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Caros, Um exercício de duas perguntas com peso (pequeno) na nota final e de feitura opcional. Exerçam seu poder de articulação de ideias. Obrigado, prof. André L. Barros (Literatura Brasileira). ____________ 1) A ideia de "gênio" surge com o romantismo. Seria um sujeito singular (o artista, é claro) capaz de indicar à humanidade, ou ao povo de um país, os rumos éticos e estéticos preferíveis em determinado momento. Influenciado pelo inglês Byron e pelo francês Victor Hugo, o poeta Castro Alves encarnou, em parte, esse mito romântico no que dizia respeito ao abolicionismo: carregou um estandarte ideológico com ar de triunfalismo ou messianismo. Fundamental para a valorização da subjetividade individual contra o status quo, a ideia de "gênio" não existia antes do romantismo (ou seja, no período conhecido como barroco). Diga por que, discorrendo sobre as características da cultura do barroco e da contra-reforma (cerca de 1580-1680) que desfavoreciam completamente tal ideia. 2) Leia os poemas abaixo - que versam sobre o amor (um de Santa Teresa, dois de Hilda Hilst e um de John Donne) e sobre a morte (dois de Hilst e um de Donne) - e comente características barrocas que neles se possa encontrar, como o choque entre antíteses (metáforas de significado contrário), obscuridade e o desenvolvimento de alegorias, entre outras. Obs.: A presença de Hilda Hilst prova que nossa cultura atual permite que se escreva em estilo ou gênero de outros tempos para leitores de hoje. ____________________________ Sou vossa, para vós nasci Santa Teresa d'Ávila (França, 1515-1582) Eis aqui meu coração, eu ponho-o na vossa palma: minha vida, corpo e alma, e entranhas, e afeição. Doce Esposo e Redenção, se por vossa me ofereci: Que mandais fazer de mim? Dai-me morte, dai-me vida; saúde ou enfermidade, honra ou desonra, à vontade; dai-me guerra ou paz crescida, fraqueza ou força cumprida, que a tudo digo que sim: Que quereis fazer de mim? (...) Seja eu José na prisão ou no Egito elevado, David na expiação ou já David exaltado. Seja Jonas afogado, ou libertado dali: Que mandais fazer de mim? (...) Do Amor Hilda Hilst (Brasil, 1999). XVIII Esse poeta em mim sempre morrendo Se tenta repetir salmodiado: Como te conhecer, arquiteto do tempo Como saber de mim, sem te saber? Algidez do teu gesto, minha cegueira E o casto incendiado momento Se ao teu lado me vejo. As tardes Fiandeiras, as tardes que eu amava, Matéria de solidão, íntimas, claras Sofrem a sonolência de umas águas Como se um barco recusasse sempre A liquidez. Minhas tardes dilatadas Sobreexistindo apenas Porque à noite retomo minha verdade: teu contorno, teu rosto, álgido sim E, por isso, quem sabe, tão amado XXXVIII Se amor é merecimento Tenho servido a Deus Mui a contento. Se é vosso meu pensamento Em verdade vos dei Consentimento. E se mereci tal vida Plena de amor e serena Foi muito bem merecida. E em me sabendo querida Dos anjos e do meu Deus, Na morte pressinto a vida. E o que se diz sofrimento, No meu sentir é agora Contentamento. E se amor morre com o tempo Amor não é o que sinto Neste momento. Elegia: Indo para o leito (Trecho) John Donne (Inglaterra, 1572- 1631) (...) Deixa que a minha mão errante adentre Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre. Minha América! Minha terra à vista, Reino de paz, se um homem só a conquista, Minha mina preciosa, meu Império, Feliz de quem penetre o teu mistério! Liberto-me ficando teu escravo; Onde cai minha mão, meu selo gravo. Nudez total! Todo o prazer provém De um corpo (como a alma sem corpo) sem Vestes. (...) Como encadernação vistosa, feita Para iletrados, a mulher se enfeita; Mas ela é um livro místico e somente A alguns (a que tal graça se consente) É dado lê-la. Eu sou um que sabe; Como se diante da parteira, abre- Te: atira, sim, o linho branco fora, Nem penitência nem decência agora. Para ensinar-te eu me desnudo antes: A coberta de um homem te é bastante. Da Morte. Odes mínimas Hilda Hilst (1998) IV Vinda do fundo, luzindo Ou atadura, escondendo Vindo escura Ou pegajosa lambendo Vinda do alto Ou das ferraduras Memoriosa se dizendo Calada ou nova Vinda da coitadez Ou régia numas escadas Subindo Amada Torpe Esquiva V Túrgida-mínima Como virás, morte minha? Intrincada. Nos nós. Num