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Autores: Profa. Priscilla Augusta Monteiro Ferronato Prof. Mário Luiz Miranda Aprendizagem e Desenvolvimento Motor Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 Professores conteudistas: Priscilla Augusta Monteiro Ferronato / Mário Luiz Miranda Priscilla Augusta Monteiro Ferronato Doutora em Ciências pela Escola de Educação Física e Esportes da Universidade de São Paulo (USP). Possui mestrado em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Unesp‑Rio Claro e é bacharel em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Unesp‑Rio Claro. Professora na Universidade Paulista (UNIP) desde 2004 e coordenadora do curso de Educação Física no campus de Alphaville desde 2007. Membro do Grupo de Estudos da Ação e Intervenção Motora na Universidade de São Paulo (USP), dedicando as pesquisas ao desenvolvimento do comportamento ativo das mãos, especialmente em bebês. Estágio sanduíche realizado na Universidade de Umea‑Suécia (Processo Capes 1592412‑2) no ano de 2013. Atualmente é responsável pelo projeto de pesquisa sobre a emergência e o desenvolvimento da ação manipulativa de apertar em bebês de 1 a 3 meses de idade, com financiamento Fapesp (processo 2015/50530‑1). Mário Luiz Miranda Mestre em Ciências pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP) e graduado em Educação Física pela Universidade Paulista (UNIP), onde atua como professor e coordenador pedagógico, desde 2006, nas disciplinas de Aprendizagem e Desenvolvimento Motor e Lutas: Aspectos Pedagógicos e Aprofundamento. Exerce docência em IES para cursos de pós‑graduação na disciplina de Teoria de Aprendizagem Motora, por meio de EaD. Seus principais trabalhos publicados versam sobre: a iniciação no judô: relação com o desenvolvimento infantil; efeitos do uso da instrução verbal e demonstração por vídeo na aprendizagem de uma habilidade motora do judô; estudos de prática formalizada de kata (rotinas de aprendizagem de golpes da modalidade de judô) com título Práctica y caracterización de las katas por profesores y árbitros de judô experimentados e livro sobre respostas psicofisiológicas da arbitragem de judô: efeitos da experiência dos árbitros e do nível das competições. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Z13 Zacariotto, William Antonio Informática: Tecnologias Aplicadas à Educação. / William Antonio Zacariotto ‑ São Paulo: Editora Sol. il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2‑006/11, ISSN 1517‑9230. 1.Informática e tecnologia educacional 2.Informática I.Título 681.3 ? Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Vitor Andrade Juliana Mendes Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 Sumário Aprendizagem e Desenvolvimento Motor APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 DEFINIÇÕES DE DESENVOLVIMENTO ....................................................................................................... 11 2 TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO .............................................................................................................. 13 2.1 Área de pesquisa ................................................................................................................................... 13 2.1.1 O estudo do desenvolvimento no Brasil ........................................................................................ 15 3 ABORDAGENS METODOLÓGICAS PARA O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO .......................... 21 3.1 Período Maturacional (1928‑1946) .............................................................................................. 21 3.2 Período normativo/descritivo (1946‑1970) ............................................................................... 24 3.3 Período orientado ao processo (1970 até os dias atuais) .................................................... 28 3.4 Abordagens teóricas para o desenvolvimento ......................................................................... 33 3.4.1 Abordagem maturacionista ................................................................................................................ 33 3.4.2 Abordagem desenvolvimentista (sistemas dinâmicos) ............................................................ 35 3.4.3 A multicausalidade do desenvolvimento ...................................................................................... 37 3.5 Atratores .................................................................................................................................................. 40 3.6 Exploração e seleção ........................................................................................................................... 42 3.7 Percepção‑ação ..................................................................................................................................... 43 3.8 Abordagem dos sistemas de ação ................................................................................................. 46 3.8.1 Sistema de orientação básica ............................................................................................................ 49 3.8.2 Sistema investigativo ............................................................................................................................ 50 3.8.3 Sistema locomotor ................................................................................................................................. 50 3.8.4 Sistema de alimentação ....................................................................................................................... 51 3.8.5 Sistema performático............................................................................................................................ 51 3.8.6 Sistema expressivo ................................................................................................................................. 51 3.8.7 Sistema semântico ................................................................................................................................. 51 3.8.8 Sistema de jogo .......................................................................................................................................52 3.8.9 Desenvolvimento da ação ................................................................................................................... 52 4 DO MOVIMENTO PARA A AÇÃO ................................................................................................................ 54 4.1 Seleção das ações ................................................................................................................................. 57 4.2 Desenvolvimento motor versus desenvolvimento da ação ................................................ 58 4.3 Modelos de desenvolvimento motor ........................................................................................... 59 4.3.1 Modelo de Gallahue ............................................................................................................................... 59 4.3.2 Modelo de Manoel e Connolly .......................................................................................................... 65 Unidade II 5 DESEMPENHO MOTOR EM ADULTOS E IDOSOS .................................................................................. 76 5.1 Alterações biológicas, fisiológicas e morfológicas nos sistemas dos adultos .............. 77 5.2 Sistema musculoesquelético ........................................................................................................... 77 5.3 Sistema nervoso central (SNC) ....................................................................................................... 79 5.4 Sistemas circulatório e respiratório .............................................................................................. 80 5.5 Sistemas sensoriais .............................................................................................................................. 80 5.6 Sistema motor ....................................................................................................................................... 82 5.6.1 Tempo de reação ..................................................................................................................................... 82 5.6.2 Equilíbrio e postura ................................................................................................................................ 83 6 PADRÃO DA MARCHA ................................................................................................................................... 85 Unidade III 7 MODELOS DE APRENDIZAGEM MOTORA .............................................................................................. 94 7.1 Termos‑chave em aprendizagem motora................................................................................... 94 7.1.1 Habilidade motora e capacidade ...................................................................................................... 94 7.1.2 Desempenho motor e medidas de avaliação .............................................................................. 95 7.1.3 Fatores de influência sobre o desempenho motor .................................................................... 