida, a linguagem antropológica do Antigo Tes-
tamento não tem o mesmo sentido semântico atual. Ela é, muitas 
vezes, polissêmica e tem vários significados para expressar as rea-
lidades humanas. É sinonímica e utiliza diversos termos para ex-
pressar a mesma realidade. É, ainda, simbólica, pois, muitas vezes, 
um simples órgão representa o homem inteiro. É, finalmente, re-
presentativa; os termos não têm a rigorosa função que, hoje, nós 
lhe atribuímos, mas expressam diferentes atividades humanas. 
Por fim, deve-se, também, fazer menção às questões de tradução, 
afinal, nem sempre a palavra traduzida tem o significado real da 
língua original. 
Assim, a tricotomia paulina (diferentemente da dicotomia 
grega) é a ocasião de entender a realidade sob um aspecto ou que 
tal palavra servia para ressaltar um aspecto da totalidade. 
 O ser humano é uma totalidade complexa, pluridimensional 
e aberta às relações com Deus (especialmente), com os outros e 
com o mundo. É uma realidade relacional dialógica. Não é uma 
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© U2 - Identifi cação do Ser Humano à Luz da Revelação
constituição ontológica (como os gregos). As categorias corpo,alma 
e espírito ("nephes", "bazar" e "ruah") exprimem relações consti-
tutivas da experiência humana. 
1) O ser humano é um ser vivente ("nephes"). O tema "ne-
phes" indica a vida no seu sentido mais geral, inclusive 
aquela aplicada aos animais. No caso do ser humano, a 
"nephes" é o sentir vital da pessoa na sua individualida-
de, o "eu" como subjetividade e aberto às relações com 
tudo aquilo que o circunda e que o transcende. O termo 
não pode ser entendido de modo unívoco, pois, muitas 
vezes, se justapõe ou se sobrepõe a outros. "Nephes", 
que indica "vida concreta", é a parte do corpo que une a 
cabeça ao tronco (pescoço, a garganta). Por ali, passa a 
respiração, sem a qual o ser humano morre. 
Você pode ver o emprego diferenciado desse termo bíblico 
em: Sl 69,2; Sl 124,4-5; Nm 21,5. Nos seguintes conjuntos, "ne-
phes" pode ser entendido como "respiração": Jr 15,9; Jo 11,20 e Jo 
41,13; nestes, é entendido como "princípio vital", ou seja, a vida 
em si: Ex 4,19a; 1Sm 19,11b; Jo 30,16 e Lm 2,12. Em Pr 10,3; Dt 
12,15,20-21; Sl 35,9; 1Sm 1,10 e Ex 15,9, é visto como "impulso 
vital" e, em Jos 11,11; Nm 6,6 e Lev 19,28, como "indivíduo con-
creto". Finalmente, é entendido como "pronome pessoal" em Gn 
12,13 e 1Pd 20,32. 
Esse termo hebreu "nephes" foi traduzido, em 600 casos, 
para o grego dos LXX, como "psyche" e, a partir de então, ao latim 
e a outras línguas ocidentais, como "alma" ou "anima".
Você pode perceber que não foi nem uma boa tradução nem 
boa interpretação. 
Para a Bíblia, o termo significa que o homem é um ser viven-
te; ele é "nephes" e não tem "nephes". Já para os gregos e latinos, 
a alma é um componente do homem: o homem tem alma.
1) O humano é um ser terrestre, frágil e mortal (corpo). A 
palavra "basar" indicava essa realidade sob os aspectos 
da fragilidade e da caducidade,a finitude estrutural do 
ser humano. Indica, também, em sentido negativo, a 
© Antropologia Teológica70
carne, o egoísmo, o pecado, a oposição a Deus e ao espí-
rito; em sentido positivo, indica o corpo. 
