Baixe o app para aproveitar ainda mais
Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original
"""I ... .'!": i .i I I ~ .~ 'o\"" I I o~.t 0;j ~. -«-~-. A CRISENA EDUGAÇÃOI .. - .. ..- ." HannahArendt I A crisegeralqueseabatesobreomundomodernoeque atingequasetodasasáreasdavidahumanamanifesta-se diferentementenosváriospaíses,alargando-seadiversos domínioserevestindo-sedediferentesformas.NaAméri- ca,umdosaspectosmaiscaracterísticose reveladoresé a criseperiódicadaeducaçãoaqual,pelomenosnaúltima década,seconverteunumproblemapolíticodeprimeira grandezadequeosjornaisfalamquasediariamente.Na verdade,nãoénecessáriagrandeimaginação_para.seava- liaremosperigosdecorrentesdeumabaixaconstantedos padrõeselementaresaolongodetodoosistemaescolar.Os vãoseinumeráveisesforçosdasautoridadesresp0nsáveis pelocontrolodasituaçãomostrambemtodaa gravidade doproblema.Noentanto,quandosecomparaestacrisena ~ 1«ThecrisisinEducation»foi pelaprimeiravezpublicadonaPartisallReview, 25,4 (1957),pp.493-513.PublicadoemversãoalemãemFragwurdigeTradi- tiollsbestalldeimPolitisclzellDellkenderGegellwart.Frankfurt:EuropaischeVer- lagsanstalt.1957,otextoveioaserdenovoreimpressoemBetweellPastalldFIl- ture:SixExercisesill PoliticalTlzougTlt,NewYork:VikingPress,1961,pp.173- -196,deondeo traduzimos.(N. T.) 22 HannahArendt educaçãocomasexperiênciaspolíticasdeoutrospaísesno séculoXX, a ondarevolucionáriaposteriorà Primeira GuerraMundial,oscamposdeconcentraçãoeextermínio, oumesmoo profundomal-estarque,soba aparênciade prosperidade,seespalhouportodaaEuropadepoisdofim daSegundaGuerra.Mundial,toma-se.-difíciLd~d~caràJ;ri-_ senaeducaçãotodaaatençãoqueelamerece.Comefeito, é tentadorconsiderá-Iacomoummerofenómenolocal, desligadadosproblemasmaisimportantesdoséculo,fe- nómenocujaresponsabilidadeserianecessárioatribuira detenninado~aspectosparticularesdavidadosEstados Unidos,semequivalêncianoutrospontosdomundo.. - Mas,seissofosseverdade,acrisenonossosistemaes- colarnãoseteriatransformadonumaquestãopolíticaeas autoridadesresponsáveispelaeducaçãonãoteriamsido, comoforam,incapazesdetrataroproblemaatempo.Sem dúvidaque,paraalémdaespinhosaquestãodesaberpor- querazãooJoãozinhonãosabeler,acrisena~ducaçãoen- volvemuitosoutrosaspectos.Somossempretentadosa admitirqueestamosperanteproblemasespecíficos,perfei- tamentedelimitadospelahistóriaepelasfronteirasnacio~_ nais,quesódizemrespeitoaquemporelesédirectamen- teatingido.Ora,é precisamenteessacrençaquehojeem diaserevelafalsa.Pelocontrário,podemostomarcomo regrageraldanossaépocaquetudoo quepodeacontecer numpaíspodetambém,numfuturoprevisível,acontecer emqualqueroutropaís. Paraalémdestasrazõesdeordemgeralquelevamoho- memcomumainteressar-seporproblemasquesecolocam emdomíniosacercadosquais,deumaperspectivaespe- cializada,elenadasabe(eesteé semdúvidao meucaso quandofalodacrisenaeducação,umavezquenãosou educadoraprofissional),háaindaumaoutrarazão,porven- ..~;. .;.i~ ':f .~ ;; 'J. ,:I . I . I A CrisenaEducação 23 J turamaisconvincente,que levao homemcomuina preocupar-secomumasituaçãocríticaemquenãoseen- contraimediatamenteenvolvido.Referimo-nosàoportuni- dade,fomecidapelaprópriacrise- aqualtemsempreco- moefeitofazercairmáscarasedestruirpressupostos- de ç~pLor.(lfeinvestigartu_doaquiloqueficouadesc@bertona essênciadoproblema,essênciaque,naeducação,éanata- lidade,ofactodeossereshumanosnasceremnomundo.O desaparecimentodospressupostossignificasimplesmente queseperderamasrespostasquevulgarmenteseaceitam semsequernosapercebermosdeque,nasuaorigem,essas respostaseramrespostasaquestões.Ora,acriseforça-nos a regressaràsprópriasquestõese exigedenósrespostas, novasouantigas,mas,emqualquercaso,respostassoba formadejuízosdirectos.Umacrisesósetornadesastrosa quandolhepretendemosrespondercomideiasfeitas,quer dizer,compreconceitos.Atitudequenãoapenasagudizaa crisecomofazperderaexperiênciadarealidadeeaopor- tunidadedereflexãoqueacriseproporciona. Numacrise,pormaisclaroqueumproblemadeordem geralsepossaapresentar,ésempreimpossívelisolarcom- pletamenteoelementouniversaldascircunstânciasconcre- tasemqueess~problemaaparece.Aindaquea crisena educaçãopossaafectaromundointeiro,ésignificativoque sejanaAméricaqueelaassumeaformamaisextrema.Ara- zãoparataldecorretalvezdofactode,apenasnaAmérica, umacrisenaeducaçãosepodertomarverdadeiramenteum factorpolítico.Na verdade,a educaçãodesempenhana Américaumpapeldiferente,denaturezapolítica,incompa- ravelmentemaisimportantedoquenosoutrospaíses.A ex- plicaçãotécnicaconsisteobviamentenofactodeaAméri- catersidosempreumaterradeimigrantes..Nestascircuns- tâncias,éóbvioquesóaescolarização,aeducaçãoeaame- -1e' 24 HannahArenOt ...,j., ricanizaçãodosfilhosdosimigrantespoderealizaressata- refaimensamentedifícildefundirosmaisvariadosgrupos étnicos- fusãonuncacompletamentebemsucedidamas que,paraládetodasasexpectativas,estácontinuamentea serrealizada.Na medidaemque,paraa maioriadessas '-'..eriançasrQinglêsnãoéa..sualíngua-mãemasa..línguaque têmqueaprendernaescola,asescolassãonecessariamen- te levadasa assumirfunçõesque,emqualquerestado- -nação,seriamnaturalmentedesempenhadasemcasa. Maisdecisivo,noquerespeitaànossaanálise,enoen- tantoo papelquea contínuairrigraçãodesempenhana consciênciae estruturapolíticadopaís.A Américanãoé simplesmenteumpaíscolonialquenecessitadeimigrantes parapovoaro seuterritóriomascujaestruturapolíticase manteriaindependentedeles.NaAmérica,o factordeter- minantefoi sempreadivisaimpressaemcadanotadedó- lar:NovusOrdoSeculoru11l,UmaNovaOrdemdoMundo. Osimigrantes,osrecém-chegados,constituemparao país agalantiadequeelerepresentadefactoanovaordem.O sentidodestanovaordem,destacriaçãodeumnovomun- doemoposiçãoaoantigo,era,econtinuaaser,abolirapo- brezaeaopressão.Mas,simultaneamente,amagnificência destanovaordemconsistenofactode,desdeo princípio, elasenãoterdesligadodomundoexteriorparaoconfron- tarcomummodeloperfeito- comosempreacontecena criaçãode utopias- emsenãoterarrogadopretensões imperialistas,nemtersidopregadacomosedeumevan- gelhosetratasse.Ao contrário,arelaçãoqueestarepúbli- ca,quetinhacomoprojectoabolirapobrezaeaopressão, estabeleceucomo mundoexteriorcaracterizou-se,desdeo início,pelobomacolhimentodadoatodosospobreseopri- midosdaTerra.NaspalavrasdeJohnAdamsem1765,an- tesportantodaDeclaraçãodeIndependência:«Vejosempre ~~ j :~ ;J; ~ .