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Teologia

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EA
D
Missiologia e Diálogo
6
1. OBJETIVOS
•	 Compreender	as	bases	teológicas	da	dimensão	missioná-
ria.	
•	 Reconhecer	 os	 itinerários	 da	 ação	missionária	 em	 seus	
projetos	históricos	na	América	Latina.
•	 Identificar	 os	 posicionamentos	 das	 várias	 instâncias	 da	
igreja,	especialmente	das	comunidades	eclesiais	da	Amé-
rica-Latina	e	do	Brasil.
•	 Compreender	o	significado	do	diálogo	com	as	culturas	na	
perspectiva	missionária.
2. CONTEÚDOS
•	 A	missão	e	o	encontro	com	a	alteridade.
•	 Panorama	missionário	da	América	Latina.
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso214
•	 Teologia	da	missão.	Trindade	e	reino	de	Deus.
•	 Evangelização,	culturas	e	inculturação.
•	 Documentos	da	igreja	universal	e	latino	americana.
•	 A	missionariedade	da	igreja	latino	americana.
3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE
Antes	de	iniciar	o	estudo	desta	unidade,	leia	as	orientações	
a	seguir:
1)	 É	 importante	 que	 retome	 o	 roteiro	 que	 seguimos	 até	
aqui.	Veja	que	partimos	do	diálogo,	passamos	pelo	fun-
damentalismo,	entramos	pelos	caminhos	do	ecumenis-
mo	cristão	e	do	encontro	com	outras	tradições	religio-
sas,	 examinando	 as	 contribuições	 das	 religiões	 para	 o	
futuro	da	humanidade	e	da	integridade	da	criação.
2)	 Observe	também	os	documentos	citados,	as	referências	
bibliográficas.	 Busque	 textos	 de	 revistas	 missionárias	
para	 ampliar	 o	 repertório	 de	 situações	 que	 desafiem	
suas	pesquisas	e	estudos.
3)	 Também	é	interessante	que	você	entre	em	contato	com	
os	 principais	 documentos	 do	 Concílio	 Vaticano	 II,	 das	
Conferências	do	CELAM,	da	CNBB,	das	Encíclicas	papais	
e	das	Conferências	missionárias	da	América	Latina.
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Ao	nos	debruçarmos	 sobre	a	 temática	do	diálogo,	na	Uni-
dade	1	deste	estudo,	deparamos	com	o	referencial	da	alteridade.	
Todo	o	verdadeiro	diálogo	é	uma	saída	em	direção	ao	outro,	que	
institui	 laços,	alianças,	pactos	e,	ao	mesmo	tempo,	preserva	um	
campo	de	reconhecimento	da	diferença,	da	autonomia	mútua.	O	
outro	não	pode	ser	anulado,	e	há	que	se	garantir	o	respeito	pela	
reserva	de	valores	que	não	puderam	se	manifestar	no	encontro.
215
Claretiano - Centro Universitário
© U6 - Missiologia e Diálogo
Estudamos	 também	 os	 fundamentalismos	 que	 pretendem	
suprimir	o	diálogo,	ancorados	que	estão	em	sua	segurança	inatin-
gível.	O	poder	do	diálogo	é	substituído	pelo	pretenso	poder	sobre	
os	outros	grupos,	sobre	os	povos,	sobre	as	culturas,	tomando	Deus	
Todo-Poderoso	como	cúmplice	de	sua	pretensa	superioridade.
Caminhamos,	nos	nossos	estudos,	pelas	trajetórias	das	igre-
jas	cristãs,	que	passaram	por	desencontros	graves	na	História,	mas	
que	conhecem	uma	primavera	dialogal	no	século	20,	com	influxo	
especial	do	Conselho	Mundial	de	 Igrejas,	em	sua	origem	protes-
tante,	e	do	Concílio	Vaticano	II,	no	mundo	católico,	com	suas	de-
correntes	instituições	ecumênicas.	Muitos	eventos,	conferências	e	
práxis	solidárias	estão	marcando	o	reencontro	de	diversas	comuni-
dades,	historicamente	adversárias,	num	ecumenismo	cristão.
Examinamos	 ainda	 as	 recentes	 mobilizações	 para	 um	 en-
contro	sadio	entre	tradições	religiosas	tão	diferentes	que	habitam	
nosso	planeta.	E,	nesse	ponto,	estudamos	os	referenciais	espiritu-
ais	e	éticos	com	vistas	a	captar	a	riqueza	de	contribuição	para	uma	
humanidade	que,	contando	com	sete	bilhões	de	pessoas,	vive	atu-
almente	situações	alarmantes,	e	essas	mesmas	pessoas	são,	para	
as	religiões,	irmãs,	filhos	e	filhas	de	Deus.
Chegamos,	assim,	ao	estudo	da	missão	das	religiões	nos	ho-
rizontes	amplos	da	preocupação	salvífica,	que	concerne	a	toda	a	
comunidade	de	vida	no	planeta	e	a	todos	os	povos.
Nossa	opção	aqui	 será	a	de	uma	abordagem	da	dimensão	
missionária	a	partir	de	uma	perspectiva	cristã.	
Mais	 especificamente,	 nos	 deteremos	 no	 olhar	 teológico	
cristão	para	a	missão	no	âmbito	do	cristianismo	de	matriz	católica,	
com	acento	nos	caminhos	da	Igreja	latino-americana.
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso216
5. MISSÃO: CAMINHO EM DIREÇÃO À MORADA DO 
OUTRO
Missionários	são	os	que	escolhem	os	caminhos	e	não	os	cas-
telos	 defendidos.	 Quem	olha	 as	 fortificações	 pode	 captar	 sinais	
evidentes	de	acumulação,	de	defesa	contra	o	outro,	pois	as	portas	
podem	se	fechar;	os	muros,	se	altear	e	gradear.	Os	caminhos	são	
sempre	sinais	de	abertura,	de	despojamento.	Só	assim	se	abrem	os	
olhos	aos	cegos,	abrem-se	os	ouvidos,	a	boca,	o	coração,	e	já	não	
se	fixa	a	mensagem	nos	sepulcros,	pois	esses	também	se	abrem.	
Os	caminhos	levam	além	das	fronteiras.
Compartilhando sementes
Missão	 começa	 com	 saída	 e,	 assim,	 trata-se	 de	 um	envio.	
Primeiro,	 um	envio	divino,	 depois	 um	envio	 comunitário.	Não	é	
um	projeto	pessoal,	mas	de	uma	comunidade	de	origem	que	vai	
junta	nos	desafios	do	caminho.	No	percurso	está	o	inesperado,	a	
surpresa	dos	encontros	com	o	outro,	as	dinâmicas	transformado-
ras	do	diálogo.
Uma	missionária,	visitando	sua	comunidade	eclesial	de	ori-
gem	em	São	Paulo,	contou,	durante	a	celebração	eucarística	que,	
estando	no	Chade,	na	África,	sua	comunidade	missionária	escutou	
essa	manifestação	de	uma	liderança	tribal:	“Nós,	aqui	nesse	veló-
rio,	se	fosse	há	10	anos,	estaríamos	decidindo	quem	seria	o	nosso	
agente	da	vingança	e	que	tipo	de	desforra	seria	feita	pela	morte	de	
nosso	parente;	descobrimos,	porém,	em	nossa	cultura	uma	sabe-
doria	esquecida	que	é	muito	semelhante	à	que	vocês	compartilha-
ram	conosco;	não	daremos	motivo	para	a	vitória	da	violência	e	da	
morte.	O	perdão	será	ressurreição”.
Aqui	está	o	fermento	na	massa.	Aqui,	o	reino	de	Deus	já	pre-
sente	como	uma	semente	quase	invisível.	São	necessárias	as	len-
tes	do	evangelho	para	não	jogar	fora	as	possibilidades	do	reino	de	
Deus	semeadas	pelo	Espírito	antes	ainda	da	chegada	dos	missio-
nários.	
217
Claretiano - Centro Universitário
© U6 - Missiologia e Diálogo
Confrontando perspectivas
Um	 grupo	 religioso	 reuniu	 seus	 fiéis	 na	 aldeia	 guarani	 de	
uma	grande	cidade,	no	final	da	primeira	década	do	século	21.	Com	
todo	o	fervor,	inocência	e	boa	intenção,	o	missionário	dizia	a	uma	
centena	de	fiéis	e	alguns	indígenas	curiosos	que	acompanhavam	a	
cerimônia:	“Estamos	aqui,	e	aonde	chegamos	o	demônio	não	fica;	
então,	nossa	oração	hoje	é	para	tirar	os	demônios	da	incredulida-
de,	da	ignorância	bíblica,	dos	deuses	falsos;	como	já	conseguimos	
em	outras	aldeias,	um	dia	salvaremos	a	esses	que	desejarão	ser	
batizados	na	nossa	Igreja”.
As	 cestas	 básicas	 e	 a	 doação	de	 alimentos	 em	véspera	de	
vencimento	eram	moedas	de	troca	para	poder	construir	um	gal-
pão	e	realizar	suas	celebrações	na	aldeia.	Não	foram	buscar	hospe-
dagem,	mas	implantar	sua	casa	dentro	da	morada	do	outro.
Os	guaranis	têm	outra	perspectiva	missionária.	A	comunida-
de	Guarani	M'bya	aguarda	cada	criança	como	uma	missionária	de	
Deus,	pois	é	enviada	como	palavra-alma,	recado	divino	à	humani-
dade.	Nhanderu	(nosso	Pai	Último-Primeiro)	tomou	de	dentro	de	
si	o	coração,	a	canção	e	a	palavra	e	fez	o	ser	humano,	enviando-
-o	criança	para	renovar	o	mundo	com	seu	recado.	É	uma	palavra	
nova,	 com	melodia	e	amor,	que	não	 foi	ouvida	até	o	momento.	
Um	recado	novo	a	ser	contemplado	sem	pressa.	Toda	a	existência	
humana	é	uma	resposta	a	esse	envio	divino;	e	toda	a	comunidade,	
uma	casa	que	acolhe	e	responde	às	convocações	desse	recado.
A	comunidade	guarani	não	concebe	o	demônio	em	compe-
tição	com	Deus.	Se	os	missionários	devessem	falar	de	demônios,	
deveria	ser	daqueles	que	impedem	a	memória	dos	povos,	dos	de-
mônios	que	exigem	sacrifícios	dos	fracos	e	anulam	seus	projetos.	
Então,	a	caminho,	os	missionários	poderiam,	com	sua	prática,	ex-
pulsar	os	demônios	que	invertem	a	compreensão	do	mundo.	Ao	
expulsá-los,	desmascara-se	a	perversidade	de	pessoas	e	estruturas	
que	 escondem,	 sob	mantos	 decorados,	 os	 pecados	mortais	 que	
destroema	vida	e	impedem	o	advento	do	reino	de	Deus	entre	to-
dos	os	povos.
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso218
Travessia e fecundidade da missão
A	comunidade	é	lançada	para	os	horizontes	amplos	de	um	
mundo	ainda	não	existente.	É	para	tecer	uma	nova	realidade	que	
se	põe	a	caminho	um	grupo	de	missionários.
No	ano	de	1952	chegaram	ao	Mato	Grosso,	vindas	da	Fran-
ça,	três	mulheres	da	Congregação	de	Charles	de	Foucauld.	Foram	
viver	na	aldeia	Urubu	Branco,	na	qual	havia	50	tapirapés	sobrevi-
ventes	de	ameaças	e	de	massacres.	As	irmãzinhas	de	Jesus,	Geno-
veva,	Clara	e	Denise,	hospedaram-se	numa	casa	como	a	dos	outros	
habitantes	da	aldeia	(Cf.ANDRADE,	2010,	p.121ss)	
Os	 tapirapés	 estavam	 em	 alto	 risco	 de	 sobrevivência.	 Era	
preciso,	 junto	com	esse	grupo	indígena,	tecer	caminhos	de	vida.	
Também	vencer	graves	ameaças	externas	e	 internas.	No	 interior	
de	sua	cultura,	em	sua	experiência	espiritual,	na	trama	da	vida	ta-
pirapé	morava	a	“semente	de	mostarda”	(Mc	4,	31).	
Diante	da	fragilidade,	poderia	ter	brotado	a	vontade	de	subs-
tituir	as	sementes	velhas	e	pequenas	pela	eficiência	imediata	de	
novas	e	 fortes	 sementes	das	 culturas	 greco-romanas	ocidentais.	