Veja, então, os conjuntos que preparamos para você identi-
ficar o termo "basar": como "corpo físico" – 2Rs 5,10; Ez 37,6; Ex 
28,42; Jó 6,12; Sl 109,24 e Nm 19,7; como "sede dos sentimentos" 
– Jó 14,22; 21,6; Sl 16,9; Sl 84,3 e Sl 63,2; como "pessoa inteira" ou 
sinônimo de "homem" – Jr 17,5 e Gn 6,3; como "debilidade física 
ou moral" – Jó 34; 14-15; Is 40,6-7; Pr 5,11 e Gn 6,12. 
Na versão grega dos LXX, "basar" foi traduzido, de modo in-
distinto, por "sarx" e "kreas", que significam "carne", "corpo bioló-
gico". Esse sentido passou para o latim e, também, para as demais 
línguas ocidentais.
Observe, agora, a dificuldade de entender Jo 1,14: o Verbo 
fez-se "carne". Se você entender isso como "corpo", conforme o 
sentido grego, então, Jesus não teria alma e, portanto, não seria 
verdadeiro homem.
É claro que o significado não pode ser algo externo, biológico 
ou físico, pois Deus se fez humano. O corpo – no sentido bíblico – 
pode ser carnal ou espiritual, instrumento do Espírito ou do egoís-
mo. Pode ser corpo espiritual ou corpo de pecado. Ele é sinônimo 
de "pessoa" na sua concretude. A relação do ser humano com os 
outros e com o mundo faz-se pelo corpo ("basar"). Nesse sentido, 
é o ser humano que demonstra sua solidariedade (ou egoísmo). É 
o ser humano que necessita da salvação de Deus e expressa sua 
condição humana no ecossistema e no cosmo. 
"Basar" é o único termo hebraico para designar o "corpo" do 
homem (aparece cerca de 50 vezes). Também é aplicado ao corpo 
morto, ao cadáver (cf. 2Rs 4,3; Ez 32-5; Sl 79,2). 
1) Como imagem de Deus, o ser humano recebeu o "sopro 
divino", ou seja, a "ruah". A "ruah" qualifica a interio-
ridade ("nephes") e as relações sociais ("basar") do ser 
humano. É o princípio da vida religiosa e moral (cf. Ez 
11,19-20; Zc 12,10). Significando, originalmente, "ar", 
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© U2 - Identifi cação do Ser Humano à Luz da Revelação
"vento", "hálito vital", "força vital", o termo exprime a 
convicção de que a força que mantém vivo o ser huma-
no vem só de Deus. Sem ele, o homem volta a ser pó e 
morre (cf. Jó 34,14-15). O fundamento da vida humana 
com Deus está na "ruah". Por ela, Deus faz as pessoas 
virem à vida (criação) e, se ele a retira, o homem não o 
verá (não se salvará). 
Você pode perceber a plurissemia desse termo ao analisar 
as variações bíblicas seguintes: como "vitalidade" ou "potência vi-
tal" – 1Sm 30,12b; Gn 7,105; Gn 6,3; Jó 34,14-15 e Sl 104,2a; como 
"sede das paixões" ou "aflitos do homem" – Gn 26,35; 1Rs 21,5; Is 
54,6 e Ex 21,22; como "sede de projetos e decisões" – Is 29,24; Ez 
11,5; Ex 35,21; Nm 14,24 e Sl 77,7; e, em sentido escatológico, Ez 
11,19. O termo "ruah" foi traduzido, na versão dos LXX, por "pneu-
ma". Daí, para as demais línguas ocidentais, por "espírito" – pala-
vra que indica um conceito particular. Por não ter correspondente 
em nossa língua, presta-se a confusões.
Além desses três conceitos bíblicos fundamentais que São 
Paulo usou, há, na mentalidade bíblica, inúmeros outros termos 
que aludem à realidade humana. Identificá-los e compreendê-los 
também é importante num estudo aprofundado sobre a Antropo-
logia Bíblica. Vamos, no entanto, apenas citá-los para que, se você 
quiser ampliar seus conhecimentos, tenha uma indicação. 
