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Filmes Jurídicos O sol é para todos (To kill a mockingbird). O sol é para todos (To kill a mockingbird) “To kill a mockingbird” é um clássico. A história em que se baseia, escrita por Harper Lee, recebeu o prêmio Pulitzer em 1961. Gregory Peck, extremamente elegante no papel do advogado Atticus Finch, foi premiado com o Oscar de melhor ator. O filme – disponível em VHS e DVD - merece ser visto ou revisto sob o olhar da atualidade. Entrelaçam-se na trama, de forma simples e frontal, argumentos que destacam diferentes formas de exclusão social: etnia excluída, deficiente mental socialmente repudiado e pessoas economicamente menos favorecidas. Paira no ar a mensagem de que a discriminação e a exclusão estão a um passo da perseguição penal e que, no final das contas, é inevitável que os conflitos sociais acabem por desaguar na justiça penal. Durante a depressão, ao Sul dos Estados Unidos, numa pequena cidade, onde nascer branco era preciosa vantagem, um negro, Tom Robinson, é acusado injustamente de ter estuprado uma mulher branca. Atticus Finch é encarregado de defender esse homem perante o júri. E o defende porque defender é seu trabalho, independentemente de quem seja o acusado. O advogado enfrenta não só o processo, mas também medos, preconceito e violência que, revelados na intimidade da insossa população, põem à prova suas inabaláveis convicções e toda a sistemática do julgamento popular (procedimento do Grand Jury). A certo ponto do filme, o pai da vítima grita ao advogado: “ - Eu sinto muito que você tenha que defender esse negro que estuprou Mayella. Eu não sei porque não o matei eu mesmo, ao invés de procurar o sheriff. Teria poupado a você, ao sheriff e aos contribuintes muitos problemas...” Momento especial do filme é a cena em que o advogado, prevendo a hipótese de linchamento, protege o acusado solitariamente, fazendo guarda à porta da cadeia. O melhor do filme é ter a oportunidade de acompanhar de perto conflitos e problemas que integram a rotina do advogado criminal e que ultrapassam, em muito, o âmbito profissional. A advocacia criminal é descrita como tarefa árdua e ingrata, que se diferencia das demais profissões que rondam o direito. É especialidade que exige do profissional enorme esforço e tenacidade porque enfrenta, na defesa daqueles socialmente rejeitados e acusados, preconceitos e discriminação. Daí ser um conforto para todo criminalista ver crescer, nos filhos do advogado Atticus, orgulho e respeito pela profissão do pai, como se vê no seguinte diálogo travado entre o advogado e sua filha de seis anos: Atticus: “ - Estou apenas defendendo um negro. Andam falando que eu não deveria defender este homem”. Scout: “ - Se não deveria defendê-lo, então por que o defende?” Atticus: “ - Por várias razões: Eu não andaria de cabeça erguida e não poderia dizer a vocês o que fazer ou não fazer”. Do título original vem a advertência de que nem mesmo os “mockingbirds” (pássaros inofensivos que apenas cantam lindas melodias) estão a salvo da perseguição desmotivada. “O sol é para todos” inspira coragem e reforça a auto-estima daqueles que escolheram a advocacia criminal como profissão. As Duas Faces de um Crime (Primal Fear) É filme de suspense, adaptação do bestseller de William Diehl. Richard Gere desempenha de forma galante e convincente o papel de Martin Vail, um advogado bem sucedido de Chicago que, em troca de publicidade, assume a defesa, “pro bono”, do coroinha Aaron Stampler (Edward Norton), acusado de assassinar de forma brutal seu benfeitor: o influente arcebispo. A defesa parece impossível. O rapaz foi encontrado em fuga, com as roupas ainda manchadas de sangue. A acusação pede a pena de morte. Mas nada é impossível para Richard Gere. O advogado, ex-promotor público, cético quanto à justiça dos homens, não perde tempo com indagações sobre verdade, culpa ou inocência: busca, isso sim, confrontar toda evidência. A personalidade do advogado diverte. Vail é extremamente vaidoso. Está acima de tudo e de todos. Seduz promotoras, dá entrevistas, luta com seu cliente no interior da própria cadeia e, de quebra, faz investigações por conta própria. Acostumado a estar sob holofotes e a lidar com a mídia, o advogado joga com a publicidade muito bem. Perguntam-lhe, logo no início do filme: “- E o que acha da verdade? Vail responde: “- Como assim? Você acha que só existe uma? Só há uma que interessa: minha versão, a que elaboro na mente dos doze jurados. Se quiser pode dar outro nome: a ilusão da verdade”. Numa das cenas finais, já em momento de fraqueza, o advogado se propõe a responder à fatídica pergunta: Qual a razão para se defender alguém que se sabe culpado? Eis o que diz: “- Acha que é pelo dinheiro, não é? Dinheiro é bom. Dinheiro é muito, muito bom. A primeira coisa que digo a um novo cliente é: Economizou alguma coisa para uma emergência? Pois é, você está numa emergência. - Acha que é porque eu quero ver minha capa estampada na revista? Meus 15 segundos de fama? Eu adoro. Adoro essa droga. Sério mesmo. - Mas, adivinha. - Não é por nada disso. Vai à Las Vegas? Eu não vou a Vegas. E por que não vou? Por que jogar com dinheiro quando se pode jogar com a vida das pessoas? Brincadeira! - Creio que as pessoas são inocentes até que se prove o contrário. Creio nisso porque escolhi acreditar na bondade das pessoas. Escolhi acreditar que nem todos os crimes são cometidos por gente má. Eu tento entender que algumas pessoas muito boas podem fazer coisas muito más”. Disponível em VHS e DVD, o filme é cheio de clichês, mas é instigante em toda a duração (1h30min) e conta com a participação de ótimos atores. Edward Norton, no papel do coroinha, foi indicado para o Oscar de melhor ator coadjuvante. Frances McDormand, atriz que recebeu o Oscar de melhor atriz em 1996 pelo filme “Fargo”, faz o papel da psiquiatra. Interessam em “As Duas Faces de um Crime”, sobretudo, os bastidores do processo criminal, as diversas interpretações da realidade e discussões de natureza ética. O filme toca em questões atuais, tais como a sexualidade dos padres, a corrupção, a intocabilidade do ministério público e a ética do advogado criminal. No final das contas, tudo e todos têm um outro lado a ser descoberto. Anatomia de um Crime (Anatomy of a murder) (1959) O filme – adaptado de best seller com mesmo nome - foi inspirado em fatos reais e tem como diretor Otto Preminger. O livro foi escrito em 1956 por um juiz da Suprema Corte do Michigan, John Voelker (sob o pseudônimo de Robert Traver). James Stewart é Paul Biegler, advogado que, após se dedicar por mais de dez anos à promotoria, vive de pequenas causas e se refugia na pesca e no jazz. Voltando de viagem, trazendo alguns quilos de peixe na bagagem, Biegler é procurado por Laura (Lee Remick) para defender seu marido, Frederick Manion (Ben Gazzara), ex-combatente na guerra da Coréia, preso pelo assassinato de Barney Quill, dono do bar da pequena cidade. A história é simples e linear. Manion matou Quill porque este teria violentado sua mulher. Como não há provas do estupro, a promotoria defende a tese de que Laura era amante de Quill. O homicídio teria sido premeditado e executado a sangue-frio. O advogado enfrenta um cliente arrogante, soldado condecorado por atos de bravura, marido possessivo, violento e ciumento. Sua mulher, insolitamente sedutora, flertao tempo todo, provocativa, sem pudor algum. O estereótipo do casal – marido ciumento/mulher insinuante - complica a defesa, mas não é obstáculo para a tese de Biegler. Pouco importam as provas e os motivos do crime. Não são estes os argumentos do filme. “Anatomia de um Crime” se propõe, sobretudo, a discutir o crime pelo aspecto legal. E é por tratar de questões jurídicas controvertidas, táticas de inquirição de testemunhas e técnicas de argumentação que o filme é até hoje interessante. Algumas discussões importantes sobre o sistema de precedentes do direito norte-americano e sobre o comportamento ético do advogado não cabem no processo penal brasileiro - o sistema americano, apesar da cláusula constitucional que não admite a self-incrimination, não tolera, sob pena de perjúrio, que o acusado possa mentir e que seu advogado o induza a faltar com a verdade no interrogatório -, mas nem por isso o jogo de cena perante o júri deixa de ser similar. A defesa, estritamente jurídica, se destaca pela precisão. Enquanto o promotor procura destruir a imagem e a respeitabilidade da mulher, o advogado não se esforça em procurar a imagem oposta. O que impressiona é constatar que promotor e advogado, partindo dos mesmos fatos, da mesma lei e tendo as mesmas oportunidades de manifestação, chegam a verdades paralelas, que não se excluem no resultado final. Quando exibido, ainda na década de 50, o filme causou polêmica. A linguagem empregada no julgamento, posta em termos técnicos e objetivos para abordar o crime sexual, chocou a opinião pública e desafiou certo código moral que até então vigorava no cinema de Hollywood. Consta que Lana Turner teria recusado o papel de Lee Remick em razão do figurino ousado e da linguagem pesada. Também a aparição momentânea de Duke Ellington, dividindo o piano com James Stewart, provocou reação na África do Sul, onde foi proibida a exibição. Há outras curiosidades que enchem o filme de simbolismos. O papel do juiz não é representado por um ator e sim por Joseph N. Welch, advogado de Boston na vida real, famoso por ter defendido o