Todo	o	aparato	dos	referenciais	 já	conhecidos	pelas	 irmãs	pode-
ria	apagar	o	mistério	do	mundo	tapirapé	e	repetir	ali	as	verdades,	
os	rituais	e	as	normativas	acalentadas	há	milênios	no	continente	
europeu.	Assim	fazendo,	estariam	mais	seguras,	não	correriam	o	
risco	de	perder	suas	vidas.	Implantariam	sua	riqueza	cultural	e	re-
ligiosa	 comum	a	 centenas	de	milhões	de	pessoas,	 incluindo	um	
povo	em	extinção	nos	quadros	da	 instituição	católica	a	que	per-
tenciam	as	irmãs.
A	saída	geográfica	da	Europa	para	o	interior	do	Brasil	poderia	
ser	pensada	como	suficiente	para	a	compreensão	da	ação	missio-
nária.	Mas	houve	outras	convocações	para	a	travessia	dos	limites.	
Era	necessário	sair	do	universo	cultural	hegemônico.	Foi	preciso	
também	tornar-se	“judeu	com	os	judeus,	gentio	com	os	gentios,	
(Cf.	1Cor	9,19-23),	tapirapé	com	os	tapirapé".	
219
Claretiano - Centro Universitário
© U6 - Missiologia e Diálogo
A	gentileza	das	irmãzinhas	as	fez	mais	católicas	e	mais	mis-
sionárias	quanto	mais	tapirapés	se	tornaram.	Entenderam	que,	se	
não	perdessem	sua	segurança,	não	construiriam	o	espaço	vital	e	
espiritual	junto	com	esse	povo.	Hospedar-se	na	morada	dos	outros	
é	diferente	de	construir	castelos	próprios	em	territórios	espirituais	
dos	outros	para	depois	convencê-los	a	deixarem	seus	projetos	e	
adaptarem-se	à	arquitetura	edificada	com	uma	torre	de	vigia.
O	caminho	das	irmãs	foi	o	mesmo	dos	primeiros	missioná-
rios	do	cristianismo	nascente.	Os	doze	(Mt	10)	e	os	setenta	(Lc	10)	
foram	hospedar-se	nas	casas	dos	povos.	Despojados	de	poder,	na	
fragilidade	insegura	da	itinerância,	simples	como	as	pombas	mas	
prudentes	como	as	serpentes,	sem	os	bastões	da	condenação,	fo-
ram	anunciar	o	reino	de	Deus,	arrancar	das	cruzes	os	crucificados,	
tirar	o	peso	das	acusações,	iluminar	e	temperar	a	terra	e	o	mundo	
(Mt	5,13ss).
Evangelizados na cultura do outro
Desde	1960,	Dom	Samuel	Ruiz	foi	bispo	de	Chiapas,	no	Méxi-
co.	A	grande	maioria	dos	cristãos	tem	origem	maia	e,	por	isso,	ele	
aprendeu	duas	 línguas	dessa	 cultura.	Andou	pelas	 comunidades	
marginalizadas	e	viu	o	sofrimento	do	seu	povo	indígena,	que	tinha	
as	costas	marcadas	pelos	chicotes	dos	senhores	de	engenho,	que	
tinha	suas	jovens	defloradas	pelos	donos	das	terras	como	direito	
adquirido	pelo	poder	financeiro,	machista	e	político.	Dom	Samuel	
viu	o	sofrimento	do	seu	povo	e	foi	se	perguntando	sobre	sua	mis-
são	como	bispo	numa	cultura	milenar	e	agredida.
Dom	Samuel	foi	para	o	Concílio	Vaticano	II	e	compartilhou	as	
mesmas	preocupações	com	bispos	do	Brasil,	da	África	e	da	Ásia.	
Acompanhou	a	elaboração	de	documentos	nos	quais	escreveu	so-
bre	a	necessidade	de	criar	"Igrejas	particulares	autóctones,	devi-
damente	organizadas,	enriquecidas	também	de	forças	próprias	e	
de	maturidade	e	dotadas	de	suficiente	hierarquia	própria	unida	ao	
povo	fiel"	(AG,	6).
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso220
Dom	Samuel	voltou	do	Vaticano	II	com	disposição	para	re-
conhecer	o	direito	dos	 indígenas	de	 receberem	a	mensagem	do	
evangelho	 na	 sua	 própria	 língua	 e	 na	 sua	 própria	mentalidade.	
Depois	de	40	anos	de	atuação,	a	diocese	tinha	18	mil	catequistas	
indígenas	e	mais	de	500	diáconos	indígenas.
Quando	deixou	a	diocese	de	Chiapas,	disse	que	ainda	não	ti-
nha	conseguido	realizar	uma	igreja	que	fosse	encarnação	do	evan-
gelho	na	cultura,	como	o	Concílio	Vaticano	II	tinha	definido	(CIMI	
2012).
Como	 muitos	 outros	 bispos	 latino-americanos,	 entre	 eles	
Dom	Pedro	Casaldáliga,	Dom	Hélder	Camara,	Dom	Leônidas	Pro-
año,	Dom	Luciano	Mendes	de	Almeida,	Dom	Oscar	Romero,	Dom	
Paulo	Evaristo	Arns,	Dom	Antônio	Fragoso,	Dom	José	Maria	Pires,	
Dom	 Angelelli,	 Dom	 Erwin	 Kräutler,	 também	Dom	 Samuel	 Ruiz,	
que	morreu	em	janeiro	de	2011,	deixou	o	testemunho	de	que	veio	
para	evangelizar	os	indígenas	e	foi	por	eles	evangelizado.	
6. PANORAMA DA MISSÃO NA AMÉRICA LATINA
Olhando	para	a	imensa	trama	de	comunidades	eclesiais,	de	
organismos	 religiosos,	de	agentes,	de	pastorais,	de	 igrejas	parti-
culares,	de	santuários,	de	figuras	missionárias,	podemos	compor	
uma	percepção	do	 cenário	 religioso	 que	 resultou	de	 séculos	 de	
evangelização	na	América	Latina.	O	continente	 latino-americano	
foi	um	dos	lugares	no	mundo	em	que	o	cristianismo	se	expandiu	
de	forma	ampla	e,	“entre	luzes	e	sombras”,	deixou	sua	marca	em	
“formas	vitais	de	religiosidade	vigente”	(CELAM,	1979,	n.6).	
Voltando	os	olhos	para	as	transformações	missionárias	entre	
os	séculos	20	e	21,	podemos	acenar,	no	nosso	caso,	ao	influxo	da	
Ação	Católica	Brasileira	(ACB)	que,	com	as	mais	variadas	expres-
sões	na	universidade,	no	campo	e	na	cidade,	no	mundo	operário	e	
juvenil,	como	a	Juventude	Agrária	Católica	(JAC),	a	Juventude	Ope-
rária	Católica	(JOC),	Juventude	Estudantil	Católica	(JEC)	e	a	Juven-
221
Claretiano - Centro Universitário
© U6 - Missiologia e Diálogo
tude	Universitária	Católica	(JUC),	criou	o	ambiente	propício	para	a	
consciência	missionária	na	complexidade	da	sociedade.	
A	 Ação	 Católica	 tinha	 surgido	 na	 Bélgica	 em	 1935	 e,	 em	
poucos	anos,	já	estava	no	Brasil,	trazendo	um	método	que	se	con-
sagrou	na	forma	de	refletir	por	toda	a	América	Latina.	Os	passos	
ver-julgar-agir	e	a	 revisão	de	vida	desencadearam	uma	espiritu-
alidade	missionária	que	produzia	especial	mística	de	atuação	na	
sociedade.	 Já	em	1939,	no	 I	Concílio	Brasileiro,	 foi	 lançada	uma	
carta	pastoral	sobre	a	atuação	dos	leigos	na	sociedade	brasileira.	
Ali	estavam	nomes	famosos	como	os	de	Jackson	de	Figueiredo	e	
Alceu	de	Amoroso	Lima.	Uma	perspectiva	missionária,	há	um	tem-
po	laica	e	clerical,	que	acolhe	movimentos	de	renovação	bíblica,	
litúrgica	e	de	ação	pastoral,	vai	se	consolidando	no	Brasil.	
Nesse	ambiente,	nasce	também,	no	Rio	de	Janeiro,	em	1946,	
a	primeira	Universidade	Católica	do	Brasil	(PUC-Rio),	que	reúne	in-
telectuais	cristãos,	cuja	participação	social	e	eclesial	será	de	muita	
importância.
No	ano	de	1952,	com	especial	influxo	de	Dom	Helder	Câma-
ra,	constitui-se	a	Conferência	Nacional	dos	Bispos	do	Brasil	(CNBB).	
Após	60	anos	de	atividades,	é	uma	das	instituições	mais	respeita-
das	na	sociedade	brasileira	e	teve	uma	agenda	ampla	de	ações	em	
muitos	níveis,	 enfrentando	demandas	 internas	e	a	presença	pú-
blica	no	enfrentamento	da	ditadura	militar,	na	construção	de	uma	
sociedade	verdadeiramente	democrática	e	na	 luta	pelos	direitos	
dos	mais	empobrecidos.
A	Conferência	dos	Religiosos	do	Brasil	(CRB)	se	constituiu	em	
1954,	assumindo	também	a	missão	com	mais	intensidade,	articu-
lação	e	capacidade	formativa.
No	ano	de	1955,	no	Rio	de	Janeiro,	constitui-se	o	Conselho	
Episcopal	da	América	Latina	(CELAM)	e	se	realiza	a	primeira	Confe-rência	dos	Bispos.	Embora	houvesse	uma	reserva	contra	as	deno-
minações	cristãs	não	católicas,	o	ambiente	do	evento	teve	avanços	
significativos	no	empenho	na	formação	de	leigos	missionários,	na	
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso222
aproximação	com	povos	indígenas	e	na	superação	de	discrimina-
ções	raciais.	Valoriza-se	os	institutos	missionários	e	a	constituição	
de	outras	instituições	capazes	de	responder	às	exigências	do	tem-
po.	No	ano	seguinte,	em	assembleia	geral	do	CELAM,	em	Bogotá,	
decide-se	 organizar	 as	 Pontifícias	Obras	Missionárias	 (POM)	por	
toda	a	América	Latina.
A	grande	seca	no	Rio	Grande	do	Norte,	em	1962,	desenca-
deou	uma	mobilização	chamada	Coleta	Missão	da	Fraternidade,	
que	 foi	 inspiradora	 das	 Campanhas	 da	 Fraternidade	 realizadas	
anualmente	sobre	coordenação	da	CNBB	desde	1964.	Surge	nes-
se	período	o	Plano	Pastoral	de	Emergência	(1962-1965)	como	pri-
meira	experiência	de	planejamento	amplo	da	ação	missionária	da	
igreja	no	Brasil.
Com	a	intensidade	desses	momentos,	o	avanço	da	reflexão	
teológica,	o	Movimento	por	um	Mundo	Melhor	no	final	da	década	
de	1950	e	o	Movimento	de	Educação	de	Base	(MEB)	a	partir	de	
1960,	a	 igreja	do	Brasil	 reuniu	uma	 riqueza	de	experiências	que	
levou	para	o	Concílio	Vaticano	II.
No	 retorno	do	Vaticano	 II,	 a	CNBB	 faz	o	Plano	de	Pastoral	
de	Conjunto	para	os	anos	entre	1966	e	1970,	estabelecendo	ali	
seis	dimensões	de	toda	a	ação	da	 Igreja	no	Brasil.	 	Nas	décadas	
seguintes,	esses	planos	foram	realizados	em	nível	nacional	e	local,	
incorporando	sempre	a	linha	missionária.	
Logo	após	o	Vaticano	II,	também	o	CELAM,	em	1966,	criou	o	
Departamento	da	Missões	(DEMIS)	que,	em	seu	primeiro	encontro	
no	ano	seguinte,	definiu	alguns	caminhos:
Necessidade	de	uma	pastoral	especificamente	missionária,	segun-
do	a	teologia	conciliar.
O	direito	dos	grupos	humanos,	especialmente	os	indígenas,	de	re-
ceber	a	mensagem	em	suas	línguas.
Liturgia	na	língua	de	cada	povo.
Os	sinais	dos	tempos	exigem	capacitação	dos	agentes	e	adequado	
planejamento.