98 7.1.4 O conceito de equivalência motora ................................................................................................ 99 7.1.5 Considerações sobre a prática .........................................................................................................101 7.2 Definições de aprendizagem motora .........................................................................................102 7.2.1 Teoria do Processamento de Informações ..................................................................................102 7.2.2 Teoria dos Sistemas Dinâmicos .......................................................................................................104 7.3 A aprendizagem motora: modelos propostos.........................................................................109 7.3.1 O modelo de Fitts e Posner ............................................................................................................... 110 7.4 Fases de aprendizagem propostas por Gentile .......................................................................112 7.4.1 Primeira fase – Captação da ideia do movimento .................................................................. 112 7.4.2 Segunda fase – Aperfeiçoamento da habilidade .....................................................................113 7.4.3 Modelo coordenativo de aprendizagem motora de Newell ................................................ 113 8 ESTRUTURAÇÃO DA PRÁTICA ...................................................................................................................116 8.1 Classificações das habilidades motoras .....................................................................................116 8.1.1 Categorização quanto à precisão dos movimentos................................................................116 8.1.2 Habilidades classificadas quanto à organização do movimento ...................................... 116 8.1.3 Tarefas motoras classificadas quanto à previsibilidade de ambiente/tomada de decisão 117 8.1.4 Classificação quanto ao sistema de ação motora ................................................................... 118 8.2 Organização da aprendizagem e planejamento da prática ..............................................120 8.2.1 Instruções iniciais da habilidade.................................................................................................... 120 8.2.2 Planejamento da prática ....................................................................................................................121 8.2.3 O princípio da interferência contextual para a prática variada ....................................... 124 8.3 Estabelecimento de metas para aprendizagem motora .....................................................125 8.3.1 Competições como metas de aprendizagem............................................................................ 128 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 8.4 Conhecimentos de resultados e de performance .................................................................130 8.5 Verificação de aprendizagem por meio das medidas de desempenho.........................131 8.6 Novidades em aprendizagem motora ........................................................................................132 9 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 APRESENTAÇÃO Esta disciplina tem o objetivo de destacar uma caracterização da área de aprendizagem e desenvolvimento motor nos contextos profissional e acadêmico. Para tal, identifica o conjunto de mudanças no desenvolvimento e os processos e mecanismos que levam à aquisição de novas habilidades. Desse modo, pretende‑se oferecer ao aluno noções de teorias da aprendizagem e desenvolvimento motor, bem como suas aplicações na formação e o aperfeiçoamento do repertório motor. INTRODUÇÃO O desenvolvimento motor e a aprendizagem motora são considerados umas das mais relevantes áreas de conhecimento para os profissionais da Educação Física. Os saberes sobre o processo de evolução do comportamento motor ao longo do ciclo da vida são essenciais para que o professor possa planejar aulas eficazes, que atinjam os objetivos de cada faixa etária, com o intuito de ampliar o repertório motor do aluno ou até mesmo de aperfeiçoar o leque de suas habilidades motoras. Conhecer os limites e as possibilidades do comportamento motor humano e as estratégias que facilitam e promovem a aprendizagem das aptidões motoras é vital. Por isso, os conteúdos acentuados inicialmente conduzem o leitor através da história dos estudos do progresso motor humano, passando pela observação e explicação do comportamento fetal,neonatal e infantil, apresentando as descobertas motoras em cada faixa etária e as teorias utilizadas para explicar tais mecanismos. Depois abordaremos o estável comportamento adulto até chegar às alterações e adaptações observadas, sobretudo, nos aspectos motores durante a velhice. Por fim, destacar‑se‑ão as principais definições relacionadas ao mecanismo de aprendizagem motora, bem como as teorias aplicadas ao longo do tempo para explicar o sistema de aprendizagem e as estratégias mais eficientes para facilitar o processo de aprendizagem de novas habilidades motoras. 11 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO MOTOR Unidade I 1 DEFINIÇÕES DE DESENVOLVIMENTO O desenvolvimento, que pode ser definido como um processo de mudança ao longo de um período de tempo, trata‑se de um fenômeno popularmente conhecido e comentado por todos, mas ainda nebuloso. Figura 1 – Etapas da vida As mudanças que acontecem ao longo do tempo estão presentes no dia a dia de todos. Em se tratando dos humanos, é possível observar essas alterações desde a vida intrauterina e depois em bebês, crianças, adultos e idosos. A presença do desenvolvimento fica mais evidente e é mais popular durante a infância. Desde a concepção, os pais e familiares acompanham passo a passo o processo de desenvolvimento pelo qual a criança passa. Essas oscilações ficam evidentes durante a gestação, quando o tamanho e o peso do feto são minuciosamente observados em exames pré‑natais. Depois do nascimento, cada nova habilidade que o bebê é capaz de fazer é vista como mais uma conquista ao longo do ciclo da vida. Assim, pouco a pouco, cada indivíduo se transforma em um ser social, com uma vida em conjunto que se torna cada vez mais ativa. O termo desenvolvimento e suas variações serão tratados adiante, bem como a evolução acadêmica da área, as abordagens utilizadas nos estudos e as novas perspectivas. 12 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 Unidade I Muitas são as definições para o termo desenvolvimento; também em igual quantidade são as limitações do que é desenvolvimento motor. Citamos algumas delas: • Mudanças no comportamento motor relacionadas com a idade (WILLIANS, 1989). • Processo de aumento de idade ao longo da vida relacionado com mudanças no comportamento motor (VANSANT, 1989). • Desenvolvimento motor representa as mudanças no comportamento motor reflexo da interação de maturação, organismo e ambiente (THOMAS; THOMAS, 1989). • Contínua alteração no comportamento ao longo do ciclo da vida, realizado pela interação envolvendo as necessidades da tarefa, a biologia do indivíduo e as condições do ambiente (GALLAHUE; OZMUN, 2001). Esses poucos exemplos de definições estão longe de exemplificar de maneira completa todas as formas pelas quais o termo foi destacado. Muitos foram os pesquisadores que produziram trabalhos de relevância para a área em diferentes momentos da história. Cada autor que apresentou um conceito para desenvolvimento baseou‑se em sua perspectiva teórica da época, porém, essencialmente, todas elas tocam no ponto principal: as mudanças. As alterações de um estado para outro são uma constante na vida de seres vivos. Elas foram estudadas de muitas formas, sob diversas perspectivas, métodos diferentes, sujeitos distintos, mas ainda assim com todos os olhares voltados para as mudanças. Para a compreensão do desenvolvimento motor, é importante saber precisamente as corretas definições de alguns termos comumente utilizados no âmbito acadêmico e no cotidiano. São eles: crescimento, desenvolvimento e maturação. Obviamente todos eles estão intrincadamente relacionados, porém cada um tem sua função e seu significado específico no processo de evolução. O crescimento pode ser fixado como o aumento de tamanho das estruturas (por exemplo, altura de um sujeito, comprimento dos braços e pernas etc.). Já o desenvolvimento está relacionado com as alterações do funcionamento dos sistemas, mais especificamente com as mudanças que acontecem. Vejamos alguns exemplos: um bebê que começa a rolar de decúbito dorsal para ventral, o início do engatinhar, o andar e muitas outras variações no comportamento observável durante o processo de desenvolvimento. A maturação, entretanto, é considerada como a melhora na operação dos sistemas, e um bom exemplo é o processo de maturação sexual passado pelos jovens durante a puberdade, momento em que os órgãos que compõem o sistema reprodutor amadurecem, atingindo o auge de suas funções. Além dessas definições, há outras descrições relevantes para esclarecer o termo desenvolvimento e suas diferentes facetas: • aprendizagem: mudança interna no indivíduo inferida a partir de uma melhora relativamente permanente na performance que resulta da prática ou da experiência (MAGILL, 2000). 