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A teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença do controle difuso de constitucionalidade

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A teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença do controle difuso de constitucionalidade
	O aludido trabalho tem por escopo primordial averiguar a possibilidade de modificar os efeitos da sentença emanada do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle difuso de constitucionalidade. Com isso, visa-se alterar o tradicional efeito inter partes desta decisão para o efeito erga omnes e vinculante, garantindo-se a supremacia da Constituição Federal e a uniformização das decisões judiciais. 
Desta forma, face à teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença, o objetivo do trabalho é demonstrar que, independentemente de ser controle difuso ou concentrado, todos os motivos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal na decisão de inconstitucionalidade deverão transcender àquele processo, atingindo a todos, e de forma vinculante. 
Para tanto, far-se-á necessário utilizar os preceitos da mutação constitucional, visando-se modificar o sentido interpretativo do texto constitucional, sem, contudo, alterá-lo gramaticalmente.
	
Eficácia expansiva das decisões. Objetivação (“dessubjetivação”) do recurso extraordinário. Limites à reclamação constitucional. Inconstitucionalidades no CPC/2015?
 Necessário se faz, para compreender referida teoria, um breve conhecimento sobre coisa julgada.
Sabemos, até por imperativo legal, que a coisa julgada tem como limite objetivo o dispositivo da sentença. Logo, por exclusão, não se submetem ao império da coisa julgada as soluções (motivos) dadas para as questões prejudiciais necessariamente analisadas para se chegar ao resultado da lide.
Nesse sentido, temos o entendimento de Cintra, Grinover e Dinamarco: “Resulta do texto que apenas o dispositivo da sentença, entendendo-o como a parte que contém a norma concreta, ou preceito enunciado pelo juiz, é apto a revestir-se da autoridade da coisa julgada material. Excluem-se os motivos, ou seja, a solução dada às questões lógicas ou prejudiciais necessariamente enfrentadas para chegar à definição do resultado da causa (1996, p. 312)”.
 Dessa feita, a decisão que resolve um incidente de constitucionalidade havido num processo qualquer não se submete a coisa julgada material, pois tal incidente, à luz do que foi exposto, é mera questão prejudicial necessariamente enfrentada para se chegar ao resultado da causa.
Nesse ponto, é bastante ilustrativa o entendimento de Luís Roberto Barroso (2009, p.124):“[...] por dicção legal expressa, nem os fundamentos da decisão  nem a questão prejudicial integram os limites objetivos da coisa julgada, de modo que não há  falar em auctoritas rei iudicata em relação à questão constitucional.”
Esse é o entendimento clássico, que começa a ser combatido por novo formato, que tem por substrato a teoria que ora se analisa.
Tal teoria propõe, nos casos de apreciação do controle de constitucionalidade difuso exercida pelo Supremo Tribunal Federal, a ampliação do aspecto objetivo da coisa julgada. Assim, a questão constitucional passa a fazer parte da coisa julgada objetiva, de modo que a orientação expressa pelo STF deve ser observada em outros processos de igual jaez.
Essa teoria, portanto, faz transcender, obrigatoriamente, para outros processos os motivos que determinaram a apreciação do incidente de constitucionalidade do primeiro processo (leading case). Assim, em casos similares, outros juízos e/ou tribunais estarão vinculados à decisão do STF expressa no leading case.
Nesse particular, eis a doutrina de Luís Roberto Barroso: “[...] por essa linha de entendimento, tem sido reconhecida eficácia vinculante não apenas à parte dispositiva do julgado, mas também aos próprios fundamentos que embasaram a decisão. Em outras palavras: juízes e tribunais devem acatamento não apenas à conclusão do acórdão, mas igualmente às razões de decidir (2009, p. 184).”
Analisando criticamente toda essa situação, fica patente que essa teoria busca modificar o sistema de controle de normas, afinal a sentença do controle difuso passaria a ter eficácia erga omnes e vinculante sem necessidade da participação do Senado Federal e, quanto aos demais efeitos, seguirá as regras do controle concentrado, isto é, poderá ter, conforme o caso, eficácia ex tunc.
Tal reforma do sistema é defendida por Clèrmerson Merlin Clève, que afirma, quanto ao sistema difuso, ser: “questionável a permanência da fórmula da Constituição de 1988. Parece constituir um anacronismo a permanência do mecanismo quando o país adota, na atualidade, não apenas a fiscalização incidental, mas também a concentração-principal, decorrente de ação direta e, inclusive, para suprimento de omissão. Tem-se que chegou a hora, afinal, de transformar o Supremo Tribunal Federal em verdadeira corte especializada em questões constitucionais, retirando-se do Senado a atribuição discutida no presente item.” (2000, p. 124).
Na mesma linha, eis Gilmar Mendes (2004, p. 155): “A única resposta plausível nos leva a crer que o instituto da suspensão pelo Senado assenta-se hoje em razão de índole exclusivamente histórica.”
Referido autor, conforme se vê em seus votos no RE 197.917/SP (rel. Min. Maurício Corrêa, data de julgamento 06/06/2002) e HC 82959/SP (rel. Min. Marco Aurélio, data de julgamento 23/02/2006) defende a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença no controle difuso, que contribui para o fenômeno da abstrativização do controle difuso, não havendo que se cogitar da participação do Senado Federal.
Conforme assevera Pedro Lenza, o que embasa essa teoria são as ideias de força normativa da Constituição, o princípio da supremacia da Constituição e o fato de o STF ser o guardião da Constituição (2009, p. 187). Por tudo isso, a decisão da Suprema Corte tem que ser uniforme para todos.
