Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
saberes.senado.leg.br Política Contemporânea Módulo I - Representação Política Ao final do Módulo I, o aluno deverá ser capaz de: Conhecer o conceito de Representação Política; identificar as características do Sistema Representativo; reconhecer modificações que o Sistema Representativo sofreu ao longo de sua história. Introdução Neste Módulo, vamos abordar o instituto da Representação Política de duas maneiras. Na primeira, apresentaremos uma definição geral do Sistema Representativo, elaborada a partir da comparação com o sistema alternativo de governo participativo, a Democracia Direta. Na segunda, vamos analisar as mudanças por que passou esse sistema, desde a sua formação no final século XVIII até os nossos dias, a partir da conceituação do autor Bernard Manin. Unidade 1 - Modalidades do Sistema Representativo Se excluirmos de todos os sistemas de governo registrados ao longo da história os regimes despóticos, nos quais as decisões estão completamente fora do alcance da vontade e influência dos cidadãos, restam para nossa análise dois grandes sistemas de governo: a democracia direta e o sistema representativo. Para traçar a diferença precisa entre eles, é preciso evitar dois erros muito presentes em nosso senso comum. De acordo com o primeiro erro, na democracia direta, o povo, reunido em assembleia, é responsável imediato por todas as decisões. Não haveria, portanto, mandatários, sejam eles eleitos ou escolhidos por sorteio. O problema é que um sistema como esse jamais existiu. Pelo menos, não é o que os dados disponíveis nos dizem sobre os exemplos históricos de democracia direta, seja na Grécia clássica, seja nos cantões suíços de hoje. Nesses, e em todos os demais casos conhecidos, sempre houve e há funcionários eleitos e/ou sorteados incumbidos de tomar decisões importantes para a comunidade. Conforme o segundo erro, haveria simplesmente uma relação de continuidade entre a democracia direta e o sistema representativo. Na observação conhecida de Rousseau, o tamanho das sociedades políticas inviabiliza hoje a democracia direta e teríamos que nos contentar com uma democracia menor, imperfeita, porém exequível, na forma do sistema representativo. No entanto, essa ideia colide com a percepção dos teóricos fundadores do sistema representativo, que o viam como algo oposto e superior à democracia direta. Para Sièyes, a representação é indispensável na sociedade moderna, onde o cidadão se ocupa principalmente do próprio bem-estar e não tem tempo para a participação política. Para Madison, a representação política deixaria o poder nas mãos dos mais sábios e produziria decisões intrinsecamente superiores àquelas que o povo em sua totalidade tomaria. Nos dois casos, os representantes, por seleção ou por especialização, seriam mais capazes de tomar decisões corretas que seus representados. Antes de uma relação de continuidade, transparece nesses argumentos uma relação de oposição entre democracia direta e sistema representativo. Para resolver a questão, podemos partir de uma observação de Madison: a diferença real entre um e outro sistema não está na exclusão completa dos representantes do povo na democracia direta, mas na exclusão completa do povo reunido de qualquer decisão no sistema representativo. Num e noutro sistema, há representantes, eleitos ou sorteados, mas somente no sistema representativo esses representantes detêm o monopólio das deliberações políticas. A seguir, trataremos de alguns princípios gerais que caracterizam o sistema representativo. Os quatro princípios assinalados a seguir desenvolveram-se pela primeira vez no Reino Unido, a partir da segunda metade do século XIX, de onde se espalharam pela Europa continental. Primeiro princípio: os governantes são selecionados por meio de eleições regulares. Este princípio afirma duas coisas distintas: só os representantes governam e são escolhidos mediante eleição. Em contraste, nas democracias diretas, a assembleia de cidadãos toma decisões e é comum a escolha por sorteio, de acordo com a lógica de dar a todo cidadão que o deseje a oportunidade igual de participar do governo. No exemplo ateniense, cargos que demandassem habilidade técnica, como generais e tesoureiros, eram preenchidos por eleição, com possibilidade de reeleição. Já os mandatos no colegiado que executava as decisões da Assembleia e nos tribunais eram sujeitos a sorteio e a recondução era vedada, na lógica de dividir esses cargos pelo maior número possível de cidadãos. Segundo princípio: as decisões dos governantes mantêm algum grau de independência em relação à vontade dos representados. Desde o início o sistema representativo posicionou-se contra todo tipo de mandato imperativo, assim como contra sua consequência lógica, a possibilidade de os representados substituírem seus representantes antes do término de seus mandatos. Terceiro princípio: os representados podem manifestar livremente suas opiniões. Há uma opinião pública, livre, que os representantes não podem controlar e precisam levar em consideração se querem pensar na eleição seguinte. Quarto princípio: as decisões são submetidas a debate público. Em algum momento do processo, as decisões passam por um debate aberto e transparente. A seguir, apresentaremos, em linhas gerais, a tipologia dos sistemas representativos proposta pelo cientista político Bernard Manin. Unidade 2 - As Metamorfoses do Sistema Representativo Desde a segunda metade do século XIX, o sistema representativo passou por mudanças profundas, que Manin agrupa em torno de duas grandes metamorfoses. A primeira delas marcou, no final do século XIX, a passagem da democracia de notáveis, denominada por ele de parlamentarianismo, para a democracia de partidos. A segunda representou o fim da democracia de partidos e o surgimento de um tipo de democracia que o autor qualifica como de auditório. Três observações são importantes para compreender a tipologia de sistemas representativos que Manin elabora: A primeira remete ao fato que os tipos construídos são tipos ideais, no sentido weberiano do termo. Ou seja, são construções conceituais que reúnem um conjunto de características, enfatizadas, com afinidade lógica entre si. Sua utilidade reside na comparação com casos empiricamente observados que apresentam quase sempre uma mistura de traços presentes em diversos tipos. A segunda refere-se à inspiração histórica da tipologia. É evidente que os tipos foram inspirados numa sequência histórica determinada, o desenvolvimento do sistema representativo nos países ocidentais nos séculos XIX e XX. Podemos usar a tipologia para analisar a evolução concreta do sistema em determinado país. Mas também podemos usá-la para a compreensão de um determinado sistema presente, sem considerar seu desenvolvimento histórico. A terceira diz respeito ao fundamento empírico da tipologia. Manin não criou os argumentos e justificações que caracterizam cada tipo. Todos são produtos dos teóricos do sistema em cada período histórico, mas há boas razões para supor que os atores do sistema, representados e representantes, compartilhavam a crença na validade desses argumentos. Tipologia de sistemas representativos elaborados por Manin: 1- Remete ao fato que os tipos construídos são tipos ideais, no sentido weberiano do termo; 2- refere-se à inspiração histórica da tipologia; e 3- diz respeito ao fundamento empírico da tipologia.Para melhor compreender a natureza de cada um desses tipos e as razões das mudanças que vinculam um ao outro, vamos descrevê-los a partir dos quatro princípios mencionados anteriormente, quais sejam: os governantes são selecionados por meio de eleições regulares; as decisões dos governantes mantém algum grau de independência em relação à vontade dos representados; os representados podem manifestar livremente suas opiniões; as decisões são submetidas a debate público. A consolidação do sistema representativo, primeiro no Reino Unido, depois nos demais países da Europa, ocorreu sob duas condições institucionais que determinaram seu formato inicial: o voto distrital uninominal como regra eleitoral e o voto censitário, ou seja, a restrição do direito de voto aos detentores de propriedade e renda. Em decorrência dessas condições, o número de eleitores era pequeno e concentrado por localidade. Não havia, nem eram necessários, partidos fora do parlamento. No que diz respeito à eleição dos representantes, a escolha dos eleitores tinha como fundamento a confiança pessoal dos representados nos seus representantes e o resultado eleitoral expressava a rede de relações locais dos candidatos. O político por excelência era o líder local, o notável. A autonomia parcial ou relativa dos representantes manifestava-se na defesa apaixonada do voto de consciência dos deputados no parlamento. A autonomia do parlamentar era condição da legitimidade do sistema e deveria estar acima até mesmo dos compromissos partidários. Como consequência, a opinião pública, livre, não coincidia necessariamente com a expressão eleitoral da vontade do eleitor. Em outras palavras, os eleitores votavam segundo motivações pessoais, em vizinhos de sua confiança. Os grandes temas de confronto político não eram objeto das campanhas eleitorais e os cidadãos