223
Claretiano - Centro Universitário
© U6 - Missiologia e Diálogo
Criação	de	um	Instituto	de	pesquisa	e	capacitação	missionária.
Preparação	dos	missionários,	coordenação	e	preparação	de	equi-
pes	a	serviço	dos	territórios	de	missão.
Criação	de	uma	equipe	de	pastoral	missionária	junto	ao	DEMIS	e	a	
realização	de	um	Congresso	Missionário	Latino-Americano.	(PANA-
ZZOLO,	2010,	p.	179)
Nesse	ambiente	latino-americano	pós-conciliar,	a	Conferên-
cia	de	Medellín	assume	a	evangelização	dos	povos	com	a	decisão	
de	 cuidar	 do	 surgimento	 de	 igrejas	 locais	 com	o	 rosto	 das	 dife-
rentes	 culturas.	A	 reflexão	 teológica	 introduziu	 temas	 importan-
tes,	como:	a	conscientização,	a	pastoral	de	conjunto,	as	culturas,	a	
libertação,	as	Comunidades	Eclesiais	de	Base	(CEB),	a	religiosidade	
popular,	a	educação,	a	formação	do	clero,	dos	religiosos,	dos	lei-
gos,	da	juventude	etc.
Embora	 a	 Conferência	 de	Medellín	 não	 tenha	 tematizado	
diretamente	a	questão	missionária,	nos	anos	seguintes	muita	coi-
sa	aconteceu.	Houve	quatro	grandes	encontros	 indigenistas	que	
abordaram	a	questão	das	culturas	nativas;	Venezuela	(1969),	Mé-
xico	(1970),	Peru	(1971)	e	Brasil	(1977),	mais	especificamente	Ma-
naus.	Nas	décadas	seguintes,	uma	série	de	encontros	com	povos	
indígenas	ampliaram	essa	reflexão,	escutando	as	vozes	dos	povos	
originários.
Desde	 1972,	 no	 Brasil,	 o	 Conselho	 Indigenista	Missionário	
(CIMI)	 se	 constituiu	 e	 direcionou	 seu	 trabalho	 para	 a	 formação	
de	missionários,	a	defesa	do	direito	territorial	dos	povos	e	a	au-
tonomia	organizativa	das	comunidades	indígenas.	Aqui	há	muitas	
histórias	de	compromisso,	de	superação	colonial	e	de	martírio	na	
defesa	dos	povos.
Em	1977,	 foi	 desencadeado	um	processo	de	mapeamento	
da	realidade	missionária,	construindo	um	Panorama missionário 
da América Latina.	A	CNBB	acolheu	esse	momento,	de	“uma	Igreja	
mais	missionária,	nossa	esperança,	com	prioridades	missionárias	
quanto	aos	destinatários,	à	qualidade	da	evangelização	e	à	missão	
universal”	(CNBB,	1978,	p.	793).
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso224
Esse	processo	de	construção	do	Panorama	Missionário	teve	
influxo	importante	em	Puebla,	na	terceira	Conferência	do	CELAM	
em	1979.
Em	Puebla,	1979,	assume-se	o	Vaticano	II	e	o	evento	de	Me-
dellín,	postulando	uma	aguçada	consciência	missionária	que	per-
tence	a	todo	o	povo	de	Deus	e	que	enfrenta	a	gravidade	das	situa-
ções	das	comunidades	e	dos	povos	(PUEBLA,	12,	in	CELAM,	2005,	
p.	348	e	367).	
No	Brasil,	as	 iniciativas	vão	se	ampliando	até	chegar	à	ela-
boração	 de	 um	 documento	 marcante.	 Na	 Assembleia	 Geral	 da	
CNBB	de	1988	afirma-se	que	chegou	a	“hora	missionária”	acolhida	
no	documento	“Igreja:	comunhão	e	missão”.	Muitos	organismos,	
encontros,	articulações	e	projetos	são	criados	nesse	contexto.	As	
congregações	religiosas	valorizam	as	comunidades	inseridas	em	si-
tuações	missionárias	de	fronteira	e	organizam	grupos	de	reflexão	e	
animação	missionárias.	Os	projetos	igrejas irmãs	e	igrejas solidá-
rias	coloca	dioceses	do	Brasil	em	ações	em	outras	regiões	do	País	
e	em	outras	nações	latino-americanas	e	africanas.
Um	amplo	processo	de	solidariedade	e	de	presença	promo-
tora	de	sentido	para	a	vida,
Favoreceu	a	ajuda	e	a	comunhão	entre	diversas	Igrejas	particulares	
e	proporcionou	a	muitos	sacerdotes	e	seminaristas,	comunidades	
religiosas	 e	 agentes	 de	 pastoral	 leigos,	 experiências	 apostólicas,	
que	os	enriqueceram	grandemente	(CNBB,	1988,	n.125).
Na	 última	 década	 do	 século	 20	 e	 na	 primeira	 década	 no	
novo	milênio	foram	marcantes	os	Congressos	Missionários	Latino-
Americanos	 (COMLAs).	 Eles	 surgem	 ainda	 na	 década	 de	 1970,	
na	esteira	dos	Congressos	nacionais	missionários	do	México	que	
datam	de	1942.	 Em	1977,	o	VII	 Congresso	Nacional	Missionário	
do	México,	 pela	 grande	 presença	 de	 pessoas	 de	 outros	 países,	
foi	transformado	no	I	COMLA.	O	segundo	foi	também	no	México	
(Tlaxcala)	 em	 1983;	 o	 terceiro,	 já	 próximo	 à	 celebração	 de	 500	
anos	de	presença	do	cristianismo	no	continente,	foi	realizado	na	
Colômbia	(Bogotá)	em	1987	e,	com	o	lema	“América,	chegou	tua	
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Claretiano - Centro Universitário
© U6 - Missiologia e Diálogo
hora	 de	 ser	 evangelizadora”,	 propôs	 o	 desafio	 da	 generosidade	
missionária	a	partir	da	pobreza.	Havia	ali	2.600	participantes	que	
vieram	de	25	nações.
O	 IV	 COMLA	 foi	 realizado	 no	 Peru	 (Lima),	 em	 1991,	 com	
uma	preparação	maior,	com	o	influxo	da	Encíclica	de	João	Paulo	II,	
Redemptoris Missio	(1990),	com	estudos	locais	e	encontros	prévios	
de	missionários,	com	a	participação	5.000	pessoas.
Em	1995,	o	V	COMLA	se	realizou	no	Brasil	(Belo	Horizonte)	
com	 o	 tema	 “O	 Evangelho	 nas	 culturas	 –	 caminho	 de	 vida	 e	
esperança”.	Com	uma	mobilização	intensa	de	quatro	anos,	e	sob	
o	influxo	da	IV	Conferência	do	CELAM	em	Santo	Domingo,	1992,	
a	 igreja	do	Brasil	 amadureceu	muito	na	 reflexão	missionária.	Os	
subtemas	do	Congresso	sinalizam	a	amplitude	do	evento:
Evangelização	e	diálogo	na	missão	além	fronteiras;
Evangelização	e	diálogo	junto	às	culturas	indígenas;
Evangelização	e	diálogo	junto	às	culturas	afro-americanas;
Evangelização	e	diálogo	junto	às	culturas	urbanas;
A	Igreja	particular,	sujeito	da	missão;
Ecumenismo,	diálogo	inter-religioso	e	missão;
A	missão,	caminho	de	libertação;
A	dimensão	missionária	na	formação;
Espiritualidade	missionária	(PANAZZOLO,	2010,	p.	197).
Aqui,	 o	 tema	 da	 inculturação,	 que	 abordaremos	 mais	 à	
frente,	esteve	intensamente	presente.	Os	valores	cultivados	pelas	
comunidades	 indígenas	 foram	muito	 valorizados:	 solidariedade,	
reverência	 à	 Mãe	 Terra,	 hospitalidade,	 gratuidade,	 autonomia,	
resistência.	O	reconhecimento	das	tradições	religiosas	ancestrais	
abre	 novo	 olhar	 em	 direçãoà	 responsabilidade	 missionário	
com	 o	 diálogo	 inter-religioso.	 A	 leitura	 do	 evangelho	 feita	 por	
comunidades	 indígenas,	 a	 expressão	 da	 fé	 com	 linguagem,	
símbolos	e	ritos	próprios,	como	também	uma	teologia	índia,	foram	
exigências	assumidas	em	decorrência	da	inculturação.
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso226
Em	1999,	realizou-se	o	VI	COMLA	na	Argentina,	que	enfren-
tou	a	questão	da	globalização	e	seus	desafios	para	a	missão.	Esse	
Congresso	transformou-se	também	no	primeiro	Congresso	Ameri-
cano	Missionário	(CAM	I),	unindo	América	do	Norte,	América	Cen-
tral,	Caribe	e	América	do	Sul.
O	COMLA	VII	e	o	CAM	 II	 foram	realizados	em	conjunto	na	
Guatemala	em	2003,	retomando	e	aprofundando	os	grandes	te-
mas	dessa	 tradição	de	eventos	missionários:	missão	 inculturada	
e	libertadora,	missão	de	pobre	para	pobre,	missão	solidária	com	
toda	a	criação,	missão	e	comunicação,	espiritualidade	da	missão.	
(Cf.	PANAZOLLO,	2010,	p.	208-214).
Em	2008,	foi	realizado	o	COMLA	VIII	e	o	CAM	III	no	Equador	
(Quito)	e	já	se	anunciou	o	próximo,	na	Venezuela	(Maracaibo)	em	
2013.	O	terceiro	Congresso	Nacional	Missionário	do	Brasil,	em	ju-
lho	de	2012,	realizou-se	preparando	o	COMLA	IX	e	CAM	IV	e	colo-
cando	como	preocupações	importantes	o	mundo	secularizado	e	as	
implicações	do	pluralismo	cultural.
Esse	 breve	 panorama	 histórico	 nos	 prepara	 para	 compre-
ender	os	fundamentos	da	ação	missionária,	para	pensar	sobre	a	
teologia	da	missão,	para	esboçar	os	caminhos	da	missiologia	en-
quanto	reflexão	teórica	que	acompanha	a	dimensão	missionária.
7. MISSIOLOGIA – TEOLOGIA DA MISSÃO
A	ação	missionária	 tem	 longa	e	 complexa	 trajetória	desde	
que	os	evangelhos	acolheram	e	documentaram	tal	compreensão	
nas	primeiras	comunidades	diante	do	mandato	de	Jesus:
Ide,	 portanto,	 e	 fazei	 que	 todas	 as	 nações	 se	 tornem	discípulos,	
batizando-as	em	nome	do	Pai,	do	Filho	e	do	Espírito	Santo,	ensi-
nando-as	a	observar	tudo	quanto	vos	ordenei	(Mt	28,19-20).
Recebereis	uma	força,	a	do	Espírito	Santo,	que	descerá	sobre	vós	
e	 sereis	minhas	 testemunhas	em	 Jerusalém,	em	 toda	a	 Judeia	e	
Samaria	e	até	os	confins	da	terra	(At	1,8).
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Ide	por	todo	o	mundo,	proclamai	o	Evangelho	a	toda	criatura	(Mc	
16,15).
Se	ao	longo	dos	séculos	a	formação	teológica	não	teve	um	
enfoque	missionário	do	ponto	de	vista	dos	estudos,	a	prática	mis-
sionária	conta	com	um	vasto	campo	de	vivências	documentadas	
nos	 relatos	 das	 missões,	 especialmente	 nas	 ordens	 religiosas	 e	
congregações	que	expandiram	a	presença	cristã	pelas	regiões	mais	
diversas	do	mundo.	Mas	é	no	século	20	que	avançam	as	pesquisas,	
os	estudos,	a	divulgação,	os	congressos,	os	organismos,	os	docu-
mentos	eclesiais.
O	estudo	da	missão	como	campo	do	saber	teológico	é	muito	
recente.	Trata-se	de	tomar	a	realidade	missionária	em	seu	conjun-
to	com	toda	a	diversidade,	interconexões,	complexidade,	com	seus	
fundamentos	teológico-bíblicos,	com	toda	a	História	do	cristianis-
mo,	com	os	referenciais	dos	conhecimentos	antropológicos	e	com	
muito	conhecimento	da	linguagem	tanto	quanto	da	vida	social.