13 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO MOTOR • performance: comportamento observável na realização de uma habilidade (MAGILL, 2000). • habilidade motora: uma aptidão que requer a coordenação de movimentos do corpo e/ou dos membros com o intuito de atingir um objetivo (MAGILL, 2000). • capacidade motora: um traço geral de um indivíduo, que sustenta a realização de uma variedade de habilidades motoras (MAGILL, 2000). • adaptação: processo de mudança no qual há um ajuste, normalmente, do comportamento do sujeito no ambiente em que está inserido. Lembrete Aprendizagem está relacionada a mudanças relativamente permanentes. 2 TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO Antes de pontuar e discutir cada uma das teorias de desenvolvimentos que a disciplina contempla, é vital entender de onde surgiu a área de pesquisa do desenvolvimento motor e posicioná‑la no mundo e no Brasil. 2.1 Área de pesquisa O uso de diferentes abordagens para a interpretação dos estudos dificulta a divisão do campo de pesquisa do desenvolvimento motor. Ao longo da história, vários conceitos foram cunhados para esse campo de análise, que já foi classificado como sinônimo de educação física quando Gallahue (1982) disse que as crianças precisam participar de “programas de desenvolvimento motor”. Também descrito como uma das três subáreas que compõem o campo Comportamento Motor juntamente com Controle e Aprendizagem Motora (SEEFELDT, 1989); uma subárea dentro da aprendizagem e controle motor (SCHMIDT, 1988), subdisciplina própria (ROBERTON, 1989; SMOLL, 1982), ou ainda, como uma subdisciplina única, que abarca todas as outras extensões, como fisiologia, educação, biomecânica etc. (THOMAS, 1989). Enquanto cada grupo de pesquisadores adota sua abordagem, cada vez mais há uma dicotomia entre as áreas. Tendo em vista que a definição de desenvolvimento motor tem sido praticamente a mesma para todas as divisões, desde que o conceito passou a ser visto como um processo ao longo da vida, ou seja, a definição acadêmica é que o desenvolvimento motor representa as mudanças no comportamento motor ao longo do ciclo da vida e os mecanismos que delineiam essas alterações. Essa concepção foi adotada pela grande maioria da comunidade científica. Contudo, quais são as disciplinas ou subdisciplinas que cuidam de estudar esse fenômeno? 14 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 Unidade I Para responder a essa pergunta, podemos começar olhando para as áreas em que essas pesquisas surgiram: a psicologia e a educação física. Foi por conta da simbiose da biologia do ser humano envolvida no comportamento social que tempos atrás a psicologia voltou seu interesse para a análise do desenvolvimento.Assim, a psicologia, em especial a psicologia desenvolvimental, ajudou imensamente o avanço nessas análises. Os psicólogos, por meio das detalhadas observações do comportamento motor em bebês e crianças, muito contribuíram para a descrição e para o entendimento de alguns dos processos que permeiam o desenvolvimento. Depois disso, houve um afastamento dos psicólogos nos estudos do desenvolvimento, e a educação física apresentou maior auxílio para a expansão da cultura na área em determinada época. Fazendo uma comparação simplificada entre esses dois grupos, tanto a psicologia quanto a educação física parecem ter oferecido assistências valiosas, pois cada um deles, em suas divisões de pesquisa específicas (Psicologia – área da psicologia desenvolvimental e da psicologia da aprendizagem; educação física – área escolar, de treinamento e de desenvolvimento infantil) vem oferecendo graduação e pós‑graduação nestas subárea por muitos anos. No entanto, depois de um período “dormente” do interesse da Psicologia pelas análises na área do desenvolvimento, esta voltou a direcionar seus interesses para tais campos, e desde que os psicólogos retomaram o interesse pelos estudos do desenvolvimento, certa confusão começou a crescer entre os pesquisadores da educação física no que cerca o debate, e irrompem as seguintes questões: o que o desenvolvimento motor realmente é? É uma subdisciplina ou uma área de especialização única? Sob outra perspectiva, juntamente com outras subdisciplinas, onde se forma um campo de estudo? Entender essas questões e responder a elas é fundamental para assimilar o desenvolvimento motor e por que devemos examiná‑lo. Para compreender o processo de desenvolvimento, é essencial inteirar‑se sobre as fases de aprendizagem e controle (outras duas subáreas importantes e que se confundem com desenvolvimento, crescimento e maturação). O controle diz respeito ao papel do sistema neuromuscular na produção do movimento, aspecto vital do comportamento. A aprendizagem é outro aspecto que faz parte do sistema de desenvolvimento, portanto não pode ser tratada de forma isolada. Assim, as mudanças observadas no comportamento motor são fruto da interação dos fatores biológicos (a maturação de todos os sistemas e como ocorrem os processos de controle dos sistemas, e não somente do sistema nervoso central) e ambientais (como a aprendizagem). A maturação dos sistemas e a aprendizagem são os dois lados que compõem a moeda; ambos são os responsáveis pelas mudanças e pela adaptação que cada indivíduo sofre ao longo da vida. Por isso, o comportamento, ou as ações produzidas, são mutuamente dependentes desses fatores. A aprendizagem não cabe em um sistema que ainda não esteja preparado para aprender, e, ao mesmo tempo, a maturação sofre influências de várias experiências de aprendizagem do indivíduo. Na realidade, as pesquisas mais efetivas para o desenvolvimento deveriam alinhavar o conhecimento e as abordagens tanto da aprendizagem quanto do controle sob uma perspectiva desenvolvimental. Um dos conceitos mais coerentes sobre o desenvolvimento aponta que desenvolvimento motor não é uma disciplina nem uma subdisciplina de alguma grande área de conhecimento; é uma perspectiva, uma forma de analisar o desenvolvimento e suas alterações em qualquer divisão. 15 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO MOTOR O desenvolvimento é na verdade uma forma de analisar os processos de mudanças, sejam eles sistemas de aprendizagem, sejam mecanismos de coordenação e controle. Esse é um argumento poderoso, porque a lacuna de comunicação que existe entre os estudos em cada uma dessas áreas, aprendizagem e controle, tem contribuído cada vez mais para aumentar a confusão sobre o que se deve estudar, e sob quais perspectivas. O exame somente sob a perspectiva do controle corre o risco de perder o apoio da maturação e da aprendizagem para o processo. Assim como apenas a análise sobre os aspectos da aprendizagem pode ignorar os auxílios da maturação e, por conseguinte, do controle, no desenvolvimento. Dessa maneira, o desenvolvimento per se é mais do que uma mera comparação sobre o controle ou a aprendizagem em diferentes idades. Na verdade, o que cada uma dessas partes tenta fazer é elucidar os mecanismos particulares que ocorrem ao longo da vida. Do mesmo modo que avaliar apenas os processos perceptivos ou cognitivos não é suficiente para entender o todo dentro do sistema de desenvolvimento, cada uma dessas partes poderá trazer muito mais contribuições se for inter‑relacionadas nos estudos, pois essa associação é o processo de desenvolvimento em si. Há muitas formas de se coordenar o conhecimento em desenvolvimento motor: conhecimento produzido, aplicação do conhecimento produzido, organização de cursos de graduação e pós‑graduação etc. O que um pesquisador do desenvolvimento motor precisa ter é o foco desenvolvimental associado ao conhecimento sobre o comportamento motor em geral (aprendizagem, controle e maturação). Justamente como a psicologia desenvolvimental está separada da experimental, ou a bioquímica está dissociada da química, o desenvolvimento motor é destacado do comportamento motor por causa do foco. No entanto, é preciso entender que alguns desses aspectos são únicos e devem ser estudados separadamente nos cursos de desenvolvimento motor (em educação física, psicologia, fisioterapia, terapia ocupacional, neurociência ou medicina) por uma questão didática. Por exemplo, é vital que as disciplinas sejam tratadas de forma isolada nos cursos de graduação e pós‑graduação, como controle motor, crescimento físico, neuroanatomia e tantas outras. Todavia, é essencial esclarecer a relação de interdependência delas, pois quando forem ser analisadas as mudanças, e esta análise adotar uma perspectiva desenvolvimental, cada uma delas deverá trazer sua contribuição para a interpretação do processo inteiro. Assim, um termo mais amplo seria o desenvolvimento do comportamento motor, e este termo abarcaria tudo o que fosse adjacente a este processo (aprendizagem, maturação, crescimento e controle). 