passadiço de linhas. Como virás? Nos caracóis, na semente Em sépia, em rosa mordente Como te emoldurar? Afilada Ferindo como as estacas Ou dulcíssima lambendo Como me tomarás? Bem-vinda. Morte, não te orgulhes... John Donne (Inglaterra, 1572- 1631) Morte, não te orgulhes, embora alguns te provem Poderosa, temível, pois não és assim. Pobre morte: não poderás matar-me a mim, E os que presumes que derrubaste, não morrem. Se tuas imagens, sono e repouso, nos podem Dar prazer, quem sabe mais nos darás? Enfim, Descansar corpos, liberar almas, é ruim? Por isso, cedo os melhores homens te escolhem. És escrava do fado, de reis, do suicida; Com guerras, veneno, doença hás de conviver; Ópios e mágicas também têm teu poder De fazer dormir. E te inflas envaidecida? Após curto sono, acorda eterno o que jaz, E a morte já não é; morte, tu morrerás. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO – UNIFESP Faculdade de Letras - Literatura Brasileira I – Prof. André L. Barros Fabiana Moreira Cortizo 54.832 1) A concepção de autoria no Barroco era completamente diversa da idéia de “gênio” individual estabelecida a partir do Romantismo. O “gênio” romântico desafia as fórmulas literárias pré-estabelecidas, busca a originalidade, a inovação e liberdade artística, fundando novos gêneros e formas poéticas a partir de uma visão individualista e de uma supervalorização do “eu”, possibilitando uma expressão da riqueza interior do homem, em uma sociedade onde já estão presentes os valores burgueses, e, pela qual, os escritores românticos adéquam as formas e os estilos literários que seriam assimilados mais facilmente por um leitor que não teve uma educação aristocrática e que, de certa forma, não apreendia os modelos clássicos. O movimento da contra-reforma católica em reação ao crescimento do protestantismo na Europa do séc. XVI que culminou na convocação do Concílio de Trento onde ficou definido que a igreja usaria a arte como elemento doutrinário, tem sua expressão assumida no Barroco que serviria como ferramenta ideológica no combate à Reforma e ao Renascimento. O homem barroco é atormentado por lutas íntimas e tentava harmonizar a oposição homem (antropocentrismo renascentista) versus Deus (teocentrismo medieval), este último retomado pela contra-reforma. No Barroco, ao contrário do romantismo, podemos perceber a utilização de temáticas constantes, comuns aos escritores, como por exemplo a tópica da morte, o equilíbrio dos extremos em figuras paradoxais, desenganos com o mundo, textos satíricos, etc., e os autores seguiam as lições dos clássicos da mímese e da interpretação da Natureza. O “engenho” barroco, produz intrincadas arquiteturas textuais, evidenciando uma grande e profunda elaboração formal que expõe o virtuosismo técnico do poeta, em oposição ao “gênio” romântico que valoriza a liberdade de expressão do artista. O poeta barroco utiliza dos mais variados recursos e efeitos de linguagem como a metáfora, a antítese, a hipérbole e a alegoria para construir imagens que sensibilizam o leitorcomo o gongorismo, e que apelam à sua inteligência e raciocínio como o conceptismo que produz textos com agudeza. 2) No poema de Santa Teresa d’Ávila encontramos jogo de antíteses (saúde/enfermidade, honra/desonra, guerra/paz; idéia de efemeridade da vida e do tempo, e de salvação após a morte ou uma recompensa na vida espiritual (dai-me guerra ou paz crescida, fraqueza ou força cumprida, que a tudo digo que sim: Que quereis fazer de mim?). Também nos poemas de Hilda Hilst podemos percebemos o uso de imagens claras e escuras (Algidez de teu gesto, minha cegueira); de antíteses (na morte pressinto a vida; sofrimento/contentamento), (luzindo/escondendo; ferindo/dulcíssima); paradoxos (como saber de mim, sem te saber?); reflexões sobre a morte (Como virás, morte minha? Intrincada. Nos nós. Num passadiço de linhas). Em John Done também encontramos alguns recursos de estilo Barroco: paradoxos (liberto-me ficando teu escravo), jogo de palavras com apelo aos sentidos – gongorismo (deixe que a minha mão errante adentre Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.) metáforas (Minha mina preciosa, meu Império); a morte como libertação do espírito eterno (Após curto sono, acorda eterno o que jaz).
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