~ .~ '1 .- 1 ~l ~. :-: :;.I~...' ;~ :~ .:- ! ",... , ~'.." ~,~ I I . , I I A Crise naEducação 25 a ConstituiçãodaAméricacomoo começodeumgrande planoouprojectodaProvidênciacomvistaàiluminaçãoe emancipaçãodetodosospovosoprimidosdaTerra.»Foi emconcordânciacomestaintençãoouleifundamentalque aAméricainiciouasuaexistênciahistóricaepolítica. - - O.extraordinárioentusiasmo.portudo.aquiloqueé.nove,: visívelemquasetodososaspectosdavidaquotidianaame- ricana,bemassimcomoacorresponde~teconfiançanuma «perfectibilidadeindefinida»- aquiloqueTocqueville considerouserocredodo«fiornemvulgarnãoinstruído»e que,enquantotal,precedeemquaseumacentenadeanos umdesenvolvimentosemelhantenosoutrospaísesociden- tais- poderiamexplicaramaioratençãoquesemprefoi prestadaeomaiorsignificadoque,naAmérica,semprefoi atribuídoaosrecém-chegadospelonascimento,istoé,às crianças.Criançasàsquais,desdeo momentoemque abandonavamainfânciae estavamprestesaentrarnaco- munidadedosadultosenquantojovens,osGregoschama- vammuitosimplesmenteoilleoi- osnovos.Háaindaum factoadicionalquesereveloudecisivoparao significado daeducação:o factodeestepalhosdanovidade,sebem queconsideravelmenteanterioraoséculoXVIII, sóseter desenvolvidoconceptualepoliticamentenonossoséculo. Foi apartirdestafontequeseconstituiuumidealdeedu- cação,mescladoderousseauismo- e,defacto,influen- ciadodirectamenteporRousseau--,-deacordocomoqual aeducaçãosetransformounuminstrumentodapolíticaea própriaactividadepolíticafoiconcebidacomoumaforma deeducação. O papeldesempenhadopelaeducaçãoemtodasasuto- piaspolíticas,desdea Antiguidadeatéaosnossosdias, mostrabemcomopodeparecernaturalquerercomeçarum mundonovocomaquelesquesãonovospornascimentoe li 26 HannahArendt ....-.... pornatureza.Noquedizrespeitoàpolíticaháaqui,obvia- mente,umagraveincompreensão:emvezdeumindivíduo sejuntaraosseussemelhantesassumindoo esforçodeos persuadirecorrendoo riscodefalhar,optaporumainter- vençãoditatorial,baseadanasuperioridadedoadulto,pro- curandoproduzironovo.comoumfaitaccoJUpli2,Q~(9i- zer,comoseo novojá existisse.É porestarazãoque,na Europa,acrençadequeénecessáriocomeçarpelascrian- çassesepretendemproduzirnovascondiçõestemsido monopólioprincipalmentedosmovimentosrevolucioná- rios com tendênciastirânicas,movimentosessesqu~, quandochegamaopoder,retiramosfilhosaospaise,mui- tosimplesmente,tratamdeosendoutrinar.Ora,aeducação nãopodedesempenharnenhumpapelnapolíticaporquena políticaselidasemprecompessoasjá educadas.Aqueles quesepropõemeducaradultos,o querealmentepreten- deméagircomoseusguardiõeseafastá-Iosdaactividade política.Comonãoé possíveleducaradultos,a palavra «educação»temumaressonânciaperversaempolítica- háumapretensãodeeducaçãoquando,afinal,o propósito realé acoerçãosemusodaforça.Quemquiserseriamen- tecriarumanovaordempolíticaatravésdaeducação,quer dizer,semusarnemaforçaeoconstrangimentonemaper- suasão,temqueaderiràterrívelconclusãoplatónica:banir todososvelhosdonovoestadoa fundar.Mesmonocaso emquesepretendemeducarascriançasparavirema ser cidadãosdeumamanhãutópico,o queefectivamentese passaéqueselhesestáanegaro seupapelfuturonocor- popolíticopoisque,dopontodevistadosnovos,pormais novidadesqueo mundoadultolhespossapropor,elasse- rãosempremaisvelhasqueelespróprios.Fazpartedana- j 1 ~ i. I ! 2 Emfrancêsnooriginal.(N.7:) i~~ ~. '.~" '" ~ it ~ '.~ .;f;, \ti .,t A Crise naBducação 27 .\ ;o.'I '~I turezadacondiçãohumanaquecadanovageraçãocresça nointeriordeummundovelho,detalformaque,preparar umanovageraçãoparaummundonovo,sópodesignifi- carquesedesejarecusaràquelesquechegamdenovoa suaprópriapossibilidadedeinovar. . NadadistoacontecenaAméricaeéjustamenteporTsSt)". que,aqui,étãodifíciljulgarcorrectamenteestasquestões. O papelpolíticoqueaeducaçãoefectivamenterepresenta numaterradeimigrantes,o factodequeaescolanãoser- veapenasparaamericanizarascriançasmastemtambém efeitossobreosseuspais,o factoaiJ1i1~deque,aqui,se ajudamefectivamenteaspessoasa'abandonarummundo velhoea entrarnumnovo,tudoistodáforçaàilusãode queo novomundoestáa serefectivamenteconstruído atravésdaeducaçãodascrianças.É claroquenãoéestaa verdadeirasituação.O mundoemqueascriançasestãoa serintroduzidas,mesmonaAmérica,é ummundovelho, querdizer,ummunjopré-existente,construídopelosvi- vosepelosmortos,ummundoquesóénovoparaaqueles queneleentraramrecentementepelaimigração.Masailu- sãoéaquimaisfortedoquearealidadeporqueemergedi- rectamentedeumaexperiênciaamericanabásica:adeque épossívelfundarumanovaordeme,maisainda,adeque épossívelfundá-Iacomaconsciênciaprofundadeumcon- linuumhistórico.Naverdade,aexpressão«NovoMundo» sóganhasentidofaceaumMundoAntigo,mundoque,se bemqueadmirávelporoutrasrazões,foirejeitadopornão terpodidoencontrarsoluçãoparaosproblemasdapobre- zaedaopressão. Ora,noquedizrespeitoà educaçãoelamesma,sóno nossoséculoéqueailusãoemergentedopalhosdonovo produziuassuasmaissériasconsequências.Emprimeiro lugar,permitiuqueessamisturademodernasteoriasedu- .. 28 HannahArendt ~ cativasprovenientesdaEuropaCentral,equeconsistenu- maespantosasalganhadadecoisascomsentidoesemsen- tido,revolucionassetodoosistemadeeducaçãosobaban- deiradoprogresso.AquiloquenaEuropanãopassoude umaexperiência,testadaaquiealém,emalgumasescolas e iastituições-ooucativasisoladas,.estendendodepois~">gra- dualmente,asuainfluênciaaalgunssectores,produziuna América,dehácercadevintee cincoanosaestapartee, porassimdizer,deum~iaparao outro,umatransforma- çãocompletanoquedizrespeitoàstradiçõeseaosméto- .dosestabelecidosdeensinoedeaprendizagem. Nãoentrareiemdetalhese deixareideladoasescolas privadas,muitoespecialmemeo sistemadeescolasparo- quiaiscatólicasromanas.O factomaissignificativoéque, emvirtudedecertasteorias,boasoumás,todasasregrasda saudávelrazãohumanaforampostasdeparte.Umprocedi- mentocomoestetemsempreumasignificaçãograndee perniciosa,emespecialnumpaíscujavidapolíticarepousa tãofortementenosensocomum3.Quando,nasquestõespo- líticas,a sãrazãohumanafalhaoudesistedatentativade encontrarrespostas,estamosfrenteaumacrise.Estetipode razãoéafinalo sensocomumemvirtudedoqualnós,eos 110S50Scincosentidosindividuais,nosadaptamosa um mundoúnicoecomumatodoseaínosmovemos.O desa- parecimentodos~nsocomumquehojeseverificaépoiso sinalmaissegurodaactualcrise.Emtodasascrisesédes- truídaumaparceladomundo,algoportantoquenosé co- mumatodos.Qualvarinhamágica,o fracassodosensoco- mumapontaparao lugarondeseproduzessadestruição. Dequalquerforma,arespostaàquestãodesaberporque razãoo Joãozinhonãosabelerouàquestãomaisgeralde . ,1 ~ 3 Cotnmol/SeI/senooriginal.