tomavam suas posições sobre eles participando de reuniões e assinando petições. Era frequente o conflito entre opinião pública e parlamento. Finalmente, o espaço para a livre discussão era o próprio parlamento, no qual deputados eram, como vimos, livres para mudar suas posições iniciais, para convencerem e serem convencidos pelo debate. A partir da segunda metade do século XIX, a ampliação progressiva do direito de voto, primeiro até o sufrágio universal masculino, depois para o voto das mulheres, produziu uma nova situação que pôs fim à democracia dos notáveis. Para organizar e mobilizar o novo eleitorado, surgiram os partidos políticos, que logo se tornaram partidos de massa, definidos conforme critérios ideológicos que refletiam, normalmente, as divisões de classe presentes na sociedade. O sistema eleitoral com mais afinidade ao novo modelo foi o voto proporcional, que, adotado pela primeira vez em 1900, espalhou-se com sucesso em poucos anos. Na nova fase do sistema representativo, a quantidade de representados tornou impossível o conhecimento pessoal e, consequentemente, a confiança pessoal no representante. A eleição passou a expressar a lealdade dos eleitores a um determinado partido. O resultado eleitoral tornou-se expressão política, embora indireta, da estrutura de classes e a figura central da política deslocou- se do notável para o militante, o agitador e o burocrata do partido. A autonomia parcial dos representantes ganhou nova face: manifestou-se na liberdade das lideranças partidárias de definir as prioridades na plataforma do partido apresentada aos eleitores. A opinião pública tendeu a reproduzir as divisões partidárias, uma vez que a maior parte da imprensa escrita foi tomada por jornais de partidos. Com isso, a coincidência entre opinião pública e opinião partidária passou a ser a tendência dominante. O debate público retirou-se do parlamento, uma vez que deputados tinham, sempre que necessário, seu voto vinculado à posição definida por seu partido. Como disse o líder social-democrata alemão Kautsky, o deputado não era mais que a voz do partido no parlamento. O debate passou a acontecer no âmbito da discussão interna de cada partido, das negociações entre os partidos fora do parlamento, e nas conversas mantidas pelos governos com grupos de interesse organizados, como sindicatos de trabalhadores e organizações representativas de setores empresariais. O uso dos meios de comunicação de massas nas campanhas eleitorais, a partir das últimas décadas do século XX, veio alterar profundamente esse quadro. O rádio, a televisão e depois, com muito mais intensidade, todos os recursos da internet, de certa maneira restabeleceram o contato direto entre representante e representado, esquecido desde o fim da era dos notáveis. Partidos e suas burocracias, por muitas décadas os mediadores dessa relação, perderam desde então importância, a ponto de se falar, novamente, numa crise profunda do próprio sistema representativo de governo. Na democracia de audiência retorna, portanto, o elemento da confiança pessoal como decisivo da escolha do eleitor. Ao invés de uma escolha partidária previamente determinada, de motivação classista, o eleitor sente-se livre para responder a um leque de ofertas que as diferentes campanhas apresentam. Seu voto passa a ser flutuante e a figura central da política passa a ser a do perito de mídia nas suas várias formas: o marqueteiro, o especialista em pesquisas de opinião, o candidato com talento midiático. A autonomia relativa dos representantes se manifesta na indeterminação das propostas de campanha. As imagens públicas dos candidatos definem o resultado, de modo que as plataformas podem ser vagas o suficiente para manter uma larga margem de liberdade para os eleitos. A retração dos partidos, por sua vez, levou à separação entre a opinião pública e sua expressão eleitoral. A imprensa escrita, falada e televisiva ganha autonomia em relação aos partidos. Ganha importância também a manifestação da opinião pública por meio de pesquisas de opinião. A diferença em relação ao modelo anterior fica clara na comparação entre o caso Dreyfus, na França, na passagem dos séculos XIX e XX, e o caso Watergate, nos Estados Unidos dos anos 1970. Nesse último, a mídia não partidarizada permitiu que todos concordassem sobre os fatos, embora discordassem na avaliação deles. No caso francês, a partidarização da imprensa fez com que os próprios fatos não fossem objeto de consenso entre os dois campos que se formaram. Finalmente, o espaço do debate desloca-se novamente: agora passa a ocorrer debate nas negociações entre governo e grupos de interesse, de um lado, e, de outro, o debate na mídia, no qual os antagonistas procuram capturar a simpatia do eleitor flutuante, não mais vinculado, a priori, a um determinado partido por sua origem ou situação de classe. Conclusão Vimos neste Módulo que, a principal característica do Sistema Representativo é o monopólio das decisões políticas nas mãos de representantes eleitos pelo povo. Vimos ainda que ao longo da história quatro princípios do sistema mantiveram-se constantes: a seleção dos governantes por meio de eleições regulares, a autonomia relativa dos representantes em relação a seus representados, a vigência do direito à livre manifestação dos representados e a realização de um debate aberto prévio à tomada da decisão. Discutimos, finalmente, as metamorfoses do sistema ao longo de sua história: a passagem da democracia de notáveis para a democracia de partidos e, já avançado o século XX, a passagem da democracia de partidos para a democracia de audiência ou de auditório. Módulo II - Modelos de DemocraciaObjetivos Ao final do Módulo II, o aluno deverá ser capaz de: Diferenciar os conceitos de Democracia Majoritária e Democracia Consensual; definir os conceitos e identificar as relações entre o Poder Executivo, os Partidos Políticos e os grupos de interesse; nomear as diferenças entre os governos organizados de forma unitária e federada; caracterizar os problemas atuais e as perspectivas futuras da Democracia no mundo. Introdução Neste Módulo, vamos conhecer os modelos de democracia. Desde que surgiu, a palavra democracia suscita debates. Na antiguidade, democracia era o governo de muitos e designava um sistema bem conhecido de regras de governo das cidades. A discussão se concentrava mais nas suas virtudes e defeitos, em comparação com os sistemas alternativos, o governo de poucos e o governo de apenas um. A partir da modernidade, a discussão se amplia cada vez mais: discute-se o significado do termo; o processo de tradução dos princípios democráticos em regras e instituições; e a construção de instrumentos capazes de avaliar o grau de democracia presente em cada arranjo institucional concreto. Como não poderia deixar de ser, leituras diferentes do significado da democracia coincidem com regras operacionais diferenciadas e sistemas políticos bem distintos em seu funcionamento. Diversos autores têm analisado a questão, nos anos recentes, desde que Robert Dahl publicou, na década de 1950, suas reflexões sobre democracia populista, democracia hamiltoniana e poliarquia. Nesse rumo, uma das tentativas recentes mais interessantes, que demonstrou capacidade de reunir de forma coerente dados de vários países, a respeito dos aspectos mais diversos de seus sistemas políticos, é a obra de Arend Lijphart, que desenvolve, a partir de 1984, a comparação entre dois modelos diferentes de democracia: a democracia majoritária e a democracia consensual. Conforme o autor, esses dois modelos têm sua origem em interpretações diferentes, até antagônicas, do significado de democracia, e estão na origem de arranjos institucionais diferentes adotados pelas democracias do mundo. Observados em dimensões selecionadas do sistema político, esses modelos produzem, em cada uma delas, escalas situadas entre os dois tipos ideais puros: o majoritário extremo, de um lado, e o consensual absoluto, de outro. Com essas escalas em mãos, o cientista político - aquele que conhece profundamente a história dos processos políticos e tem habilidades para definir tendências e sugerir caminhos - é capaz de medir qualquer democracia existente, de situá-la nessa grade e compará-la com a situação vigente em outros países. Vamos apresentar a reflexão de Lijphart, discutindo, em primeiro lugar, a definição do binômio majoritário/consensual. Em segundo lugar, vamos expor como esse par se manifesta na forma de diferenças em cada uma das características do sistema político que o autor seleciona. O Reino Unido e muitas de suas antigas colônias são exemplos de países que adotam o sistema majoritário. A Suíça e a Bélgica, assim como a experiência em progresso da União Europeia, praticam o modelo consensual. Unidade 1 - Democracia Majoritária e Democracia Consensual A diferença entre os dois modelos de democracia encontra-se presente já na definição mais simples da palavra, clássica e enraizada no senso comum - governo pelo povo, para o povo -. Aceita esta definição geral, a questão se revela quando perguntamos: Como proceder? Quando? Como ocorre quase sempre que houver divergências no meio do povo sobre o que fazer? Que funcionários devem fazê-lo? Uma resposta possível, muito difundida, defende