A	missiologia	é	a	ciência	teológica	que	estuda	a	realidade	missio-
nária	no	seu	conjunto	e	nos	seus	diversos	elementos.	Em	outras	
palavras,	é	a	disciplina	teológica	que	se	ocupa	das	missões	sob	a	luz	
dos	princípios	da	revelação	divina,	da	doutrina	teológica,	conjugan-
do-se	com	os	tratados	mais	importantes:	a	Trindade,	a	Cristologia,	
a	Eclesiologia	[...].	Conta	com	conhecimentos	humanos	e	antropo-
lógicos	e	de	outros	aspectos	relacionados,	pesquisados,	cientifica-
mente	elaborados.	É	decisivo,	para	a	missiologia,	manter	a	parceira	
com	outras	disciplinas	(PANAZZOLO,	2010,	p.	17-18).
No	final	do	século	19,	na	Alemanha,	Gustav	Warneck,	pro-
fessor	de	 tradição	protestante,	 inicia	uma	 reflexão	 sistemática	e	
acadêmica	sobre	a	missão,	criando	uma	cátedra	de	missiologia	na	
Universidade	de	Halle-Wittenberg,	na	qual	trabalhou	entre	1896	
e	1910.	Esses	estudos	fortaleceram	um	movimento	que	foi	unin-
do	as	confissões	evangélicas	ao	redor	de	congressos	locais	e	mun-
diais,	como	foi	o	caso	da	Conferência	de	Edimburgo	em	1910,	mar-
co	inaugural	do	ecumenismo	no	mundo	protestante.	
Esta	conferência,	com	160	organismos	cristãos	e	1.200	par-
ticipantes,	marcou	com	 isso,	 	 	o	modo	de	abordar	a	missão	por	
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso228
parte	da	tradição	cristã,	especialmente	em	face	às	outras	crenças.	
Muitos	teólogos	e	missionários	foram	influenciados	por	esse	acon-
tecimento.	 Deixaram	 de	 compreender	 a	missão	 nos	 passos	 dos	
impérios	e	foram	abandonando	um	eurocentrismo	que	fora	hege-
mônico	durante	séculos.	
A	seção	IV	da	conferência	tratou	das	relações	do	cristianismo	
com	religiões	não-cristãs.	David	Cairns,	presidente	da	seção,	apre-
sentou	a	importância	de	entender	o	Islã	como	algo	grandioso,	com	
uma	missão	 religiosa	 apreciável,	 de	 trazer	 ao	mundo	 um	 ethos	
mais	humano	e	uma	piedade	pura.	Cairns	perguntou	aos	partici-
pantes	da	conferência:	"será	que	nós,	em	nossa	teologia	e	religião	
modernas,	reconhecemos	suficientemente	o	que	o	islã	representa	
[...]”	(CONCILIUM,	2011/1,	p.	52).	
No	campo	católico,	com	a	 influência	de	Warneck	e	do	am-
biente	 de	 mobilização	 missionária	 protestante,	 Josef	 Schmidlin	
cria	a	primeira	cadeira	de	estudos	de	missiologia	na	Universidade	
Católica	de	Münster.	Outra	referência	inaugural	no	âmbito	católico	
é	a	publicação	do	primeiro	volume	da	Bibliotheca missionum	em	
1916,	feita	por	Robert	Streit.	Assim,	a	primeira	metade	do	século	
20	foi	um	tempo	de	repensar	e	reconfigurar	as	práticas	missioná-
rias	e	seus	fundamentos.
Os	50	anos	que	precederam	o	Vaticano	II	foram	de	intensa	
reflexão	missiológica,	movimento	que	influenciou	os	participantes	
do	concílio.	O	acompanhamento	das	atividades	missionárias	e	as	
questões	trazidas	pelas	comunidades	que	estavam	nas	fronteiras	
eclesiais	e	sociais	propiciaram	o	levantamento	de	questões	impor-
tantes	e	estudos	aprimorados.	Houve	muitos	eventos	e	publica-
ções	na	primeira	metade	do	século	20.
As	questões	missiológicas	e	missionárias	encontraram	um	grande	
desenvolvimento	nas	Revistas	Missionárias	e	nos	manuais	de	mis-
siologia.	Organizaram-se	encontros	e	Semanas	dedicados	à	missão	
(em	Lovaina,	na	Espanha,	na	Itália,	na	Alemanha	e	surgiram	Escolas	
Missiológicas,	acentuando	um	ou	outro	aspecto	da	missão	(PANA-
ZZOLO,	2010,	p.	19).
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Nos	 últimos	 100	 anos,	 há	 uma	 gama	 de	 documentos	 que	
acolhem	e	 incentivam	a	 reflexão	missiológica,	entre	os	quais	 al-
gumas	encíclicas.	O	Papa	Leão	XIII,	no	final	do	século	19,	publica	
a	encíclica	Sancta dei civitas.	O	Papa	Bento	XV	traça	diretrizes	e	
convoca	todos	os	cristãos	a	assumirem	a	vocação	missionária	na	
encíclica	Maximum illud,	 de	 1919.	 Essa	 é	 considerada	 a	 encícli-
ca	inaugural	de	um	grande	movimento	missionário	no	século	20.	
Nesse	momento,	aparecem	a	valorização	das	culturas	e	o	respeito	
despido	de	interesses	próprios,	assumindo	toda	a	realidade	a	sal-
var:	"A	Igreja	de	Deus	é	católica,	portanto,	em	nenhum	povo	ela	se	
sente	estrangeira" (PANAZZOLO,	2010,	p.	20).
A	esse	documento	se	seguiram	a	Rerum ecclesiae,	de	Pio	XI,	
a	Saeculo exeunte,	a	Evangelli praecones	e	a	Fidei donum	de	Pio	XII,	
a	Princeps pastorum	de	João	XXIII,	a	Evangelii nuntiandi	de	Paulo	
VI,	a	Slavorum apostoli	e	a	Redemptoris missio	de	João	Paulo	II.
Esse	foi	um	tempo	de	constituição	de	organismos	missioná-
rios,	de	 incentivo	à	pesquisa,	de	maturação	de	uma	 teologia	da	
missão.
A	problemática	contemporânea	da	inculturação	do	evange-
lho	 está	 presente,	 implícita	 ou	 explicitamente,	 nos	 documentos	
eclesiais	desde	a	encíclica	de	Bento	XV	no	início	do	século	20.
As	repercussões,	em	termos	de	estudoe	formação	de	mis-
sionários,	no	Brasil	e	na	América	Latina	são	tardias.	A	CNBB,	em	
documento	de	1988,	propõe	com	vigor	que	a	Missiologia	faça	par-
te	do	currículo	de	estudos	teológicos	e	que	se	amplie	a	consciência	
de	uma	 igreja	missionária	 (CNBB,	1988,	n.	 124).	 Em	documento	
preparatório	 para	 a	 Conferência	 Latino-Americana	de	 Santo	Do-
mingo	(1992),	a	CNBB	sugeriu	a	necessidade	de	que	os	seminários	
incluíssem	cursos	específicos	de	Missiologia	e	Antropologia	Cultu-
ral	(CNBB,	1992,	n.	42a).
A	IV	Conferência	do	Episcopado	Latino-Americano,	em	Santo	
Domingo,	1992,	chama	a	 igreja	do	continente	para	que	“integre	
nos	programas	de	formação	sacerdotal	e	religiosas	cursos	especí-
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso230
ficos	de	missiologia	e	instrua	os	candidatos	ao	sacerdócio	sobre	a	
importância	da	inculturação	do	Evangelho"	(CELAM,	2005,	n.	128).	
Esse	 documento	 de	 Santo	 Domingo,	 apontando	 que	 a	 in-
culturação	visa	à	libertação	integral	e	que	a	teologia	da	missão	é	
exigência	para	toda	a	ação	evangelizadora,	vai	além	do	que	ficou	
definido	no	Concílio	Vaticano	 II,	em	que	a	missiologia	 foi	conce-
bida	basicamente	como	disciplina	teológica	para	Missionários	Ad	
Gentes	(AG	26).
Na	encíclica	Redemptor	missio	(1990),	o	Papa	João	Paulo	II	
explicita	que	o	ensino	teológico	não	pode	nem	deve	prescindir	da	
missão	universal	da	Igreja,	do	ecumenismo,	do	estudo	das	grandes	
religiões	e	da	missiologia	(Cf.	REDEMPTOR MISSIO,	2012,	p.	83).	
A	efetivação	dessa	perspectiva	ainda	está	em	curso.	Há	ain-
da	dificuldades	nesse	campo,	tanto	nos	espaços	universitários	de	
formação	teológica	como	nos	documentos	eclesiais,	em	que	trans-
parecem	tentativas	de	arrefecer	as	exigências	da	inculturação.	Há	
setores	da	igreja	que	procuram	evitar	ao	máximo	a	palavra	incul-
turação.	Há	outros	setores	que	buscam	domesticar	o	paradigma	
da	 inculturação	com	conceitos	pré-conciliares,	 como	 integração,	
adaptação,	 conversão,	 correção dos erros dos outros.	 E	 há	um	
setor	que	assume	as	consequências	do	paradigma	da	inculturação,	
postula	essa	perspectiva,	e:
[...]	fala	da	inculturação	como	disponibilidade	para	a	renúncia	ao	
etnocentrismo	e	colonialismo;	fala	da	disponibilidade	ao	diálogo	e	
do	 reconhecimento	dos	Outros	 como	princípio	de	 identidade	da	
Igreja	(SUESS,	1995,	p.	113).	
A	alguns	temas	aqui	acenados,	em	especial	a	esse	da	incultu-
ração,	voltaremos	na	continuidade	deste	estudo.
8. TRINDADE: EM DIREÇÃO AOS FUNDAMENTOS DA 
TEOLOGIA DA MISSÃO
Há	 que	 iniciar	 esse	 ponto	 reconhecendo	 o	 avanço	 para	 a	
consciência	da	“natureza	missionária”	da	 igreja	(AG	2,	6,	35;	CE-
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LAM,	 2007,	 n.	 347),	 que	 se	 fundamenta	 no	 batismo	 comum	de	
todos	e	se	torna	a	razão	de	ser	dos	cristãos.	Essa	dimensão	mis-
sionária	põe	todas	as	instâncias	em	“estado	de	missão”	(CELAM,	
2007,	n.	213).
Uma	teologia	trinitária	amadureceu	no	contexto	do	Concílio	
Vaticano	II	e	está	explícita	no	documento	Ad gentes	que	trata	jus-
tamente	da	missão	da	igreja	entre	os	povos.
A	Igreja	peregrina	é,	por	sua	natureza,	missionária,	visto	que	tem	a	
sua	origem,	segundo	o	desígnio	de	Deus	Pai,	na	“missão”	do	Filho	
e	do	Espírito	Santo.	Este	desígnio	brota	do	“amor	fontal”,	isto	é,	da	
caridade	de	Deus	Pai,	que,	sendo	o	Princípio	sem	Princípio	de	quem	
é	gerado	o	Filho	e	de	quem	procede	o	Espírito	Santo	pelo	Filho,	
quis	derramar	e	não	cessa	de	derramar	ainda	a	bondade	divina	[...].	
Aprouve,	porém,	a	Deus	chamar	as	pessoas	a	esta	participação	na	
sua	vida,	não	só	de	modo	individual	e	sem	qualquer	solidariedade	
mútua,	mas	constituindo-os	num	Povo	em	que	os	seus	filhos,	que	
estavam	dispersos,	se	congregassem	em	unidade	(AG	2).
O	Filho	de	Deus,	pelo	caminho	de	uma	verdadeira	Encarnação,	veio	
fazer	as	pessoas	participantes	de	sua	natureza	divina	e,	sendo	rico,	
fez-se	por	nós	necessitado	para	que	nos	tornássemos	ricos	da	sua	
pobreza	[...].	De	si	mesmo	disse	Cristo,	a	quem	o	Pai	santificou	e	
enviou	ao	mundo	(Jo	10,36):	“O	Espírito	do	Senhor	está	sobre	mim;	
por	isso	me	ungiu	e	me	enviou	a	anunciar	a	boa	nova	aos	pobres,	a	
sarar	os	contritos	de	coração,	a	proclamar	a	libertação	dos	cativos	e	
a	restituir	a	vista	aos	cegos”	(Lc	4,18).	(AG	3).