exército contra as acusações do senador Joseph McCarthy, de infiltração de comunistas nas forças armadas. As audiências do comitê de investigações do Senado, em que McCarthy iniciava suas perseguições, das quais ninguém escapava (inclusive intelectuais, artistas, diretores de cinema e músicos), foram televisionadas em todo o país e todos ouviram o advogado acusar o senador de ser cruel e inconseqüente. Em um discurso explosivo, Joseph Welch dirigiu as seguintes palavras ao senador: “O senhor já foi longe demais. O senhor não tem nenhuma noção de decência? Depois de tanto tempo, não lhe restou nenhuma noção de decência?” O desabafo mudou a opinião pública. Em 1954, o senador foi condenado por conduta contrária às tradições do Senado. O julgamento de Manion, cheio de objeções técnicas, mais a tentativa do advogado de afastar da causa questões de ordem moral, fazem do filme verdadeira desforra de Otto Preminger contra o macartismo. Cliente e advogado, logo no primeiro contato trocam as seguintes palavras: Manion: “- A lei moral está do meu lado”. Biegler: “- A lei moral é um mito. Não existe essa tal lei moral. Qualquer um que mate, contando com ela, acaba na cadeia, talvez para o resto da vida”. Há outras curiosidades. A cidade de Ishpheming, Michigan, onde John Voelker viveu e onde os fatos aconteceram, foi utilizada como cenário e a residência do autor serviu como a casa-escritório do advogado Paul Biegler. Existe até um roteiro turístico na cidade montado com base nas locações do filme (The “Anatomy of a Murder” Tour). James Stewart foi premiado no Festival de Veneza por este trabalho (perdeu o Oscar de melhor ator para Charlton Heston, por Ben-Hur). O filme recebeu outras 6 indicações para o Oscar (melhor filme, melhor ator coadjuvante - Arthur O’Connell e George C. Scott -, melhor roteiro adaptado, melhor fotografia em branco e preto e melhor edição). A fotografia, com forte contraste, dá um toque de classe. A música de Duke Ellington é complemento perfeito. O DVD, com resolução e som de ótima qualidade, integra a coleção Columbia Classics. Há cópias em VHS. O Processo (The Trial - Le Procès) (1962) Entrevistado pela BBC em 1962, Orson Welles afirmou que o período mais feliz de sua vida havia sido durante as filmagens de “O Processo”. Após cinco anos sem filmar, a produção cara, sem restrições e sem fins comerciais, foi um presente para ele. O diretor pôde contar com atuações de Anthony Perkins, Jeanne Moreau e Romy Schneider. Apesar de todos os críticos indicarem seu filme “Cidadão Kane” como obra-prima do cinema, Orson Welles não teve dúvidas em apontar “O Processo” como filme predileto. Produzido com recursos obtidos na França, Alemanha e Itália, “O Processo” estreou em Paris em dezembro de 1962, atingindo o público americano em 1963. Orson Welles foi homem multimídia. Produziu, escreveu, dirigiu e atuou, imprimindo originalidade em tudo o que fazia. Ficou gravada na história da mídia americana a radiofonização da “Guerra dos Mundos”, em 1938. A chegada de marcianos em discos voadores, armados com raios letais, causou pânico entre os ouvintes e anunciou, em grande performance, o poder da mídia no mundo contemporâneo. O filme, disponível em VHS, é adaptação do livro de Franz Kafka. O escritor é apontado entre os melhores autores do século XX. “O Processo” é um clássico, reconhecido como um dos melhores livros de todos os tempos. A versão filmada de “O Processo” procurou ser fiel a Kafka. O argumento é, sem dúvida nenhuma, kafkiano. Algumas mudanças são fruto da interpretação pessoal do diretor e da adaptação da história de 1914 aos anos sessenta. O cenário é aflitivo. A Gare d’Orsay, em Paris - de onde várias pessoas eram enviadas aos campos de concentração nazistas e onde, após desativação, em 1939, foram confinados, sucessivamente, prisioneiros da 2ª grande guerra e argelinos (só transformada no maravilhoso Musée d’Orsay em 1986) -, entrou por acaso no filme e garantiu, filmada em semi-escuridão, uma atmosfera soturna e penosa. O escritório do advogado, as salas do tribunal e os inúmeros corredores percorridos por Joseph K. foram filmados lá porque os sets de filmagem na Iugoslávia não haviam ficado prontos. A improvisação, no entanto, foi providencial. O filme não pôde ser rodado na República Tcheca, onde Kafka era ainda um escritor banido. Diversas locações foram usadas em cenas contínuas, mixadas, de forma a criar o ambiente que Kafka descreveu, tais como a escadaria do Palazzo di Giustizia, em Roma, uma fábrica de Milão e as ruas de Zagreb, muito parecidas com as de Praga. É um pesadelo. Um homem, Joseph K. (Anthony Perkins), acorda em plena manhã e encontra a polícia em seu quarto. É informado de que será preso. Não lhe apresentam os motivos. O processo corre em segredo. A partir daí K. enfrenta caótica peregrinação. Apontam-lhe pessoas que poderiam influenciar e manipular o julgamento e garantir a absolvição, inclusive um advogado (Orson Welles) antigo, muito versado nos assuntos do tribunal. Ao procurar entender os mecanismos que movem seu processo, K. se torna paranóico e passa a acreditar numa enorme conspiração. A atualidade do tema impressiona. O impacto das primeiras cenas é indescritível. O filme tem início com trecho do livro encontrado lá nos capítulos finais. Na cena do livro, após buscar inúmeros aconselhamentos para seu processo, Joseph K. confessa ao Capelão ser este a única pessoa em que pode confiar. O Capelão o adverte: “ - Não se engane!”. E, antes de revelar ser ele o Capelão do presídio, narraa Joseph K. parábola que simboliza os meandros da Lei. A história, contada pela voz de Orson Welles, principia “O Processo”: “Diante da Lei, fica um guarda. Um homem, vindo do interior, pede para entrar. Mas o guarda não admite. ‘- Pode ele entrar mais tarde?’ ‘-É possível’, diz o guarda. O homem tenta olhar para dentro. Aprendeu que a Lei deveria ser acessível a todos. ‘-Não tente entrar sem a minha permissão! Eu sou poderoso! E sou apenas o mais subalterno de todos os guardas! A cada sala, a cada porta, há um guarda mais poderoso que o anterior’. Com a permissão do guarda ele senta ao lado da porta e espera. Por anos ele espera. Ele vende tudo o que tem pensando subornar o guarda. Este sempre aceita o que o homem lhe dá para que ele não sinta que não tentou. Fazendo vigília por anos, o homem conhece até as pulgas da gola do guarda. Ficando gagá com a idade, pede às pulgas que convençam o guarda a permitir a entrada. Sua visão é curta, mas ele percebe um brilho infinito ao redor da porta da lei. E agora, antes de morrer, toda sua experiência se reduz a uma pergunta que ele nunca fez. Ele chama o guarda. E o guarda responde: ‘-Você não se cansa, o que quer agora?’ ‘- Todo homem luta pela Lei’. Então, por que nesses anos todos ninguém pediu a proteção da Lei?’ Sua audição não é boa, e o guarda grita em seu ouvido: ‘-Só você poderia entrar. Ninguém mais. Essa porta foi feita só para você. E, agora, eu vou fechá-la’. Orson Welles procurou dar ao filme sentido a partir dos acontecimentos da 2ª Guerra. Evitou lamúrias e mostras de indignação e jamais sugeriu inocência. Anthony Perkins faz um Joseph K. trágico, arrogante e neurastênico. Qualquer um poderia estar sob sua pele. Amigos, inimigos, carrascos e suas vítimas estão ligados pela ambigüidade. Dos recônditos da culpa ninguém escapa. Há uma cena em que Joseph K. confessa à senhorita Bürster (Jeanne Moreau): “-É pior quando não se fez nada e se sente culpado. Lembro do meu pai dizer, olhando-me nos olhos: - Vamos, garoto... O que andou fazendo? Mesmo que eu não tivesse feito nada eu me sentia culpado. Sentiu isso? Depois, a professora dizendo que sumira alguma coisa da sua mesa: - Vamos, quem é o culpado? Eu claro, eu me sentia doente de tão culpado. E não sabia sequer o que havia sumido. Talvez seja isso. A menos que seus pensamentos sejam 100% puros, isso se aplica a todos. Até mesmo os santos têm tentações. O que acha?” Mais tarde, em outra cena, seguindo um percurso tortuoso, Joseph K. compreende que não é inocente. O advogado, diante do inconformismo do seu cliente com o tratamento que recebia, adverte K., usando a parábola da Lei: “-Doutrinadores entendem que o homem se dirigiu à porta da Lei por vontade própria...”. Joseph K. responde: “-E você está disposto a engolir tudo isso? É tudo verdade?” Advogado: “- Você não precisa aceitar tudo como verdade, apenas como necessário” K.: “- Deus, que conclusão miserável! Converter a mentira em princípio universal! O advogado pergunta se o cliente, ao desafiar o tribunal, num gesto tresloucado, pretendia alegar insanidade. Havia base para a alegação. K. podia parecer acreditar ser vítima de uma espécie de conspiração. K. responde: “-Isso é um sintoma de loucura, não é? Advogado: “-Mania de perseguição?” K.: “-Eu não pretendo ser um mártir”. Advogado: “-Nem uma vítima da sociedade?” K.: “-Eu sou um membro da sociedade!”