O primeiro é "leb"/"lebad" (centro da atividade sentimental 
e espiritual; foi traduzido como "kardia" – "coração"). Outros mais 
são: "dam" ("sangues"), "neshamah" ("respiração"), "me’im" ("vís-
ceras"), "janim" ("rosto"), "ro’sh" ("cabeça"). 
Como você pode perceber, a antropologia bíblica é muito 
rica. Mas, sua linguagem não tem a precisão técnica de certas ou-
tras línguas e/ou conceitos, como, por exemplo, o grego ao falar da 
constituição do homem em corpo e alma. Além disso, certamente, 
você já teve a oportunidade de ver o significado desses termos 
("corpo", "alma", "homem") noutros estudos.
© Antropologia Teológica72
Quem é "adão"?
Provavelmente, você fará a si mesmo, ao menos, duas per-
guntas: 
1) A Bíblia não usa o termo "homem"? O que se deve en-
tender então? 
2) Por que, então, na Igreja e no cristianismo, se usa a 
palavra "homem" e, inclusive, as categorias "corpo" e 
"alma"?
 Vamos por passos. Inicialmente, sugerimos que você recorra 
a algum dicionário bíblico-teológico para aprofundar o tema. To-
davia, comecemos, por aqui, uma introdução ao tema. 
Você deve ter percebido que, neste livro-texto, todas as 
vezes, a palavra "adão" esteve escrita em letra maiúscula, com 
exceção do subtítulo deste item. Isso acontece porque nós o te-
mos como um substantivo genérico e coletivo, não como o nome 
próprio de uma pessoa. Na Bíblia, o termo "adão" é usado 562 
vezes. A sua etimologia não é muito segura, porém, aceita-se que 
ou deriva da raiz "adamah" ("terra"), em referência ao elemen-
to material do qual havia sido feito, ou se relaciona com "adam" 
("vermelho", "escuro", "moreno"), aludindo à cor escura da pele 
da gente médio-oriental. Note que, algumas vezes, é usado para 
designar nominalmente um ser humano – o primeiro dos viventes 
(Gn 40,25; 5,1-5; 1Cr 1,1). Spicq (1969) diz que, na Bíblia, "adão" 
significa a "natureza adamítica". Ela vincula os seres humanos en-
tre si, nas suas qualidades, na sua história e no seu destino. Esse 
seria o sentido do II Henoc 30,13: "Eu lhe dei um nome composto 
dos quatro pontos cardeais: Leste, Oeste, Norte e Sul: "A" para 
Anatalé, "D" para Dúsis, "A" para Arhos e "M" para MesemBria" 
(SPICQ, 1969, p. 183). Alguns dizem que "adão" foi feito com um 
punhado de terra tirado dos quatro cantos do mundo. 
Já a palavra "ish" significa "varão", "marido", "ser humano". 
O feminino correspondente é "ishãh" e, portanto, designa a mu-
lher, a fêmea. São usados no plural e no singular 2.160 e 775 vezes, 
respectivamente. Também os israelitas usaram a palavra "enõsh" 
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© U2 - Identifi cação do Ser Humano à Luz da Revelação
(45 vezes), por indicar o homem, para significar "ser débil" ou "ser 
social"; outras vezes, no entanto, tem o sentido de "homens" (to-
dos ou só alguns), de "humanidade", de "ser forte". 
Já afirmamos que a Bíblia não tem a moderna concepção semió-
tica das palavras. Ela as usa como significados, não como defini-
ções ou conceitos. Também não é um livro de Teologia, mas narra 
a história da salvação. Por isso, sua preocupação é com o ser 
humano real e com a humanidade toda no processo salvífico. Ela 
se ocupa do ser humano a partir da história que Deus faz com ele. 
Bem pelo contrário. O único interlocutor de Deus é o ser humano, 
e a Bíblia só o descreve situado na história, marcado pelo seu 
passado e projetado para o futuro, com base em uma concepção 
teológica. 