(N.T.) A CrisenaEducação 29 '- saberporqueéqueosníveisescolaresdaescolaamerica-. namédiapermanecemtantoaquémdosníveismédiosac- tuaisdetodosospaísesdaEuropanãoconsiste,infeliz- mente,emdizerqueestepaíséjoveme,porisso,nãoal- cançouaindaospadrõesdoVelhoMundo.Pelocontrário, nestedomínio,estepaíséomais«avançado»eo-maismo- dernodomundo.Oqueéverdadeemdoissentidos:emI:e- nhumoutropaíssepuseramcomtantaacuidadeosproble- masdeeducaçãodeumasociedadedemassas,e emne- nhumoutroforamaceitesdeformatãoservileacríticaas maismodernasteoriasptJagógicas.Assim,acrisenaedu- caçãoamericanaanuncia,porumlado,o fracassodaedu- caçãoprogressistae,poroutro,constituiumproblemaex- tremamentedifícilporquesurgenoseiodeumasociedade demassaseemrespostaàssuasexigências. Nestesentido,devemosterpresenteumoutrofactormais geralque,senãoconstituiuacausadacrise,aagravouem elevadograu:refiro-meaopapelqueo conceitodeigualda- dedesempenhae sempredesempenhounavidaamericana. Trata-sedeumanoçãonaqualestáenvolvidamuitomaisdo queaigualdadeperantealei;maistambémdoqueonivela- mentodasdistinçõesdeclasse;maismesmo-do..que".aquilo queaexpressão«igualdadedeoportunidades»designa,em- boraestatenhaaquigrandesignificadoumavezque,na perspectivaamericana,odireitoàeducaçãoéumdireitoci- vilinalienáveI.Esteúltimopontofoialiásdecisivo-paraaes- truturaçãodosistemaescolarpúbliconoqual,sóexcepcio- nalmente,existemescolassecundáriasdetipoeuropeu.Por- queaescolaridadeobrigatóriaseestendeatéaosdezasseis anos,todasascriançasdevemfrequentaraescolasecUI:3á- riaaqual,portanto,surgecomoumaespéciedecontinuação daescolaprimária.Ora,a faltadeumensinoverdadeira- mentesecundáriotemumasériedeefeitosemcadeia:apre- {...,- 30 HannahArendt .~. ".- .-. . paraçãoparaauniversidadetemqueserdadapelaspróprias universidades,o quefazcomqueoscurriculadestasso- fram,poressarazão,deumasobrecargacrónica,oque,por suavez,afectaaqualidadedotrabalhoqueaísefaz. I À primeiravista,podeparecerqueestaanomaliareside I nanaturezamesmadeumasociedadedemassasnaquala ~, educaçãodeixoudeserprivilégiodasclassesfavorecidas. Mas,seolharmosparaInglaterra,onde,comosesa~e,a educaçãosecundáriafoi tambémrecentementeestendidaa todasasclassessociais,percebemosque-riãopodeseressa a explicação.EmInglaterra,foi instituídoumexamedifí- cil nofimdãescolaprimária,ouseja,paraalunosdeonze :< anos,exameessequepermiteseleccionarcercadedezpor;~ centodealunosconsideradoscapazesdeprosseguirestu- dossecundários.Aindaque,mesmoemInglaterra,o rigor ,.' destase1ecçãotenhasidoaceitecomprotestos,naAméri- t ca,issoseriacompletamenteimpossível.EmInglaterra,ol. quesepretendeéinstauraruma«meritocracia»,maisuma ',~ vezclaramentecorrespondenteaumaoligarquia,nãoago- raderiquezaounascimento,masdetalento.Aindaqueem " Inglaterrasenãoestejadissoplenamenteconsciente,isso <~ significaqueopaís,mesmosobumregimesocialista,con- tinuaráa sergovernadocomodesdesempretemsido,ou seja,nãocomoumamonarquiaoucomoumademocracia," mascomoumaoligarquiaouaristocracia- estaúltima entendidacomosendomelhoresosmais.dotados,oquees- tálongedeconstituirumacerteza.NaAmérica,umadivi- sãoquasefísicadestetipo,entrecriançasdotadasenãodo- tadas,seriaintolerável.A meritocracianãocontradizme- noso princípiodaigualdade,deumademocraciaigualitá- ria,doquequalqueroutraoligarquia., Destemodo,oquefazcomqueacrisedaeducaçãoseja tãoespecialmenteagudaentrenóséo temperamentopolí- I'; ';."p" " A CrisenaEducação 31 ticodopaís,oqualluta,porsipróprio,porigualarouapa- gartantoquantopossíveladiferençaentrenovosevelhos, entredotadosenãodotados,enfim,entrecriançaseadul- tos,emparticular,entrealunoseprofessores.É óbvioque estenivelamentosó podeserefectivamentealcançadoà custadaautoridadedoprofessoreemdetrimentodosestu- dantesmaisdotados.Noentanto,é igualmenteóbviopara quemalgumavezesteveemcontactocomo sistemaedu- cativoamericanoqueestadificuldade,enraizadanaatitu- depolíticadopaís,temtambémgrandesvantagens,não apenasdopontodevistahu~ano,masnoplanodaeduca- ção.Dequalquerforma,estesfactoresgeraisnãopodem explicaracriseemquenosencontramosnopresentenem justificarasmedidasqueaprecipitaram. 11 Estasmedidascatastróficaspodemseresquematicamen- teexplicadasporintermédiodetrêsideias-base,porventu- rademasiadofamiliares.A primeiraé a dequeexisteum mundodacriançaeumasociedadeformada.pelascr.ianças; queestassãoseresautónomoseque,namedidadopossí- vel,sedevemdeixargovernarporsi próprias.O papeldos adultosdeveentãoconsistiremlimitar-sea assistiraesse processo.É o grupodascriançaselemesmoquedetéma autoridadequevaipermitirdizeracadacriançao queela deveenãodevefazer.Entreoutrasconsequências,istocria umasituaçãonaqualo adulto,nãosóseencontradesam- paradofaceà criançatomadaindividualmente,comofica privadodetodoo contactocomela.Quantomuito,pode dizer-lhequefaçaoquelheapetecere,depois,impedirque aconteçao pior.As relaçõesreaisenormaisentrecrianças ~' -- .~ ir.!; li II ~ i i.'~;:i' i. ~.i S i~ .~ !ri' t 'I'I' !