... “Claro, eu sou responsável”. No livro, essa conversa se passa entre K. e o Capelão. Quando discutem as diversas interpretações da parábola da Lei, Joseph K. põe em dúvida a atuação do porteiro. O Capelão sustenta que duvidar do servidor da lei está fora do alcance do julgamento humano. Duvidar do porteiro seria duvidar da lei. K. não concorda. Afirma que por esse raciocínio, quem se ampara na lei precisa considerar como verdade tudo o que o porteiro diz. Ao que o Capelão responde não ser preciso considerar como verdade, mas como necessidade. Daí, K. desabafa: “-A mentira se converte em ordem universal”. Também o final do livro foi mudado. No livro, Joseph K. se conscientiza de que é inútil opor resistência. Sofre solitariamente a injustiça. É morto a facadas, “- Como um cachorro!”, diz ele. Pensando nos regimes totalitários e em suas incontáveis vítimas, Orson Welles ampliou o significado da morte de K. O acusado não se rende. Os algozes, co-responsáveis, não o matam com as próprias mãos. Joseph K. espera rindo, com desdém. Uma bomba explode. Tudo muito impessoal. Foi cortada uma cena de 10 minutos que tornaria mais fácil compreender o final. K. perguntava a um enorme computador qual seria o seu destino. Veio como resposta que K. não agüentaria, cometeria suicídio. Esta cena, segundo Orson Welles, seria uma das principais, mas foi cortada porque era cheia de humor negro e não acompanhava o espírito do filme. Mas seu intento era mostrar que K. , até o fim, foi livre para recusar o próprio destino. Culpa e injustiça são enquadrados, de forma concisa, fora do plano individual, como um problema difuso, coletivo. Kafka polarizara essa problemática como uma questão entre indivíduo e autoridade. As duas versões se complementam nos tempos de hoje e é por isso que irradiam genialidade. Várias foram as leituras que se fizeram das duas obras, muitas completamente alheias ao mundo do direito. No entanto, é na área jurídica que o filme encontra lugar para encorajar reflexões da maior importância. Espalhadas no mundo, muitas universidades usam o filme como material essencial aos debates em aula. Workshops são promovidas sobre “O Processo”. Examinam-se temas como a pena de morte, a burocratização da justiça, os caminhos do direito administrativo. Mas é perto do estudo do processo que livro e filme alcançam importância vital, muito especialmente para o processo penal. Ambos incomodam ao revelar, com bastante lucidez, que as instituições, despersonalizadas, permanecem no tempo e que a vida do homem tem duração limitada no tempo e no espaço. A longevidade, por si só, já é uma vantagem. De nada adianta a lei pairar, eterna, sobre todos, se não se considerar que a vida do homem simplesmente acaba, mesmo que ninguém se ocupe de matá-lo. Amistad (1997) “Amistad” relata a luta de africanos pela liberdade. Aprisionados em Serra Leoa, sede de organizado esquema de tráfico de escravos, um grupo de negros se desvencilha das correntes e, em alto mar, assume o controle da escuna “La Amistad”. Dois espanhóis, poupados para dirigir a embarcação, desviam-na da rota africana em direção ao território norte-americano. A escuna é interceptada pela marinha americana. No tribunal, os africanos são acusados de pirataria e assassinato. A rainha da Espanha postula a propriedade da tripulação negra. Os oficiais da marinha americana pedem, como compensação pelos seus feitos, a escuna “La Amistad” e sua carga (ouro, seda e escravos). Os espanhóis sobreviventes, de seu lado, alegam a compra de escravos em Havana. A carga lhes pertenceria por aquisição. Um advogado, Roger Baldwin, especializado em direitos patrimoniais, surge oferecendo seus serviços a abolicionistas. Estes, indagam-lhe, atônitos: “-Advogado imobiliário?” Ao que o advogado responde: “- Eu lido com propriedades. Posso tirá-las e devolvê-las”. Incrédulos, os abolicionistas respondem: “- Precisamos de um criminalista. Advogado de tribunal!”. O diálogo não termina aí. Mais adiante, o mesmo advogado, agora procurado pelos abolicionistas, esclarece: “ - O caso é mais simples do que se pensa. É como qualquer coisa:terra, gado, heranças...”. “-Gado?” “- Sim. É preciso considerar que a única maneira de vender ou comprar escravos é quando eles já nasceram escravos, como...em uma fazenda... Nasceram?... Digamos que nasceram. Então, são bens. Não merecem um julgamento criminal...Mas, se não forem escravos, então foram comprados ilegalmente. Esqueçam motim, pirataria, mortos. São ocorrências irrelevantes. Ignorem tudo, menos a coisa mais importante...a aquisição de bens roubados. De qualquer forma venceremos”. Ao esclarecimento, objetaram os abolicionistas: “-Esta guerra tem que ser travada no campo da integridade”. “-Do quê?”, interrompe o advogado. O advogado acertou em cheio. Escolheu como ponto de partida para o combate o direito das coisas. A causa seria ganha pela técnica, não pela emoção. Considerados como coisas, os escravos escapam do julgamento criminal e adquirem valor jurídico, transformando-se no próprio objeto de proteção do direito, do direito penal inclusive: a presunção de propriedade pela posse, amparada pelo direito civil, cede, no âmbito criminal, quando provada a obtenção ilegal do bem. Criminoso seria, sim, quem detivesse a posse de coisa ilegalmente obtida (escravos). Esse mesmo raciocínio foi utilizado no Brasil, a partir da Lei do Ventre Livre, de 1871, para garantir a liberdade de escravos libertos ou de descendentes de escravos nascidos livres. Presumia-se livre aquele encontrado no gozo da posse pacífica de sua liberdade. Ou a posse da liberdade era concedida, ou adquirida desde o nascimento como direito natural. O liberto tinha em seu favor a presunção de liberdade. Presunção esta, só derrubada por sentença, mediante comprovação, pelo ex-senhor, de título válido e legal. Antes, a presunção de fuga protegia, ao contrário, pela mesma técnica, a propriedade do senhor. Escravos encontrados livres fora do distrito em que domiciliado seu senhor, por força da presunção de fuga, eram aprisionados (v. Andrei Koerner, Habeas-corpus, prática judicial e controle social no Brasil (1841-1920), São Paulo: IBCCRIM, 1999). Concediam-se, assim, habeas corpus quando houvesse ameaça de escravidão ou reescravização, para manutenção ou reintegração na posse da liberdade, aplicando-se a técnica possessória aos direitos pessoais, tal como posteriormente defendido por Rui Barbosa. Também foi nesses termos que se resolveram incidentes internacionais no caso “Amistad”. Em 1839, a Espanha, ainda escravocrata, invocou o tratado de 1795, pelo qual navio e mercadoria encontrados nas mãos de piratas ou ladrões, em alto mar, deveriam ser levados a qualquer porto, mantidos sob custódia e entregues ao verdadeiro proprietário, assim que apresentado justo título de propriedade. O artigo do tratado invocado pela rainha da Espanha era cópia de outro artigo posto em tratado celebrado com a França, em 1778. Neste último tratado, repetiam-se os princípios de liberdade proclamados por ocasião da declaração de independência americana. Considerando-se que, pelas leis francesas, eram livres os escravos provenientes de colônias francesas, assim que pisassem o território francês, a interpretação do mesmo artigo, transportado para o tratado entre Estados Unidos e Espanha, não poderia ser diversa. Argumentou-se, também, que pelas leis do Estado de New York, onde o navio espanhol aportou, qualquer pessoa, exceto fugitivos de nações irmãs, era considerada livre e digna de proteção da lei territorial. Essa regra, apesar de não acolhida pelos Estados sulistas, ainda escravocratas, não conflitava com a Constituição dos Estados Unidos. Mas a questão não era tão simples assim quando analisada pela Suprema Corte. A aplicação da 5ª emenda constitucional, segundo a qual nenhuma pessoa será privada de sua vida, liberdade, ou propriedade sem o devido processo legal, nos diversos Estados, era cheia de paradoxos. Proprietários de escravos eram protegidos contra qualquer violação do direito de propriedade pela 5ª emenda. Ao mesmo tempo, considerava-se verdadeira heresia o uso da palavra liberdade para dar existência legal à escravidão. Em primeira instância, provou-se que a tripulação negra era composta por indivíduos livres, seqüestrados e transportados da África à Cuba, em navio português (Tecora). Como forma de burlar o tratado de 1817, entre Portugal e Inglaterra, em que se proibiu o tráfico de escravos para colônias espanholas, foram utilizados documentos falsos que certificavam a proveniência dos escravos de fazendas cubanas. Determinou-se que a tripulação do Amistad retornasse para a África. Todos haviam nascido livres. O governo apelou para a Suprema Corte, composta por nove juízes, sete dos quais tinham ou haviam tido escravos. Em março de 1841, a Suprema Corte decidiu que todo ser humano tem direito, em casos extremos, de resistir contra a opressão e de usar força contra aniquiladora injustiça. Os africanos haviam utilizado esse direito contra a escravidão ilegal, assim considerada pelas próprias leis da Espanha. Estavam livres para ficar ou para retornar à África. A decisão foi importante, mas não decisiva à causa abolicionista. A proibição da escravidão só ficou gravada na Constituição dos Estados Unidos em 1865, na 13ª emenda. Mesmo assim, não foi obedecida. Taxaram-na de inconstitucional porque desrespeitava direitos civis, originalmente assegurados pela Constituição americana. Somente a partir da 14a emenda, de 1868, é que a cláusula do devido processo legal e da igual proteção se tornou imperativa a todos os Estados da Federação. Fora esse aspecto especialmente interessante, que aproxima, pela técnica de proteção, propriedade e liberdade, a leitura jurídica de “Amistad” evidencia outro ponto extremamente importante para o processo penal: a autodefesa. O julgamento do caso “Amistad” mostra que a defesa técnica é indissociável da autodefesa. As duas conformam a defesa, em sentido unívoco. Ambas se completam e, buscando o contraditório efetivo, dão significado ao devido processo legal. A primeira dificuldade enfrentada por Baldwin foi a impossibilidade de se comunicar com os africanos. A prova de que a tripulação negra do “Amistad” havia nascido livre, na África, e não em fazenda cubana, como demonstravam os títulos de propriedade, era essencial à invalidação do título apresentado pelos espanhóis. Essa prova, simples e irretorquível, não foi fácil de obter. Os africanos se comunicavam em língua desconhecida, não havia diálogo com seu defensor. Em nada podiam contribuir para a própria defesa. Mas estavam lá, fisicamente presentes no tribunal, e todos puderam assistir ao momento em que mantiveram silêncio quando reperguntados em inglês e espanhol pelo defensor. A falta de entendimento funcionou como prova negativa. Os africanos não falavam espanhol e desconheciam o inglês. Era pouco provável que tivessem vivido em Cuba. O silêncio funcionou como autodefesa e impressionou o juiz. A cena, no entanto, foi em vão. O Presidente dos Estados Unidos, interessado em devolver os africanos à Cuba, mandou substituir o magistrado. Os abolicionistas recorreram, então, a John Quincy Adams. Procurado pelo negro abolicionista Theodore Jodson, o ex-Presidente dos Estados Unidos afirma: “-No Tribunal, quem conta a melhor história vence. Por falar nisso, qual é a história deles?”