2.1.1 O estudo do desenvolvimento no Brasil As avaliações sobre o comportamento motor no Brasil tiveram um início mais acalorado com a volta de muitos estudantes de doutorado que foram realizar seus cursos fora do país nos anos 1980. Nessa época aproximadamente dez professores doutores regressaram para o Brasil na década seguinte, e assim esse número vem crescendo cada vez mais. O crescimento é tão claro que o governo tem desestimulado suas agências de fomento a incentivar esses discentes a fazer seus cursos integralmente fora do país, uma vez que hoje em dia o Brasil possui diversas universidades com programas de pós‑graduação em nível de doutorado. Todavia, há incentivo para pequenos estágios fora do país (durante o curso de doutorado) para aquisição de expertise em pesquisa e na formação teórica dos estudantes de doutorado e doutores interessados em seguir com cursos de pós‑doutorado. 16 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 Unidade I A partir da década de 1980, as pesquisas em comportamento motor começaram a ser realizadas no Brasil, mesmo timidamente. Algumas universidades tinham seus laboratórios de pesquisa em comportamento motor, porém ainda não havia algum evento nessa área específica no país. A primeira reunião oficial sobre o tema foi organizado em 1998 para comemorar os dez anos de existência de um dos laboratórios focados nas questões do comportamento. Desde então, este ato e outros mais recentes tradicionalmente acontecem, atraindo profissionais de varias áreas, como educação física, fisioterapia e terapia ocupacional. No entanto, é bem possívelque outras divisões que não têm participado desses eventos em particular também tenham seu foco no comportamento motor e tenham apresentado seus achados em reuniões de outras classes, como psicologia, pediatria, gerontologia, fisioterapia, terapia ocupacional, neurociência etc. O fato é que a área tem se esforçado para se fortalecer no Brasil e, para isso, não tem medido esforços em trazer investigadores de renome para debates e palestras. Tal empenho aumentou o número de trabalhos e publicações expostas em congressos, porém é preciso avaliar esses dados com cuidado, pois números não são referenciais de qualidade. Observação Em 2002 foi fundada a Sociedade Brasileira de Comportamento Motor, que em 2009 passou a se chamar Socibracom. Saiba mais Para saber mais, acesse o site do Congresso Brasileiro de Comportamento Motor: <socibracom.com>. As pesquisas que começaram a se destacar na área da aprendizagem motora hoje em dia apresentam um domínio do controle motor e um crescimento nos estudos sobre o desenvolvimento motor. Entretanto, há ainda um caminho longo a ser percorrido para contribuir efetivamente com o desenvolvimento e a expansão das análises nesse campo. Possivelmente, o ponto de partida deva ser despertar o interesse dos alunos de graduação para a pesquisa acadêmica. Esse despertar é a peça fundamental para a evolução da classe, deve ser certeiro e cuidadoso. Oferecer ao estudante a oportunidade de fazer exame em comportamento motor não é entregar em suas mãos um projeto de pesquisa e deixá‑lo executar. É preciso mais do que isso, é vital fazer que o discente descubra exatamente o que é a análise científica, passando por todas as etapas de maneira plena, desde a formação e a solidificação do conhecimento teórico até a elaboração do problema de pesquisa, levando‑o a adquirir independência e autonomia no campo da pesquisa, que são essenciais para o levantamento de boas questões de estudo. 17 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO MOTOR A partir de então é que a parte experimental entra em cena e os pensamentos e as discussões devem voltar‑se para o planejamento e a aplicação dos procedimentos metodológicos. Feito isso, a análise e a discussão dos resultados, bem como a finalização do trabalho, são consequências, pois, com a formação teórica sólida, boa parte da pesquisa acadêmica está garantida. Os esforços para aumentar com qualidade o número de pesquisadores na área com certeza vai promover o crescimento desta. A dedicação em uma formação sólida, com uma visão abrangente, na qual todos os aspectos do comportamento são levados em consideração, é um investimento promissor para as avaliações do comportamento motor no Brasil e também para o avanço da Educação Física em sua prática, seja na escola, seja fora dela. Os primeiros estudos sobre o desenvolvimento motor começaram com a descrição do comportamento de bebês, que foi chamada de “biografia dos bebês”. Darwin, em 1877, depois do nascimento de seus filhos, talvez tenha sido um dos pioneiros nesta tarefa. Suas análises eram relatos minuciosos que descreviam todo o comportamento apresentado pelos bebês em todas as situações possíveis. As análises contemplavam atividades de alimentação, manipulação, perceptivas, emocionais, entre tantas outras. Saiba mais O artigo a seguir faz um breve relato sobre Charles Darwin e sua capacidade de observação, característica importante para estudos do desenvolvimento. CELERI, E. H. R. V.; JACINTHO, A. C A.; DALGALARRONDO, P. Charles Darwin: um observador do desenvolvimento humano. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. 13, n. 4, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext& pid=S1415‑47142010000400002>. Acesso em: 20 dez. 2016. Já no século XX os pesquisadores que trouxeram grandes contribuições para o estudo do desenvolvimento foram os psicólogos infantis da Clínica de Desenvolvimento Infantil de Yale, Arnold Gesell e Henry Halverson. Na Universidade da Califórnia estava Nancy Bayley, na Universidade de Columbia, Myrtle McGraw, e na Universidade de Minessota, Mary Shirley. As avaliações dessa época eram em sua maioria observações longitudinais (acompanhadas ao longo do tempo) com descrições cheias de detalhes e ainda traziam alguma explicação sobre o processo que estava por trás, oferecendo condições para que tais comportamentos se manifestassem. Em suas explicações, cada um dos pesquisadores defendia seus pontos de vista, em geral com base numa teoria ou outra. Na época as teorias vigentes que permeavam as discussões sobre o comportamento eram a Teoria Maturacional e a Teoria Ambiental, que estudaremos mais adiante. 18 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 Unidade I Historicamente o estudo do desenvolvimento motor (no campo da Psicologia) por meio das observações e descrições focou as repostas periféricas, ou seja, o comportamento motor apresentado pelo sujeito, para interpretar o estado do sistema, porém o foco dessas investigações eram as funções cognitivas. Assim, a ideia principal era observar o comportamento motor para verificar quão intacto ele estava em relação às funções cognitivas. Os estudos descritivos de pioneiros como Gessel e McGraw foram importantes para a elaboração futura da proposta de Piaget sobre o desenvolvimento do funcionamento cognitivo. Esses relatos também incentivaram muitos outros pesquisadores, hoje tidos como seminais da área do desenvolvimento, em especial entre as décadas de 1960 e 1980, como: Eckert – com vários artigos e um livro em 1976; Halverson e Roberton – com estudos sobre habilidades fundamentais; Keogh – com análises em performance motora e aquisição de aptidões para deficientes; Malina – com pesquisas relacionando o crescimento e a performance motora e livros sobre crescimento e desenvolvimento; Newel – com investigações sobre o desenvolvimento e a aquisição de habilidades e controle motor; Seefeldt – com análises de faculdades fundamentais; Rarick – com seus livros (de 1961 e 1973) e avaliações sobre performance motora e fitness (nas décadas de 1950, 1960, 1970 e 1980); Thomas – com exames sobre aquisição de habilidades; e Wade – com obras sobre aquisição de habilidades em deficientes. Alguns desses pesquisadores ainda estão vivos e academicamente ativos, outros infelizmente faleceram, no entanto deixaram seu legado, que vem sendo bem‑aproveitado e replicado por novos peritos no assunto. As formações desses novos estudiosos e de alunos em seus cursos de graduação baseiam‑ se em alguns livros‑textos que apresentavam as avaliações e as abordagens mais relevantes de cada um em sua época. Citamos como exemplo alguns autores e os anos de suas obras (indicadas nas referências) mais usadas em disciplinas que abordam o tema Desenvolvimento: Eckert (1987); Gallahue (1982, 2001); Haywood (1986); Keogh & Sugden (1985); Wicstrom (1983); Williams (1983) e Thomas (1984). 19 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO MOTOR Figura 2 – David Gallahue Todos eles estão de alguma maneira fundamentados nas ideias de grandes nomes do desenvolvimento, como: Connolly (1970); Rarick (1973); Malina (1975); Kelso & Clark (1982). Figura 3 – Professora Jane Clark Na psicologia desenvolvimental, os grandes nomes foram Kevin Connolly, Herb Pick e Claes von Hofsten, todos envolvidos com pesquisas sobre mudanças no comportamento infantil e aquisição de habilidades sob uma perspectiva desenvolvimental. 