~ ,(t. ! " .. ; 1 ~t i t , I ! t 32 HannahArendt eadultos- relaçõesquedecorremdofactode,nomundo, viverememconjuntoe simultaneamentepessoasdetodas asidades- estãoportantohojequebradas. Faztambémpartedaessênciadestaprimeiraideia-base tomaremconsideraçãounicamenteo grupoenãoacrian- çaenquanto,indivíduo.No interiordogrupo,acriançaes-_ tá,bementendido,numasituaçãopiordoqueaanterior.Na verdade,aautoridadedeumgrupo,aindaquesejaadeum grupodecrianças,ésempreconsideravelmentemaisfortee muitomaistirânicaqueadeumúnicoindivíduo,pormais. severoqueestepossaser.Senoscolocarmosnopontode vistadacriançatomadaindividualmente,apercebemo-nos decomosãopraticamentenulasashipótesesqueelatemde serevoltar,oudefazerqualquercoisaporsuaprópriaini- ciativa.A criançajá nãoseencontranasituaçãodeumalu- tadesigualcomalguémque,semdúvida,tinhasobreela umasuperioridadeabsoluta- situaçãonaqual,noentan- to,elapodiacontarcomasolidariedadedasoutrascrianças, querdizer,dosseuspares- masantesnasituação,porde- finiçãosemesperança,dealguémquepertenceàminoriade umsófaceàabsolutamaioriadetodososoutros.Sãobem poucososadultosqueconseguemsuportarumatalsitua- ção,mesmoquandoelanãoé reforçadaporconstrangi- mentosexteriores.Quantoàscrianças,elassãosimplese definitivamenteincapazes. Emancipadal"aceàautoridadedosadultos,acriançanão foiportantolibertadamasantessubmetidaaumaautorida- demuitomaisferoze verdadeiramentetirânica:a tirania damaioria.Emqualquercaso,o quedaíresultaé queas criançassão,porassimdizer,banidasdomundodosadul- tos.Elasficam,ouentreguesasimesmas,ouàtiraniado seugrupo,grupocontrao qual,tendoemvistaasuasupe- rioridadenumérica,senãopodemrevoltar;grupocomo :.'~ ir. ~~ ~"'. $ '>5. ,. .: i j I I j I ., i :. I I -..t:.~. .~ A CrisenaEducação 33 .i qual,porquesãocrianças,nãopodemdiscutir;enfim,gru~ podoqualnãopodemescapar-separaqualqueroutromun- doporqueo mundodosadultoslhesestávedado.A reac- çãodascriançasaestapressãotendeaserouo conformis- moouadelinquênciajuvenile,namaiorpartedasvezes, umamistura-dasduascoisas. A segundaideia-basea tomaremconsideraçãonapre- sentecrisetemavercomo ensino.Sobinfluênciadapsi- cologiawodernaedasdoutrinaspragmáticas,apedagogia tornou'::sê'umaciênciàdoensinoemgeralaopontodese desligarcompletamentedamatériaaensinar.O professlJi - assimnoséexplicado- éaquelequeécapazdeensi- narqualquercoisa.A formaçãoquerecebeé emensinoe nãonodomíniodeumassuntoparticular.Comoveremos adiante,estaatitudeestá,naturalmente,ligadaaumacon- cepçãoelementardoqueéaprender.Paraalémdisso,esta atitudetemcomoconsequênciao factode,nodecursodos últimosdecénios,a formaçãodosprofessoresnasuapró- priadisciplinatersidograndementenegligenciada,sobre- tudonasescolassecundárias.Porqueo professornãotem necessidadedeconhecerasuaprópriadisciplina,acontece frequentementequeelesabepoucomais_do.queos seus alunos.O quedaquidecorreéque,nãosomenteosalunos sãoabandonadosaosseusprópriosmeios,comoaopro- fessoré retiradaa fontemaislegítimadasuaautoridade enquantoprofessor.Pense-seo quesepensar,o professor éaindaaquelequesabemaisequeémaiscompetente.Em consequência,oprofessornãoautoritário,aqueleque,con- tandocomaautoridadequeasuacompetêncialhepoderia conferir,quereriaabster-sedetodoo autoritarismo,deixa depoderexistir. Foiumamodernateoriadaaprendizagemquepermitiuà pedagogiae àsescolasnormaisdesempenharesteperni- -' 34 HannahArendt . .j 'I ciosopapelnaactnalcrisedaeducação.Essateoriaé,mui- tosimplesmente,aaplicaçãológicadanossaterceiraideia- -base,ideiaquefoi duranteséculossustentadanomundo modernoe queencontroua suaexpressãoconceptualsis- temáticanopragmatismo.Essaideia-baseéadequesenão .podesabere compreéndersenãoaquilo--quesefazporsi ..' próprio.A aplicàç~oàeducaçãodestaideiaétãoprimitiva quantoevidente:substituir,tantoquantopossível,o.apren- derpelofazer.Considera-sepoucoimportantequeo pro- fessordomineasuadisciplinaporquesepretendecompe- lir o professoraoexer~ki~C~umaacti':idad~deconstan- teaprendizagemparaque,comosediz,nãotransmitaum «sabermorto»mas,ao contrário,demonstreconstante- mentecomoseadquireessesaber.A intençãoconfessada nãoé a deensinarumsabermasa deinculcarumsaber- -fazer.O resultadoé umaespéciedetransformaçãodas instituiçõesde ensinogeraleminstitutosprofissionais. Taisinstirutostiveramgrandesucessoquandosetratavade aprendera conduzirumaviatura,coserà máquinaou- maisimportanteaindapara«aartedeviver»- comportar- -sebememsociedadeouserpopular,masrevelaram-sein- capazesdelevar.as-cr1:mt;::ISa ::Ic1quinr.osconhecimentos requeridosporumnormalprogramadeestudos. Estadescriçãopeca,nãotantopeloseuexageroeviden- teemfavordaargumentaçãoemcausa,comopelasuain- suficiênciaemdarcontadomodocomo,nesteprocesso,se temtentadoiludir,tantoquantopossível,adistinçãoentre trabalhoejogoembenefíciodesteúltimo.Considera-seo jogocomoo maisvivomododeexpressãoe a maneira maisapropriadap-uaacriançadeseconduzirnomundo,a únicaformadeactividadequebrotaespontaneamenteda suaexistênciadecriança.Sóaquiloquesepodeaprender atravésdojogocorrespondeà suavivacidade.Afirma-se A Crise naEducação 35 .. quea actividadecaracterísticadacriançaconsisteemjo- _ gar.Aprender,no velhosentidodapalavra,forçandoa criançaaadoptarumaatitudedepassividade,obrigá-Ia-ia aabandonarasuaprópriainiciativaquesenãomanifesta senãonojogo. - -.. O ensinodaslínguasilustradirectamenteaestreitaliga- çãoentreestesdoispontos:asubstituiçãodoaprenderpe- lo fazeredotrabalhopelojogo.A criançadeveaprender. falando,querdizer,fazendo,enãopeloestud9~agramáti- cae dasintaxe.Noutrostermos,a criançadeveaprender umalínguaestraQgeiratalcomoaprendeuasualínguama- terna,comoquejogandoenacontinuidadesemrupturada suaexistênciahabitual.Deixandodeladoaquestãodesa- berseissoéounãopossível- e,emcertamedida,épos- síveldesdequesemantenhaacriançatodoo dianumam- bienteondesenãofalesenãoalínguaestrangeira- éper- feitamenteclaroqueestemétodoprocuradeliberadamente mantera criançamaisvelha,tantoquantopossível,num nívelinfantil.Aquiloque,precisamente,deveriapreparara criançaparaomundodosadultos,ohábitoadquiridopou- coapoucodetrabalharemvezdejogar,é suprimidoem favoLda.autonomia.domundo.dajnfância. Qualquerquesejaaligaçãoexistenteentreo fazere o saber,ouqualquerquesejaavalidadedafórmulapragmá- tica,a suaaplicaçãoà educação,istoé,aomodocomoa criançaaprende,tendea fazerdainfânciaumabsoluto, exactamentedemodosimilaràquelequeobservámosa propósitodaprimeiraideia-base.Tambémaqui,sobpre- textoderespeitaraindependênciadacriança,elaéexcluí- dadomundodosadultosparaserartificialmentemantida noseu,tantoquantoestepodeserdesignadoummundo. Ora,estaformademantera criançaafastadaé artificial porque,por umlado,quebraasrelaçõesnaturaisentre ~ J -?;l." '$':>1.~.~. ~;"'."" ;~ ;; I "; I -..1 .