Para	isso,	precisamente,	enviou	Cristo	o	Espírito	Santo	da	parte	do	
Pai	[...].	Não	há	dúvida	de	que	o	Espírito	Santo	já	atuava	no	mundo	
antes	de	Cristo	ser	glorificado	[...].	O	Espírito	Santo	é	quem	unifica	
na	comunhão	e	no	ministério,	e	enriquece	com	diversos	dons	[...],	
instilando	nos	corações	dos	fiéis	aquele	mesmo	espírito	de	missão	
que	animava	o	próprio	Cristo	(AG	4)
O	cristianismo	contemporâneo,	na	sua	reflexão	teológica,	vai	
em	busca	das	consequências	desse	enfoque	trinitário	da	missão.
O	mistério	 divino,	 que	 a	 tudo	 suplanta	 e	 que	 permanece	
inatingível	pelos	esforços	humanos,	manifesta-se	amorosamente	
como	comunhão	trinitária.	O	Pai,	o	Filho	e	o	Espírito	Santo	são	sua	
expressão	comunicativa	na	História	humana.	A	reserva	de	mistério	
não	 fecha	possibilidades,	mas	abre	 sempre	novos	horizontes	na	
experiência	humana	e	cristã.
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso232
Na	 busca	 dos	 fundamentos	 da	missão,	 há	 que	 se	 direcio-
nar	para	esta	 fonte	da	amorosidade	 trinitária	que	permeia	 todo	
o	universo,	a	comunidade	de	vida	no	planeta	e	a	humanidade.	A	
perspectiva	missionária	põe	o	cristianismo	diante	da	responsabili-
dade	de	compartilhar	essa	busca	intensa	de	resposta	terna	à	eter-
na	amorosidade	infinita.	Inatingível	e	presente,	o	mistério	divino	
convoca,	chama,	envia.
No	momento	em	que	Deus	se	revela,	manifesta	sua	palavra,	
e	essa	comunicação	do	Pai	se	chama	Filho:	é	o	verbo	eterno	de	
Deus.	O	Espírito	Santo,	eterna	amorosidade,	emerge	na	comunhão	
do	Pai	e	do	Filho.
Tudo	no	Universo	conspira	para	o	dinamismo	criativo	e	amo-
roso,	imagem	da	trindade	que,	no	mútuo	envio	do	Pai,	do	Filho	e	
do	Espírito	Santo,	desborda	para	toda	a	criação	e	para	a	humanida-
de.	O	ser	humano	abre-se	para	acolher	a	dimensão	paterno-filial,	
a	dimensão	da	amorosidade	fraterno-sororal,	a	dimensão	de	pro-
fundidade	espiritual,	como	resposta	ao	chamado	fundamental	que	
ecoa	eternamente	da	fonte	inesgotável	do	mistério	divino.
Na	revelação,	Deus	se	esvazia	para	compartilhar	sua	graça	e	
vida	com	o	ser	humano.	Na	acolhida	do	mistério,	o	ser	humano	se	
esvazia	para	responder	na	integralidade	ao	totalmente	outro.
O	espírito	de	Deus	penetra	toda	a	criação,	e	nele	toda	a	di-
ferenciação	e	toda	a	complexidade	do	universo	ganham	um	princí-
pio	vivificador,	um	sopro	gerador	de	vida,	um	espírito	cuidador	de	
todo	o	existente.
A	presença	do	espírito	penetra	o	Universo	desde	os	primór-
dios	da	criação	e	acompanha	a	História	da	humanidade.	Por	todos	
os	 cantos	 do	mundo,	 o	 espírito	 de	Deus	 foi	 produzindo	 vida	 na	
natureza	e	nas	culturas.
Na	fecundidade	do	espírito,	por	sua	ação,	o	Filho	de	Deus	se	
encarna.	Deixando	sua	distância	eterna,	não	“se	apegando	à	sua	
igualdade	com	Deus”	(Fil	2,6),	o	Filho	faz-se	frágil	(Hb	5,2),	apren-
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© U6 - Missiologia e Diálogo
dente	(Hb	5,8),	e	assume	nossa	humanidade	na	precariedade	da	
periferia	do	mundo,	no	 terno	aconchego	uterino	de	uma	 jovem	
mulher.
Nesse	mergulho	na	condição	humana,	o	Filho	clama	Abba,	
que	 em	aramaico	 significa	 Pai,	 num	 tom	 carinhoso,	 e	 que	pode	
ser	expresso	como	Paizinho.	Assim,	“Abba-Paizinho”,	expressa	sua	
experiência	filial	diante	da	misericórdia	materna	de	Deus	com	to-
dos	os	filhos	e	filhas.	Em	Jesus,	o	Filho	assume	toda	a	humanida-
de,	que	também	clama	pelo	“Abba-Paizinho”	(Cf.	JEREMIAS,	2005,	
p.13-37)	.	
Essa	teologia	missionária	da	trindade	está	presente	em	mui-
tos	documentos	recentes	em	várias	instâncias	eclesiais.
A	exortação	apostólica	sobre	a	missão	dos	leigos	(Christifide-
les laici)de	1998	e	a	carta	apostólica	sobre	a	formação	sacerdotal	
(Pastores dabo vobis)	de	1992	apresentam	a	Igreja	que:	
[...]	estruturada	como	“povo	de	Deus	em	marcha”,	tem	a	sua	ori-
gem	e	seu	modelo	na	dinâmica	e	no	mistério	da	Communio	trini-
tária	e	na	Missio	do	Filho	e	do	Espírito	Santo	a	qual	se	dirige	à	sal-
vação	e	santificação	de	toda	a	humanidade	(SUESS,	1995,	p.	107).
O	mistério,	a	comunhão	e	a	missão,	presentes	nesses	dois	
documentos	 do	magistério	 de	 João	Paulo	 II,	 configuram	 três	 di-
mensões	da	teologia	da	missão:	Mysterium, Communio e Missio.
O	 Concílio	 Vaticano	 II	 expressa,	 em	muitos	 textos,	 a	 pers-
pectiva	trinitária.	O	decreto	Ad gentes	inicia	reconhecendo	a	igre-
ja	como	"enviada	por	Deus	às	nações	 [...]”	 (AG	1)	e	apresenta	a	
trindade	como	fundamento	de	sua	natureza	missionária:	"A	Igreja	
peregrina	 é	por	 sua	natureza	missionária.	 Pois	 ela	 se	origina	da	
missão	do	Filho	e	da	missão	do	Espírito	Santo,	segundo	o	desíg-
nio	de	Deus	Pai"	(AG	2).	O	amor	comunional	da	trindade	está	em	
toda	a	obra	da	criação:	"[...]	chamou-nos	gratuitamente	à	comu-
nhão	de	sua	vida	e	de	sua	glória.	Generosamente	difundiu	a	divina	
bondade	e	não	cessa	de	difundi-la"	(AG	2).	A	comunhão	de	amor	
que	desde	toda	a	eternidade	transita	na	trindade	extravasa	para	a	
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso234
humanidade	de	tal	modo	que	Deus	entra	"na	história	humana	de	
modo	novo	e	definitivo	e	para	isso	enviou	seu	Filho	e	nossa	carne"	
(AG	3)	e	permanece	na	história	humana	pois	"Cristo	enviou	o	Es-
pírito	Santo	da	parte	do	Pai,	a	fim	de	que	interiormente	operasse	
sua	obra	salvadora"	(AG	4).	
Assim	 é	 que	 a	 Igreja,	 vivendo	 essa	 dimensão	 comunional	
como	sacramento	de	salvação,	é	enviada	em	missão	a	todos	os	po-
vos.	A	comunhão,	comunicação	da	vida,	participação	na	vida	divi-
na	e	em	toda	a	criação,	é	origem	da	missão.	A	missão	está	a	serviço	
da	comunhão:	ponto	de	partida,	caminho	e	ponto	de	chegada.
A	trindade	é	a	fonte,	causa,	realização	e	fim	último	de	toda	a	
criatura	que	é	chamada	à	plenitude	da	comunhão.	"Deus	chamou-
-nos	gratuitamente	à	comunhão	de	sua	vida	e	de	sua	glória"	(AG	
2).
Essa	dimensão	de	comunhão	trinitária	transforma	a	Eclesio-
logia	a	partir	do	Concílio	Vaticano	II	e	está	presente	na	Evangelii 
nuntiandi	de	Paulo	VI:	igreja	é	povo	de	Deus	a	caminho,	é	comu-
nidade	servidora	do	reino	de	Deus,	é	sacramento	de	salvação.	As	
instituições	 eclesiais	 não	 são	 as	 definidoras	 da	missão,	mas	 é	 a	
missão,	obra	comunitária	de	todos	os	cristãos,	que	vai	definindo	o	
rosto	da	igreja,	que	se	torna	sinal	do	reino	de	Deus	em	perspectiva	
histórica	e	escatológica.
A	reflexão	feita	pelos	Bispos	da	América	Latina	na	cidade	de	
Aparecida	em	2007	também	assume	a	teologia	trinitária	para	fun-
damentar	a	missão.	Isso	aparece	em	muitas	partes	do	documento	
final	da	conferência.	A	comunhão	de	amor,	missão	da	igreja,	refle-
te	o	amor	de	Deus	Trindade	(CELAM,	2007,	n.	159):	“Os	discípulos	
de	Jesus	são	chamados	a	viver	em	comunhão	com	o	Pai	(Jo	1,3)	e	
com	seu	Filho	morto	e	ressuscitado,	na	comunhão	do	Espírito	San-
to	(1Cor	13,13)”	(CELAM,	2007,	n.	155).	O	discipulado	e	a	missio-
nariedade	são	reconhecidos	pela	presença	do	Espírito	Santo	(CE-
LAM,	2007,	n.	149-153),	em	cuja	força	inspiradora	o	missionário	é	
enviado	para	testemunhar	e	anunciar	o	reino	do	Deus	da	vida.
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9. REINO DE DEUS
Jesus,	na	comunhão	do	Espírito	e	do	Pai-Abbá,	revestiu	sua	
vida	da	missão	de	 revelar	o	 reinado	de	Deus.	A	urgência	de	um	
mundo	transformado	pela	comunhão	divina	tomou	conta	da	pré-
dica	e	da	prática	de	Jesus	de	Nazaré:	"O	tempo	da	espera	expirou.	
O	reino	de	Deus	está	chegando.	Mudem	de	vida.	Crede	nessa	boa	
nova"	(Mc	1,15).	
Para	realizar	seu	projeto,	Deus	escolhe	os	últimos,	começa	
com	os	que	estão	à	margem	e	lhes	reconhece	a	bem-aventurança	
(Mc	6,20).	Os	portadores	das	bênçãos	divinas	são	os	que	sofrem,	
os	que	choram,	os	pobres,	os	mansos,	os	famintos	e	sedentos	de	
justiça,	os	puros	de	coração,	os	compassivos,	os	fazedores	da	paz,	
os	perseguidos	na	luta	pela	justiça,	os	insultados	e	atingidos	pela	
mentira	(Mt	5,3-12).	Do	grão	de	mostarda,	dos	mais	esquecidos,	
da	vida	mais	ameaçada,	surge	o	sonho	de	um	mundo	de	fraternu-
ra	solidária	em	que	as	sementes	brotarão	e	os	frutos	serão	com-
partilhados	na	mesa	do	 reconhecimento	mútuo.	Deus	 reinando,	
inverte-se	o	mundo,	pois	os	pobres,	os	pecadores,	as	prostitutas	
antecedem	aos	puros	e	aos	religiosos.	Os	convidados	não	são	fa-
mosos,	mas	foram	procurados	entre	os	servos,	os	estropiados,	os	
marginalizados	(Mt	18,21-23).	
Foi	assim	que	a	tradição	recente	das	igrejas	na	América	La-
tina	 compreendeu	 como	 urgência	 teológica	 a	 ação	 em	 direção	
ao	reinado	de	Deus	na	história	humana.	Desde	a	Conferência	do	
CELAM	em	Medellín,	em	1968,	os	bispos	da	América	Latina	afir-
maram	que	há	um	clamor	divino	que	brota	da	realidade:	existem	
povos	oprimidos,	 filhos	e	 filhas	de	Deus	crucificados,	que	vivem	
esperança	de	vida	digna.	O	bispos,	reunidos	apenas	três	anos	após	
o	Concílio	Vaticano	II,	assumem	a	denúncia	profética	da	violência	
institucionalizada,	da	pobreza	e	da	miséria	das	grandes	maiorias	
do	continente	como	o	anti-reino,	como	“pecado	estrutural”,	como	
clamor	divino	irrecusável.