20 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fers on - 1 0/ 01 /1 7 Unidade I Figura 4 – Kevin Connolly Depois da Segunda Guerra Mundial (anos 1950 e 1960), foram realizados muitos estudos transversais aplicados para a escola, mas sem uma fundamentação teórica. Nessa época, Anna Espenschade e G. Lawrence Rarick fizeram uma série de análises, tanto longitudinais quanto transversais, investigando o desenvolvimento motor aplicado à área da Educação Física. No começo dos anos 1960, os pesquisadores começaram a notar que o comportamento apresentava mudanças dramáticas depois da infância e passaram então a estudar todo o ciclo da vida, importando‑se mais com a adolescência, a vida adulta e o envelhecimento. Assim, a abordagem do ciclo vital teve início. A Teoria do Ciclo da Vida aborda as alterações na organização do sistema neuromotor acompanhadas de mudanças dramáticas no tamanho e na forma do corpo durante a infância e a adolescência. Também passam a ser consideradas súbitas mudanças no estilo de vida que começam e terminam durante a fase adulta e a velhice, relacionadas a estilo de vida, a período escolar, trabalho, família e responsabilidades que acompanham estas etapas. Do ponto de vista de VanSant (1989), a maturidade, que tradicionalmente é vista como a finalidade do desenvolvimento, é apenas um dos momentos (instantâneos) do processo do desenvolvimento. Por todas essas diferenças, não faz sentido comparar adultos e crianças, pois ambos estão em fases diferentes da vida e estas têm finalidades e funções distintas. Em cada uma delas há algo a se ensinar ou se aprender sobre o desenvolvimento, e assim, apesar de muitos estudos sobre o desenvolvimento focarem a infância, todas as outras etapas da vida apresentam mudanças importantes a serem analisadas sob a perspectiva desenvolvimental. À época, os Institutos de Desenvolvimento da Criança mudaram seus nomes para Institutos do Desenvolvimento Humano. O artigo de Nancy Bayley “O ciclo da vida como um quadro de referência na pesquisa psicológica” foi rotulado como o precursor da perspectiva do ciclo da vida, e muitos pesquisadores renomados na área, como Clark (1994), Halverson, Roberton & Harper (1973), Haywood (1986), Roberton & Halverson (1977, 1984) passaram a adotar a perspectiva do ciclo da vida. 21 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO MOTOR A história do desenvolvimento motor pode ser traçada da seguinte forma: o desenvolvimento motor começou como o estudo da infância, depois do desenvolvimento infantil e passou a fazer parte da psicologia desenvolvimental, que foi definida como os exames das mudanças, ao longo do ciclo da vida, no comportamento motor. Assim, avaliar a criança não é necessariamente uma análise desenvolvimental, pois desenvolvimento refere‑se a um processo ao longo da vida, e a infância é apenas uma parte desse processo, como qualquer outra fase da vida. Outra questão a se pensar é para onde segue o desenvolvimento, pois é comum dizer que ele segue para a maturidade, no entanto, o curso da vida segue para a vida adulta e, por fim, para o envelhecimento e a morte. Será mesmo que a finalidade do desenvolvimento é a maturidade? Será que o comportamento maduro é aos 20 ou aos 80 anos de idade? Nessa perspectiva ao longo da vida, quanto a maturação pode ser igualada ao desenvolvimento? Até então, os pesquisadores do desenvolvimento ou se pautavam pela causalidade, em que a maturação era atribuída a forças internas, que eram guiadas pelos genes que levavam ao desenvolvimento, ou assumiam a influência do ambiente sobre o desenvolvimento humano. Neste caso, apontando a influência do ambiente sobre os genes, e até mesmo a de um grupo de genes sobre outro grupo de genes, o objetivo do desenvolvimento ainda seria a maturidade. Contudo, o conceito do ciclo da vida muda o bojo dessas concepções, pois força o reconhecimento de múltiplos fatores, interferindo no desenvolvimento causador das mudanças. 3 ABORDAGENS METODOLÓGICAS PARA O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO 3.1 Período Maturacional (1928‑1946) Seguindo o legado dos pesquisadores do período anterior, por meio do método observacional, nos anos 1930 o exame em desenvolvimento motor apresentou um dos seus períodos mais férteis. Inspirados nos exemplos da biografia dos bebês, nessa época, muitos foram os estudos de caso, com acompanhamento longitudinal e descrições de indivíduos. Arnold Gesell e Myrtle McGraw foram as estrelas e pioneiros nos estudos, com ricos detalhes sobre diversos comportamentos infantis. Ambos destacaram uma visão que levantou questões sobre os behavioristas, pois apontaram a importância dos processos biológicos, como a maturação, para o comportamento do indivíduo. Em suas análises, Gesell e McGraw apontaram as características no comportamento dos bebês e concluíram que estas refletiam regularidades na maturação cerebral, um sistema comum geneticamente conduzido em todas as crianças. Fizeram relatos documentando a sequência de comportamentos pelos quais os bebês passavam, intitulada sequência universal. Era um argumento para a presença importante das características biológicas, permeando o processo desenvolvimental. Não obstante as específicas descrições sobre o comportamento apresentado pelos bebês, a ideia dos estudos desses pesquisadores era entender o que causava essas mudanças no comportamento. Estavam interessados na compreensão do processo que norteava o desenvolvimento observado. Apesar de atribuir o papel fundamental da maturação do sistema nervoso central às mudanças desenvolvimentais relatadas, McGraw, diferentemente de Gesell, também considerava o mecanismo de ensino‑aprendizagem essencial para o desenvolvimento. Explicitamente, escreveu que entendia que a 22 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 Unidade I aprendizagem e a maturação não se tratavam de processos distintos, eram apenas diferentes facetas do mesmo sistema, que era o desenvolvimento. Em diversos estudos, McGraw constatou o efeito do processo de aprendizagem ensinando habilidades motoras a apenas uma criança, que tinha um irmão gêmeo. Assim, o outro irmão “somente apresentaria o comportamento que estivesse unicamente relacionado com a maturação”. Com isso, ela mostrava que o comportamento motor era fruto tanto da maturação do sistema nervoso central quanto das experiências de cada criança. A) B) Figura 5 – Mirtle McGraw em sessão de testes com os gêmeos Jhonny e Jimmy Saiba mais Para aprofundar os estudos de Myrtle McGraw com os gêmeos Jimmy e Jhonny, leia: MCGRAW, M. B. Grow: a study of Jhonny and Jimmy. Londres: Appleton‑Century Company, 1975. Apesar de Gesell e McGraw serem rotulados de maturacionistas, as ideias de ambos eram divergentes em vários aspectos. No entanto, o avanço que proporcionaram para os estudos do desenvolvimento são inegáveis. Gesell enfatizou seus estudos na morfologia do desenvolvimento, entendendo o comportamento como a forma do desenvolvimento. Em suas observações sobre as crianças, postulou alguns princípios norteadores do desenvolvimento, como o princípio da direção desenvolvimental (céfalo‑caudal e próximo‑distal). Esses princípios, nascidos da observação do comportamento, foram proposições teóricas que explicavam todos os comportamentos apresentados pelas crianças e foram tão válidos que ainda explicam muitos deles. 23 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO MOTOR A) B) Figura 6 – Ordem céfalo‑caudal (A) e próximo‑distal (B) O Período Maturacional teve muitas outras publicações importantes. Mary Shirley apresentou uma cronologia do desenvolvimento mental emotor em 25 bebês durante 2 anos (Shirley, 1931) com descrições dos estágios do processo de aquisição da postura e do andar. Halverson (1931) descreveu o desenvolvimento da preensão, o que teve fundamental importância para entender as habilidades motoras finas. Figura 7 – Experimento de Louis Robinson sobre o reflexo de preensão palmar Nancy Bayley desenvolveu uma escala normativa de desenvolvimento motor com base nas suas observações sobre o aparecimento das habilidades motoras durante os primeiros três anos após o nascimento. Essa escala é utilizada até hoje, sempre com algumas adaptações para cada caso ou cada grupo de crianças. 24 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 Unidade I Além desses trabalhos, a publicação da dissertação de Monica Wild em 1938 sobre as mudanças nos padrões de coordenação do arremesso de ombro praticamente encerrava a era maturacional e antecedia as descrições das habilidades motoras grossas que estavam por vir no próximo período (normativo/descritivo). 3.2 Período normativo/descritivo (1946‑1970) A grande necessidade dos estudos em desenvolvimento motor depois da Segunda Guerra Mundial foi basicamente em razão dos esforços de Anna Espenschade, Ruth Glassow e G. Lawrence Rarick. Esses autores haviam sido fortemente influenciados pelos maturacionistas, porém se diferenciavam deles em muitos aspectos. Eram professores de educação física, com foco de pesquisas voltado para área escolar. A intenção com os estudos, além de melhorar o desempenho, principalmente esportivo, era utilizar o comportamento motor para entender os processos cognitivos. As investigações do comportamento eram feitas utilizando medidas antropométricas e de crescimento, e estes dados eram amplamente empregados para elaborar testes de avaliação escolar e esportiva e na construção de programas para melhora da performance motora. Figura 8 – Educação física escolar O período normativo/descritivo não foi uma fase de crescimento fulminante como o anterior, aliás, foi o contrário, no entanto foi também uma etapa de crescimento importante para a área de pesquisa que agora estava separada da psicologia, e quem estava à frente das análises eram as classes da educação física, da fisioterapia e da medicina. O foco das pesquisas na década de 1950 estava em entender o papel do crescimento físico e da força na performance motora das crianças. Esses estudos refletiram o foco dessa época não somente na área da educação física, como também na educação de maneira geral, e assim foram desenvolvidos vários testes apara avaliação de escolares. 