a prevalência da vontade da maioria dos eleitores. Nessa visão, não importa se essa maioria é ampla ou estreita; inaceitável seria apenas o governo de uma minoria de eleitores. Esse o princípio da democracia majoritária: definida alguma maioria, cabe a ela governar, por intermédio dos nomes por ela indicados. À minoria resta fazer a crítica ao governo, até o fim do seu mandato, quando uma nova eleição abrirá a oportunidade de sua transformação em maioria. Uma resposta alternativa é deixar a decisão com o maior número possível de pessoas. O governo de minoria também é recusado por essa visão, mas a ampliação permanente da maioria é mais importante que a contagem simples dos votos num momento determinado. Esse o princípio da democracia consensual. A democracia majoritária concentra o poder. Traduzida em instituições, produz sistemas excludentes, nos quais a relação entre maioria e minoria, governo e oposição é caracterizada pelo embate e pela competição. A democracia consensual tende a partilhar, limitar e dispersar o poder. Opera principalmente por meio da negociação e da concessão. Bons exemplos do modelo majoritário de democracia são o Reino Unido e muitas de suas antigas colônias. Os países mais próximos do modelo consensual, segundo o autor, são a Suíça e a Bélgica, assim como a experiência em progresso da União Europeia. Diferenças relevantes entre a Democracia Majoritária e a Democracia Consensual Se considerarmos, de um lado, a procura de acordos cada vez mais amplos e, de outro, a aferição da maioria mínima como dois princípios gerais, opostos, que informam a construção de regras e instituições democráticas, é possível procurar as diferenças entre os dois modelos na disparidade existente entre essas regras e instituições nos diversos países democráticos do mundo. Nessa busca, o autor seleciona dez diferenças relevantes, agrupadas em dois grupos distintos. O primeiro diz respeito à relação entre o Poder Executivo, os partidos políticos e os grupos de interesse. O segundo reúne diferenças relacionadas com o contraste entre governos unitários e federações. Unidade 2 - Diferenças na dimensão Poder Executivo e Partidos Políticos Você sabe dizer quais as diferenças de concentração do Poder Executivo em ministérios formados por apenas um partido majoritário e a distribuição do Poder Executivo em ministérios de amplas coalizões partidárias? O Reino Unido e outros países que adotam o voto distrital uninominal tendem a desenvolver sistemas bipartidários. Nessa situação, um partido pode conquistar a maioria das cadeiras do parlamento com uma maioria muito pequena de votos ou até, devido às diferenças do número de votantes nos distritos, com a minoria dos votos. No entanto, essa pequena maioria de cadeiras dá a esse partido o poder sobre todo o ministério. Em contraste, nos países onde predomina o modelo consensual de democracia os cargos no ministério são divididos entre os partidos com maior expressão. Na Suíça, os três maiores partidos ocupam as sete vagas do Conselho Federal, segundo uma fórmula aprovada em 1959, respeitada a proporção dos grupos linguísticos na população. Na Bélgica, a participação isonômica dos grupos linguísticos está prevista na lei e desde 1980 todos os governos são coalizões de quatro a seis partidos. Relações entre Executivo e Legislativo com dominância do Executivo versus relações equilibradas entre os Poderes Nos países exemplo do modelo majoritário, o sistema é parlamentarista. Em tese, portanto, a Câmara predomina sobre o gabinete e pode derrubá-lo por meio de um voto de desconfiança. Na realidade, porém, o gabinete é formado pela maioria e reúne as principais lideranças do partido majoritário. Na operação cotidiana do sistema, a iniciativa cabe ao gabinete, que mantém uma relação de dominância em relação ao Legislativo.Em contraste, na Suíça, os membros do Conselho Federal são eleitos individualmente, com um mandato fixo de quatro anos. O Legislativo não pode destituí-los, de modo que vigora uma situação de separação de poderes rígida. Na Bélgica o sistema é parlamentarista, mas como os gabinetes são de coalizão, sua situação é mais vulnerável e não se verifica a relação de dominância característica dos sistemas bipartidários. Unidade 3 - Sistemas Bipartidários versus Sistemas Multipartidários Sistemas bipartidários são afins com o modelo majoritário de democracia, uma vez que dividem o campo da política, por definição em maioria e minoria. No entanto, são capazes de representar satisfatoriamente a diversidade de posições relevantes da sociedade somente em circunstâncias muito especiais: alto grau de homogeneidade ideológica da sociedade, no qual as diferenças se concentram numa dimensão, normalmente a econômica. Assim ocorre no Reino Unido, onde a diferença entre os partidos Conservador e Trabalhista se restringe à política econômica. Mesmo no Reino Unido, a diversificação política da sociedade empurra o sistema para uma situação de três partidos, como ocorre hoje. Na Suíça e na Bélgica, a diferenciação religiosa e linguística não se deixa representar por um sistema de dois partidos. Assim, na Suíça, 15 partidos têm assento no Legislativo e os quatro mais importantes participam do Conselho. Na Bélgica, os três partidos nacionais tradicionais, dividiram-se a partir da língua e outros partidos menores surgiram depois disso. Sistemas Eleitorais Majoritários e desproporcionais versus Representação Proporcional O voto majoritário em distritos uninominais é o sistema com maior afinidade com o modelo majoritário de democracia. Entrega o poder de formação do governo ao partido que obtém a primeira maioria. O exame das eleições inglesas mostra que o partido vencedor, encarregado da formação do governo, nunca obteve, entre 1974 e 1999, mais de 44 % dos votos. Em 1974, o Partido Trabalhista conseguiu a maioria das cadeiras com apenas 39 % dos votos. Em contraste, a Suíça e a Bélgica adotam a representação proporcional, que procura reproduzir, na medida do possível, na Câmara, a mesma distribuição de posições políticas que se observa no eleitorado como um todo. As relações entre maioria e minoria no modelo majoritário de democracia são caracterizadas pela competição e pelo conflito, restando espaço para a cooperação só em situações de emergência, como a guerra, que produziu gabinetes de união nacional. As mesmas relações se reproduzem na dinâmica da interação dos grupos de interesses entre si, principalmente as grandes centrais de sindicatos laborais e patronais, e entre eles e o Estado. Esse é o padrão que prevalece na história britânica recente, que atingiu seu extremo nas duas décadas conservadoras após 1979. Em contraste, o corporativismo é caracterizado pela predominância de relações de negociação e cooperação dos grupos de interesse entre si e com o Estado. Suas características mais evidentes são a concentração dos grupos de interesse em poucas e grandes associações, o protagonismo das organizações de cúpula do sistema e a concertação tripartite, ou seja, a construção de grandes acordos periódicos entre governo, empresários e trabalhadores que envolvem salários, emprego e condições de trabalho. Todas essas características são encontradas na Suíça e na Bélgica. Unidade 4 - Diferenças na dimensão Federal-Unitária Nesta unidade, vamos tratar das diferenças na dimensão federal-unitária e suas articulações com: As Constituições (flexíveis x rígidas); o Governo (centralizado x descentralizado); o Poder Legislativo (unicameralismo x bicameralismo); o Poder Judiciário (vigência ou não de mecanismos de revisão judicial); o Poder Executivo (independência ou não do Banco Central). A organização unitária do governo é característica dos países que praticam o modelo majoritário de democracia. O Reino Unido é um país unitário e tradicionalmente um dos mais centralizados do mundo. Governos locais existem, mas são criados pelo governo central e dele dependem financeiramente. O melhor exemplo foi o governo autônomo que governou a Irlanda do norte entre 1921 e 1972. Nesse ano, contudo, uma decisão da Câmara dos Comuns, por maioria simples, decretou o fim do governo autônomo e sua substituição pelo governo direto de Londres. A Suíça é uma federação, na qual o poder é dividido entre o governo central e os governos dos cantões e sub-cantões. A Bélgica, um país unitário e centralizado até 1970, caminha desde então para a federação e a descentralização. A federação foi legalmente reconhecida em 1993 e reúne simultaneamente, três áreas geográficas e três comunidades linguísticas. O Reino Unido foge, de certo modo, do tipo ideal de democracia majoritária nesse ponto, pois adota o bicameralismo. No entanto, a Câmara dos Lordes perdeu toda função legislativa, exceto a de retardar a vigência das leis aprovadas pela Câmara dos Comuns, pelo prazo máximo de um ano. A maior parte dos poderes anteriores dos Lordes foi perdida na reforma de 1911 e, em 1949, o prazo máximo de postergação da vigência das leis caiu de 2 para um ano. Mesmo esse poder, na prática, poucas vezes é utilizado. Na Suíça, o Conselho Nacional e o Conselho dos Estados (equivalente ao Senado) são equipotentes, a regra da eleição dos membros do Conselho dos Estados é o voto majoritário, ao contrário da representação