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso236
A	América	Latina	se	encontra	numa	situação	de	injustiça	que	pode	
chamar-se	de	violência	institucionalizada,	uma	situação	que	afeta	
contra	a	dignidade	do	ser	humano	e,	portanto,	contra	a	paz	[...].	
Um	clamor	surdo	brota	de	milhões	de	pessoas,	pedindo	a	seus	pas-
tores	uma	 libertação	que	não	 lhes	 chega	de	nenhuma	parte	 [...]	
(MEDELIN	n.2,	In	CELAM,	2005).	
A	sensibilidade	teológica	direciona	a	missão	para	o	encontro	
com	os	pobres	na	 ação	profética	de	 arrancar	da	 cruz	os	 crucifi-
cados	e	impedir	que	permaneçam	as	estruturas	que	condenam	e	
matam	os	filhos	e	filhas	de	Deus.	Na	encíclica	sobre	a	esperança	
cristã,	o	papa	Bento	XVI	afirma	que	a	exigência	da	justiça	requer	
um	mundo	em	que	se	anule	o	sofrimento	presente	e	ao	mesmo	
tempo	as	situações	de	morte	vindas	do	passado	(Cf.Bento	XVI,	n.	
42).	A	ressurreição	dos	mortos	é	núcleo	central	da	mensagem	e	
da	práxis	missionária,	por	 isso	há	que	se	empenhar	em	arrancar	
da	cruz	os	filhos	e	filhas	de	Deus	crucificados.	Essa	sensibilidade	
teológica	se	torna	um	traço	central	da	tradição	latino-americana	
que	se	reafirma	na	Conferência	de	Puebla,	em	1979:
Do	coração	dos	 vários	países	que	 formam	a	América	 Latina	está	
subindo	ao	céu	um	clamor	cada	vez	mais	impressionante.	É	o	gri-
to	de	um	povo	que	sofre	e	clama	justiça,	liberdade	e	respeito	aos	
direitos	fundamentais	das	pessoas	e	dos	povos	[...]	(PUEBLA,	n.	87,	
In	CELAM,	2005).	
E	assim	são	apontados	os	rostos	indígenas	e	afrodescenden-
tes	que	são	marginalizados,	os	rostos	dos	camponeses	sem-terra	
e	explorados,	os	rostos	dos	operários	sem	direitos	e	com	dificul-
dades	de	organização,	os	rostos	dos	moradores	de	favelas	sem	di-
reito	à	moradia	segura,	os	rostos	dos	sem	trabalho	e	submetidos	
a	condições	desumanas,	os	rostos	dos	jovens	sem	lugar	na	socie-
dade,	os	rostos	dos	idosos	marginalizados,	os	rostos	das	crianças	
abandonadas	e	exploradas	(Cf.	PUEBLA,	n.	34,	in	CELAM,	2005).	A	
missão	é	revisitada	a	partir	dessa	perspectiva,	como	exigência	do	
reino	de	Deus	na	história	humana:	
O	 compromisso	 com	os	 pobres	 e	 oprimidos	 e	 o	 surgimento	 das	
Comunidades	 de	Base	 ajudaram	a	 Igreja	 a	 descobrir	 o	 potencial	
evangelizador	dos	pobres,	enquanto	estes	a	interpelam	constante-
mente,	chamando-a	à	conversão	[...].	Nossa	missão	de	levar	Deus	
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até	aos	homens	e	os	homens	até	Deus,	implica	também	em	cons-
truirmos	no	meio	deles	uma	sociedade	mais	fraterna	(PUEBLA,	n.	
1147	e	90,in	CELAM,	2005)
Essa	 tradição	 não	 é	 abandonada	 na	 Conferência	 de	 Santo	
Domingo,	mas,	sim,	“descobrir	nos	rostos	sofredores	dos	pobres	
o	rosto	do	Senhor	é	algo	que	desafia	todos	os	cristãos	a	uma	pro-
funda	conversão	pessoal	e	eclesial”	(SANTO	DOMINGO,	n.	178,	in	
CELAM,	2005).	
Na	Conferência	de	Aparecida,	em	2007,	o	texto	aponta	tam-
bém	uma	série	de	rostos	sofredores	que	ferem	o	coração	dos	mis-
sionários	(CELAM,	2007,	n.	402-430).
Se	essa	opção	está	 implícita	na	 fé	 cristológica,	os	 cristãos,	 como	
discípulos	e	missionários,	são	chamados	a	contemplar,	nos	rostos	
sofredores	de	nossos	 irmãos,	o	rosto	de	Cristo	que	nos	chama	a	
servi-lo	neles	[...].	Eles	desafiam	o	núcleo	do	trabalho	da	Igreja,	da	
pastoral	e	de	nossas	atitudes	cristãs	(CELAM,	2007.	n.	393).
Nasce	daí	uma	exigência	de	renovação	missionária	que	ultra-
passa	as	estruturas	fechadas	e	que	cria	novas	perspectivas	espiri-
tuais,	pastorais	e	institucionais	(CELAM,	2007,	p.	365-367).
Uma	 nova	 abordagem	 missionária	 acolhe	 os	 recados	 dos	
empobrecidos	 presentes	 num	mundo	 tremendamente	 injusto	 e	
desigual.	Compreende-se	a	missão	como	o	envio	de	toda	a	igreja	
em	direção	aos	mais	frágeis	para	com	eles	acompanhar	a	instaura-
ção	e	crescimento	do	reinado	de	Deus.
A	meta	da	Igreja	e	de	sua	missão	é	estar	a	serviço	do	Reino	de	Deus	
(Lumen	Gentium/LG9;	DAp	33,190,223)	como	“Reino	de	‘verdade	e	
vida,	Reino	de	santidade	e	graça,	Reino	de	justiça,	amor	e	paz"	(LG	
36).	A	proclamação	do	Reino,	em	atos	e	palavras,	é	historicamente	
relevante,	muitas	vezes,	através	dos	"sinais	dos	tempos"	(Gaudium	
et	Spes/GS	4,	11;	Presbyterorum	Ordinis	9;	Apostolicam	Actuosi-
tatem	14;	DAp	33,	366)	que,	mediante	novas	realidades	sócio-his-
tóricas,	representam	uma	mensagem	imperativa	às	igrejas	(SUESS,	
2012,	p.	26).	
Toda	essa	situação	captada	pela	tradição	eclesial	latino-ame-
ricana	é	muito	semelhante	àquela	em	que	emergiu	a	profecia	do	
primeiro	testamento	e	o	conceito	de	reinado	de	Deus	na	Palestina	
no	tempo	de	Jesus.
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso238
Como	agora,	 também	o	Reino	de	Deus,	 na	 experiência	de	
Jesus	e	das	comunidades,	é	um	transbordamento	do	amor	divino	
paterno-maternal	que	se	apresenta	nos	menores	gestos	e	que	tem	
o	horizonte	da	eternidade.
A	palavra	Abbá	comparece	170	vezes	na	boca	de	Jesus.	En-
quanto	as	autoridades	religiosas	do	seu	tempo	utilizavam	palavras	
solenes	e	poderosas	para	Deus,	Jesus	utiliza	uma	expressão	cari-
nhosa	como	faz	uma	criança	a	seu	pai,	em	plena	confiança	e	inti-
midade.	
A	expressão	reino	de	Deus	aparece	122	vezes	nos	Evange-
lhos.	Em	meio	às	desarmonias,	às	divisões,	à	violência,	ao	ódio,	às	
injustiças,	do	coração	da	vida	emerge	um	desejo	divino	de	trans-
formação.	Deus,	Pai-Abbá,	não	suporta	o	sofrimento	absurdo	de	
seus	filhos	e	filhas,	e	Jesus	traz	uma	boa	notícia:	o	reinado	de	Deus	
se	aproxima	e	já	está	presente.	A	lei	e	o	império	não	mais	pautarão	
a	existência,	mas	o	Abbá	de	Jesus	comandará	os	caminhos	da	vida	
e	seu	sentido	mais	profundo.
O	reinado	de	Deus	começa	a	se	realizar	nesse	mundo,	mas	
não	 se	deixa	aprisionar	pelos	 arranjos	do	momento.	O	 reino	de	
Deus	 é	 um	projeto	 que	 tem	 a	 eternidade	 como	horizonte.	 Esse	
mundo	não	consegue	segurar	o	impulso	humanizante	e	divinizan-
te:	"Meu	Reino	não	é	deste	mundo"	(Jo	18,36).
O	seguimento	conduz	o	discípulo	missionário	à	configuração	
com	a	prática	e	 a	prédica	de	 Jesus.	 Com	uma	 resposta	 livre,	 na	
graça	o	Espírito	Santo,	o	missionário	assume	o	amor	e	coloca	em	
prática	as	bem-aventuranças	do	reino.	Essa	resposta	é	adesão	ao	
mandato	do	Pai-Abbá	(CELAM,	2007,	n.	139).
O	amor	gratuito	toma	conta	da	comunidade	humana	porque	
se	diviniza	no	amor	de	infinita	confiança	e	intimidade	do	Pai-Abba.	
Quem	se	aproxima	do	 irmão	se	aproxima	de	Deus,	porque	Deus	
é	amor	(1Jo	4,8).	Rompendo	com	todo	o	legalismo,	preconceito	e	
injustiça,	o	reinado	de	Deus	se	mostra	com	desmesura,	na	miseri-
córdia	que	se	derrama	sobre	ingratos	(Lc	6,36),	sobre	os	perdidos	
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(Lc	15,11-32)	e	sobre	os	inimigos:	“Amai	os	inimigos,	fazei	o	bem	
aos	que	vos	odeiam,	falai	bem	dos	que	vos	maldizem	e	orai	por	
quem	vos	calunia”	(Lc	6,27-28).
Esse	 reinado	de	Deus,	 com	 suas	 exigências,	 é	 o	 centro	 da	
missão	de	Jesus	em	todas	as	suas	presenças.	As	primeiras	comu-
nidades	deixaram	suas	memórias	nos	Evangelhos,	e	o	testemunho	
é	o	de	acompanhar	o	 caminho	de	 Jesus,	 suas	 companhias,	 seus	
enfrentamentos,	sua	palavra	de	sabedoria,	sua	ação	solidária.
Na	oração	de	Jesus,	o	desejo	da	vinda	do	reinado	de	Deus	
é	central	 (Lc	11,2-4	e	Mt	6,9-13).	Que	o	mundo	reconheça	Deus	
como	Abbá,	pai	e	mãe	de	bondade,	reinando	sobre	as	existências	
humanas	e	 reclamar	o	pão	de	cada	dia	para	a	mesa	de	 todos	e	
todas:	eis	uma	síntese	da	missão	de	 Jesus.	O	sonho	missionário	
de	Jesus	é	que	sejam	saciadas	as	fomes	da	humanidade:	fome	de	
sentido	pleno	da	vida,	fome	de	encontro	com	Deus	na	plenitude	
da	relação	amorosa	e	fome	de	pão	abundante	para	todos	e	todas,	
partilhado	na	alegria	da	vida.
Na	missão	de	Jesus	está	a	decisão	de	não	deixar	que	a	morte	
tenha	a	última	palavra.	Unindo	terra	e	céu,	sonhos	de	 infinito	e	
solicitações	finitas	da	natureza	e	da	humanidade,	Jesus	assume	a	
missão	de	realizar	a	vontade	do	reinado	de	Deus	em	que	a	palavra	
definitiva	 seja	da	vida,	e	vida	em	plenitude	 (Jo	10,10),	assim	na	
terra	como	no	céu	(Mt	6,10),	em	todo	lugar	e	a	todo	tempo.
A	pergunta	missionária	de	Jesus	e	de	seus	discípulos	nas	ve-
redas	da	história	é:	qual	a	vontade	do	Abbá-Pai	para	a	fecundidade	
do	seu	reinado	a	favor	de	seus	filhos	e	filhas	e	de	toda	a	criação?	A	
resposta	a	essa	pergunta	está	no	caminho.	Não	se	trata	de	buscar	
uma	lei	nova,	mas	de	reconhecer	nas	bem-aventuranças	um	crité-
rio	fundante	e	presente	para	discernir	sempre	os	sinais	e	chama-
dos	da	aproximação	do	reino	de	Deus.