. Ao que Jodson responde: “-Eles são da África”. Adams insiste: “- Não! Qual é a história deles?” Jodson, confuso, fica em silêncio. Adams pergunta: “-Mr. Jodson, quais são as suas origens?” Jodson responde: “Georgia”. Continua Adams: “- Isso é o que o senhor é, um Georgian? É essa sua história? Não, o senhoré um ex-escravo que devotou sua vida à abolição da escravatura e que ultrapassou obstáculos e passou por privações ao longo do caminho. Eu posso imaginar. É essa sua história, não é?... O senhor provou saber o que eles são. Eles são africanos. Parabéns! O que o senhor não sabe - e que ninguém se preocupou em descobrir- é quem eles são”. Convencidos por Adams, Baldwin e Jodson procuram um intérprete para o “mende”, língua dos africanos. Encontram, ao longo do porto, um membro da mesma tribo africana, salvo há tempos, pela marinha inglesa, das mãos de traficantes de escravos. O marinheiro traduziu nos tribunais a versão dos africanos. Só então, todo o sofrimento pelo qual haviam passado pôde ser reconstruído na mente do julgador. Em simbiose, autodefesa e defesa técnica contribuíram para contrariar, de forma efetiva, a versão dos espanhóis. A história aconteceu em 1839 e ficou muito tempo esquecida. Em imagens primorosas, “Amistad” a recuperou, introduzindo-a na história oficial dos Estados Unidos. O filme é de Steven Spielberg. Contracenam Morgan Freeman, Anthony Hopkins, Djimon Hounsou e Matthew McConauhey. Foram quatro as indicações para o Oscar: melhor ator coadjuvante (Hopkins), melhor música, melhor indumentária e melhor cinematografia. Advertem alguns que o episódio foi maquiado e sublimado. O personagem de Morgan Freeman (Theodore Jodson, escravo liberto, abolicionista) é fictício, nunca existiu. Mesmo assim, a figura de Morgan Freeman, como personagem da história dos Estados Unidos, acabou estampada em livros didáticos utilizados na rede pública de ensino. De outro lado, as cenas entre John Quincy Adams (ex-presidente dos Estados Unidos) e Cinque (líder dos africanos) nunca aconteceram. O africano não teria sido objeto de atenções pessoais do ex-presidente, tal como enfatizado no filme. Há mais. O incidente “Amistad” não teria sido estopim para a Guerra Civil americana, como sugerido na filmagem. As polêmicas em torno do filme não param aí. Além de ter sido acusado de fabricar a história dos Estados Unidos, Spielberg foi acusado de plágio. Teria se apropriado da narrativa de Barbara Chase - “Echo of Lions”- , entregue em suas mãos como proposta de roteiro. Safou-se. A história, assim o disseram, não pertence a ninguém. Fora os dissabores, o filme trata de forma digna a causa abolicionista. Tanto as imagens, como os diálogos, têm seus momentos de esplendor, sendo que Djimon Hounsou é o responsável pelas mais belas cenas. O ator, seguro, com porte físico atlético e heráldico, marca com expressividade o verdadeiro líder africano. Apesar do filme ser impulsionado mais pelo visual impactante, os diálogos não deixam de ser, da mesma forma, desconcertantes. As palavras iniciais de “Amistad” soam como contínua advertência: “A liberdade não é concedida. É um direito que se adquire ao nascer. Contudo, existem momentos em que a liberdade precisa ser conquistada.” Hurricane - O Furacão (The Hurricane - 1999) Quem viveu a década de 60 pôde acompanhar a história do boxeador Hurricane (Furacão), preso por triplo assassinato em New Jersey, nos EUA, em 1966. Uma década depois, ouviu-se o incrível refrão de Bob Dylan: Here comes the story of the Hurricane, The man the authorities came to blame For something that he never done. Put in a prison cell, but one time he could- a been The champion of the world. (Esta é a história de Hurricane, o homem que as autoridades vieram a culpar. Por algo que ele nunca fez. Posto na prisão, aquele que poderia ter sido campeão do mundo) Só a geração seguinte testemunhou Rubin Carter (Hurricane) sair da prisão quase 20 anos depois (1985). Após infrutíferas tentativas de libertação perante a corte estadual de New Jersey, Hurricane obteve, mediante habeas corpus, ordem de soltura na corte federal. O filme, “Hurricane - o furacão”, apresenta a saga do boxeador (Denzel Washington) ao público do século XXI. Histórias de discriminação não surpreendem o brasileiro. Em um bar, dois homens e uma mulher são assassinados a sangue-frio. Dois negros seriam os autores do crime. Na redondeza, Hurricane e John Artis transitavam em um carro branco, voltando de um outro bar. O carro trafegava em baixa velocidade. Os dois não estavam armados e não foram reconhecidos pelos sobreviventes, mas uma única testemunha ocular, num testemunho duvidoso, afirmou ter visto Hurricane no local do crime. Os dois foram condenados (a três prisões perpétuas), com base nesse testemunho. A vida de Hurricane foi romanceada no filme, acusado por alguns de ter desperdiçado valiosa oportunidade de alertar e informar as pessoas sobre as injustiças cometidas pelo sistema judicial criminal dos EUA. O filme não passaria de mais uma entre as várias soap operas produzidas ao gosto norte-americano. Explica-se. O filme evitou crítica direta às instituições. Todas as injustiças cometidas contra Hurricane foram personificadas em único desafeto: um fictício policial racista, de origem italiana. O policial que, por inexplicados motivos pessoais, o persegue por toda a vida e acaba por alterar e deturpar os indícios do crime. Na realidade, Hurricane foi vítima do próprio sistema judicial criminal americano. Foi condenado em 1967, com o júri composto apenas por brancos, durante período de rebeliões raciais em Newark. Anulado o julgamento, porque policiais teriam coagido testemunhas e cometido perjúrio, foi novamente condenado, com fundamento em outro motivo: a promotoria construiu a história de que o assassinato fora praticado por motivos raciais. Hurricane teria se vingado de um outro crime cometido horas antes contra negros em um bar. A versão colou, confirmando a parêmia de que nos tribunais americanos vence quem conta a melhor história. O caso, conforme testemunho de um de seus advogados, mostra que o sistema sulista de justiça, extremamente preconceituoso, não foi esquecido. Foi aplicado na década de setenta e em Estado não conhecido como sede de grandes conflitos raciais. Queixou-se, ainda o advogado, de que a história romanceada evitou mostrar o quão racista a justiça criminal pode ser e até que ponto promotores podem chegar para obter condenações. Ficou a impressão de que a justiça criminal funciona, mesmo que tardia. O filme não menciona aspecto jurídico importante. Hurricane foi posto em liberdade por ordem de habeas corpus. Posteriormente, após ter adotado cidadania canadense, quando participava de uma conferência nacional sobre erros judiciais e pena de morte nos EUA, Hurricane afirmou que se não fosse por uma esquisita expressão latina - habeas corpus -, ele estaria em outro lugar, ou seja, na prisão. Sua presença naquela conferência era prova de que erros judiciais podiam ser corrigidos. No direito norte-americano, o habeas corpus, cabível apenas a presos, em casos de ilegalidade ou desrespeito aos direitos civis na prisão, é raro e extremamente angustioso. No sistema da common law, o procedimento foi conhecido por garantir a liberdade de presos que não eram submetidos a julgamento, para os quais não se admitia fiança ou cujas ou que estivessem presos sem motivo. O writ não cabia para condenados na justiça criminal. Contudo, pouco a pouco, o habeas corpus se tornou um procedimento utilizado na jurisdição federal contra certas decisões das cortes estaduais. Após condenação em corte estadual, a corte federal pode, com fundamento em violação da lei e da Constituição, anular a sentença da corte estadual. Habeas corpus, nos EUA, é um sistema paralelo de ataque a uma condenação estadual e independente das vias normais de impugnação, embora a exaustão dos recursos estaduais e falhaprocessual no julgamento da corte estadual sejam requisitos de admissibilidade do writ. O habeas corpus na jurisdição estadual não é regra, porque o procedimento nem sempre está previsto na legislação ou nas constiuições