proporcional que vigora para o Conselho Nacional. O bicameralismo é forte. Na Bélgica, Câmara e Senado têm poderes semelhantes, mas o Senado, apesar de obrigatoriamente representar os grupos lingüísticos, ainda é eleito de maneira proporcional. O bicameralismo belga é mais fraco que o suíço. Não existe no Reino Unido uma constituição escrita. Direitos dos cidadãos e competências de cada instituição governamental estão definidos em algumas leis fundamentais, na legislação ordinária, nos costumes e convenções. Em decorrência disso, essa constituição não escrita é absolutamente flexível, pois pode ser alterada por maioria simples na Câmara. Contrariamente, tanto a Bélgica quanto a Suíça obedecem a constituições escritas. A modificação da constituição, nos dois países depende de maiorias qualificadas. A Suíça exige a aprovação em referendo, com maioria nacional e nos cantões mais importantes. Na prática, a população dos cantões menores, um quinto da população total, tem poder de veto sobre as emendas à constituição. Na Bélgica são necessários dois terços das duas Casas do Legislativo. Algumas leis exigem, além disso, maioria nos dois grandes grupos linguísticos, o que dá à minoria francófona poder de veto sobre elas. Sem constituição escrita, o Reino Unido não tem mecanismo de revisão judicial. Não há uma corte encarregada de aferir, quando provocada, a constitucionalidade de uma lei aprovada pela Câmara. A própria Câmara, isto é, a maioria, decide não só a constitucionalidade de alguma lei, mas o próprio significado do que seja constitucional. Escapando nesse ponto do modelo, o Tribunal federal suíço não detém o poder de fazer a revisão judicial à luz da constituição. Na Bélgica, a partir de 1988, os poderes da Corte de Arbitragem foram ampliados e ela opera hoje como um tribunal constitucional. O Banco da Inglaterra manteve historicamente uma situação de dependência em relação ao gabinete. Apenas em 1997, o recém-eleito governo trabalhista concedeu ao Banco autonomia para definir a taxa de juros. Na Suíça,é tradicional a independência do Banco Central. A Bélgica transitou, a partir da década de 1990, de uma situação de fraqueza do seu Banco Nacional para o alto nível de autonomia que existe hoje. Unidade 5 - Perspectivas É difícil identificar linhas de mudança similares em países que vivem situações muito díspares no que se refere à democracia. Apesar das sucessivas ondas de democratização que diversos autores identificam na história recente, cujo ponto alto mais recente foram as mudanças ocorridas no leste europeu, persiste no mundo uma situação extremamente desigual no que respeita à solidez democrática. É importante sempre lembrar que Lijphart identifica e descreve os modelos majoritário e consensual em contextos de democracia consolidada. Feita a ressalva, é possível especular com a hipótese, sempre sujeita à verificação, da predominância tendencial da democracia consensual. No mundo globalizado, as diferenças extrapolam o campo econômico e se expandem pelas dimensões étnicas, linguísticas, religiosas e de estilo de vida. Garantir a voz e a participação das minorias torna-se, cada vez mais, exigência para a vida política comum. Não por acaso, as reformas políticas realizadas nos últimos vinte anos apontam para a desconcentração do poder e o aumento do poder de veto de grupos minoritários, a expansão do bicameralismo e o fortalecimento da tendência no rumo da autonomia dos Bancos Centrais. O futuro, da forma como o vemos hoje, parece estar nessa direção. Conclusão Vimos neste Módulo que, a coexistência no mundo moderno de concepções diferentes de democracia, que podem ser ordenadas ao longo de um contínuo que vai da democracia majoritária à democracia consensual. De maneira sintética, a democracia majoritária está preocupada com a definição de alguma maioria, por reduzida que seja, que viabilize um governo majoritário. Por sua vez, o foco da democracia consensual é a partilha cada vez maior do poder, com a ampliação permanente do número daqueles que o exercem. Essas diferenças não se manifestam apenas nas teorias da democracia, mas principalmente nos arranjos institucionais nos quais a regra democrática se materializa. No plano das relações entre o Poder Executivo, os partidos políticos e os grupos de interesse, a democracia majoritária guarda afinidade com ministérios unipartidários, predomínio do Poder Executivo sobre o Legislativo, sistemas bipartidários, voto majoritário e pluralismo e competição entre os grupos de interesses. Por sua vez, a democracia consensual mostra afinidade com ministérios de coalizão, equilíbrio nas relações entre os poderes, sistemas multipartidários, voto proporcional e grupos de interesse organizados de forma corporativa e não competitiva. Democracia Majoritária Democracia Consensual Ministérios unipartidários Predomínio do Poder Executivo Sistemas bipartidários Voto majoritário Pluralismo e competição entre os grupos de interesses Ministérios de coalizão Equilíbrio nas relações entre os poderes Sistemas multipartidários Voto proporcional Grupos de interesse organizados de forma corporativa e não competitiva No plano das diferenças entre as organizações unitária e federada, a democracia majoritária tem afinidade com o governo unitário e centralizado, o unicameralismo, a flexibilidade da constituição, a ausência de mecanismos de revisão constitucional e com a subordinação do Banco Central às decisões da maioria. A democracia consensual, por sua vez, tem afinidade com a organização federativa do governo, com o bicameralismo, a rigidez da constituição, a presença de mecanismos de revisão judicial e a independência do Banco Central. Democracia Majoritária Democracia Consensual Governo unitário Governo centralizado Governo unicameral Constituição flexível Ausência de mecanismos de revisão judicial Subordinação do Banco Central Governo federativo Governo descentralizado Governo bicameral Constituição rígida Presença de mecanismos de revisão judicial Independência do Banco Central Módulo III - Democracia e Autoritarismo Ao final do Módulo III, o aluno deverá ser capaz de: Estabelecer diferenças entre a democracia antiga e a moderna; definir o que é democracia moderna, especialmente o conceito de poliarquia; identificar as principais vertentes explicativas de quando e por que países tornam-se democráticos ou autoritários; identificar as principais variáveis da estabilidade democrática, segundo a literatura; conhecer organizações e indicadores democráticos, dado a existência de grande variação global; diferenciar as três ondas democráticas levantadas por Huntington. Introdução Neste Módulo, vamos abordar uma visão histórica dos governos democráticos: como surgem, permanecem, particularizam-se e distinguem-se dos governos autoritários. Da democracia direta à democracia representativa, o exercício direto da vontade popular sofreu profundas alterações. Enquanto aquela preconiza o governo de todos os cidadãos nos processos decisórios, a democracia representativa baseia-se no fato de que o povo exerce o poder, indiretamente, através da escolha dos seus representantes, que por sua vez exercem o poder, em seu nome. Hoje, a efetivação dos direitos civis e políticos, que identificam os governos democráticos em todos os países do mundo, é avaliada partindo-se de características, tais como: liberdade de formar e aderir a organizações; liberdade de expressão; direito de voto; elegibilidade para cargos públicos; direito de líderes políticos disputarem apoio e conquistarem votos; garantia de acesso a fontes alternativas de informação; eleições livres, frequentes e idôneas; e instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferência do eleitorado. Entretanto, não há fórmulas capazes de prever as metamorfoses por que passam muitos países que transitam entre os polos que separam os regimes autoritários dos democráticos. No mundo contemporâneo presenciamos a maior onda de democratização vivida desde sua adoção no início do século XIX. Unidade 1 - O que é Democracia? O que é Democracia? Quando pensamos em democracia, pensamos em participação política, representação, legitimidade. Na definição clássica, aristotélica, a democracia significava o governo soberano do povo – e, para Aristóteles, isso não necessariamente era bom. Ao contrário, o governo do povo podia ser a degeneração do bom exercício do poder, uma vez que o exercício direto da vontade popular, sem limites ou regras, levaria a uma tirania. O conceito sofreu muitas mudanças nos séculos XVII, XVIII e XIX, aproximando-o do que hoje conhecemos como democracia representativa. A democracia representativa se estabelece como alternativa à forma direta do poder popular, dadas as dificuldades práticas de se exercer o poder diretamente. A ideia central da democracia representativa é que o povo escolhe seus representantes, que por sua vez exercem o poder, em seu nome. A escolha direta legitima o exercício do poder pelos representantes – e não mais a tradição, a herança,o direito de sangue, o exercício da força ou outras possíveis formas de se estabelecer um núcleo governante. De certa forma, a democracia representativa é elitista: poucos governam, muitos são os governados. Mas é o processo de escolha – eleições -, e não quem o