Essa	perspectiva	missionária	do	Reino	de	Deus	a	partir	do	
seguimento	de	Jesus	está	fortemente	apresentada	nos	documen-
tos	do	Concílio	Vaticano	II,	perpassa	os	documentos	sobre	evan-
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso240
gelização,	ecumenismo,	diálogo	inter-religioso	seja	em	âmbito	das	
instâncias	centrais	da	Igreja	Católica,	como	nas	manifestações	de	
muitas	igrejas	locais,	como	da	CNBB	e	da	CELAM.
No	 mais	 recente	 documento	 da	 CELAM,	 encontramos	 a	
perspectiva	missionária	já	na	sua	proposta	temática:	discípulos	e	
missionários	de	Jesus	Cristo	para	que	nossos	povos	nele	tenham	
vida.	Anunciar	e	 testemunhar	o	 reino	do	Deus	da	vida	e	missão	
essencial	de	todo	o	cristão:
Ao	chamar	os	seus	para	que	o	sigam,	Jesus	lhes	dá	uma	missão	mui-
to	precisa:	anunciar	o	Evangelho	do	Reino	a	todas	as	nações	(Mt	
28,1-19;	 Lc	24,46-48)	Por	 isso,	 todo	discípulo	é	missionário,	pois	
Jesus	o	faz	partícipe	de	sua	missão,	ao	mesmo	tempo	que	o	vincula	
a	Ele	como	amigo	e	irmão	(CELAM,	2007,	n.	144).
Estão	 presentes	 do	 documento	 temas	 cristológicos	 que	
acompanham	o	itinerário	local	latino-americano	e	os	referenciais	
inspiradores	desde	o	Concílio	Vaticano	II:	o	seguimento	de	Jesus,	o	
discipulado	e	o	reino	de	Deus.
O	mesmo	aparece	nas	Diretrizes	Gerais	da	Ação	Evangeliza-
dora	da	Igreja	no	Brasil	para	os	anos	de	2011-2015:	
Evangelizar,	a	partir	de	Jesus	Cristo,	na	força	do	Espírito	Santo	como	
Igreja	discípula,	missionária	e	profética,	alimentada	pela	Palavra	de	
Deus	e	pela	Eucaristia,	à	luz	da	evangélica	opção	preferencial	pelos	
pobres,	para	que	todos	tenham	vida	(Jo	10,	10)	rumo	ao	Reino	de-
finitivo	(CNBB,	2011,	p.9).
O	compromisso	missionário	da	 igreja	em	vista	do	reino	de	
Deus	vai	se	confirmando	nas	práticas	e	nas	manifestações	reflexi-
vas	do	conjunto	das	comunidades	eclesiais.	No	marco	do	Concílio	
Vaticano	II,	a	perspectiva	missionária	vai	ganhando	lucidez	sempre	
maior	e	vai	enfrentandosempre	novos	desafios.	O	encontro	com	a	
diversidade	das	culturas	é	um	processo	sempre	inacabado	que	foi	
assumido	em	muitas	partes	do	mundo.
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© U6 - Missiologia e Diálogo
10. INCULTURAÇÃO
Hoje,	a	convocação	ao	diálogo,	às	exigências	de	justiça	e	paz,	
ao	compromisso	com	a	ecologia	e	ao	reconhecimento	da	alteridade	
provocam	novos	olhares	e	novos	compromissos.	Diante	dos	sinais	
dos	tempos	e	no	marco	do	Concílio	Vaticano	II	e	especialmente	na	
encíclica	Ad gentes,	a	perspectiva	missionária	foi	ganhando	lucidez	
sempre	maior.
Aqui	 se	 coloca	 a	 realidade	 antropológica	 e	 teológica	 da	
diversidade	das	 culturas.	Ao	 inculturar-se,	 a	 Igreja	 torna-se	 "um	
sinal	mais	transparente	daquilo	que	realmente	é,	e	um	instrumento	
mais	 apto	 para	 a	 missão"	 (EN	 52).	 Como	 a	 ação	 do	 espírito,	
também	a	inculturação	é	um	processo	a	longo	prazo,	abrangente	e	
profundo,	com	exigência	de	discernimento	para	não	desqualificar	
a	cultura	e	não	reduzir	a	integralidade	da	fé	(EN	52).
Lutar	pela	 construção	de	um	mundo	para	 todos	em	que	caibam	
a	igualdade	fraterna	e	a	diferença	de	valores	culturais,	diferentes	
línguas	e	cosmovisões,	significa	assumir	no	mistério	da	encarnação	
de	Jesus	de	Nazaré	e	de	libertação	pascal	na	cruz	a	causa	dos	cruci-
ficados	na	história	(mártires),	lutando	pela	redistribuição	dos	bens	
e	pelo	reconhecimento	da	alteridade	(GS	29).	Toda	evangelização	
há	de	ser,	portanto,	inculturação	do	Evangelho	[...]	a	inculturação	
do	Evangelho	é	um	imperativo	do	seguimento	de	Jesus	e	é	neces-
sária	para	restaurar	o	rosto	desfigurado	do	mundo	(SD	113;	Cf.	LG,	
8;	DAp	4,	97,	99b,	258,	325,491,	479).	O	rico	magistério	social	da	
Igreja	nos	 indica	que	não	podemos	conceber	uma	oferta	de	vida	
em	Cristo	sem	um	dinamismo	de	libertação	integral,	de	humaniza-
ção,	de	reconciliação	e	de	inserção	social	(DAp	359;	25;	146,	399)	
(SUESS,	2012,	p.	27).
A	acolhida	do	Vaticano	II	na	América	Latina	se	deu	dois	anos	
após	o	encerramento	do	Concílio.	Em	Medellín	(1968),	os	bispos	
decidiram	mergulhar	na	complexa	realidade	dos	povos	do	conti-
nente.	Uma	década	depois,	em	Puebla,	a	III	Conferência	do	Epis-
copado	afirma	a	 igreja	como	"missionária	a	 serviço	da	evangeli-
zação",	com	uma	"clara	e	profética	opção	preferencial	e	solidária	
pelos	pobres"	(PUEBLA,	n.	1134,	in	CELAM,	2005).	
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso242
Caminhando	em	direção	aos	povos,	a	presença	do	espírito	
passou	a	ser	reconhecida	na	ação	missionária.	A	Conferência	de	
Aparecida	acolhe	essa	dimensão	e	postula	a	abertura	de	 toda	a	
igreja	à	ação	do	Espírito	Santo	para	inserir-se	no	projeto	da	missão	
continental	(CELAM,	2007,	n.	213	e	551).	
Há	uma	espiritualidade	missionária,	solicitada	no	encontro	
com	o	outro,	 que	produz	busca,	 discernimento,	 enriquecimento	
mútuo	e	que	não	tem	medo	de	atravessar	fronteiras.	Essa	espiritu-
alidade	assume	a	abertura	"ao	impulso	do	Espírito,	à	sua	potência	
de	vida	que	mobiliza	e	transfigura	todas	as	dimensões	da	existên-
cia"	(CELAM,	2007,	n.	284).
O	 tema	da	 inculturação	esteve	presente	na	 reflexão	 teoló-
gico-missionária,	com	especial	acento	nas	últimas	décadas	do	sé-
culo	20.	A	encíclica	de	João	Paulo	II,	Redemptoris missio	de	1990,	
sobre	o	mandato	missionário	permanente,	afirma,	na	esteira	do	
documento	Ad gentes	do	Vaticano	II,	que	a	atividade	missionária	
encontra-se	no	início	de	uma	nova	era	missionária.	O	cristianismo	
não	se	sente	preso	a	nenhuma	estrutura	étnica,	linguística	ou	cul-
tural,	mas	está	aberto	à	pluralidade	do	mundo.	Há	um	reconheci-
mento	de	que	as	culturas	podem	ser	permeadas	pelo	evangelho	
sob	a	forma	de	intercâmbio,	de	tradução	e	de	encontro.
Numa	teologia	do	espírito	presente	na	Redemptor missio,	as	
culturas	já	receberam	a	visita	imemorial	do	Espírito	Santo	que	está	
na	cultura	do	outro,	na	religião	do	outro.	Assim,	o	diálogo	inter-
cultural	e	inter-religioso	não	pode	ser	colocado	em	contraposição	
ao	 anúncio	do	evangelho.	O	Espírito,	 que	 chegou	antes	do	mis-
sionário,	já	instaurou	a	boa	nova	em	cada	povo.	Essa	teologia	do	
espírito	acolhe	com	tranquilidade	a	inculturação,	pois	se	trata	de	
mergulhar	num	mundo	diferente	que	já	tem	as	sementes	do	reino	
pela	presença	do	Espírito	Santo.
Outro	referencial	teológico	é	o	da	encarnação.	A	incultura-
ção	está	vinculada,	e	esse	mistério	central	do	cristianismo	(GS	22)	
acompanha	as	exigências	do	seguimento	de	Jesus	e	da	difusão	de	
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© U6 - Missiologia e Diálogo
seu	projeto,	que	é	o	reino	de	Deus	(GS	45).	Com	essas	bases	teo-
lógicas,	o	documento	de	Santo	Domingos	cita	a	Lumem	gentium	
do	Vaticano	II	(LG	8)	para	afirmar	que	toda	a	evangelização	há	de	
ser	inculturação	na	linha	da	encarnação	do	Verbo	e	como	impera-
tivo	do	seguimento	de	Jesus	para	restaurar	o	rosto	desfigurado	do	
mundo	(Cf.	SANTO	DOMINGO,	1992,	n.	13	e	30,	in	CELAM,	2005).
Nesse	marco	teológico	do	espírito	e	da	encarnação	coloca-se	
a	questão	da	diversidade	das	culturas.	A	teologia	das	culturas	e	a	
teologia	das	religiões	direcionam	a	reflexão	para	a	articulação	en-
tre	a	singularidade	e	pluralidade,	entre	a	identidade	e	a	alteridade,	
entre	o	amor	aos	irmãos	e	o	amor	aos	distantes.	Assim,	há	que	se	
devotar	à	própria	habitação	cultural,	sem	que	esse	projeto	iden-
titário	 seja	absolutizado,	buscando	manter	a	abertura	à	morada	
cultural	e	espiritual	do	outro,	sob	pena	de	não	amar	o	outro,	mas	
apenas	amar	a	si	mesmo	nos	outros.
Na	nova	perspectiva	missionária,	emerge	o	respeito	amoroso	
à	sacralidade	e	ao	mistério	da	graça	de	Deus	presente	nas	culturas	
e	nas	tradições	religiosas	dos	outros.	Junta-se	aqui	algo	que	parece	
improvável:	o	adensamento	da	identidade	cristã	com	a	reverência	
empática	ao	mistério	de	outras	vivências	religoso-culturais.
Desde	o	Concílio	Vaticano	II,	assume-se	uma	radical	transfor-
mação	na	perspectiva	missionária	diante	das	culturas.	O	diálogo	
que	se	faz	com	a	diversidade	cultural	da	humanidade	é	diferente	
do	intuito	secularmente	vivido	de	encontrar-se	com	o	outro	para	
trazê-lo	a	uma	cristandade	a	que	todos	os	povos	deveriam	ser	con-
duzidos	e	reduzidos.
Sob	essas	luzes	vão	sendo	lidas	as	intuições	do	Concílio	Va-
ticano	II	que,	conforme	já	citamos	no	início	desse	texto,	afirma	a	
importância	de	constituir	igrejas	locais	com	rosto	próprio,	autóc-
tones,	 com	 sua	mentalidade	e	 forma	de	organizar	que	brota	da	
cultura	de	onde	emerge	(AG,	6).
Olhando	para	a	História	do	continente,	há	que	reconhecer	
que,	na	 invasão	promovida	pela	Europa	a	partir	do	século	16,	o	
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso244
cristianismo	não	teve	participação	decisiva	na	garantia	da	vida	e	
na	preservação	das	culturas	de	centenas	de	povos	indígenas.	A	voz	
de	Bartolomé	de	Las	Casas,	entre	outras,	não	foi	suficiente	para	
constituir	uma	teologia	e	uma	prática	pastoral	na	direção	da	defe-
sa	das	comunidades	locais.	Ao	lado	de	importantes	vivências	mis-
sionárias,	houve	nebulosos	triunfalismos	e	etnocentrismos	aliados	
à	destruição	de	povos	e	 culturas.	E	aqui	 será	preciso	olhar	para	
o	confronto	das	concepções	missiológicas	diferentes	que	oscilam	
entre	compreensões	críticas	da	História	e	a	defesa	 incondicional	
dos	rumos	da	evangelização.	Nos	anos	recentes,	a	atividade	mis-
sionária	teve	que	revisitar	as	conquistas	coloniais	do	Ocidente	cris-
tão	para	colher	frutos	e	rever	destruições.