25 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO MOTOR Figura 9 – Avaliação de escolares Espenschade reportou em seus estudos medidas antropométricas das crianças, indicando quão rápido elas podiam correr e os padrões de coordenação usados na corrida. Tais pesquisas foram originadas na Universidade de Wisconsin sob a orientação de Glasgow. Suas análises biomecânicas das descrições dos padrões de coordenação para algumas habilidades fundamentais como o saltar, eram meticulosas. Até os dias atuais, uma série de estudos tem apresentado levantamento das capacidades físicas em escolares para diferentes finalidades: avaliação escolar, do desenvolvimento e crescimento físico, do processo de maturação etc. 5,5 5,3 5,0 4,8 4,5 4,3 4,0 3,8 3,5 7 9 11 13 158 10 12 14 16 Masculino Gênero Idade em anos Ve lo ci da de (s ) Feminino Figura 10 – Gráfico com os resultados de velocidade em meninos e meninas dos 7 aos 10 anos de idade O período entre 1946 e 1960 foi caracterizado como fase dormente, pois foi nessa época que a confusão entre os termos produto e processo começou a surgir. Na verdade, nem as medidas de crescimento e performance relacionadas ao produto, nem as medidas de coordenação (associadas aos 26 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 Unidade I processos) eram acompanhadas de debates sérios para a compreensão dos mecanismos que delineavam as mudanças desenvolvimentais. Como estavam focados nas idades escolares, os estudos eram descrições do crescimento e da performance motora desses indivíduos. Observação Os termos produto e processo foram muito utilizados, e ainda são até hoje. Produto refere‑se ao resultado de um processo, neste caso, resultado do desenvolvimento, portanto o produto era o movimento. Processos eram os eventos internos que ocorriam, os mecanismos que levavam ao funcionamento. Durante a última década desse período (anos 1960), foi possível observar algumas mudanças no delineamento das pesquisas. Descrições biomecânicas dos movimentos das crianças continuaram a crescer. Um bom exemplo foi a avaliação longitudinal de Lolas Halverson com sete crianças, que levou 15 anos. A análise descrevia exatamente o que as crianças podiam fazer e quando podiam fazer. Entender o processo desenvolvimental era o último objetivo da pesquisadora. No entanto, é preciso mencionar que nesse estudo Halverson examinou ainda o papel do ambiente e da aprendizagem como fatores determinantes para o aparecimento de alguns padrões particulares de coordenação. Claramente, assim como McGraw, Halverson era mais interacionista do que maturacionista nos moldes iniciais da psicologia desenvolvimental. Figura 11 – Estudo longitudinal que levou 15 anos para ser concluído A década de 1960 marcou o início do interesse no desenvolvimento perceptivo‑motor. Apoiados nas especulações de psicólogos, de que crianças tinham atrasos desenvolvimentais em razão de problemas perceptivo‑motores, as pesquisas na área da psicologia se voltaram para o campo do desenvolvimento. 27 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO MOTOR Na verdade, muitas análises nessa época falharam em identificar alguma ligação entre o desenvolvimento motor e o pensamento, no entanto ofereceram oportunidade para uma nova visão emergir: a relação entre percepção e cognição e suas interações com o movimento, que foram essenciais para o próximo período. O período normativo/descritivo trouxe contribuições relevantes para o aumento do conhecimento orientado ao produto, e os estudos descritivos sobre crescimento e performance motora ainda hoje são referências. Essa fase foi fruto da fase anterior (maturacionista), e os pesquisadores dessa época se espelharam nos maturacionistas, por isso a lacuna nos estudos sobre o processo. Outro fator crucial para o foco no produto é que, diferentemente dos psicólogos que estavam interessados em entender o funcionamento do sistema nervoso central mediante o comportamento motor (talvez por influência dos exames e das descobertas de Piaget, que teve seu reconhecimento mais popular no período Pós Segunda Guerra – fim da década de 1940), os professores de Educação Física estavam preocupados em saber como melhorar suas instruções para aumentar a performance dos seus alunos (seção de estudo da aprendizagem motora). Havia ainda um terceiro grupo, os pesquisadores da área de aprendizagem motora (grande parte era da área da educação física), que apensas pretendiam entender os princípios gerais do processo de aprendizagem. Um trabalho importante para a literatura que usou esse referencial foi a descrição do desenvolvimento das sequências dos padrões fundamentais de saltos por Hellebrandt et al. (1961). Também houve descrições do arremesso de ombro por Roberton (1978) e dos padrões motores fundamentais por Wickstrom (1983). Saiba mais Leia o artigo sobre o uso dos padrõesfundamentais de movimentos com sugestões para trabalho de ampliação do repertório motor em escolares: OLIVEIRA, J. A. Padrões motores fundamentais: implicações e aplicações na educação física infantil. Centro Universitário do Sul de Minas, Varginha, ano II, v. n. 6, dez. 2002. Disponível em: <http://www.luzimarteixeira.com. br/wp‑content/uploads/2010/05/padroes‑motores‑fundamentais.pdf>. Acesso em: 18 dez. 2016. Observação Interacionista é praticamente o oposto de maturacionista. Enquanto o maturacionismo aponta apenas o sistema nervoso central como responsável pelas mudanças comportamentais, o interacionismo aceita que diversos fatores podem ser agentes dessas alterações. Interacionismo vem da palavra integrar. 28 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 Unidade I Depois dos estudos sobre padrões de comportamento, por exemplo, o levantar a partir do chão, em que cada grupo de indivíduos apresentava estratégias diferentes dos outros grupos (como uso das mãos com apoio ou não), a autora chegou à conclusão de que o processo de desenvolvimento não é necessariamente hierárquico, pois ele pode partir dos comportamentos mais simples para os mais complexos, mas também pode partir do complexo para o mais simples. Assim, é um mecanismo que apresenta organização e reorganização dinâmicas, de acordo com cada contexto. 3.3 Período orientado ao processo (1970 até os dias atuais) Esse período é caracterizado pelo aumento do interesse pelo desenvolvimento motor, e o foco novamente retorna aos processos que permeiam o desenvolvimento. Apesar de essa fase seguir até hoje, é preciso cautela nessa observação, pois o avanço nas pesquisas atuais tem apresentado uma velocidade bem maior, e é preocupante definir tudo como uma mesma categoria. No entanto, vamos considerar cada década com cuidado. O início desse período foi marcado em 1970 pela publicação de Kevin Connolly: Mecanismos de desenvolvimento das habilidades motoras. A obra foi resultado de um encontro de cientistas (a maioria deles psicólogos), marcando a volta do interesse dos psicólogos pelo desenvolvimento motor. Trabalhos de psicólogos reconhecidos como Jerome Bruner e Jean Piaget tinham o foco no desenvolvimento das aptidões durante a infância, e as habilidades motoras receberam uma atenção especial. Além disso, a emergência da abordagem de processamento de informação intensificou o debate e as pesquisas entre os psicólogos experimentais e desenvolvimentais na elaboração de suas hipóteses sobre o processo por trás do desenvolvimento. Saiba mais Para obter informações sobre o psicólogo Kevin Connolly e seu obituário, acesse: <thepsychologist.bps.org.uk/>. Ao mesmo tempo que todas essas mudanças apareciam no campo do desenvolvimento, na aprendizagem motora as ideias da Teoria de Processamento de Informação estavam tomando conta das pesquisas sobre as habilidades motoras em adultos (FITTS; POSNER, 1967; MARTENIUK, 1976; SCHMIDT, 1975). Assim, com as mudanças atingindo tanto os exames na área da aprendizagem motora quanto a abordagem da sistematização de informação pelos profissionais de Educação Física, psicólogos experimentais e a abordagem do período orientado ao processo adotado pelos psicólogos desenvolvimentais, dois grupos contrários foram criados na área de desenvolvimento motor na década de 1970, favorecendo a confusão entre os termos aprendizagem e desenvolvimento. No grupo que seguia a abordagem do processamento de informação, estudos sobre memória, atenção e percepção em adultos foram exaustivamente avaliados, e muitas comparações com a performance infantil foram e ainda têm sido feitas. 