dos Estados (Willian A. Fletcher, Federal courts, EUA: Harcourt Brace Legal and Professional Publications, 1993). A partir de 1960, os tribunais começaram a restringir o acesso ao habeas corpus federal. Após o atentado terrorista em Oklahoma, as hipóteses de habeas corpus na jurisdição federal americana foram ainda mais restringidas. Em 1996, o Senado aprovou (64 senadores contra 35) e o presidente Clinton sancionou lei que restringe o habeas corpus nas cortes federais (The Antiterrorism and Effective Death Penalty Act). A decisão da corte estadual agora prevalece quando for razoável, não se examinando a justiça ou eventual erro das decisões. Consta que o caso Hurricane foi utilizado como argumento pelos congressistas que se posicionaram contra a reforma legal de 1996. Alegaram que se a palavra “reasonable” já estivesse na lei anterior, Hurricane ainda estaria na prisão. Os posicionamentos contra a restrição do habeas corpus não vingaram: a luta pelo writ foi logo associada à proteção de terroristas. É preciso fixar que o habeas corpus brasileiro é muito diferente e é melhor que continue assim. Apesar de ter raízes no direito norte-americano, o habeas corpus brasileiro evoluiu para extensão maior e conformação peculiar. Embora exista quem o entenda restrito a garantir a liberdade de locomoção, é comum e tem tradição o entendimento de que o habeas corpus é instrumento processual destinado a coibir violência ou coação ilegal praticados na persecução penal, utilizado inclusive para a declaração de nulidades processuais e para o exame da justa causa da ação penal, conforme artigo 648 do Código de Processo Penal. Não se trata, portanto, de instituto vinculado estritamente ao direito de ir e vir (ex.: HC, 79.191-3, no STF). “Hurricane - o furacão” não é bandeira política para a defesa do habeas corpus. Mas o filme impressiona e estimula a discussão sobre a garantia do processo penal. O sofrimento do boxeador, mesmo que tratado sob o ponto de vista pessoal, individual, é abordado com seriedade. Fica no ar a questão: o que fazer quando todas as portas da justiça já se fecharam? A resposta é imediata: as portas sempre devem estar abertas e acessíveis. Kafka ilustra a questão. A busca pela inocência no processo penal se assemelha à busca infinita da justiça pelo homem simples, retratada em “O Processo” (v.): “O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele”. Depois de muito esperar, “o homem reconhece no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida”. Antes de morrer, o homem pergunta por que durante todo o tempo em que esperou ninguém ali se apresentou para pedir a proteção da lei. Vem a resposta do guarda: “Aqui ninguém mais podia ser admitido pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e a fecho”. Denzel Washington encarna um Hurricane excepcional. Circunspecto e intelectualizado, o boxeador desenvolve seus próprios métodos de resistência. Sente-se, desde o início, que sua luta não é contra o sistema judicial que o aprisionou. Sua luta maior é pela auto-preservação, pela inviolabilidade de seu ser. Seguem alguns de seus pensamentos: “- Para mim, foi uma espécie de revelação que minha própria liberdade dependesse de eu não querer ou precisar de qualquer coisa da qual eles pudessem me privar. Se o castigo consistisse em ficar preso na cela, eu simplesmente deixava de sair e os privava daquela arma. Não trabalharia nas oficinas. Não comeria a comida deles. Comecei a estudar. Dediquei-me ao meu caso, parte por parte, começando com minha prisão inicial, pelo julgamento e, por fim, o terrível veredicto”. “Seguirei o tempo com meu próprio relógio. Quando estiverem acordados, dormirei. Quando dormirem, estarei acordado. Não viverei na cela deles. Nem em meu próprio coração. Só na minha mente e no meu espírito...” “Uma vez pedi ajuda. Ela murchou e depois secou como grama seca soprada, o pó que não deixa nada. Já não espero nada. Não preciso de nada. Nem do amanhã. Nem da liberdade. Nem da justiça. No fim, a prisão desaparecerá e não haverá mais nenhum Rubin, mais nenhum Carter. Só o Furacão. E depois dele, nada mais”. O diretor do filme é Norman Jewison, antes indicado para quatro Oscars. Denzel Washington, primeiro ator negro a ganhar o Oscar de melhor ator (2002), levou o Globo de Ouro pelo papel de Hurricane. O DVD traz alguns extras, como uma entrevista com o verdadeiro Rubin “Hurricane” Carter (disponível também em VHS). Em nome do pai (In the name of the father - 1993) Já foi o tempo em que o pai ensinava a profissão e fazia o filho enxergar o mundo com seus próprios olhos paternos. O filho já não vê no pai sua imagem refletida e o que vê não lhe interessa como promessa do que virá. Desaparece a cumplicidade e surgem, à vista da luta interior, inúmeras e surpreendentes formas de transgressão. Se, por um lado, obediência e dever se tornam incompatíveis com a nova individualidade, admiração e orgulho influenciam o relacionamento dessas pessoas diferentes e podem dar sentido positivo às escolhas pessoais. “Em nome do pai”, além de ser a história de quatro irlandeses, conhecidos como “Guildford Four”, injustamente condenados e aprisionados com fundamento no Prevention of Terrorism Act de 1974, editado na Inglaterra para coibir as atuações do IRA, conta a história de pai e filho que, desencontrados no cotidiano, alcançam entendimento comum quando se descobrem desgraçadamente injustiçados. Guiseppe, pai de família simples, doente por trabalhar inalando vapores de tinta e aparentemente resignado com as injustiças da vida, descobre-se homem forte, de princípios arraigados, firme a ponto de não se deixar vergar. O filho de Guiseppe, rebelde sem causa, ingênuo e inconseqüente, acaba encontrando, nas atitudes do pai, integridade, um norte para resistência equilibrada. O filme é baseado na autobiografia de Gerry Conlon, um dos primeiros a serem detidos e condenados sob a vigência das leis antiterrorismo inglesas. Em 5 de outubro de 1974, após explosão no Guildford pub, em Londres, Gerry Conlon, Paul Hill, Paddy Armstrong e Carole Richardson, jovens irlandeses, são presos, torturados, interrogados e condenados à prisão perpétua. Toda a família de Gerry é presa como cúmplice: o pai Guiseppe, a tia Annie Maguire, seu filho de 14 anos e seu marido. Para mostrar rápidos resultados à população, ensandecida diante dos ataques terroristas, a polícia britânica passa a prender irlandeses sem motivos e sem evidências. A história da injustiça, do erro judiciário, é tratada como abuso do poder estatal. Não há sublimação nesse particular. Mas nem por isso a luta contra o terrorismo deixa de ser vista com seriedade. A violência dos ataques terroristas é mostrada em igual proporção. O filme é político, engajado, o que o faz se diferenciar de outros do gênero. É possível sentir a violência, o ambiente prisional hostil de forma extrema, sem presenciar ou testemunhar cenas sanguinolentas. Impressiona, por sua beleza, a cena em que, após a ocorrência de uma morte na prisão, todos os presos, como homenagem ao morto, jogam de suas celas folhas de papel queimando na escuridão. Outra cena merece ser comentada, mas sob enfoque jurídico. No tribunal, após 15 anos de prisão, descobre-se que, entre as provas obtidas mediante procedimento secreto, havia prova da inocência de Gerry Conlon. Essa prova fora surrupiada da defesa, dos autos e do magistrado. Conlonfora condenado ao arrepio da verdade. Se de um lado o segredo fora instalado para assegurar máxima eficiência nas investigações e melhor promover a segurança das pessoas, por outro, a investigação não publicizada, oculta, à sombra, serviu à perversão da própria finalidade, culminando por acobertar a verdade e por transformar inocentes em bodes expiatórios. Fica clara a lição de que todo poder deve ser controlado, sob pena de se tornar abusivo. A defesa social sem limites é arma poderosa, que investe ardilosamente contra a segurança individual. Verificou-se, no caso “Guilford Four”, que o procedimento inquisitório (secreto para a defesa, sem contraditório e sem participação da defesa na produção das provas) foi insuficiente para garantir a verdade, sendo frontalmente desrespeitoso com os direitos individuais. Mostrou-se, de igual forma, que o procedimento acusatório, puro, utilizado no julgamento (com liberdade para acusar, contraditório e passividade do juiz perante as provas que se lhe apresentam) falhou na tarefa de fazer aparecer a inocência, pois a prova da defesa se encontrava nas mãos da polícia. A desigualdade de forças entre a pessoa física coartada e as instituições, com seu enorme aparato, é elemento a se considerar quando se propugna pela igualdade de armas no processo penal. Daí a necessidade de que intervenha um juiz forte, atuante também para buscar esclarecimento próprio, não só sobre os fatos, mas também sobre os métodos utilizados na formação da prova. Foi por acaso e por brecha na vigilância dos arquivos que a advogada dos Conlon conseguiu examinar todas as pastas e documentos e se apossar daquele depoimento que inocentaria Gerry Conlon. Em apelação, as palavras da advogada Gareth Peirce não são de indignação, mas reverberam como acusação: “-Meritíssimo, este álibi de Gerry Conlon foi tomado pelo Sr. Dixon um mês depois que Gerry Colon foi preso. Esta anotação estava com o depoimento nos arquivos. Diz: Não mostrar à defesa. Quero fazer uma pergunta ao Sr. Dixon. Por que o álibi de Gerry Colon, acusado de matar 5 pessoas não foi