~~.j , 1 I1 ! '!:~ - . , I I 36 HannahArendt criançaseadultos,asquais,entreoutrascoisas,consistem emaprendere ensinar,e porque,aomesmotempo,vai contrao factodea criançaserumserhumanoemplena evoluçãoc ainfânciaserumafasetransitória,umaprepa- raçãoparaaidadeadulta. _. NaAmérica,acrise.a:ctualresultadoreconhecimentodo carácterdestrutivodestestrêspressupostose doesforço desesperadoqueestáaserfeitoparareformartodoo siste- madeeducação,istoé,paraotransformarcompletamente. Mas,aofazeristo,o queseestáefectivamenteafazer- comexcepçãodo:;planosrelativosaumaumento!!!!.'X!b.- todasfacilidadesdeensinodasciênciasfísicasedatecno- logia- nadamaisédoqueumarestauração:o ensinose- ráoutravezconduzidocomautoridade;nashorasdeaula deixar-se-ádejogarefar-se-ádenovotrabalhosério;dar- -se-ámaiorimportânciaaosconhecimentosprescritospelo curriculumdoqueàsactividadesextracurriculares.Fala-se mesmoemtransformaro actualcurriculumdeformação deprofessores,deformaaqueosprópriosprofessoreste- nhamqueaprenderalgumacoisaantesdeseremcolocados juntodascrianças. Nãosejustificaestarmosaquiaequacionaras.Iefonnas propostas,aliásaindaemdiscussão,equeapenastêmin- teresseparaaAmérica.Acrescequenãotenhocapacidade paradiscutirasquestõesmaistécnicas- aindaque,alon- goprazo,essaspossamserasasmaisimportantes- acer- cadecomoreformaroscurriculadaescolaprimáriaese- cundáriaemtodosospaíses,demodoa adaptá-Iosàsne- cessidadesinteiramentenovasdomundoactual.Há,po- rém,umaduplaquestãoqueé paramimimportante:que aspectosdomundoactualedasuacriseserevelaramefec- tivamentenacrisedaeducação,istoé,quaissãoasverda- deirasrazõespelasquais,durantedécadas,foipossívelfa- '!"Io ... :~ i i .~~t\ A Crise naEducação 37 lare agiremtãoflagrantecontradiçãocomo sensoco- mum?E, emsegundolugar,quepodemosaprendercom estacriseacercadaessênciadaeducação,nãonosentido emquepodemossempreaprendercomosnossoserroso quenãosedevefazer,masnosentidodareflexãosobreo . papelquea educação-desempenhaemtodasasciviliza- ções,ouseja,daobrigaçãoqueaexistênciadecriançasco- locaa todasassociedadeshumanas.Começaremoscom estasegundaquestão. III Umacrisenaeducaçãosuscitariasempregravesproble- masmesmosenãofosse;comonocasopresente,oreflexo deumacrisemuitomaisgeraledainstabilidadedasocie- dademoderna.E istoporqueaeducaçãoéumadasactivi- dadesmaiselementarese maisnecessáriasdasociedade humanaaqualnãopermanecenuncatalcomoémasantes serenovasemcessarpelonascimento,pelachegadadeno- vossereshumanos.Acresceque,essesrecém-chegados nãoatingiramasuamaturidade,estãoaindaemdevir.As- sim,acriança,objectodaeducação,apresenta-seaoedu- cadorsobumduploaspecto:elaé novanummundoque lheéestranho,eelaestáemdevir.Elaé umnovoserhu- manoeestáacaminhodedevirumserhumano.Estedu- ploaspectoneméevidentenemseaplicaàsformasdavi- daanimal.Correspondeaumduplomododerelação- a relaçãoaomundo,porumlado,e,poroutro,arelaçãoàvi- da.A criançapartilhao estadodedevircomtodososseres vivos.Seseconsideraa vidaeasuaevolução,acriançaé umserhumanoemdevir,talcomoogatinhoéumgatoem devir.Masacriançasóénovaemrelaçãoaummundoque .' 38 HannaJ-.Arendt f j 1 t já existiaantesdela,quecontinuarádepoisdasuamortee noqualeladevepassarasuavida.Seacriançanãofosse umrecém-chegadoaomundodoshomensmassomente umacriaturavivaaindanãodesenvolvida,aeducaçãose- riaunicamenteumadasfunçõesdavida.Então,elacon- sistiriaapenasn"amanutençãodavidaenaquelastarefasde ensinoepráticadevidaquetodososanimaisassumemem relaçãoaosseusfilhos. No entanto,pelaconcepçãoe pelonascimento,ospais humanos,nãó:apenasdãovidaaosseusfilhoscomo,ao mesmotempo,osintroduzemnomundo.Pelaeducação,os paisassumemporissoumaduplaresponsabilidade- pe- la vidae pelodesenvolvimentodacriança,mastambém pelocontinuidadedomundo.Estasduasresponsabilidades nãocoincidemdemodoalgumepodemmesmoentrarem conflito.Numcertosentido,a responsabilidadededesen- .~- volvimentodacriançavaicontraa responsabilidadepelo mundo:a criançatemnecessidadedeserespecialmente protegidaecuidadaparaevitarqueo mundoapossades- truir.Mas,poroutrolado,essemundotemnecessidadede umaprotecçãoqueo impeçadeserdevastadoe destruído pelavagaderecém-chegadosque,sobresi,seespalhaaca- danovageração. Porqueacriançatemnecessidadedeserprotegidacon- trao mundo,o seulugartradicionalénoseiodafarmlia.É láque,aoabrigodequat:"omuros,osadultosregressamca- dadiadomundoexteriore seunemnasegurançadavida privada.Essesquatromuros,aoabrigodosquaissedesen- rolaa vidafamiliar,constituemumaprotecçãocontrao mundoe,emparticular,contrao aspectopúblicodomun- do.Delimitamumlugarsegurosemoqualnenhumacoisa vivapodeprosperar.Istoéválido,nãosomenteparaa vi- dadacriança,mastambémparaavidaemgeral- porto- , 1 A C:-:.:~n~'S~:Jcação 39 doo ladoemqueestaéconstantementeexpostaaomundo semaprotecçãodaintimidadeedasegurançaprivadas,a suaqualidadevitalédestruída.Nomundopúblico,comum atodos,aspessoascontam,e tambémcontaa obra,quer dizer,aobraproduzidapelasnossasmãos,aobrapelaqual . c~d~um de nóscontribuiparao.nossomundocomum. Mas,aí,avidaenquant04vidanãoconta.O mundonãose podeinler~ssarporelaeelatemqueseescondereprote- gerdomundo. Tudooquevive,enãoapenasavidavegetativa,emerge daobscuridade.Pormaisfortequesejaasuatendênciapa- raseorientarparaaluz,aquiloqueévivonecessitadase- guranç:ldaobscuridadeparaalcançaramaturidade.Talvez estasejaarazãopelaqualosfilhosdepaisfamososgeral- mentesesaemmal..Ace1ebridadepenetranasquatropare- des,invadeo espaçoprivado,trazendoconsigo,emespe- cialnascondiçõesactuais,a luz implacáveldodomínio públicoqueinvadetodaavidaprivadadetalfonnaqueas criançasdeixamdeterumlugarseguroemquepossam crescer.5exactamenteestamesmadestruiçãodoespaço devidarealqueocorrequandoseprocuramtransfonnaras própriascriançasnumaespéciedemundo.Entreessesgru- poshomogêneosdecriançasemergeentãoumaespéciede vidapúblicae, independentementedo factodeessavida nãoserreale detodaessatentativaserumaespéciede fraude,pennaneceo factodesastrosodeascrianças- is- toé, ossereshumanosemprocessodedevir,aindanão completados- seremforçadas,poressarazão,aexpor-se àluzdeumaexistênciapública. . Que2educaçãomoderna,namedidaemquetentaesta- belecerummundoprópriodascrianças,destróiascondi- ';1 4 Emlatimnooriginal("Iifc qllalife").