exerce diretamente, que é reconhecido como desejável e legítimo. Ao longo do século XIX, muitas barreiras para a participação civil foram abolidas: exigência mínima de propriedade e/ou renda, idade, sexo. Muitas somente o foram no século XX. De fato, foi somente no século XX que as democracias representativas se tornam de massa – de poucos milhares, passam a milhões os participantes do processo eleitoral; de cerca de 1% no século XIX, passam a praticamente 100% no século XX. É uma revolução sem precedentes. E a democracia é, portanto, bastante “jovem”, se pensarmos toda a história política da humanidade. Significado Moderno da Democracia O que significa hoje democracia? O debate moderno, dos séculos XVII- XIX, ainda tributário do legado aristotélico, ligava a democracia a fins – democracia é o que leva a determinados resultados, ao bom, belo, justo. É a doutrina do bem comum que está presente na transição de sistemas autoritários a democráticos, em contraposição ao bem de somente alguns privilegiados (monarquia, clero, aristocracia). Entretanto, essa visão não pôde ser sustentada por muito tempo. Afinal, se vivemos num mundo cada vez mais diferenciado e mais plural, muitas vezes o que é o bom para um grupo não o é para outros. Surge assim a concepção de democracia não ligada aos fins, ou aos resultados – porque existem muitos mundos possíveis e corretos a partir de uma multitude de visões -, mas ligada ao processo, ao como se faz. No debate contemporâneo, portanto, houve uma mudança de enfoque: do conteúdo da democracia ao método da democracia. De uma definição ampla, passamos a uma definição minimalista: democracia é uma forma competitiva de escolher os representantes, segundo Schumpeter. Os cidadãos e cidadãs escolhem um grupo, considerado melhor, e o escolhe novamente, ou escolhe outros, nas eleições seguintes; esses grupos governarão. A visão minimalista evolui, nesta concepção liberal, para o que Robert Dahl chama de “poliarquia”. Poliarquia O que é a poliarquia? É a existência de muitas condições que irão assegurar que o processo de escolhas (o método) será realizado de maneira livre, competitiva e que refletirá ao máximo a vontade dos indivíduos. Não só isso: a poliarquia diz respeito ao jogo eleitoral, mas também ao como a sociedade pode expressar suas preferências, e como o sistema governamental tratará essas preferências. Na poliarquia, entende-se que existem muitos interesses na sociedade, nem sempre convergentes: ao contrário, há conflitos e assimetrias (com a predominância, muitas vezes, de grupos mais poderosos).] Entretanto, na sua definição, a poliarquia antevê formas legítimas de constituição do poder democrático e também de sua destituição. Antevê, também, formas de ampla participação que resultem em políticas “antenadas” com o que quer a população. Segundo Dahl, para que o sistema de fato funcione, é preciso que os requisitos abaixo sejam atendidos: Liberdade de formar e aderir a organizações; Liberdade de expressão; Direito de voto; Elegibilidade para cargos públicos; Direito de líderes políticos disputarem apoio e, consequentemente, conquistarem votos; Garantia de acesso a fontes alternativas de informação; Eleições livres, frequentes e idôneas; e Instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferência do eleitorado. A democracia no mundo. Por que alguns países são democráticos e outros não? Não muitas sociedades detêm todos esses elementos ao mesmo tempo e todo o tempo. Existem muitos sistemas hoje que monitoram o que chamamos de “qualidade da democracia”, onde muitos quesitos são avaliados. Democracy Index e Freedom House são alguns desses organismos que monitoram direitos políticos e civis no mundo, e divulgam escalas de democracia conforme o respeito a direitos humanos, direito de associação, proteção a minorias, liberdade na internet e de imprensa, eleições etc. Segundo a Freedom House, em 2013 o Brasil foi considerado um país com bastante garantia das liberdades. Numa escala de 1-7 em que 1 é o máximo e 7 é o mínimo (menos livre), o Brasil apresenta um fator 2 em direitos civis, liberdades e direitos políticos. Já a Venezuela é parcialmente livre, com limite a sua imprensa, com fator 5, como o Egito. E países como Arábia Saudita, Iran, Yemen e Oman são países não livres, com nota 7. De forma que, se de um lado existem países com altas taxas de liberdade, e eles se concentram na Europa e nas Américas, existem muitos não- democráticos e, mais ainda, regimes híbridos: embora tenham alguns aspectos que apontem para uma democracia, têm também outros que apontam para a autocracia. Os regimes híbridos estão numa zona cinza, em que nem podem ser considerados de fato livres, nem ditaduras. Mesmo que tenham, por exemplo, eleições, não apresentam garantias civis completas, liberdade de expressão e associação; ou suas eleições são marcadas por corrupção e violência. Segundo algumas estimativas, cerca de dois bilhões de pessoas ainda vivem, hoje, sob governos autoritários. Alguns pontos importantes na atualidade remetem às questões de como um país transita do autoritarismo para a democracia, ou seja, de como ele se torna democrático; e de como um país que faz a transição mantém-se democrático e não sofre um retrocesso autoritário. Ou seja, o que explica o surgimento da democracia em determinados contextos, e por qual razão alguns países se consolidam como democracias avançadas ou híbridas, ou seja, com maiores ou menores garantias de liberdade, e outros voltam a ser autocracias. Quanto ao primeiro tema – como os países se tornam democráticos – um dos primeiros argumentos vem da teoria da modernização, segundo a qual mudanças sócio-econômicas (urbanização, maiores taxas de alfabetismo e da educação, industrialização e expansão da mídia) levariam naturalmente ao surgimento de sólidas democracias. A democracia seria apenas o corolário do desenvolvimento econômico. Lipset, autor de trabalho pioneiro, é um dos principais expositores dessa vertente teórica, e a partir daí gerou-se a maior produção acadêmica na área de política comparada já realizada. Em contraposição, Samuel Huntington argumentou que mudanças sócio- econômicas levam a maior consciência, maior participação e mais demandas; portanto, não necessariamente levam a democracias. São, na verdade, a razão mesma para um grande número de conflitos, golpes e instabilidade política. Ou seja, se a sociedade muda num ritmo muito rápido, novos grupos sociais surgem e se mobilizam politicamente, mas as instituições políticas muitas vezes não se desenvolvem com a mesma velocidade – portanto, não necessariamente o desenvolvimento econômico gera democracia. Segundo estudos mais recentes e bastante reconhecidos, o surgimento da democracia não necessariamente está ligado ao desenvolvimento econômico. Ao contrário, a democratização pode ocorrer em qualquer situação econômica. Entretanto, uma vez estabelecida a democracia, a economia tem um papel fundamental na sua manutenção/eliminação: ela é mais fácil de sobreviver em países com mais recursos (Przeworski). No Quadro I, vemos que países mais ricos são mais sujeitos a manterem suas democracias, e os mais pobres a perdê-las. Essa não é, entretanto, uma discussão pacífica: algunsautores contestam dizendo que o efeito é o mesmo quando o status quo é um regime autoritário - ou seja, havendo recursos econômicos abundantes, mesmo países ditatoriais podem ser estáveis politicamente, e jamais tornarem-se democracias (Boix e Stokes). Quadro I Distribuição de Países conforme Renda e Sistema Político (1970 - 1993) Fontes: Gorvin (1989); Banks (1994); The World Bank (1995). Apud Santos, 1998. O debate sobre o surgimento e a estabilidade de democracias também incorpora outros elementos além do desenvolvimento econômico. Uma visão defende que crenças e atitudes dos indivíduos são fundamentais para que a transição para a democracia ocorra, ou seja, é preciso haver uma cultura cívica favorável à democracia. Uma terceira visão olha para aspectos sociais e políticos do sistema: a estabilidade democrática dependeria da capacidade de resolver conflitos pela via da negociação, e não da ruptura, por meio de canais institucionalizados politicamente. Renda Sitema Político Baixa Média Baixa Média Alta Alta Sempre Autoritários 20 8 1 0 Sempre Democráticos 2 6 3 19 Transeuntes (autoritários-democráticos) 18 15 11 1 (Espanha) Uma outra visão afirma, ainda, que países ricos em petróleo e em recursos tendem a ser autocracias, - onde o governante tem controle absoluto em todos os níveis de governo sem o consentimento dos governados -, porque aumentam os conflitos sobre como distribuí-lo, instigam conflitos internacionais, aumentam a corrupção, mas sobretudo porque os governos não dependem dos impostos dos cidadãos para prestarem serviços, dado o excesso de receita que obtêm com os recursos naturais – o que leva, de um lado, a que a sociedade não cobre de seus governantes resultados eficazes, e, se cobrarem, o Estado tem como aumentar a repressão com os recursos que detêm, a um custo político baixo. Alguns autores chamam inclusive esse fato de “a maldição dos recursos naturais”, ou “a maldição do petróleo” (oil curse), dada a frequência com que países ricos em recursos naturais são autoritários ou