A vida dramática do homem sobre a Terra é contada e re-
contada muitas vezes na Bíblia. Ela adquire um caráter mítico, um 
caráter simbólico e/ou exemplar, o qual permite narrar fatos com 
significado universal – sobretudo os 11 primeiros capítulos do Gê-
nesis. O ser humano, em síntese, é um ser vivente – por obra de 
Deus –, capaz de relacionar-se com Deus, de receber uma missão 
na administração da criação toda e de ser marcado, mesmo com 
a diferença entre o homem e a mulher, por uma igualdade funda-
mental. Além da missão sobre a Terra e da parceria com Deus, ele 
tem um destino divino. 
Muitas vezes, o ser humano é um homem frágil e ambíguo. 
Torna-se idólatra, abandonando o único Deus, verdadeiro e fiel na 
aliança comum. Mesmo assim, ele é um ser de cuidados divinos. 
Deus tem por ele particular solicitude. Apesar das aparências em 
contrário e da insatisfação diante dasrespostas tradicionais, ele se 
convence de que Deus lhe prepara um destino ultraterreno feliz. 
10. PESSOA HUMANA: IMAGEM E SEMELHANÇA 
COM DEUS
Lembre-se de que, nesta unidade, você deve fazer a iden-
tificação do ser humano à luz da revelação. Então, é importante 
© Antropologia Teológica74
retornar a um tema (quase o único, talvez) que você trouxe da ca-
tequese: o ser humano foi criado por Deus à sua imagem e seme-
lhança. 
Essa afirmação é encontrada em Gêneses (cf. 1,26-27) e 
tornou-se clássica em nossas igrejas: o ser humano é imagem e 
semelhança com Deus.
De modo geral, a Bíblia usa "quase" como sinônimas essas 
duas palavras ("selem" e "demut", em hebraico). Na patrística, vá-
rios Santos Padres – entre eles, Santo Irineu – deram a elas um 
sentido diferente, a saber: feito à imagem de Deus, o ser humano 
vai tornando-se, pela ação do Espírito Santo, semelhante a ele, até 
podê-lo ver face a face. 
Imagem e semelhança com Deus
Compreender o ser humano como imagem de Deus é uma 
tradição bíblico-histórica. Enunciaremos, aqui, esquematicamen-
te, algumas ideias que, depois, você pode aprofundar num bom 
comentário de Bíblia.
"Selem" aparece na Bíblia 17 vezes, e "demut", 25 vezes. Sig-
nificam "estátua de um ser divino", "de um deus ou "representa-
ção de Deus". Como imagem, o ser humano tem sua autonomia, 
mas é representante de Deus. Para alguns Santos Padres, a expres-
são "imagem e semelhança" teria dois sentidos, os quais são rela-
cionados a seguir: 
1) Sentido funcional: é imagem e semelhança porque o 
Senhor confiou ao ser humano uma missão/bênção. A 
pessoa humana será a representante de Deus diante da 
criação toda. É o lugar-tenente de Deus. Assim, o que 
caracteriza o homem é seu agir humano no lugar de 
Deus e como Deus age Sentido relacional: o ser humano 
é imagem porque está relacionado a Deus. Daí derivaria 
a sua dignidade. Só ele pode fazer companhia a Deus. 
Ele responde a Deus e fala com ele; é seu interlocutor; 
o seu "tu". 
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© U2 - Identifi cação do Ser Humano à Luz da Revelação
Alguns se perguntaram, na história da fé, se a imagem que o 
ser humano é está no corpo, na alma ou no espírito. As respostas 
foram as mais diversas. Mas, se você entendeu bem o que expli-
camos no item anterior, deve ter percebido que a discussão, hoje, 
não faz sentido. Como não fez na Bíblia. 
O que importa é afirmar e crer nisto: 
• todos, homens e mulheres, independentemente de qual-
quer situação, são imagens de Deus; 
• por isso, têm confirmado sua dignidade. 