(N.T.) 40 HannahArendt '. çõesnecessáriasparao seudesenvolvimentoecrescimen- to,éalgoquepareceóbvio.Porém,édefactoestranhoque esseperniciosoprocedimentopossaseroresultadodaedu- caçãomoderna,tantomaisqueessaeducaçãodeclaravater porúnicoobjectivoserviracriançaeserebelavacontraos métodosJ:lopas~J~49.justatp.enteporelesnãotwn;;u:emna devidacontaa naturezaprofundae asnecessidadesda criança.O «séculodacriança»,como.lhepodemoschamar, pretendiaemanciparacriançae libertá-Iadospadrõesde vidaretiradosdomundodosadultos.Comofoientão-pós- sívelqueasmaiselementarescondiçõesdavida,necessá- riasparao crescimentoe desenvolvimentodacriança,ti- vessemsidoignoradasou,simplesmente,nãotivessemsi- do reconhecidascomotal?Comopôdeacontecerquea criançafosseexpostaàquiloque,maisdoquequalquerou- tracoisa,caracterizao mundodosadultos,querdizer,o seuaspectopúblico,eistonoprecisomomentoemquese tinhatomadoconsciênciadequeoerrodetodaaeducação passadatinhaconsistidoemconsideraracriançacomona- damaisqueumpequenoadulto? A razãoparaesteestranhoestadodecoisasnãotemdi- rectamenteavercomaeducação.Deveantesserprocura- danosjuízOS-e'10s-,:>rejuízos-sobre-a-nalurezadavidapri- vadaedomundopúblico,nasuamútuarelaçãocaracterís- ticadasociedademodernadesdeo iníciodostemposmo- dernosequeoseducadoresaceitaramquando- relativa- mentetarde- decidirammodernizaraeducaçãocomba- senessasevidências,semsedaremcontadasconsequên- ciasqueelasteriamsobreavidadascrianças.É particula- ridadedasociedademoderna,denenhummodoevidente, consideraravida,querdizer,avidanaterradosindivíduos e dasfamílias,comoo maiordosbens.É poressarazão que,aocontráriodetodososséculosprecedentes,asocie- "1 /~?- A ü;~ na:2ducação 41 '.. dademodernaemancipoua vida,e todasasactividades quetêmavercomasuapreservaçãoeenriquecimento,do segredodaintimidadeparaaexporàluzdomundopúbli- co.É esteo verdadeirosignificadodaemancipaçãodas mulherese dostrabalhadores,nãocertamenteenquanto pessoas,masnamedidaemquepreenchemumafunçãono processovitaldasociedade. Ora,osúltimosseresaseremtocadosporesteprocesso deemancipaçãoforamascriançaseaquiloqueparaasmu- lhereseparaostrabalhadoressignificouumaverdadeirali- bertação- porque,nestecaso,nãoera:1penasdetraba- lhadoresedemulheresquesetratavamastambémdepes- soasque,dessemodo,podiamlegitimamentepretender acederaomundopúblico,istoé,passavamatero direito deo veredeaíseremvistas,defalaredeseremouvidas - constituiuumabandonoe umatraiçãono casodas criançasqueestãoaindanumestádioemqueo simples factodeviverecrescertemmais~mportânciaqueofactor dapersonalidade.Quantomaiscompletamenteasociedade modernasuprimeadiferençaencreoqueépúblicoeo que éprivado,entreoquesósepodedesenvolveràsombraeo quereclamasermostradoatodosnaplenaluzdomundo público,ditodeoutromodo,quantomaisasociedademo- dernaintroduz,entreoprivadoeopúblico,umaesferaso- cialnaqua1oprivadoétornadopúblicoevice-versa,mais difíceissetornamascoisasparaascrianças,asquais,por natureza,necessitamdasegurançadeumabrigoparapo- deramadurecersemperturbações. Pormaisgravequesejao desrespeitoquea educação modernamanifestapelascondiçõesdocrescimentovital,a verdadeéquetalnãoédemodoalgumintencional.O ob- jectivocentraldetodososesforçosdaeducaçãomoderna temsidoobem-estardacriança.Factoquenãopassaaser .~~. ':' .":- 1. I I 42 HannahArendt menosverdadeirose,aocontráriodoqueseesperava,os esforçosfeitosnemsempreconseguirampromoverobem- -estardacriança.A situaçãoéinteiramentediferentequan- doaeducaçãonãosedirigeàscriançasmasaosjovens,aos r~cém-chegadoseestrangeiros,àquelesquenasceramnum mundojá e~~~tentemasquenãoconh~cem.Essastarefas sãoentão,primáriaaindaquenãoexclusivamente,dares- ponsabilidadedasescolas.Sãoasescolasquetêmquever como ensinoe coma aprendizagem.O fracassoneste campoéhojeomaisgraveproblemanaAmérica.Procure- mosvero queéquelheestásubjacente. Normalmenteénaescolaqueacriançafazasuaprimei- raentradanomundo.Ora,aesc.olanãoé,demodoalgum,., o mundo,nemdevepretendersê-lo.A escolaéantesains- tituiçãoqueseinterpõeentreodomínioprivadodolareo ;< mundo,deformaatomarpossívelatransiçãodafamília,~; paraomundo.Nãoéafaffil1iamasoEstado,querdizer,o ,', mundopúblico,queimpõeaescolaridade.Dessemodo,re- lativamenteàcriança,aescolarepresentadecertaformao mundo,aindaqueo nãosejaverdadeiramente.Nessaeta- padaeducação,umavezmais,osadultossãoresponsáveis pelacriança.A suaresponsabilidade,porém,nãoconsiste tantoenrzelar-para'quea ...TIançacresçaem-boascondi"' ções,masemasseguraraquiloquenormalmentesedesig- naporlivredesenvolvimentodassuasqualidadesecarac- terísticas.Deumpontodevistageraleessencial,éessaa qualidadeúnicaquedistinguecadaserhumanodetodosos outros,qualidadeessaquefazcomqueelenãosejaapenas maisumestrangeirono mundo,masalgumacoisaque nuncaantestinhaexistido. Namedidaemqueacriançanãoconheceaindao mun-,; do,devemosintroduzi-Ianelegradualmente;namedida.. emqueacriançaénova,devemoszelarparaqueesseser A CrisenaEducação 43 novoamadureça,inserindo-senomundotalcomoeleé. Noentanto,faceaosjovens,oseducadoresfazemsempre figuraderepresentantesdeummundodoqual,emboranão tenhasidoconstruídoporeles,devemassumiraresponsa- bilidade,mesmoquando,secretaouabertamente,o dese- jamd~f~rentedoqueé.EstaIesponsabilidade.,nãoé arbi- trariamenteimpostaaoseducadores.Estáimplícitanofac- todeosjovensseremintroduzidospelosadultosnummun- doemperpétuamudança.Qúemserecusaaassumirares- ponsabilidadedomundonãodeveriaterfilhosnemlhede- veriaserpermitidoparticiparnasuaeducação. Nocasodaeducação,aresponsabilidadepelomundoto- maaformadaautoridade.A autoridadedoeducadore as competênciasdoprofessornãosãoamesmacoisa.Ainda quenãohajaautoridadesemumacertacompetência,esta, pormaiselevadaqueseja,nãopoderájamais,porsisó,en- gendraraautoridade.A competênciadoprofessorconsiste emconheceromundoeemsercapazdetransmitiresseco- nhecimentoaosoutros.Masasuaautoridadefunda-seno seupapelderesponsávelpelomundo.Faceàcriança,éum poucocomoseelefosseumrepresentantedoshabitantes adultosdo mundoquelheapontariaascoisasdizendo: «Eisaquio nossomundo!» Todossabemoscomoascoisashojeestãonoquedizres- peitoà autoridade.Sejaqualfora atitudedecadaumde nó~relativamenteaesteproblema,éóbvioqueaautorida- dejánãodesempenhanenhumpapelnavidapúblicaepri- vada- aviolênciaeo terrorexercidospelospaísestotali- táriosnadatêma vercomaautoridade- ou,nomelhor doscasos,desempenhaumpapelaltamenteconstestado. Noessencial,significaistoquesenãopedejá aninguém, ousenãoconfiajá a alguém,a responsabilidadedoque querqueseja.