semiautoritários. As ondas de democratização no Mundo É muito importante ressaltar outro argumento de Samuel Huntington: o de como houve, no mundo, três ondas de democratização. A primeira vai do início do século XIX – com o sufrágio garantido para homens brancos nos EUA - até mais ou menos a ascensão de Mussolini, em 1922. No seu pico, chegou-se a ter 29 democracias no mundo. A segunda onda vai do fim da Segunda Guerra Mundial até 1962: foram 36 democracias reconhecidas (entre 1962 e anos 70, esse número caiu para 30). A terceira onda, sem precedentes na história da humanidade, vai dos anos 70 até os dias atuais. Marcada pela Revolução dos Cravos, em Portugal, inclui as democratizações na Ásia, na America Latina e no Leste Europeu, depois da queda do Muro de Berlim. O número exato de democracias varia conforme os critérios usados, mas estão acima de 100. Muitos pesquisadores criticam a visão de Huntington, argumentando que, se o voto feminino for contabilizado, as “ondas” desaparecem – só muito tardiamente as mulheres tiveram o direito assegurado; mas também pelo seu elitismo e etnocentrismo, em basear-se excessivamente na visão norte- americana. De toda maneira, é uma forma interessante de ver a democracia, não como algo fixo, dado, mas como movimentos que ascendem e podem retroceder. Hoje, a Primavera Árabe é vista, por alguns, ao lado de outras mudanças de regime na Ásia e África, como a Quarta Onda. Conclusão Vimos neste Módulo que, a democracia mudou ao longo da história da humanidade, de uma democracia antiga direta à representativa, onde escolhemos nossos representantes. Nos séculos XIX e XX, ela incorporou massas de cidadãos e cidadãs. A democracia moderna é baseada em uma série de critérios que garantem a competitividade, a transparência e a honestidade dos processos eleitorais. Também se baseia em se essa democracia é capaz de processar as demandas da sociedade e resolver conflitos. As democracias variam bastante – há democracias avançadas e democracias híbridas. Não há dois sistemas iguais. Existem organizações, hoje, que acompanham a qualidade da democracia no mundo, e medem como são feitas as eleições, as garantias de liberdade e os resultados das políticas. Existe um longo debate sobre o que pode levar à democracia, e torná-la estável. As explicações focam no desenvolvimento econômico, cultura cívica e instituições. Houve momentos (ondas) de expansão da democracia no mundo. Vivemos hoje o período de maior democratização da história da humanidade. Módulo IV - Partidos Políticos Ao final do Módulo IV, o aluno deverá ser capaz de: Compreender as ideias do autor Maurice Duverger, sobre a origem dos Partidos Políticos e sua classificação; Identificar as propostas para um estudo da morfologia dos Partidos e as relações estabelecidas entre a Regra Eleitoral e os Sistemas Partidários. Introdução Neste Módulo, vamos abordar os partidos políticos e os sistemas partidários. Foi publicada em 1951, há mais de sessenta anos, portanto, a obra clássica de Maurice Duverger, “Os partidos políticos”. O livro é considerado, com justiça, um clássico da ciência política por várias razões. Além de, evento raro nesse campo, estabelecer “leis”, no sentido de conjecturas fortes, que postulam uma relação causal entre sistemas eleitorais e sistemas partidários, Duverger construiu uma metodologia de investigação que separa dimensões consideradas relevantes na análise dos partidos políticos; e elaborou uma tipologia dos partidos que relaciona suas origens históricas e características estruturais. Em todas essas direções, formulou um programa de pesquisa que continua a ser seguido, em graus diversos, pela literatura contemporânea especializada. O livro tem, portanto, importância histórica e propostas de pesquisa ainda atuais. Vamos discutir os argumentos de Duverger em três partes, antecedidas por um breve comentário sobre a situação dos estudos acerca dos partidos políticos na época de sua publicação. Unidade 1 – Consolidação Institucional dos Partidos Políticos Desde a consolidação institucional dos partidos políticos, muito se debateu sobre eles. Com honrosas exceções, as discussões obedeciam a um viés jurídico-constitucional, no qual a regra, suas origens, sua articulação com o sistema político como um todo, importavam mais que o funcionamento concreto dos partidos. Nesse quadro, duas obras seminais levaram o estudo dos partidos para o terreno da sociologia política. A primeira obra, cronologicamente, foi “A democracia e a organização dos partidos políticos”, de Moisei Ostrogorski, publicado em 1902. Ostrogorski substituiu a análise formalista e normativa pela tentativa de aplicar procedimentos de observação dos partidos, descrição de suas características e generalização empírica. Seu foco foi o conjunto de forças sociais que atuam na política, representadas nos partidos e nos grupos que atuam no seu interior. A segunda obra foi “Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna: investigação sobre as tendências oligárquicas na vida dos agrupamentos políticos”, de 1911, na qual Robert Michels, sob influência direta de Max Weber, apresentou sua conhecida “lei de ferro” das oligarquias. Conforme seu argumento, a expansão progressiva do direito de voto, até o sufrágio universal, teria criado um ambiente político no qual o sucesso eleitoral dependia cada vez mais de organização.Organização, por sua vez, dependia da criação e manutenção de uma burocracia especializada, burocracia esta que tenderia a concentrar o processo de tomada de decisões. Ou seja, sufrágio universal exige partidos de massa, partidos de massa existem apenas com burocracias organizadas, burocracias conduzem, por sua vez, à oligarquia. Paradoxalmente, o aumento da democracia levaria, “inexoravelmente”, a sua negação. Origem e Tipologia dos Partidos Políticos Como já exposto no Módulo I, os partidos políticos surgem, no contexto europeu, em meados do século XIX, como decorrência do funcionamento da democracia representativa. Na época, já havia parlamentos em operação e seus membros eram recrutados entre o pequeno grupo de homens de posses, tradição, educação, os “notáveis”, de cada localidade. Em pouco tempo, esses notáveis encontraram-se na situação de exercer seus mandatos como representantes dos eleitores, ou seja, eleitos por eles para cumprir um mandato definido. Para enfrentar as eleições, organizaram comitês eleitorais. A relação entre grupos de parlamentares eleitos e seus respectivos comitês eleitorais constituiu o embrião do primeiro tipo de partido político a surgir: o partido de quadros. A ampliação progressiva do sufrágio, contudo, alterou substancialmente o ambiente político que deu origem a esses partidos. Não apenas o número de eleitores, e com ele a complexidade das estratégias eleitorais, aumentou. O fim do voto censitário, das exigências de renda e propriedade aos eleitores, fez com que as massas trabalhadoras ingressassem como atores importantes na política institucional. Nesse ambiente surgiu um novo tipo de partido, o partido de massas. O caminho típico de criação desses partidos passa pela organização dos grupos sociais até então não representados, a constituição de comitês eleitorais e a eleição de bancadas parlamentares, normalmente sob influência forte das direções partidárias previamente constituídas. Partidos de massa resultam, portanto, da combinação de grupos sociais, comitês eleitorais e grupos parlamentares. Para Duverger, as diferenças de origem refletem-se em diferenças de estrutura, ou seja, a lógica que leva à formação de cada tipo de partido estimula o surgimento de características estruturais distintas. De forma resumida, podemos constatar que partidos de quadros são, geralmente, partidos burgueses, liberais ou conservadores, que: dedicam pouco esforço ao recrutamento, concentram suas atividades nos períodos eleitorais, dependem para seu financiamento do aporte das próprias elites partidárias, contentam-se com uma organização interna relativamente simples, funcionam com direções concentradas e personalizadas, exibem um alto grau de disputa interna entre grupos pequenos de suas direções, trabalham com escassa consistência programática, dão pouca importância a fatores ideológicos, e operam com uma estrutura decisória descentralizada e pouco hierárquica. Em contraste, os partidos de massa, tipo construído a partir da observação dos partidos socialistas e comunistas: têm no recrutamento, assim como na propaganda e doutrinação, atividades permanentes, dependem para seu financiamento das contribuições de seus filiados, adotam formas complexas de organização, com redes de unidades políticas e uma burocracia permanente, suas lideranças demonstram pouco personalismo na sua atividade, a motivação principal da disputa interna é ideológica, mostram alta consistência programática, e tendem a criar estruturas decisórias hierárquicas e centralizadas. A Estrutura dos Partidos Políticos - Dimensões Relevantes Para a análise da estrutura organizacional dos partidos, Duverger propõe uma série de elementos a serem considerados. Trata-se, na verdade, de uma relação das perguntas relevantes que devem ser respondidas por toda pesquisa sobre o assunto. A combinação das respostas definirá tipos de partidos, que podem ser