Em	1992,	justamente	no	ano	da	celebração	de	500	anos	de	
chegada	dos	espanhóis	ao	continente	latino-americano,	durante	a	
Conferência	Episcopal	de	Santo	Domingo,	houve	solicitação	de	33	
bispos	para	que	a	assembleia	fizesse	uma	celebração	de	penitên-
cia	 direcionada	 aos	 indígenas	 e	 afrodescendentes.	Um	bispo	 da	
Argentina	se	opôs	com	a	argumentação	de	que	não	houve	geno-
cídio,	o	passado	indígena	não	era	nenhum	paraíso	e	que	os	povos	
foram	muito	melhor	amparados	pelo	cristianismodo	que	por	suas	
religiões	originais.	(Cf.	SUESS,	1995,	p.	117).	A	controvérsia	foi	diri-
mida	com	a	manifestação,	poucos	dias	depois,	do	papa	João	Paulo	
II	referindo-se	à	oração	do	“Pai	nosso”	que:
[...]	 se	 dirige	 ao	 Pai	 e	 ao	mesmo	 tempo	 aos	 homens,	 aos	 quais	
foram	feitas	muitas	injustiças.	A	estes	homens	pedimos	incessan-
temente	perdão.	Esse	pedido	de	perdão	se	dirige	sobretudo	aos	
primeiros	habitantes	da	Terra	Nova,	aos	índios,	e	também	àqueles	
que,	como	escravos,	foram	deportados	da	África	para	os	trabalhos	
forçados.	Perdoai	as	nossas	ofensas	 [...]	 também	esta	oração	 faz	
parte	da	evangelização	(SUESS,	1995,	p.	118).
A	 imposição	 da	 monocultura	 greco-ocidental-cristã	 trouxe	
situações	graves	de	incompatibilidade	entre	a	fé	e	as	culturas	en-
contradas.	Houve	momentos	da	história	em	que	o	obscurecimento	
do	Espírito	se	tornou	problemático	para	os	caminhos	do	reinado	
de	Deus.	
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© U6 - Missiologia e Diálogo
O	tema	da	cultura	cristã	apareceu	na	reflexão	prévia	à	Con-
ferência	de	Santo	Domingo	e	já	no	tema	“nova	evangelização,	pro-
moção	humana	e	cultura	cristã”.	Na	carta	do	prefeito	da	Congre-
gação para os Bispos,	está	a	afirmação	de	que	a	“cultura”	cristã	
deveria	“iluminar	a	promoção	humana”	e	“projetar-se	[…]	sobre	as	
culturas”	latino-americanas	(CELAM,	1992b,	p.	13-15).	
Outro	fato	importante	foi	um	embate	conceitual	a	partir	de	
outro	 documento	 da	 igreja	 do	Brasil,	 também	em	preparação	 a	
Santo	Domingo,	que	enunciava	no	Tema	 III	o	 título:	"Povos	 indí-
genas	e	afro-americanos:	evangelização	a	partir	de	sua	história	e	
culturas"	(CNBB,	1992,	p.	17).
De	um	lado,	há	uma	missiologia	que	compreende	a	incultu-
ração	como	um	problema	incômodo	e	tensiona	a	reflexão	para	a	
superioridade	e	necessidade	de	afirmação	de	uma	cultura	cristã,	
saneando	as	outras	 culturas.	De	outro	 lado,	há	uma	missiologia	
que	flexiona	em	direção	à	interculturalidade.	A	primeira	tendência	
concebe	o	diálogo	como	uma	tática	neocolonial,	enquanto	a	se-
gunda	abandona	o	etnocentrismo	para	viver	o	reconhecimento	da	
presença	de	Deus	nas	outras	tradições	religiosas,	que	configuram	
as	culturas.
Mesmo	com	tensões	 interpretativas,	o	documento	final	da	
Conferência	de	Santo	Domingo	traz	uma	decisão:	"Toda	evange-
lização	há	de	ser,	portanto,	 inculturação	do	Evangelho"	 (CELAM,	
1992,	n.	13).
Uma	 igreja	missionária	 e	 peregrina	 vai	 em	 direção	 a	 essa	
segunda	opção	e,	no	encontro	com	o	outro,	reconhece	uma	mu-
tualidade	espiritual	e	ética	como	obra	do	Espírito	Santo	nos	diver-
sos	 contextos	da	Encarnação	do	Verbo.	O	diálogo	 inter-religioso	
e	intercultural	traz	consigo	uma	teologia	das	religiões	com	novos	
horizontes	para	a	missão.
Como	podemos	ver,	essa	dimensão	da	missiologia,	que	é	a	
inculturação,	está	sendo	vivida	nesse	momento	e	ao	mesmo	tem-
po	vai	produzindo	uma	reflexão	que	aprofunda	e	lança	luzes	para	
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso246
o	 futuro	da	expressão	do	 reino	de	Deus	na	história	humana	em	
direção	ao	reino	definitivo.
A	 alteridade	 implica	 a	 hospitalidade	 com	 seus	 trânsitos	 e	
permanências.	Ao	arriscar-se	na	travessia	em	diálogo,	possibilita-
-se	a	emergência	do	reino	de	Deus	a	partir	de	dentro	da	vida,	na	
história	da	cultura	em	que	chega	a	comunidade	missionária.	Com	
o	gesto	de	ser	acolhido	na	casa	do	outro,	de	descobrir	seus	precio-
sos	valores	e	suas	buscas,	será	possível	desencadear	transforma-
ções	profundas.
Toda	a	igreja	se	coloca	em	movimento	missionário	em	dire-
ção	ao	encontro	com	o	outro.	Ao	mesmo	tempo,	solicita	que	as	
outras	tradições	religiosas	também	se	disponham	a	ir	ao	encontro	
dessa	diversidade	de	culturas	na	humanidade.
Podemos	assim	retomar	uma	primeira	citação,	de	Giuseppe	
Barbaglio,	que	fizemos	no	início	desse	estudo:
[...]	 toda	 religião	 deve	 voltar-se	 para	 sua	 própria	 tradição,	 para	
oferecer	à	cultura	dos	humanos	as	riquezas	até	agora	conservadas	
em	redomas	fechadas.	Nessa	operação,	alguns	dados	serão	modi-
ficados,	outros	enriquecidos	com	as	contribuições	de	culturas	dife-
rentes,	outros	ainda	serão	oferecidos	em	sua	integridade	às	outras	
religiões.	Nenhuma	religião	pode	renunciar	a	essa	tarefa	universal	
porque	 todas	parecem	hoje	 invadidas	por	uma	nostalgia	de	pro-
jetos	 vislumbrados	no	passado	e	nunca	 realizados.	Muitos	 inter-
pretam	essa	nostalgia	como	retomo	a	promessas	antigas	e	como	
esperança	de	reivindicações	reprimidas.	
Na	verdade,	testemunhar	Deus	hoje	talvez	seja	mostrar	que	essa	
nostalgia	é	uma	chamada	para	outros	espaços	de	humanidade	e	
que	o	outro	é	o	lugar	da	possível	resposta	por	parte	de	todas	as	re-
ligiões.	Elas	poderão	exercer	a	sua	missão	somente	com	a	condição	
de	que	saibam	viver	uma	fidelidade	nova.	Isto	é,	com	a	condição	de	
que	acolham	os	estímulos	da	própria	tradição,	mas	ao	mesmo	tem-
po	exige	que	ela	seja	superada	na	modalidade	com	que	foi	acolhida	
e	compreendia	até	este	momento.	Para	essa	superação	é	necessá-
rio	que	cada	um	encontre	na	própria	tradição	os	estímulos	necessá-
rios	para	sair	fora	dela.	Toda	tradição	contém	necessariamente	tais	
estímulos,	porque	faz	parte	da	experiência	religiosa	conduzir	para	
além	das	próprias	fronteiras,	instigar	a	difícil	fidelidade	aos	profetas	
(apud	CANTONE,	1995,	p.	544).
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A	perspectiva	de	inculturação	ganha	assim	relevância	e	uni-
versalidade.	Com	o	 influxo	do	melhor	de	cada	tradição	religiosa,	
posto	a	serviço	da	humanidade,	todos	e	todas	poderão	sentar-se	à	
mesa	do	pão	e	da	cultura,	do	trabalho	e	da	poesia,	da	ciência	e	da	
espiritualidade.	E	Deus	será	tudo	em	todos.
11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira,	na	sequência,	as	questões	propostas	para	verificar	
seu	desempenho	no	estudo	desta	unidade:
1)	 Faça	uma	lista	dos	organismos	que	lidaram	com	a	questão	missionária	e	es-
creva	algo	sobre	sua	ação	e	abrangência.
2)	 Faça	uma	lista	dos	acontecimentos	eclesiais	importantes	na	questão	missio-
nária	e	escreva	algo	sobre	seu	significado.
3)	 Faça	uma	lista	dos	documentos	eclesiais	que	tratam	da	dimensão	missioná-
ria	e	escreva	algo	sobre	as	questões	tratadas	em	cada	documento.
4)	 Escreva	sobre	os	fundamentos	teológicos	da	missão.
12. CONSIDERAÇÕES
Foi	 um	 percurso	 amplo	 este	 estudo.	 Atravessamos	mares,	
florestas,	tempestades,	campos	e	rios	caudalosos.	Indo	em	direção	
às	fontes	e	às	raízes,	nos	detivemos	diante	do	diálogo,	dos	funda-
mentalismos,	do	ecumenismo,	dos	encontros	inter-religiosos,	das	
contribuições	ético	espirituais	das	tradições	religiosas	e	do	dina-
mismo	missionário.
Alteridade	 e	 inculturação	 são	 referenciais	 abertos	 para	 o	
avanço	que	a	humanidade	poderá	fazer	em	direção	a	uma	quali-
ficação	das	pessoas,	das	instituições	e	da	convivência	no	planeta	
Terra.
Aqui	nos	detivemos	na	abordagem	da	 teologia	 cristã,	 com	
acento	especial	nos	caminhos	da	igreja	latino-americana.
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso248
Você,	que	acompanhou	esse	itinerário,	tem	muito	a	contri-
buir	diante	das	proposições	que	emergiram	deste	estudo.
Agora	é	com	você.	Desejamos	que	sua	caminhada	e	seu	cur-
so	sejam	plenos	de	realizações!
13. E-REFERÊNCIAS
ANDRADE,	Maria	 Júlia	Gomes.	A	construção	da	Takãra	em	Majtyri,	Etnografia	de	uma	
aldeia	Tapirapé.	Tese	de	Mestrado	na	Universidade	Federal	Fluminense,	2010.	Disponível	
em	http://www.proppi.uff.br/ppga/sites/default/files/dissertacao_-_versao_final_maju.
pdf>.	Acesso	em:	14	set.	2012.
BOLETIM	 FRATERNIDADE	 LEIGA	 CHARLES	 FOUCAULD.	 Homepage.	 Disponível	 em:	
<http://boletimfraternidadefoucauld.blogspot.com.br/2008/12/fraternidade-secular-
charles-de_01.html>.	Acesso	em:	14	set.	2012.
CIMI	 -	 CONSELHO	 INDIGENISTA	 MISSIONÁRIO.	 Organismo	 vinculado	 à	 conferência 
nacional dos bispos do Brasil — CNBB.	Disponível	em:	<http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=5327>.	Acesso	em:	14	set.	2012.
REDEMPTORIS	MISSIO	(RM).	Disponível	em:	<http://www.vatican.va/holy_father/john_
paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_07121990_redemptoris-missio_po.html>.	
Acesso	em:	14	set.	2012.
14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CELAM.	Documentos do CELAM:	Rio	de	Janeiro,	Medellín,	Puebla,	Santo	Domingo.	São	
Paulo:	Paulus,	2005.
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Caribe.	São	Paulo:	Paulus,	1979.
______.	Texto conclusivo da IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do 
Caribe.	São	Paulo:	Paulus,	1992.
______.	Texto preparatório para a IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano 
e do Caribe.	São	Paulo:	Paulus,	1992b.
______.	Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do 
Caribe.	São	Paulo:	Paulus,	2007.
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Brasília:	Ed.CNBB,	2011.
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