É que,emtodooladoondeaverdadeiraau- -~ 44 HannahArendt toridadeexistia,elaestavaunidaà responsabilidadepelo cursodascoisasnomundo.Nessesentido,seseretiraaau- toridadedavidapolíticaepública,issopodequerersigni- ficarque,daíemdiante,passaaserexigidaacadaumuma igualresponsabilidadepelocursodomundo.Mas,issopo- detamb~mquef.~r.~izerqu~,GonscienteouinçQusciente- mente,asexigênciasdomundoeasuanecessidadedeor- demestãoa serrepudiadas;quea responsabilidadepelo mundoestá,todaela,aserrejeitada,istoé,tantoarespon- sabilidadededarordenscomoadelhesobedecer.Nãohá dúvidadeque,namodernaperdadeautoridade,estasin- tençõesdesempenhamambaso seupapeletêmmuitasve- zestrabalhadojuntas,deformasimultâneaeinextricável. Ora,naeducaçãoestaambiguidaderelativamenteà ac- tua!perdadeautoridadenãopodeexistir.As criançasnão podemrecusaraautoridadedoseducadores,comoseesti- vessemoprimidasporumamaioriaadulta- aindaque, efectivamente,apráticaeducacionalmodernatenhatenta- do,deformaabsurda,lidarcomascriançascomosesetra- tassedeumaminoriaoprimidaquenecessitadeserliber- tada.Dizerqueos adultosabandonarama autoridadesó podeportantosignificarumacoisa:queosadultosserecu- samaassumiraresponsabilidadepelomundoemqueco- locaramascrianças. Háevidentementeumaestreitaconexãoentreaperdade autoridadenavidapúblicae privadae.o seudesapareci- mentonosdomíniospré-políticosdafamíliae daescola. Quantomais,naesferapública,adesconfiançanaautori- dadesetomaradical,maiorénaturalmenteaprobabilida- dedequeaesferaprivadapennaneçaimune.A istosejun- taumfactoadicional- eprovavelmentedecisivo.O fac- todeque,desdetemposimemoriais,fornoshabituados,pe- lanossatradiçãodepensamentopolítico,averaautorida- A Crise naEducação 45 ,~ dedospaissobreosfilhosedosprofessoressobreosalu- noscomoomodeloparacompreenderaautoridadepolíti- ca.Ora,éprecisamentenessemodelo,cujasraízessees- tendematéPlatãoeAristóteles,queresideaorigemdaex- traordináriaambiguidadedoconceitodeautoridadeempo- ,.'lítica.Emprimeirolúgat;umtalconceitõ"'tempor-báse umasuperioridadeabsoluta,superioridadeessaquenunca podeexistirentreadultoseque,dopontodevistadadig- nidadehumana,nuncadeveriaexistir.Emsegun€lolugar, essemodeloinfantildeautoridadeestáfundadonumasu- perioridadepuramentetemporCiio que,portanto,o toma autocontraditórioseaplicadoarelaçõesque,pornatureza, nãosãotemporais,comoé o casodasrelaçõesentrego- vernantese governados.Assim,a naturezadestaquestão - querdizer,tantodaprésentecrisedeautoridadecomo donossopensamentopolíticotradicional- implicaquea perdadeautoridadequesedesencadeounaesferapolítica nãoalastreparaa esferaprivada.Nãoé certamentepor acasoqueolugarnoqualaautoridadepolíticafoipelapri- meiravezpostaemcausa,istoé,aAmérica,sejao lugar ondeamodernacrisedaeducaçãosefaçasentirmaisfor- temente. Naverdade,estaperdageraldaautoridadedificilmente poderiaencontrarumaexpressãomaisradicaldoqueno seualastramentoparaa esferapré-política,instânciana qualaautoridadepareceserditadapelapróprianatureza, independentedetodasasmudançashistóricasecondicio- nalismospolíticos.Poroutrolado,aformamaisclaraque ohomemmodernotemaoseudisporparamanifestaroseu descontentamentoemrelaçãoaomundoeo seudesagrado relativamenteàscoisastalcomoelassãoconsistenarecu- sade,relativamenteaosseusfilhos,assumiraresponsabi- lidadepelomundo.Nofundo,écomoseospaisdissessem "iI~. '--. ~~a.~'.;z;~~~""...~z. 46 HannahArendt diariamenteaosseusfilhos:«Nestemundo,nemmesmo nósestamossegurosemnossacasa.Comodevemosmo- ver-nosnomundo,quedevemossaber,quecompetências devemosadquirir,sãomistériostambémparanós.Vocês devempoisprocurardesenvencilhar-seo melhorpossível -porvóspróprios:''Emcircunstânciaalgumàifospodempe- dircontas.Somosinocenteselavamosasmãosquantoao vossodestino.» Comoéóbvio,estaatitudenadatemavercomo desejo revolucionáriodeumanovaordemnomundo- Novus OrdoSpcloru11l- que,emtempos,animouaAmérica.É antesumsintomadessaindiferençamodernarelativamen- teaomundoquesepodeobservardiariamenteemtodaa partemasque,deformaespecialmenteradicaledesespe- rada,semanifestanasactuaiscondiçõesdanossasocieda-, .~ dedemassas.E verdadequenãofoi apenasnaAmérica queasmodernasexperiênciaseducativasatingiramdimen- sõesverdadeiramenterevolucionárias,o que,atécerto ponto,veioaumentaradificuldadedereconhecerasitua- çãocomclarezaeestánaorigemdeumcertograudecon- fusãonadiscussãodoproblema.É que,contrariamentea todosos comportamentosdetiporevolucionário,-.hLum~~,- factoquepermaneceindiscutível:nuncaa América,en- quantorealmenteanimadaporesseespírito,sonhouiniciar a novaordemporintermédiodaeducaçãomantendo-se, pelocontrário,conservadoranessamatéria. - Evitemososmal-entendidos:pensoqueoconservadoris- mo,tomadoenquantoconservação,fazpartedaessência mesmadaactividadeeducativacujatarefaé sempreacari- nhareprotegeralgumacoisa- acriançacontrao mundo, omundocontraacriança,o novocontraoantigo,o antigo contrao novo.A própriaresponsabilidadealargadapelo mundoqueaeducaçãoassumeimplica,comoéóbvio,uma A Crise naEducação 47 atitudeconservadora.Mas,istosóévalidoparao dOllÚnio daeducação,oumelhor,paraasrelaçõesentrecrescidose criançase,demodoalgumparao dOITÚniopolítico,onde agimossempreentreecomadultosouiguais.Empolítica, aatitudeconservadora- queaceitao mundotalCOlIlOele- é-eúiiicaniênte'lutaporprese~~-~--;tatusquo5- .sópode levaràdestruição.E istoporque,nassuasgrandeslinhas comonosseusdetalhes,o mundoestáirrevogavelmente condenadoàacçãodestrutivadotempo,amenosqueoshu- manosestejamdeterminadosaintervir,a alterar,acriaro novo.As palavrasdeHamlet,«otempoestáforadosgon- zos.Oh!sortemaldita,quenosfeznascerpararestabelero seucurso»,sãoverdadeirasparacadanovageração,ainda que,desdeoiníciodonoss~século,porventuratenhamad- quiridoumaaindavalidademaiordoqueanteriormente. Nofundo,estamossempreaeducarparaummundoque já está,ouestáa ficar,foradosseusgonzos.Estaé a si- tuaçãobásicadohomem.O mundoécriadopormãoshu- manasparaservirdecasaaoshumanosduranteumtempo muitolimitado.Porqueo mundoéfeitopormortais,eleé perecível.Porqueosseushabitantesestãocontinuamentea mudar,omundocvueoriscodesetomartãomortalcomo eles.Parapreservaromundocontraamortalidadedosseus criadorese habitantes,é necessárioconstantemente restabelecê-Iodenovo.O problemaé sabercomoeducar deformaa queessarecolocaçãocontinuea serpossível, aindaque,deformaabsoluta,nuncapossaserassegurada. A nossaesperançaresidesemprenanovidadequecadano- vageraçãotrazconsigo.Mas,precisamenteporquesónis- sopodemosbasearanossaesperança,destruímostudose tentarmoscontrolaro novoquenós,osvelhos,pretende- '..