entregue à defesa?” A música confere ao filme uma ambiência triste. Ressona a todo momento a lembrança de que se tratavam de jovens, hippies, irreverentes, pegos no acaso e totalmente expostos, à mercê de uma crueldade inesperada. Toca Bob Dylan, Bob Marley, Jimi Hendrix , Trevor Jones e The Kinks. Bono (U2), Gavin Friday (Virgin Prunes) e Maurice Seezer são os responsáveis pelas três trilhas principais: “In the name of the father” (momentos iniciais do filme), “Billy Boola” e “You made me the thief of your heart” (cantada por Sinead O’Connor nos momentos finais). Além da trilha sonora, o filme marca por contar com excelentes atores. “In the name of the father” tira do esquecimento a sensação de ver atuar atores de verdade. Daniel Day- Lewis (Gerry Conlon), formado no teatro, tem estrutura e consistência. O ator ganhou o Oscar de 1989 (por “My Left Foot”) e foi indicado ao Oscar de 1994 por sua atuação no papel de Gerry Conlon. Emma Thompson (no papel da advogada de Conlon) e Pete Postlethwaite (Guiseppe) foram indicados ao Oscar de melhores atores coadjuvantes . O diretor é Jim Sheridan, o mesmo que dirigiu Daniel Day-Lewis em “My Left Foot”. Foi indicado ao Oscar pela direção, fotografia e melhor roteiro adaptado. “In the name of the father” ganhou o “Urso de Ouro” no Festival Internacional de Cinema de Berlim. A história dos quatro ainda não acabou. Gerry Conlon e Paul Hill não se conformam com simples indenização (mais de 500.000 libras). Lutam pela publicidade dos processos indenizatórios nos casos de erro judiciário e esperam pedido de desculpas do governo britânico. Em junho de 2000, Tony Blair escreveu à esposa de Paul Hill, americana, filha de Robert Kennedy, carta de desculpas pelo erro judiciário. Os outros não receberam desculpa alguma e nenhuma ajuda governamental, fora a indenização (segundo o jornal Guardian, de 6 de junho de 2000). Todos, de família ilustre ou não, sofreram o mesmo trauma. Vivem até hoje tendo pesadelos com o passado. Há cópias em DVD e VHS. Justiça Vermelha (Red Corner - 1997) Pequim, China. Aparece em primeiro plano a Praça da Paz Celestial (Tiananmen Square), palco, em 1989, de violenta repressão a manifestação estudantil pela democracia. Em segundo plano, mostra-se uma negociação para a compra de programas ocidentais de TV. Richard Gere (Jack Moore) é o advogado da corporação americana interessada na negociata. Seguro, acostumado a estar no controle da situação, o advogado se surpreende numa manhã, banhado em sangue, ao lado do corpo da bela chinesa com quem passara a noite. É preso e submetido ao judiciário chinês. Mesmo no papel do acusado, maltratado, em cenas sem glamour, o ator não sacrifica a posição de galã. Sem ajuda da embaixada americana e sem falar chinês, Jack Moore, acusado de homicídio e estupro, vê-se largado à própria sorte. Nomeiam-lhe Shen Yuelin (Bai Ling) sua advogada. Distante, pronta a desempenhar seu papel de advogada do partido e sem poder conversar sobre a investigação, a advogada de defesa deixa o julgamento rolar e avisa que naquele país não existe a presunção de inocência. As leis chinesas prevêem clemência para quem confessa e execução sumária, em uma semana, para quem afirma inocência. Nenhum advogado defenderia acusado naquela situação, encontrado com sangue nas mãos e com impressões digitais carimbadas na arma do crime. Mas Jack Moore não abre mão da inocência e se recusa a alegar insanidade devido ao efeito do álcool. Estuda as leis chinesas e passa a exercer a autodefesa, com tese contrária à de sua defensora. Pouco a pouco a advogada vê crescer dúvidas sobre o que realmente aconteceu e começa a investigar. E é nesse particular que o filme interessa porque deixa evidente as diferenças entre um processo penal que parte da presunção de inocência e um procedimento criminal que parte da presunção da culpa. Em um, a dúvida quanto a verdade precisa buscar espaço para que a alegação de inocência tenha força argumentativa. Em outro, o processo não tem existência válida se não se admitir a inocência como um dos vetores do procedimento, com argumentos e provas nesta direção. É evidente que o filme foi feito com a proposta de criticar o sistema comunista. Em 1989, o roteirista Robert King havia apresentado a idéia de retratar o regime totalitário ao estúdio Universal Pictures. A história se passava na Rússia e foi escrita sob medida para Robert Redford. King passou inclusive a estudar o direito russo, mas, no entremeio, o sistema judicial foi modificado. Três anos depois, os estúdios MGM acolheram a idéia, adaptada ao sistema chinês, muito semelhante ao antigo processo penal russo. Richard Gere, comprometido com as questões do Tibet (o ator é budista), não pôde filmar na China. As imagens em que ele aparece foram filmadas por Jon Avnet e montadas em laboratório, com efeitos tecnológicos especiais. O diretor, porém, foi conferir de perto o judiciário chinês. Informou- se com juízes e advogados, os quais, mesmo correndo riscos, levaram-no a uma das cortes, oferecendo-lhe inúmeros detalhes sobre o procedimento criminal daquele país. John Avnet e Bai Ling arriscaram-se também, filmando às escondidas. As cenas em que a advogada é vista em sua bicicleta foram filmadas realmente em Pequim. O processo criminal chinês sofreu alterações em janeiro de 1997. Clinton, em 1998, foi o primeiro presidente norte-americano a pisar o solo chinês após o massacre da Praça da Paz Celestial, em esforço para tornar o país do oriente mais receptivo aos direitos individuais fundamentais. Consta, no entanto, que apesar da mudança do sistema processual penal (de sistema inquisitório para acusatório), na prática nada mudou. Agentes estataisse negam a fornecer informações a advogados e impedem o exercício dos direitos de defesa postos em lei. Advogados, de seu lado, podem ser presos e apenados por defender seus clientes de forma combativa, o que faz com que recusem causas criminais. A comunicação entre acusado e advogado é sempre interceptada, monitorada e gravada. Como não existe acesso ao cliente e poder suficiente para a produção de prova defensiva, o advogado não tem elementos para contra-argumentar. Resta-lhe simplesmente refutar as provas de acusação. Apesar da tortura ser proibida na legislação penal e processual penal, provas ilícitas são admitidas e a tortura permanece como técnica de solução de crimes. O direito de calar e a proibição de se auto-incriminar não foram acolhidos pela reforma. Prisões administrativas, de longa duração e sem fundamentação são admitidas na legislação. Cooperação entre polícia, juiz e promotor compromete a imparcialidade e a justiça das decisões. Promotores e juízes ainda são escolhidos pelo partido e a proteção legal é suprimida quando o crime envolve questões de natureza política. A prisão é a regra, não se admitindo recursos àquele que não se recolher à prisão. Nos dias de hoje, o filme causa perplexidade. É curioso assistir ao passar do tempo e constatar sintomas de totalitarismo na atualidade, mesmo em países que se dizem democráticos. O passado vai e volta em território não delimitado. Nos EUA, muçulmanos, americanos ou não, são presos sem acusação formal e mantidos incomunicáveis. Sofrem o mesmo destino de Richard Gere. A advogada americana de um deles, Donna Newman, tal como Shen Ling, tem o exercício da profissão impedido pela supressão dos direitos de defesa. Seu cliente, Jose Padilla, originalmente preso em Nova York, além de permanecer incomunicável durante 23 horas ao dia, foi transferido para estabelecimento situado na Carolina do Sul, fora do âmbito das atribuições da advogada dativa. Discute-se abertamente nos jornais a possibilidade de suspeitos terroristas serem submetidos a táticas psicológicas de interrogatório, com a supressão do sono e isolamento. Internautas são convidados a votar, sim ou não, no site da revista TIME, sobre a utilização destes métodos de interrogatório. A presunção de inocência, o devido processo legal e o direito de não oferecer provas contra si mesmo foram às favas. A advogada deixa claro que não apóia terroristas e afirma que está exercendo sua função para assegurar que, no futuro - quando a perseguição aos terroristas tiver terminado, o memorial às vítimas de 11 de setembro tiver sido erguido e finalmente qualquer um puder olhar tranqüilamente um avião em vôo baixo -, os direitos fundamentais estarão sendo respeitados e não esquecidos no passado (Revista TIME, 11.9.2002). Países europeus, durante o século XX, adotaram as mesmas medidas repressivas agora utilizadas nos EUA. A França as utilizou quando em guerra na Argélia. A Alemanha as utilizou nos anos 70, durante intensa onda de terrorismo, permitindo que se invadisse a privacidade, com a violação de dados da informática, registros bancários e outras informações protegidas. A Inglaterra se viu em luta contra ataques terroristas do IRA. A Itália, de seu lado, luta contra a máfia. A Espanha sofre ataques constantes de grupos extremistas da região basca. E o Brasil, pergunta-se? Qual o perfil do processo penal brasileiro? Quem são os inimigos do povo brasileiro? Contra quem se voltam as exceções à regra de direito? Nunca é demais afirmar que nossa Constituição não prevê nenhuma excecão, pois indica expressamente quais as medidas constritivas de direitos que poderão ser adotadas, apenas em hipótese de estado de sítio ou estado de defesa, garantindo-se que a prisão, no estado de defesa, será comunicada ao juiz competente, junto