Tais idéias conduzem à reformulação do sistema jurídico, o que legitima a abstrativização do controle difuso sem a necessidade da resolução senatorial, conforme assevera Gilmar Mendes (2004, p. 161): “[...] é possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, de nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto.”
É preciso registrar, por fim, que a teoria aqui analisada ainda está em fase de desenvolvimento e sua aceitação não é pacífica, pois analisando o Texto Constitucional fica evidente que dois são os tipos de controle de constitucionalidade, razão pela qual as ideias aqui expostas não podem ser aplicadas incontinentes.
Abstrativização do controle difuso
Analisando os termos da Lei 11.417 de 2006, que regula o processo de criação, extinção e modificação da súmula vinculante, verificamos que o seu pressuposto de edição é a existência de reiteradas decisões idênticas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, que verse sobre matéria constitucional apta a produzir controvérsia entre os órgãos do Poder Judiciário ou entre esses e a Administração Pública. É necessário, também, que tal controvérsia produza grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos.
Assim, a súmula vinculante busca extinguir a controvérsia para o fim de restabelecer a segurança jurídica e pode, eventualmente, abstrativizar o controle de constitucionalidade difuso.
Para compreender melhor, tomemos o seguinte exemplo: tramitam no Poder Judiciário diversas ações questionando a constitucionalidade de uma dada situação qualquer; sobre referida matéria os órgãos do Poder Judiciário adotam posições divergentes, havendo juízos e tribunais que entendem que o dita situação é constitucional e outros tantos órgãos entendendo o contrário; em sede de recurso extraordinário já houve manifestações pela inconstitucionalidade; Vislumbrando tal situação, o Supremo Tribunal Federal edita súmula vinculante, que, dada a sua natureza
jurídica, abstrativiza o controle difuso de constitucionalidade exercido pela Suprema Corte.
Dessa feita, a decisão de inconstitucionalidade passará a viger para todos e de forma abstrata.
Controle incidental em controle concentrado abstrato e o seu efeito “erga omnes” — eficácia da decisão do STF
Recentemente, o informativo 886 do STF1 trouxe a notícia do julgamento das ADIns 3.406 e 3.470, que se insurgiam contra dispositivos da lei 3.579/01 do Estado do Rio de Janeiro que proibiam a extração do asbesto/amianto em todo território daquela unidade da Federação.
Conquanto o resultado haja sido pela improcedência dos pedidos deduzidos nas aludidas ações, o que chamou mais atenção foi o registro da declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito vinculante e eficácia erga omnes, do artigo 2º da lei Federal 9.055/95, a rezar que “o asbesto/amianto da variedade crisotila (asbesto branco), do grupo dos minerais das serpentinas, e as demais fibras, naturais e artificiais de qualquer origem, utilizadas para o mesmo fim, serão extraídas, industrializadas, utilizadas e comercializadas em consonância com as disposições desta Lei.”
O sobredito artigo 2º já havia sido alvo da famigerada ADIn 4.066, cujo julgamento, em 24 de agosto de 2017, a despeito de contar com maioria formada em favor da inconstitucionalidade (5x4, impedidos os ministros Roberto Barroso e Dias Toffoli e ausente o ministro Gilmar Mendes), não resultou na extirpação da norma do ordenamento, por não ter restado alcançada maioria absoluta exigida pelo artigo 97 da Constituição. Sem embargo, na mesma sessão de julgamento, por ocasião da apreciação da ADIn 3.937, o STF, de forma engenhosa, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 2º da lei Federal 9.055/95, muito embora sem efeito vinculante ou eficácia erga omnes nesse particular.
Decorre exatamente daí a relevância dos acórdãos recém proferidos nas ADIns 3.406 e 3.470: o STF, a despeito de já haver anteriormente declarado incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 2º da lei 9.055/95, fê-lo novamente, agora sim, com efeito vinculante e eficácia erga omnes, nos moldes de um controle concentrado.
A mudança pode ser em boa medida atribuída ao fato de o ministro Gilmar Mendes, ausente no julgamento da ADIn 3.937 e de há muito defensor da tese2, estar presente no julgamento das ADIns 3.406 e 3.470, reforçando a afirmação o fato de os registros darem conta de ter sido ele a inaugurar a corrente vencedora no âmbito do colegiado:
A partir da manifestação do ministro Gilmar Mendes, o Colegiado entendeu ser necessário, a fim de evitar anomias e fragmentação da unidade, equalizar a decisão que se toma tanto em sede de controle abstrato quanto em sede de controle incidental. O ministro Gilmar Mendes observou que o art. 535 (2) do Código de Processo Civil reforça esse entendimento. Asseverou se estar fazendo uma releitura do disposto no art. 52, X (3), da CF, no sentido de que a Corte comunica ao Senado a decisão de declaração de inconstitucionalidade, para que ele faça a publicação, intensifique a publicidade.
Encampando o raciocínio, o ministro Celso de Mello asseverou que o artigo 52, X, da CF, teria sofrido uma mutação constitucional a conferir à resolução a ser editada pelo Senado caráter declaratório, de mera publicidade, e não constitutivo:
O ministro Celso de Mello considerou se estar diante de verdadeira mutação constitucional que expande os poderes do STF em tema de jurisdição constitucional. Para ele, o que se propõe é uma interpretação que confira ao Senado Federal a possibilidade de simplesmente, mediante publicação, divulgar a decisão do STF. Mas a eficácia vinculante resulta da decisão da Corte. Daí se estaria a reconhecer a inconstitucionalidade da própria matéria que foi objeto deste processo de controle abstrato, prevalecendo o entendimento de que a utilização do amianto, tipo crisotila e outro, ofende postulados constitucionais e, por isso, não pode ser objeto de normas autorizativas.

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