29 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO MOTOR Os pesquisadores da aprendizagem motora embasavam seus estudos em uma abordagem teórica que também trazia resquícios da era maturacional, a Teoria do Processamento de Informação. Esta teoria apontava que o cérebro funcionava de maneira semelhante a um computador. As informações entravam no sistema (input) e os movimentos eram a resposta (output) do sistema nervoso central. Dessa forma, sugeria que os movimentos fossem o produto de unidades chamadas de programas motores. Estímulo Memória sensorial Memória de curta duração Memória de longa duração Processos executivos metacognitivos Memória de funcionamento Resposta Figura 12 – Modelo de processamento da informação humana O programa motor era como um bloco pré‑programado de um comportamento, era a unidade básica na organização neuromotora, podendo ser autoacionado pelo indivíduo ou ainda ser operado por um estímulo externo. A ideia do programa motor foi extensivamente explorada pela comunidade científica da época, principalmente em estudos de casos de disfunções neurológicas. No entanto, no começo dos anos 1970, as pesquisas sobre percepção começaram a emergir. Tais análises foram oriundas dos estudos de psicólogos da década de 1960 mencionados anteriormente, sobre desenvolvimento das capacidades perceptivo‑motoras em crianças com comprometimentos mental e motor. Nessa época duas correntes de pesquisa se formaram, uma delas investigando as mudanças sensório‑motoras utilizando a Teoria de Processamento de Informação como base. Enquanto isso, outro pequeno grupo de psicólogos alicerçava seus trabalhos na proposta ecológica de percepção direta de James Gibson. O quadro de referência de Gibson se fundamentava na questão de que o processo perceptivo não era passivo, mas uma busca ativa por parte do indivíduo, que direcionava sua atenção para as informações que julgava relevantes. Nesse momento, as questões levantadas que guiavam a nova tendência nas pesquisas mudaram e passaram a ser: o que muda com a experiência? Com quais vocações nascemos? Um dos experimentos mais clássicos de Eleanor Gibson, o “penhasco visual”, colocava bebês de 6 a 14 meses se locomovendo sobre uma superfície de vidro – e metade dela dava a impressão visual de ser um penhasco. Quando chegavam à borda do “penhasco”, os bebês paravam de engatinhar e avaliavam a superfície para julgar se poderiam continuar engatinhando ou não, mostrando que foram capazes de perceber a profundidade da superfície. Dos 36 bebês avaliados, 27 cruzaram a superfície (alguns deles com hesitação), porém 9 deles não se arriscaram a continuar engatinhando (com medo de cair no “penhasco”) mesmo apalpando a superfície de vidro. Este experimento mostrou que a capacidade de percepção visual de profundidade está desenvolvida desde os 6 meses de idade. 30 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 Unidade I Figura 13 – Experimento “penhasco visual” Observação Eleanor Gibson foi esposa de James Gibson, e ambos trouxeram grandes contribuições para o estudo da percepção. Nos anos 1980 uma nova tendência passa a tomar conta do cenário científico a partir da publicação de Kugler, Kelso & Turvey em 1982. Então, sugeriu‑se uma nova perspectiva teórica para o estudo do controle e da coordenação do movimento, embasada em princípios da física, da biologia e da ecologia. Inspirados nas ideias de Bernstein (1967), esses autores argumentavam que o movimento era controlado não por inputs específicos do sistema nervoso central, mas da periferia (músculo), que, a posteriori, utilizavam uma coordenação por parte do funcionamento especifico do SNC. Tais apontamentos vinham na contramão das propostas da Teoria de Processamento de Informação, que posicionavam o comando do sistema nervoso central como inicial e prevalente no processo de produção de movimentos. Além disso, a nova perspectiva apontava princípios da termodinâmica para explicaros processos de continuidade e descontinuidade do desenvolvimento. Bernstein (1967) sugeriu que o indivíduo atuasse no meio por um sistema de ação, e não simplesmente por um sistema motor. Para ele, o movimento não é fruto de reações do sistema muscular dependente de comandos do sistema nervoso central (SNC), mas de uma relação de constante troca de informações entre estes sistemas, o que caracterizaria uma ação. Assim, o controle do comportamento não caberia apenas ao sistema nervoso central, mas também à interação deste com o sistema muscular. Essa perspectiva inovou no que concerne a tratar a interação do indivíduo com o meio como um sistema equilibrado e ativo, com base na ontogenia, na evolução e na ecologia. 31 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO MOTOR Alinhadas a esse ponto de vista (de Bernstein) estão as ideias de James Gibson, que propunha o uso de uma psicologia que levasse em conta a ecologia, ou seja, o meio no qual o indivíduo está inserido e sua interação com ele, para explicar a percepção de maneira geral. Para Gibson (1966), a percepção é um sistema ativo que não pode ser separado da ação, pois perceber implica agir, e agir implica perceber. Nesse sentido, sua teoria para o desenvolvimento da percepção passou a ser expandida para a psicologia da ação e tem exercido grande influência nos trabalhos sobre o desenvolvimento de maneira geral. Esse processo perceptivo ativo parece ser filogeneticamente adaptado para o indivíduo identificar as informações relevantes e interagir com o ambiente. Assim, o indivíduo vê, ouve, sente e se move em atividades de exploração conduzidas pelos canais perceptivos dentro de um ambiente em busca de informações para organizar suas ações de maneira integrada (GIBSON, 1966, 1979). Aproveitando os conceitos da Teoria da Percepção de James Gibson, Eleanor Gibson trata do desenvolvimento do indivíduo no meio travando uma ligação com o ato de perceber o conceito de affordances (traduzido aqui como “potencialidades”), sugerindo que o agente busque ativamente informações no espaço que ofereçam possibilidades de desempenhar alguma ação. Então, o desenvolvimento não acontece isoladamente, mas a partir de uma intrincada interação entre sujeitos, objetos e ambiente (GIBSON; PICK, 2000). Essa rotina cíclica, em que o processo de perceber tem o poder de influenciar e guiar as ações, pode gerar novas percepções e se estabelecer ao longo do processo do desenvolvimento, e foi chamada de ciclo percepção‑ação (GIBSON; PICK, 2000; LOCKMAN; THELEN, 1993). Lembrete Apesar da apresentação da tradução do termo affordance, as traduções desses termos parecem não ter ainda encontrado uma palavra que faça jus ao significado em inglês. Por isso a expressão ainda é muito usada nos documentos acadêmicos brasileiros. A partir dos ideais ecológicos de Gibson, argumentava‑se que a informação era uma variável física única e específica às mudanças dinâmicas do sistema. Assim, um grupo adepto desses princípios fez diversos trabalhos com base nas perspectivas bernsteiniana e gibsoniana, também chamadas de Teoria dos Sistemas Dinâmicos. Para os pesquisadores do desenvolvimento motor, essa nova contextualização de controle e desenvolvimento do comportamento motor levou à reaplicação de muitos tipos de estudos que já haviam sido elaborados, porém agora com essa nova abordagem teórica. Um dos mais importantes trabalhos dessa época foi realizado por Esther Thelen, que investigou os precursores do andar infantil. Um desses estudos de Thelen se preocupou em investigar o desaparecimento do reflexo da marcha nos bebês quando estes estão com aproximadamente 7 meses de idade. Por meio de manipulações morfológicas no aparato experimental, Thelen e seus colegas mudaram a visão tradicional sobre o papel da maturação do sistema nervoso central a quem foi atribuída a responsabilidade pela inibição desse reflexo nessa idade. Até então, as explicações para o desaparecimento do reflexo e tempos depois o surgimento do comportamento voluntário eram atribuídas a um período onde em que o sistema nervoso central estava se reorganizando para a emergência do comportamento voluntário. Thelen mostrou que os bebês nesta idade podiam apresentar o comportamento da marcha se colocados 32 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 Unidade I em um andador, ou ainda se colocados na água. Com isso, apresentou uma justificativa física para o desaparecimento do comportamento: os bebês não tinham força muscular suficiente para manifestar o comportamento, uma vez que essa restrição do organismo era eliminada; colocando‑os no andador ou com as pernas submersas, o comportamento voltava a aparecer (THELEN, 1986, 1988). Paralelamente aos seus novos trabalhos experimentais, Thelen dedicou‑se à introdução da perspectiva de sistemas para o desenvolvimento motor, apontando a importância de todos os processos maturacionais do organismo, e não apenas do sistema nervoso central, que havia sido o foco dos maturacionistas e dos teóricos do processamento de informação. Outros pesquisadores que contribuíram para a perspectiva dos sistemas dinâmicos em avaliação do desenvolvimento motor foram Jane Clark e seus colegas, que estudaram o desenvolvimento das habilidades locomotoras em bebês (CLARK; PHILLIPS; PETERSEN, 1989; CLARK; WHITALL, 1989a, b; CLARK; WHITALL; PHILLIPS, 1988). Roberton investigou o galopar (GETCHELL; ROBERTON, 1989; ROBERTON; HALVERSON, 1984), e Newell colaborou com seus estudos a partir da abordagem da percepção‑ação para a preensão infantil (NEWELL et al., 1989). Usando os princípios da Teoria dos Sistemas Dinâmicos, os pesquisadores voltaram o foco das análises para o processo de desenvolvimento motor. O mesmo pôde ser observado no campo da psicologia desenvolvimental (GUNNAR; THELEN, 1988), em que a Teoria dos Sistemas Dinâmicos e a perspectiva da percepção‑ação surgiram como alternativas para a abordagem do processamento de informação nas avaliações em desenvolvimento. Podem ser incluídos neste grupo de exames, com