com declaração do estado físico e mental do detido e será relaxada quando ilegal, sendo facultado ao preso requerer o exame de corpo de delito. A incomunicabilidade do preso é expressamente vedada, mesmo nessas situações extremas. Note-se, ainda, que nosso habeas corpus vale em qualquer situação, na paz ou na guerra, para a defesa dos direitos de liberdade de qualquer pessoa, seja pobre ou rico, nacional ou estrangeiro. Nosso habeas corpus é direito e não garantia que se possa suspender, como dizia Rui Barbosa. A Constituição brasileira, poder constituinte originário, não autoriza ao poder constituinte derivado a suspensão desse direito (art. 60, § 4o, IV). É importante a advertência, pois a Constituição norte-americana admite a suspensão do habeas corpus pelo Congresso (Abraham Lincoln invocou a medida durante a Guerra Civil, em 1861. Na atualidade, os atos do Congresso que limitam o habeas corpus americano são apontados como a “28a. emenda constitucional”). É mesmo triste constatar a mudança do discurso norte-americano sobre direitos humanos no plano internacional. Alianças com países asiáticos são feitas para combater o “terrorismo global”. Em troca de apoio à invasão do Iraque, os EUA dão sinal verde à violação de direitos fundamentais (a China, juntamente com EUA, Rússia, Reino Unido e França, é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU). Sem qualquer censura, minorias religiosas muçulmanas (Uighurs), são enquadradas como terroristas, mesmo sem que atos terroristas tenham jamais ocorrido de fato, em solo chinês (Revista TIME, 20.9.2002). De censores, os EUA passam a incentivadores de medidas opressivas. Curiosamente, a Alemanha - opondo-se terminantemente à invasão ao Iraque e comparando as táticas de Bush às de Hitler (v. comentários da ministra da justiça alemã Herta Daeubler-Gmelin, no The New York Times, de 22.9.2002) -, parece querer surgir como contraponto, redimindo-se do papel de vilã da história. Justiça Vermelha, disponível em VHS e DVD, apesar de não ser filme excepcional, é atualíssimo em sua temática por mostrar os bastidores que ligam liberdade à opressão. Minority Report - A Nova Lei (2002) Você está sendo monitorado dia e noite. Seus dados estão sendo arquivados de forma constante. O pior: você é o informante. Cuidado com o que você diz. Por onde você anda? O que você compra? Com quem você fala? Preocupe-se. Você pode ser o próximo suspeito. Nos anos 70, o filme “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess, provocou discussões acadêmicas. O personagem Alex, delinqüente juvenil, após se submeter a intensivo e violento tratamento de reeducação, acaba inerte, incapaz de reações voluntárias. Após sair do hospital, Alex é acolhido por um homem já idoso. São estes os comentários do homem: “Descanse, descanse, meu pobre rapaz. Você pecou, imagino, mas o seu castigo foi fora de qualquer proporção. Eles transformaram você em outra coisa que não o ser humano. Você não tem mais poder de escolha. Está obrigado a atos socialmente aceitáveis, uma maquineta capaz de fazer somente o bem. E vejo isto com toda clareza – esse negócio dos condicionamentos marginais. A música e o ato sexual, a arte e a literatura, tudo isso passa a ser agora, não uma fonte de prazer, mas de dor...Eles dão sempre uma dentada muito grande...Mas a intenção essencial é o verdadeiro pecado. O homem que cessa de optar deixa de ser homem”. No século XIX, a escola positiva italiana negava o livre arbítrio e adotava os conceitos de delito social ou natural. Lombroso procurava anomalias físicas nos criminosos. Ferri acentuava a responsabilidade social como fundamento da responsabilidade penal. Garofalo, de seu lado, ousou propor a definição do delito natural: “delito social ou natural é uma lesão daquela parte do sentido moral que consiste nos sentimentos altruístas fundamentais (piedade e probidade) segundo a medida média em que se encontram nasraças humanas superiores, medida esta necessária para a adaptação do indivíduo à sociedade”. Justificava-se a punição como necessidade, com seus alicerces na defesa da sociedade. Iniciava-se a repressão penal, segregação e outra série de medidas de segurança, a partir de pressuposta periculosidade. Considerava-se a título de prevenção um estado pré-criminoso. Há séculos os filósofos discutem livre arbítrio e determinismo, liberdade e necessidade. Essa discussão acaba por definir o tema mais importante do direito penal: a responsabilidade penal. Também é a partir do posicionamento teórico sobre o livre arbítrio e o determinismo que se definem os limites da persecução penal. Quando não se admitem a liberdade volitiva e a autonomia do querer, a questão da liberdade perde profundidade, limitando-se ao raso nível da liberdade socialmente permitida. Em se admitindo o livre arbítrio, a delimitação é pessoal e a responsabilidade é sobretudo individual, também personalizada a resposta penal. Invocar a fatalidade, o destino, a vontade dos deuses, a sociedade, atributos psicológicos e psiquiátricos, bem como os genes do comportamento, como causas do comportamento criminoso implica em não deixar ao ser humano alternativas para a liberdade. Afunda-se no determinismo, anula-se a individualidade. Embora se admita a influência de ciências criminais coadjuvantes na tentativa de explicar o fenômeno criminoso, o “aconselhamento” dessas ciências no direito penal tem limites que se encontram, como já disse Hassemer, na lei e na jurisdição. Significa dizer que cabe ao juiz proferir a última palavra sobre a existência de crime, não ao criminólogo. Negar esses limites significa negar o homem, a liberdade como valor, negativo ou positivo, no direito. “Minority Report - A Nova Lei”, novo filme de Steven Spielberg, com Tom Cruise e Samantha Morton (excelente atriz inglesa) nos papéis principais, ficção de autoria de Philip K. Dick (autor da história que originou “Blade Runner”) polemiza todos esses temas cruciais, numa linguagem contemporânea. Em 2054, em Washington D.C., uma “agency” (agência reguladora), chamada “Precrime”, com poderes para prender, desenvolve tecnologia capaz de prever e impedir homicídios, pouco antes de serem praticados. A técnica consiste em decodificar imagens obtidas das mentes de três paranormais clarividentes - os “Pre-Cogs”. As imagens absorvidas, com cenas de homicídios refletidas em telões, são ponto de partida para a persecução. A atividade da polícia consiste basicamente em identificar o local do crime e impedir que ele ocorra, ainda no estágio preparatório. Antes mesmo de cometerem o crime, os supostos assassinos são presos e congelados, sem qualquer questionamento sobre as razões que as levariam a matar. Os motivos e a certeza sobre a conduta criminosa não importam, pois admite-se a condenação virtual, sem autoria e materialidade do delito, fundada apenas no futuro previsto. O homem cuja imagem é projetada, está predestinado a matar, por razões que ele mesmo desconhece. O assassino não pode dominar sua vontade ou seus próprios atos. As taxas de homicídio caem a zero. O sistema funciona bem e está prestes a ser implantado em todo o país. Mas tudo muda quando John Anderton (Tom Cruise), chefe do “Precrime” no distrito de Columbia, decodifica imagens em que ele mesmo aparece como autor do próximo homicídio. O persecutor se transforma em perseguido e tem 36 horas para lutar contra o próprio destino. O policial, que sequer conhece a vítima e não se vê capaz de cometer o assassinato, descobre o “minority report”: a prova da falibilidade do “Precrime”. A fragilidade do sistema só é descoberta quando a vítima é um dos seus próprios integrantes. Também a manipulação do sistema só é possível por quem conhece minuciosamente seu funcionamento. Infalibilidade e manipulação são reversos opostos que se contradizem e se encaixam legitimando e descortinando o que se tem como oficial. John Anderton descobre que os três “Pre-Cogs” podem ter visão e percepção diferentes sobre o mesmo fato. Um deles, Agatha, é mais sensitivo que os outros dois. Significa dizer que vê o crime em toda profundidade. Os outros dois são superficiais em suas previsões. E é esse o diferencial. Crime, acidente, legítima defesa, tentativa, arrependimento eficaz, estrito cumprimento do dever legal, erro de fato, erro de proibição, estado de necessidade, encontram-se, todos, no mesmo patamar do crime virtualmente projetado, sem modulações. O questionamento cartesiano é insinuado: os sentidos enganam. Nem tudo o que se vê e se percebe é verdade. Os “Pre-Cogs”, como seres-humanos, sujeitos a erros de sensação e percepção, não garantem o conhecimento certo, ou a possibilidade de reconstrução da verdade. Também no futuro projetado, os dados podem ser manipulados. Os “Pre-Cogs” podem ser enganados. "Minority Report” assemelha-se à prova de defesa surrupiada. O contraditório inacessível, a inquestionabilidade da autoria e da materialidade dos fatos levam à assepsia de tudo o que é humano. Além das falhas intrínsecas ao sistema que tem o homem como engrenagem da máquina persecutória, evidencia-se, ainda, um dado de imprevisão, não considerado e apontado pelo “Pre-Cog” Agatha como a única possibilidade de impedir que o crime antevisto se realize: o livre-arbítrio. O momento em que a vontade individual rompe com a relação de causalidade, sem condicionamentos predeterminados. A passagem do estado natural para o estado de liberdade, avaliados por Kant ao exaltar a liberdade de consciência, tem, no