usados para fins de descrição e classificação dos casos estudados. Duverger agrupa esses elementos em três conjuntos. O primeiro conjunto é o que denomina arcabouço partidário, que contempla a estrutura partidária, os elementos de base e a articulação entre a estrutura e esses elementos. Estrutura partidária é definida de acordo com o grau de independência do partido em relação à sociedade civil organizada. Nessa perspectiva, o autor chama de partidos diretos aqueles formados sem a mediação de grupos sociais organizados. Por contraste, partidos indiretos seriam aqueles formados a partir da iniciativa de grupos desse tipo, como associações e sindicatos. É claro que partidos diretos coincidem, pelo menos parcialmente, com partidos de quadros e partidos indiretos, com partidos de massa. Elementos de base do partido são os diferentes grupos elementares que o compõe, como os diretórios, comitês, seções, células, entre outros. A arquitetura organizacional que une essas unidades partidárias pode ser classificada de acordo com sua complexidade entre os extremos, simples e complexo. Finalmente, a interação entre estrutura e elementos de base focaliza a qualidade das relações verticais e horizontais. O sistema de relações horizontais estabelece a comunicação sem a intermediação do centro, e as ligações verticais se dão a partir da instância superior do partido. Essas relações podem ser fortes ou fracas, horizontais ou verticais, resultando, em cada caso, em partidos caracterizados por maior ou menor centralização e maior ou menor democracia interna. Entre as combinações mais frequentes nesse plano de análise estariam partidos que operam conforme o centralismo autocrático (quando não há participação da militância partidária nas decisões da cúpula), outros, conforme o centralismo democrático (quando há participação da militância nas decisões da cúpula partidária). O segundo conjunto que Duverger separa refere-se aos membros do partido. Nesse ponto é relevante, em primeiro lugar, verificar as condições de adesão. Há exigências de pagamento de contribuições mensais, compromisso com a disciplina, identificação ideológica, expectativa de militância? Caso afirmativo, a adesão é regulamentada, caso negativo é aberta. Em segundo lugar, cabe aferir o grau de participação predominante entre os filiados, se apenas eleitores, simpatizantes ou militantes. Em terceiro lugar, cumpre nomear a natureza dessa participação que, segundo o autor, pode ser sagrada, quando assume um caráter totalizante, ou profana, quando expressa um compromisso racional; e comunal, quando a adesão é resultado da pressão do grupo, ou social, quando decorre do cálculo individual. O terceiro conjunto diz respeito à direção do partido. As dimensões aqui selecionadas são a forma de escolha dos dirigentes: - se por eleição direta de todos os filiados ou por algum colégio eleitoral menor; - a propensão à oligarquia nessas direções, ou seja, se o acesso aos postos de comando está restrito aos dirigentes e seus amigos ou se permanece aberto a todo filiado; e, - ao sentido da relação de influência entre direção partidária e parlamentares eleitos, ou seja, se a direção tem comando sobre os parlamentares ou se simplesmente reflete e transmite suas decisões para o conjunto dos filiados. Sistemas Partidários Ao levar a reflexão dos partidos considerados de forma isolada para a interação dos partidos em sistemas partidários definidos, Duverger tem como alvo duas questões fundamentais: 1) A diversidade no número de partidos que cada país mantém; 2) a consequência do número de partidos na dinâmica dos governos. Emambas questões, as contribuições do autor foram inovadoras. Numa época em que a dinâmica do governo era relacionada ao sistema de governo, parlamentarista ou presidencialista, ou ao formato do legislativo, unicameral ou bicameral, Duverger postulou uma relação entre número de partidos e estabilidade dos governos. Para ele, sistemas bipartidários tenderiam, tanto na regra presidencialista quanto na parlamentarista, a serem mais estáveis que sistemas multipartidários. Sistemas de muitos partidos dependem de coalizões para formar maiorias e as coalizões tendem a ser mais instáveis que as maiorias formadas por um só partido. Mas, quais as razões que levam determinados países a produzir sistemas bipartidários e outros a alimentar sistemas multipartidários? Duverger distingue diversos fatores. Há fatores específicos, históricos, como a composição étnica e religiosa do país, as divisões produzidas pela tradição e a história de cada um, e fatores gerais, que operam em todos os casos particulares. Os mais importantes entre os fatores gerais são os econômicos, as divisões de classe, os ideológicos e os técnicos, entre os quais sobressai o sistema eleitoral. É claro que Duverger não sustenta que o sistema eleitoral produza a proliferação de partidos. Partidos refletem diferenças políticas relevantes em cada sociedade, diferenças que não dependem do sistema eleitoral vigente. O sistema pode, contudo, favorecer a cristalização dessas diferenças em partidos autônomos, atuando, conforme a imagem do autor, como um freio ou acelerador do processo. Os exemplos são retirados da história observada dos partidos políticos até o momento da formulação do autor, e as chamadas “leis de Duverger” nada mais são que a postulação de um caminho lógico particular a cada sistema eleitoral e a hipótese de sua repetição futura por indução. Assim, no que respeita exclusivamente ao número de partidos, Duverger sustenta em sua primeira “lei”, que sistemas eleitorais majoritários de um só turno levam a sistemas bipartidários. Isso porque nesse sistema partidos minoritários são sempre sub-representados. A verificação desse resultado ao longo de várias eleições levaria o eleitor a optar por alguma forma de voto útil, a concentrar sua escolha nos partidos com possibilidade real de vitória, na prática aos dois maiores partidos. Pela mesma razão, sistemas eleitorais majoritários com dois turnos de votação, como o ballotage na França, tenderiam a produzir sistemas partidários com mais de dois partidos. Isso porque o eleitor, ao saber que disporá de um segundo momento de voto, não se vê compelido ao voto útil. Finalmente, sistemas de voto proporcional tendem a gerar sistemas multipartidários, sistemas com um número de partidos ainda maior que aqueles associados ao voto majoritário com dois turnos de votação. Isso porque no sistema proporcional o número de cadeiras de cada partido deve, idealmente, espelhar o percentual de votos por ele obtido. Não há descarte de votos no momento da eleição e a formação da maioria é problema não dos eleitores, mas deixado ao critério dos eleitos. Partidos e Democracia Vimos que o estudo dos partidos políticos, na perspectiva da sociologia do início do século XX, levou ao ceticismo com relação às possibilidades de permanência da ordem democrática em expansão nas décadas anteriores. A lei da circulação das elites, de Pareto e Mosca, assim como a lei de ferro das oligarquias, de Michels, expressavam esse ceticismo e a crença no retorno à constante histórica profunda das relações de poder: poucos mandam, muitos obedecem. Duverger desenvolve uma relação ambígua com essa vertente. De um lado, aceita o pressuposto fundamental de seus predecessores: o poder está, em todos os casos, nas mãos de poucos e a regra democrática nada mais é que um mecanismo de seleção e renovação das elites. No entanto, o surgimento e proliferação dos partidos de massa representam, para o autor, uma ampliação significativa dos espaços de seleção das elites dirigentes. Antes, na época dos partidos de quadros, dos notáveis, a elite originava-se de um pequeno grupo do universo das classes proprietárias. Com os partidos de massa, representantes autênticos das classes trabalhadoras ganham acesso a posições de mando e passam a constituir uma nova elite, representativa da maioria dos cidadãos de seus países. Segundo Duverger, se abandonarmos a definição ilusória de democracia, governo do povo para o povo, e aderirmos à definição realista, governo para o povo, veremos que, no regime representativo, a democracia não é ameaçada pelos partidos de massa e suas burocracias especializadas em propaganda, doutrinação e campanhas eleitorais. Pelo contrário, esse tipo de partido é condição para que dirigentes saídos das classes majoritárias e a elas ainda vinculados assumam o governo e tomem as decisões para o povo. Democracia representativa com partidos de quadros é, para Duverger, uma combinação conservadora. Mais conservadora do que ela, só a ausência de partidos formalizados, o governo de personalidades isoladas, pois, onde não há partidos a política só se move no sentido de manter a desigualdade pré- existente. Conclusão Vimos neste Módulo que, conforme Maurice Duverger, a eleição dos representantes do povo no parlamento e a ampliação do direito de voto são os fatos históricos que estão na origem dos partidos de quadros e dos partidos de massa, respectivamente. Vimos também que o autor propõe uma agenda de pesquisa dos partidos políticos que engloba algumas dimensões. Na dimensão da estrutura partidária é relevante identificar as unidades mínimas que compõem o partido, sua relação com grupos sociais