base na nova abordagem dinâmica do desenvolvimento os achados de Von Hofsten no desenvolvimento do alcançar (1982, 1984), os estudos sobre o engatinhar (BENSON; UZGIRIS, 1985; BERTENTHAL; CAMPOS; BARRET, 1984) e os trabalhos de Pick e Palmer (1986) em manutenção da postura ereta, locomoção e percepção. Em suma, o começo do período orientado ao processo mostrou pesquisas em desenvolvimento motor que primeiramente apresentavam descrições da performance motora em crianças. Todavia, vinte anos depois, passaram para a descrição da performance motora como explicação de suas causas. Ainda neste período duas abordagens foram utilizadas: processamento de informação e Teoria dos Sistemas Dinâmicos. Hoje ambas são paradigmas viáveis para explicar o desenvolvimento das habilidades motoras. No entanto, cada uma delas apresenta diferentes interpretações do fenômeno desenvolvimento. Enquanto a abordagem de sistematização de informação procura responder às questões desenvolvimentais mediante os processos de controle e coordenação dos movimentos e suas mudanças ao longo do tempo, a Teoria dos Sistemas Dinâmicos também está voltada para responder às questões de coordenação e controle, além das questões sobre os mecanismos de desenvolvimento. Essas diversas abordagens, como mencionado anteriormente, são adotadas por diferentes grupos de pesquisadores. Tradicionalmente a psicologia experimental e da aprendizagem, assim como alguns pesquisadores da área da educação física, têm realizado seus estudos apoiados na abordagem do processamento de informação. Ao contrário disso, a psicologia desenvolvimental, bem como alguns profissionais da educaçãofísica, da fisioterapia e da terapia ocupacional, têm adotado a Teoria dos Sistemas Dinâmicos como escopo para suas avaliações. 33 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO MOTOR Essa dicotomia acaba por contribuir ainda mais para a impressão de que desenvolvimento e aprendizagem são fenômenos diferentes, quando na verdade não são. Lembrete Períodos do estudo do desenvolvimento motor: maturacional (1928‑1946); normativo (1946‑1970); e orientado ao processo (1970 – atual). 3.4 Abordagens teóricas para o desenvolvimento Diversas teorias foram propostas na tentativa de explicar o desenvolvimento motor. A primeira delas foi a Teoria Maturacional, que teve como seu principal representante Arnold Gesell, seguida da Teoria Desenvolvimentista e futuramente a Teoria da Ação. A seguir vamos destacar as teorias, suas datas e seus principais representantes. 3.4.1 Abordagem maturacionista Arnold Lucius Gesell (1880‑1961), um gigante no campo da psicologia desenvolvimental, foi pioneiro em suas observações científicas em bebês e crianças por meio de técnicas e métodos inovadores, contribuindo para um vasto conhecimento sobre o comportamento desta população. Publicou pesquisas ativamente por quatro décadas, tendo sido muito respeitado em vários campos da ciência, como educação, psicologia, medicina e outros ramos da ciência social. Gesell popularizou a prática dos testes desenvolvimentais utilizados em consultórios médicos e clínicas escolares. Seus escritos definitivamente o consumaram como um teórico do desenvolvimento. Sua teoria era compreensível, coerente e usava o que as ciências biológicas tinham de melhor em seu tempo. Como Piaget, Gesell mergulhou profundamente nas trilhas das ciências biológicas e olhou para todo o comportamento e toda a atividade mental como inseparáveis um do outro, incluindo a engenharia que dava forma física ao organismo. Inspirado nos métodos e achados de Darwin, Gesell assumiu que as forças da seleção natural atuavam com igual poder sobre os aspectos funcionais do organismo, levando Gesell a descrever ordenadamente a progressão do desenvolvimento motor durante a infância com igual detalhamento por meio de descrições do comportamento intelectual, da personalidade e dos estágios sociais durante toda a infância e adolescência. A visão de Gesell sobre as características individuais, sobre o papel da família, escola e cultura sobre um indivíduo nunca foi muito claro, pois apresentava contradições. Ele enfatizava que a sociedade e a família podem oferecer à criança um ambiente com potencial para o crescimento de cada um, fazendo que a criança possa alcançar patamares ótimos. Todavia, como atribuía todo o processo desenvolvimental apenas à maturação do sistema nervoso central, essa afirmação era um tanto quanto contraditória, pois assumia, mesmo em níveis mínimos, a influência do ambiente. 34 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 Unidade I Os estudos observacionais de Gesell identificaram detalhadamente cada marco do desenvolvimento motor infantil. O propósito geral era identificar o estado de cada criança para guiá‑la para um crescimento ótimo. Crianças que apresentavam atrasos poderiam ser munidas de espaços favoráveis para não atrapalhar o programa genético. A maioria de suas pesquisas foi conduzida com o intuito de descrever e compreender as normas desenvolvimentais. Esses marcos foram apresentados em publicações sobre os movimentos posturais, de preensão, adaptativos, social e linguístico da infância até a adolescência. Algumas crianças foram observadas transversalmente e outras longitudinalmente em intervalos de meses ou anos. Mais de 500 crianças foram observadas, 50 a cada faixa de 10 anos, contribuindo para a determinação dos marcos originais do desenvolvimento utilizados até hoje. Em geral os estudos foram concentrados mais profundamente no primeiro ano de vida. As observações eram feitas mensalmente, e novos dados eram coletados a cada sessão de testes. Durante este primeiro ano, Gesell procurava identificar os padrões pré‑formados do comportamento. De fato, a bateria de testes contemplava itens e situações comportamentais organizadas de acordo com a premissa da maturação das formas do comportamento. Além disso, desde o início Gesell manteve o foco nas competências perceptivo‑motoras e sociais, mas posteriormente sua forma de abordar o tema pareceu incompleta. As normas ou etapas do crescimento/desenvolvimento infantil foram o maior legado de Gesell. Atualmente muitos livros‑textos sobre o desenvolvimento trazem quase obrigatoriamente uma tabela com os marcos descritos por Gesell em um capítulo à parte. Esses estágios de desenvolvimento motor ainda são usados hoje como exemplos para fundamentar estudos apoiados em teorias maturacionais, ou até mesmo para dar credibilidade a teorias maturacionais que ainda surgem. Essa tendência do uso da maturação neural para explicar as mudanças comportamentais com certeza representa uma herança de Coghill (pesquisador que exerceu muita influência nos trabalhos de Gesell) e continua sendo usada até hoje. A forma e a sequência do desenvolvimento cerebral e das manifestações comportamentais eram definitivamente atribuídas aos códigos genéticos. Para Gesell, toda a sequência de desenvolvimento motor era geneticamente programada. Negando alguma variabilidade cultural, a consistência dos marcos através das populações era interpretada como própria da espécie. Outro tema recorrente nos escritos de Gesell era o conhecimento inato. Para ele, a mente humana era um conjunto único de conhecimentos inatos que facilitava a compreensão sobre pessoas, objetos, espaço, números, linguagem e relações de causa e efeito, sempre apoiado na genética como determinista para explicar o desenvolvimento. No entanto, também demonstrou muitas contradições, por exemplo, acreditava na individualidade da criança, mas escolheu o ditado dos genes para eliminar a presença do ambiente. Procurou libertar e tranquilizar os pais, mas dizia que poderiam ter culpa em alguns processos. Estava preocupado com o bem‑estar das crianças, mas na sua classificação por idades, a criança era vista como algo passivo e até mesmo inerte. 35 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 01 /1 7 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO MOTOR 3.4.2 Abordagem desenvolvimentista (sistemas dinâmicos) Pode‑se dizer que o renascimento do desenvolvimento motor sob uma nova perspectiva se deu em agosto de 1993, com a publicação de uma sessão especial da revista Child Development (Desenvolvimento Infantil) intitulada “Biomecânica Desenvolvimental: cérebro, corpo, conexões comportamentais”, material editado por Jeffrey Lockey e Ester Thelen (LOCKMAN; THELEN, 1993). A ideia do título era captar os avanços da época nas áreas de neurociência e biomecânica, bem como no estudo da percepção‑ação voltados para o comportamento. Neste ponto as influências da Teoria de Bernstein para o comportamento motor com base na física e na matemática dos sistemas dinâmicos foram cruciais, bem como a contribuição da Teoria Ecológica do Desenvolvimento da Percepção‑ação, de James Gibson e Eleanor Gibson (1986, 1988). Juntos estes pesquisadores levaram o estado do estudo do desenvolvimento a um patamar muito diferente daquele pintado por Gesell e Piaget e muitos outros psicólogos da época. Roberton (1989) sugere que o paradigma organísmico (Teoria Maturacional) não é suficiente para explicar o desenvolvimento motor, diz que a Teoria dos Sistemas Dinâmicos são mais eficientes para isso. Bernstein foi o primeiro a explicitar a definição de movimento nos termos de
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