filme, espaço para ser afirmada. Outras questões, contemporâneas ao extremo e de máximo interesse por já serem realidade no mundo atual, são tratadas no filme: a perda da liberdade individual por questões de segurança e a devassa na privacidade para fins lucrativos. Em “Minority Report”, aracnídeos eletrônicos invadem domicílios a qualquer hora, por qualquer orifício, sem possibilidade de resistência, para identificar as pessoas, examinando-lhes suas retinas. No sistema penal italiano, em correspondência, já existe prevista em lei a possibilidade de serem implantados em criminosos de alta periculosidade “chips” eletrônicos de localização por meio de satélite. Outras técnicas de arquivamento de dados utilizadas no filme, como a de consumidores reconhecidos eletronicamente e saudados pelo nome logo ao adentrarem nas lojas, já são realidade no mundo da internet. Vê-se, claramente, que o arquivo de dados e a invasão da privacidade não são instrumentos exclusivamente utilizados para garantir a segurança das pessoas, pois servem, sobretudo, a potencializar a agressividade dos interesses econômicos privados, o que acaba por tornar os indivíduos vulneráveis não só perante órgãos públicos, mas também em relação a empresas privadas. Empresas de vendas “on-line”, como a “Amazon”, p. ex., identificam de forma similar seus clientes, arquivando suas preferências. Basta acessar o endereço eletrônico para que se ofereçam produtos ao gosto do internauta, baseados em suas compras anteriores. Muitos “sites” arquivam seus dados logo ao primeiro contato. Seus passos são rastreados pelo uso de cartões eletrônicos. Seu automóvel é registrado no sistema de pedágio eletrônico. O espaço territorial é fotografado diuturnamente por satélites, sendo que as imagens registradas são armazenadas e indexadas de forma a que se tenha acesso a elas rapidamente. Significa dizer que seu espaço é monitorado. Vistas aéreas datadas (com precisão, detalhamento e nitidez na magnificação), de construções, residências, plantações, queimadas, desmatamento,movimentação da população, são acessíveis a quem mostre interesse. Há serviços especializados nesse sentido, à disposição tanto de órgãos públicos, como de particulares e empresas privadas. Em salas de aula, o professor é filmado e sua voz é gravada por minúsculas filmadoras, sem que se suspeite de qualquer movimento nesse sentido. Nos Estados Unidos, após o 11 de setembro, algumas cidades instalaram câmaras de vídeo nas ruas. Rostos estão sendo gravados em vídeo e integrados a um banco de dados por um “software” de reconhecimento facial (Viisage). Testes psicotécnicos, exames psicológicos, psicodramas, são aplicados como exigência a obtenção de vaga, tanto em empregos públicos , como privados, sem que se tenha acesso ao tipo de informação que se obteve ou que se pretenda obter e tudo isso sem que se estabeleça vínculo algum de confiança entre examinado e profissional, não se garantido sequer o sigilo profissional. Em suma, o voyeurismo se instalou e - sem ser percebido - se fixou como forma freqüente de exposição da intimidade, tanto como fenômeno microscópico, como macroscópico. O lucro que se lhe advém não é mais sexual, para deleite pessoal: é econômico. A intimidade tem valor de troca no mercado. Legalmente Loira (Legally Blonde - 2001) Há pouco tempo calças compridas eram proibidas em Tribunais e salas de audiência. Permitia-se, porém, certo desvio na sobriedade do traje feminino. Saias extremamente curtas e sandalinhas de dedo alegravam o dia-a-dia no judiciário brasileiro. A proibição sucumbiu aos tempos modernos. Saias e meias foram abandonadas na carreira jurídica. O visual está mais eclético, admitindo-se variação conforme personalidade de cada qual. Vê-se, no entrar e sair das repartições judiciárias, tamancos altíssimos, unhas bem feitas, coloridíssimas, cabelos ultratratados, esticados, quase sempre alourados e corpos delineados em Academias, moldados e enaltecidos pelo versátil tecido sintético. Já não causa espanto o cumprimento de atos processuais em papéis coloridos, cheirosos, com assinatura em rosa ou lilás, para espantar os maus fluidos. Salas de audiência são pintadas em cor pastel, para apaziguar os ânimos e incitar à conciliação. Na Universidade, apresentam-se trabalhos manuscritos em folhinhas decoradas, com menininhas, ursinhos e muitos, muitos coraçõezinhos. Tudo muito singelo. “Legalmente loira” não chega a chocar o mundo jurídico brasileiro. Pelo menos, ao olhar superficial, a estética proposta não assusta. Reese Witherpoon faz o papel de Elle, uma garota fútil, rica, loira, californiana que entra na vida jurídica por acaso, para recuperar seu namorado, estudante de direito na Harward Law School. A menina não é levada a sério no seu especial modo de ser, mas acaba encontrando uma mágica para se dar bem no meio acadêmico. A fórmula surpreende. Não é o popular jeitinho ou a divulgada intuição feminina: é o estudo. Livros e mais livros são lidos com afinco, no secador de cabelo, na manicure, na esteira elétrica. A loira ignora os conselhos do pai: “ - Querida, você não precisa da Faculdade de Direito. A Faculdade de Direito é para pessoas chatas, feias e sérias. E você, botãozinho, não é nenhuma dessas coisas”. E prova que a primeira impressão se desmancha ao olhar mais atento. Nenhuma vocação para dondoca é inabalável. Que se desconfie de tanta ingenuidade! O filme é curto e divertido. Apresenta estereótipos dos estudantes de direito: a menina clássica, adequada, sempre a postos com seu colar de pérolas; aquele de família renomada, sem dom algum para o pensamento abstrato; o aluno inteligente, mas chato e boçal e a estudante despretensiosa, aparentemente sem o perfil, mas com toda a aptidão e desprendimento necessários ao sucesso profissional. Ri-se um bocado. Genealogias de um Crime (1996) Num clima sombrio, mas não detetivesco, tem lugar a seguinte profecia: “Um dia, um jovem cujo horóscopo previra que seria assassino, matou uma mulher da família de Liu Biau”. Apesar de impregnada de misticismo, em plano que ultrapassa a dimensão pessoal, a história é baseada em fatos reais. A inspiração foi a vida da psicanalista austríaca Hermine Hellmut von Hug, morta nos anos 20 por seu sobrinho, ele mesmo seu paciente. O enredo é incrementado de forma a retratar disputa entre escolas de psicanálise. Convencida da índole assassina do sobrinho, a psicanalista dá azo à concretização de um sonho premonitório. O menino é submetido a tratamento e introduzido na prática de jogos dramáticos. “- Agora, você será eu e eu serei você”, sugeriu-lhe a tia. Jeanne, a psicanalista vivida por Catherine Deneuve, passa a observar minuciosamente comportamentos e reações do sobrinho. Tudo é diariamente registrado, com pensamentos e reflexões a respeito. Segue uma de suas anotações: “Terei tempo para estudar seu comportamento. Poderei acompanhar sua evolução, sua descida ao inferno. Mas é cedo para falar. É preciso que fique inocente e que ignore o que o espera”. Registros cuidadosos, detalhados, do desenvolvimento físico e mental das crianças tornaram-se comuns no final do século XIX ( em “livros da criança”). Pais tornaram-se responsáveis pelo desenvolvimento normal de suas crianças (“normale Entwicklung”). Técnicas de educação eram construídas a partir de criteriosa observação. Em 1881, Willhelm Preyer publicava na Alemanha um estudo intitulado “Alma da Criança”. Seguiram-se daí, no começo do século XX, vários outros estudos científicos, amplamente divulgados, não apenas pela mídia especializada. O “livro da criança” de Réné, o sobrinho, foi recheado com as piores notas sobre sua personalidade, com detalhes de maldade e rebeldia e prognóstico bem tendencioso. Decididamente, Réné não era uma “criança ensolarada”. Chamavam-no de “o monstro”. Jeanne é assassinada. Réné é o inculpado. Os acontecimentos levam a pensar no cumprimento da profecia. No entanto, ele é absolvido. Julgaram-no vítima de jogos e experiências promovidos pela sociedade de psicanalistas da qual a tia participava. Em outra dimensão, o conflito profetizado tem continuidade no relacionamento entre a advogada Solange, também vivida por Deneuve, e Réné, seu cliente. A advogada vê em Réné seu próprio filho morto em um acidente e com ele se envolve amorosamente. A profecia, então, sem entremeios ou desculpas, se concretiza. No fundo da história estão transcendência, perenidade e universalidade dos mitos e sonhos. O destino extravasa a vivência pessoal. Repete-se, de tempos em tempos, acusando continuidade numa perspectiva coletiva. O enredo é complicado. Não há sutilezas nem intensidade nas interpretações, o que dificulta o envolvimento do espectador. Mas o filme é curioso e estranhamente engraçado. Sob o ponto de vista jurídico, a história é provocante. Suscita questionamentos sobre limites, barreiras impostas juridicamente à permeabilidade do direito a outras ciências. No final das contas, toda colaboração interdisciplinar na determinação da responsabilidade penal só vai até certo ponto. No mundo jurídico não há espaço para incertezas ou questionamentos perenes. É o juiz, já o disse Hassemer, quem dá a última palavra. O diretor é o chileno exilado na Europa Raoul Ruiz, o mesmo de “O Tempo Redescoberto”, adaptação de Proust para o cinema. No Festival de Berlim (1997), Raoul foi agraciado por sua contribuição artística. Vale a pena. O final é absurdo. Totalmente
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