Em contrapartida, também é preciso compreender que: 
1) o ser humano não é Deus, mas a sua imagem; 
2) porque foi criado; não é criador; 
3) ele é interlocutor de Deus; 
4) é naturalmente bom, mas ainda não é perfeito (nem im-
perfeito); deve crescer e aperfeiçoar-se; 
5) a imagem de Deus está em todos e, também, em cada 
um em particular. 
Por ser imagem de Deus, o ser humano não se esgota dentro 
do universo cósmico. Ele é chamado a transcender-se. O pecado 
pode até machucar, mas nunca eliminar a imagem de Deus que 
cada um traz em si. No ser humano ferido, machucado e empo-
brecido, também permanece a imagem de Deus, mesmo que mais 
próxima do Deus crucificado. A imagem de Deus está no todo do 
nosso ser. Ela se manifesta, aí, de modo claro e límpido, nobre e 
santo, ou, ainda, de modo ferido e empobrecido, idolátrico e pe-
cador, em cada um de nós. Homens ou mulheres, ricos ou pobres, 
brancos ou negros, todos somos imagem de Deus. 
Uma vez que somos imagem de Deus, sempre refletimos 
– mesmo estando em pecado – a nossa origem. Em outras pala-
vras, somos abertos (a Deus). Somos feitos para a comunhão inter-
-humana. Somos dotados de liberdade e de responsabilidade e, 
também, somos comprometidos com o meio ambiente e o cosmo 
todo. 
© Antropologia Teológica76
Você poderá perguntar-se como podemos "carregar" em nós 
– seres humanos concretos, corporais – a realidade espiritual que 
é Deus. 
Alguns teólogos afirmam que a plenitude da imagem e se-
melhança com Deus se evidenciará na consumação do mundo. O 
Verbo fez-se humano para nos levar à plenitude, para nos divinizar. 
Divinização, aqui, significa também: "deificação" ou "santificação". 
Com base na Teologia, pode-se falar da realização plena como ser 
humano ou, ainda, da humanização completa em Deus. De qual-
quer forma – além da contribuição humana –, é uma radical ação 
do Espírito de Cristo. E isso é motivo para louvar a Deus. 
Pessoa humana
Todas essas identificações são fundamentalmente reveladas 
e decorrem da Bíblia Sagrada. É oportuno, porém, atentar-se a 
duas questões. Veja-as a seguir: 
1) A Bíblia revela quem é o ser humano (diante de Deus 
e dos outros). Mas de modo algum se tem uma teori-
zação sobre o tema. Nela, não se encontram nem um 
estudo sistemático nem um trato uniforme e localizado. 
A identificação da pessoa humana está nos milhares de 
versículos escritos em tempos, em linguagens e em pers-
pectivas diferentes. 
2) Trata-se de uma questão mais complexa, a qual decorre 
da reflexão cristã. Pode ser percebida como uma cons-
trução ou como uma elaboração da Teologia. Estamos 
falando do conceito de "pessoa". O texto bíblico não sis-
tematiza esse tema. O conceito grego de "homem" não 
é suficiente. . A Igreja elaborou o conceito de "pessoa" e 
isso é uma de suas maiores contribuições para a huma-
nidade. Tal compreensão é fruto de muita observação e 
reflexão, as quais evoluem ao longo dos séculos. 
Para finalizarmos nossos estudos desta unidade, observe o 
esquema a seguir, que poderá ajudá-lo a desenvolver melhor seus 
estudos. Ser pessoa significa:
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© U2 - Identifi cação do Ser Humano à Luz da Revelação
1) uma relação única, singular e irrepetível (ninguém é 
"clonável");
2) subsistir em si e para si (é um sujeito que se autopossui, 
mas não se fecha sobre si mesmo); 
3) ser aberto ou transcender-se para o mundo, para o ou-
tro e para Deus (é "socium");
4) ser uma relação radicada na liberdade;
5) ter um duplo movimento (de dom e de tarefa) no pro-
cesso de aperfeiçoamento rumo a Deus;
6) ser um mistério paradoxal que não se esgota em si. 