organizados e as relações que se estabelecem entre essas unidades e as diversas instâncias dirigentes. Na dimensão dos filiados importa perguntar as condições da adesão, os deveres do filiado e a forma como os filiados percebem sua pertença ao partido. Finalmente, na dimensão da direção, há que verificar o processo de seleção, a propensão à oligarquização e as relações da direção com a bancada parlamentar do partido, um foco de poder autônomo. Vimos, ainda, as relações que o autor estabelece entre os sistemas eleitorais e o número de partidos: as relações entre o voto distrital majoritário em turno único e bipartidarismo, entre voto distrital majoritário em dois turnos e um sistema com mais de dois partidos e entre voto proporcional e um número ainda maior de partidos. Módulo V - Poder Legislativo Objetivos Ao final do Módulo V, o aluno deverá ser capaz de: Compreender a distribuição dos Legislativos Bicamerais entre as Democracias do mundo; conhecer quantos e quais são os Legislativos Bicamerais; identificar as características dos países que adotam o sistema Bicameral em comparação com os países Unicamerais; levantar as razões que justificam a operação de duas Câmaras no Poder Legislativo das Democracias Contemporâneas; conhecer a organização interna do Poder Legislativo; identificar as relações entre os Poderes Executivo e Legislativo no Brasil. Introdução Neste Módulo, vamos conhecer o Poder Legislativo e suas relações com os outros poderes. Quais razões levam alguns países, nos dias de hoje, a optar por um legislativo bicameral? Se o que se espera do Legislativo é a representação da diversidade de posições presente no conjunto dos cidadãos e, principalmente, a representação clara da vontade da maioria, uma só Câmara não seria suficiente paraessa função? Por que optar pela alternativa mais complexa e menos econômica? Será verdade que, conforme o argumento de Sieyès, quando a primeira Câmara representa de modo fidedigno a vontade da maioria, a segunda câmara só pode ser supérflua, quando com ela concorda, ou perniciosa, quando a ela se opõe? Vamos tentar responder a essas questões a partir do exame de três tipos de dados: 1) As características comuns dos países que adotam o unicameralismo de um lado e o bicameralismo de outro; 2) as razões históricas e doutrinárias que justificam a existência de uma segunda Câmara; 3) as características que diferenciam, normalmente, primeiras e segundas Câmaras no mundo. Unidade 1 - O Bicameralismo no Mundo Há hoje, no mundo, aproximadamente 170 legislativos nacionais. Aproximadamente um terço adota o formato bicameral e dois terços, portanto, são unicamerais. Historicamente, poucas foram as experiências de funcionamento de mais de duas Câmaras. Houve os casos da Quarta República francesa, que dispunha de uma terceira Câmara, com o formato e as funções de um conselho econômico; da extinta República da Yugoslávia, com cinco Câmaras em funcionamento simultâneo; e da África do Sul, entre 1984 e 1992, também com três câmaras. Por outro lado, o Legislativo da Noruega é normalmente considerado como de “uma Câmara e meia”, uma vez que a primeira Câmara, eleita pelo voto popular, escolhe, entre seus membros, a segunda Câmara. Mas esses são os casos atípicos. Os casos normais são os de uma única Câmara, 2/3 do total de legislativos, como vimos, e os de duas Câmaras, que representam 1/3 dos cento e setenta legislativos nacionais que existem pelo mundo. A distribuição dos dois sistemas, de uma e de duas câmaras, entre os países não é aleatória, ou seja, há determinadas características, territoriais, demográficas e políticas associadas a cada uma dessas opções. De modo geral, o unicameralismo é mais comum em países de área menor, menos populosos, de população mais homogênea, organizados de maneira unitária, nos quais a democracia encontra-se menos consolidada. A adoção de duas Câmaras, por sua vez, está associada, comumente, a países com territórios mais extensos, mais populosos, de população mais heterogênea, organizados de forma federativa, com tradições democráticas mais sólidas e estabelecidas. A tabela seguinte resume as características que distinguem o Unicameralismo do Bicameralismo. UNICAMERALISMO BICAMERALISMO Países de área menor Menos populosos População mais homogênea Organizados de maneira unitária Democracia menos consolidada Países com território mais extenso Mais populosos População mais heterogênea Organizados de forma federativa Tradições democráticas mais sólidas e estabelecidas Para exemplificar: no que se refere ao tamanho da população, duas das maiores democracias unicameralistas são Portugal e Grécia, ambos com aproximadamente 10 milhões de habitantes. Sobre a influência da heterogeneidade da população, há o caso esclarecedor da Bélgica: sua população, embora reduzida, encontra-se profundamente dividida em duas comunidades linguísticas e culturais e uma segunda Câmara legislativa tornou- se importante para a representação adequada dessa diferença. A relação entre bicameralismo e democracia sólida transparece quando constatamos que entre as 36 democracias de longa duração selecionadas por Lijphart, a relação de quantidade se inverte: apenas um terço trabalha com uma única Câmara, e dois terços são bicamerais. Para ilustrar o peso da variável democrática, temos, ainda, os exemplos contrastantes da China e da Índia. Ambos os países são extensos, populosos, com divisões étnico-linguísticas importantes. Na China vigora um sistema político fundamentado num único partido, que evita eleições competitivas. Na Índia, o sistema é pluripartidário, eleições competitivas são realizadas periodicamente e há alternância dos partidos no poder. No que diz respeito aos legislativos, a China é o maior país unicameral do mundo, enquanto a Índia opera com um sistema de duas Câmaras. Tudo indica, portanto, que as características assinaladas podem ser hierarquizadas, de acordo com seu poder explicativo. Duas delas parecem ser fundamentais: a) A heterogeneidade, qualquer que seja seu fundamento, da população, razão fundamental de se procurar outro espaço de representação, e b) A democracia política, razão dessa necessidade encontrar ou não abrigo no desenho institucional. Área territorial e tamanho da população estão associados à heterogeneidade, uma vez que populações maiores e dispersas tendem mais facilmente à diferenciação; a ordem federativa, por sua vez, é um arranjo institucional comum também em populações diferenciadas. Em suma, populações diferenciadas necessitam de um sistema de representação complexa porque a vontade simples da maioria não atende, muitas vezes, às necessidades e interesses das minorias. Nessa perspectiva, o bicameralismo é a alternativa institucional, no caso extremo, a uma situação de secessão e guerra civil. Democracias consolidadas, por sua vez, tendem a mostrar sensibilidade maior a essa necessidade e a optar, por conseguinte, por desenhos bicamerais. Unidade 2 - Razões do Bicameralismo O exame de alguns dados relativos à distribuição dos dois sistemas entre os diferentes países levou à formulação de uma hipótese rudimentar sobre as razões modernas da adoção do sistema bicameral. Vamos agora examinar as justificativas comumente utilizadas para fundamentar essa escolha, ou seja, as razões históricas e doutrinárias que surgem nesse debate. Em primeiro lugar, é preciso examinar uma importante razão histórica associada à existência de uma segunda Câmara, uma razão que podemos chamar estamental. Segundas Câmaras sugiram normalmente como espaço de representação de estamentos privilegiados da população, considerados de especial relevância para o país, como a nobreza e o clero, merecedores, por essa razão, de um espaço de representação próprio. Hoje, o único caso que remanesce é o da Câmara dos Lordes, no Reino Unido. Ao longo do século XX, diversas segundas câmaras com essas características foram extintas, como ocorreu, por exemplo, em Portugal, Suécia, Hungria e Japão. Evidentemente, a razão de se manter uma câmara de tipo estamental deve ser procurada na lógica das sociedades aristocráticas tradicionais e resulta pouco compatível com a vigência quase universal do ordenamento democrático no mundo atual. Mas mesmo na modernidade democrática, existem outras razões que levam diversos países a optar por um modelo com duas câmaras e não com uma única câmara. Para saber mais sobre o bicameralismo, leia o artigo “Razões do Bicameralismo”, de Caetano Ernesto Pereira de Araujo, Doutor em Sociologia Política pela Universidade de Brasília e Consultor Legislativo do Senado Federal, clicando aqui! Examinemos as diversas razões apresentadas para a justificação do bicameralismo: a) Em primeiro lugar, uma segunda Câmara é importante para todos os arranjos institucionais que contemplam o princípio da divisão de poderes. É clássica a teorização da democracia como um sistema de divisão e controle recíproco de poderes. O desenho institucional norte-americano, de enorme influência sobre as repúblicas posteriores, tem como um de seus fundamentos o sistema de pesos e contrapesos, expressão prática e institucional desse princípio. Nessa linha, a segunda Câmara é um instrumento normalmente utilizado nos arranjos institucionais para os quais é importante
Compartilhar