11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu 
desempenho no estudo desta unidade:
1) Apresente justificativas teológicas para a compreensão cristológica do ser 
humano.
2) São Paulo, sobretudo, se refere ao ser humano como "nova criatura". O que 
você entende por esta expressão?
3) Desde a antropologia cristã, sabemos que somos filhos adotivos de Deus e 
que Jesus é o Filho Único de Deus. Esta diferenciação está baseada em que 
pressuposto teológico?
4) As palavras bíblicas "nephes", "basar" e "ruah" são usadas para designar o 
ser humano. Mas, elas ressaltam sempre aspectos particulares do ser huma-
no. Você pode estabelecer estas variações a partir de seu estudo?
5) A partir dos estudos propostos, você entende adão como símbolo do pri-
meiro ser humano criado por Deus. Tal simbolismo exige que adão tenha 
existido histórica e realmente? Por quê?
6) O que se entende ao afirmar que somos imagem e semelhança de Deus?
7) A expressão do at "criatura de Deus" indica a ação criadora de Deus, carrega 
uma dimensão teológica. Já as expressões "ser filho" e "ser irmão" apresen-
tam outra dimensão teológica. Como justificar tal distinção?
© Antropologia Teológica78
12. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você estudou alguns elementos capazes de 
construir, cristologicamente, a identidade cristã do ser humano. 
Nessa identificação, são importantes, teologicamente, as afirma-
ções do ser humano como nova criatura ("nova" quer dizer: "ori-
ginal", "primeira", por se assemelhar a Cristo, o "homem novo"), 
filho de Deus em Cristo (desde oinício, somos adotados por Deus 
por meio de seu Filho Unigênito), irmãos universais em Cristo e de 
Cristo.
Depois, você aprofundou os temas da Antropologia vétero-
-testamentária. Nesse ponto de nossos estudos, deve ter percebi-
do que a Bíblia não é sistemática, mas descritiva e simbólica. Pela 
parte, descreve o todo ou, ao valorizar um aspecto, não divide a 
totalidade do ser humano. 
Além disso, a partir de agora, em decorrência de suas apren-
dizagens, ao deparar-se com a palavra "adão", você não entende 
mais uma pessoa determinada, mas o ser humano, a humanidade 
em geral – que, por sua vez, é imagem de Deus p orque age no lu-
gar de Deus ou é o interlocutor de Deus. 
Finalmente, você encontrou alguns elementos sistemáticos 
para entender esse conceito tão fundamental de pessoa humana, 
o qual supera o conceito grego de "homem".
A essa altura de seu estudo, você já adquiriu muitas ideias 
importantes de Antropologia Teológica Cristã. Todavia, é preciso 
esclarecer algumas questões candentes, sobretudo no mundo 
atual, no qual as ciências parecem ditar (até dogmaticamente) al-
gumas afirmações e a fé não tem espaço. 
A próxima unidade é atualíssima. Aproveite-a para entender 
bem sua reflexão cristã. 
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© U2 - Identifi cação do Ser Humano à Luz da Revelação
13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GARCIA RUBIO, A. Unidade na pluralidade. São Paulo: Paulus, 2004. 
GRELOT, P. Homem quem és? São Paulo: Paulinas, 1982.
KRAUS, H.; KÜRCHLER, M. As origens. Um estudo do gênesis 1-11. São Paulo: Paulinas, 
2007.
RESMOND, R. As grandes descobertas do cristianismo. São Paulo: Loyola, 2005. 
REY, B. Nova criação em Cristo, no pensamento de São Paulo. São Paulo: Academia Cristã, 
2005.
RIBEIRO, H. Quem somos? Donde viemos? Para onde vamos? Antropologia Teológica. 
Petrópolis: Vozes, 2007.
RUIZ DE LA PEÑA, J. L. Teologia da criação. São Paulo: Loyola, 1989.
SUZIN, L. C. A criação em Deus. São Paulo: Paulinas; Valencia (Esp.): Siquem, 2003.

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