- 5 Emlatimnooriginal.(N.T.) .~' ~.... 48 HannahArendt -... mosdessemododecidircomodeveráser.Éjustamentepa- rapreservaro queénovoerevolucionárioemcadacrian- çaquea educaçãodeveserconservadora.Eladeveprote- gera novidadee introduzi-Iacomoumacoisanovanum mundovelho,mundoque,pormaisrevolucionáriasquese- jamassuas-acções,-doponto-devistadageraçãoseguinte, ésempredemasiadovelhoeestásempredemasiadopróxi- modadestruição. -~ IV A verdadeiradificuldadedaeducaçãomodernareside poisnofactode,paraládetodasasconsideraçõesdamo- dasobreumnovoconservadorismo,serhojeextremamen- tedifícilgarantiressemínimodeconservaçãoedeatitude deconservaçãosemaqualaeducaçãonãoé simplesmen- tepossível.E há~oasrazõesparaisso.A crisedeautori- dadenaeducaçãoestáintimamenteligadacomacriseda tradição,istoé,comacrisedanossaatitudefaceatudoo queé passado.Parao educador,esteaspectoé especial- mentedifícilumavezqueéaelequecompeteestabelecer amediaçãoentreo antigoeo novo,razãopelaqualasua profissãoexigedesi umextraordináriorespeitopelopas- sado.Ao longodosséculos,istoé,duranteoperíododaci- vilizaçãoromano-cristã,o educadornuncatevenecessida- dedetomarconsciênciadestasuaqualidadeespecial.A re- verênciarelativamenteaopassadoeraparteessencialda estruturaromanadepensamento,estruturaessaqueo cris- tianismonãoaiterounemsuprimiuantesestabeleceusobre diferentesfundamentos. Pertenciaàessênciadaatituderomana(aindaqueomes- mosenãopossadizerdetodasascivilizaçõesousequerda A CrisenaEducação 49 civilizaçãoocidentalnoseuconjunto)consideraro passa- doenquant06passadocomoummodelo;emqualquerca- so,tomarosantepassadoscomoexemplosorientadorespa- raosseusdescendentes;acreditarquetodaagrandezare- sidenoquefoie,portanto,queavelhiceéaidadedamaior realizaçãohumana;que()~elho,namedidaemque~é,já. quaseumantepassado,podeservircomomodeloparaos vivos.Ora,tudoistoestáemcontradição,nãoapenascom o nossomundoecomostemposmodernosapartirdoRe- nascimento,mastambém,porexemplo,comaatitudegre- garelativamenteàvida.QuandoGoethedizqueenvelhe- ceré«afastar-segradualmentedomundodasaparências», o seucomentárioestáimbuídodoespíritodosGregos,pa- raquemsereaparecercoincidem.A atituderomanaseria a dequeé precisamenteaoenvelhecere aodesaparecer lentamentedacomunidadedosmortaisqueo homemal- cançaasuaformadesermaiscaracterística,mesmose,em relaçãoaomundodasaparências,estiveremprocessode desaparecimento.É que,paraoespíritoromano,sóentãoo homemseaproximadessemododeexistênciaemquepo- depassaraserumaautoridadeparaoutros. Como imperturbadofundodeumataltradição,naqual a educaçãotemumafunçãopolítica(o queconstituium casoúnico),édefactorelativamentefácilfazero quede- veserfeitoemmatériadeeducaçãosemsequerpararpara reflectirsobreo queseestárealmentea.fazer.O ethoses- pecíficodo princípioeducativoestáentãoemcompleto acordocomasconvicçõeséticasemoraisdasociedadeno seuconjunto.Educar,naspalavrasdePolíbio,é apenas «pennitiraalguémserdignodosseusantepassados»,tare- fanaqualoeducadorpodeserum«parnadiscussão»eum o ; I I I \"~ 6 Emlatimnooriginal("pastquapast").(N.T.) , ,U ,li I' I~ '. 50 HannahArendt . J 1 t «parnotrabalho»porque,tambémele,aindaquenumní- veldiferente,passoua suavidacomosolhospostosno passado.Camaradagemeautoridadesãoassim,nestecaso, doisladosdeumamesmarealidade.eaautoridadedopro- fessorestáfirmementefundadanaautoridademaisampla ,_.,....-"dopassadoenquantotal.Hoje,noentanto;jánãoestamos nestasituação.Fazporissopoucosentidoagircomose aindaaíestivéssemos,oucomosenostivéssemosafasta-" do,porassimdizer,acidentalmente,dadirecçã~.correctae fôssemoslivresdeaelaregressaremqualquer"momento. Istosignificaque,nomundomoderno,ondequerquear.n- setenhaeclodido~nãopodemoscontentar-noscomconti- nuarousimplesmentevoltaratrás.Um talretrocessosó nosfariaregressaràsituaçãoemqueacriseemergiu.Além dissoesseretrocessoseriasimplesmenteumarepetição- aindaquetalvezdiferentenaforma- umavezqueonú- merodepossíveisnoçõesabsurdase caprichosasquepo- demserapresentadascomoaúltimapalavraemciênciaé ilimitado.Poroutrolado,asimpleseirreflectidaperserve- rança,queractuenosentidodacnse,queradiraà rotina queacreditaingenuamentequea crisenãovaifazersub- mergirasuaesferaparticulardevida,apenaspode,porque serendeaocursodotempo,levarà ruína.Maisprecisa- mente,apenaspodefazercrescera estranhezafaceao mundoquenosameçajá detodososlados.A reflexãoso- breosprincípiosdaeducaçãodeveteremcontaestepro- cessodeestranhezafaceaomundo.Pode-semesmoadmi- tirqueseestáaquifaceaumprocessoautomático,desde quesenãoesqueçaqueo pensamentoe aacçãohumanos têmo poderdeinterromperefazerpararesteprocesso. No mundomoderno,o problemadaeducaçãoresulta poisdofactode,pelasuapróprianatureza,aeducaçãonão poderfazereconomianemdaautoridadenemdatradição, ="" A Crise naEducação 51 sendoque,noentanto,essamesmaeducaçãosedeveefec- tuarnummundoquedeixoudeserestruturadopelaautori- dadeeunidopelatradição.Daquiresultaque,nãoapenas osprofessorese oseducadoresmastambémcadaumde nós,namedidaemquevivemosemconjuntonumúnico mundocom-as-criançaseos-jovens,-devemosadoptarrela- tivamenteaelesumaatituderadicalmentediferentedaque- la quetemosunscomosoutros.O domíniodaeducação deveserradicalmenteseparadodosoutrosdOlIÚnios,em especialdavidapolíticapública.Dessaforma,podemos aplicarexclusivamenteaodOlIÚniodaeducaçãoo concei- todeautoridadeeaatituderelativamenteaopassadoque lhesãoapropriadasmasque,nomundodosadultos,dei- xaramdetervalidadegeralejá nãopodempretendervol- taratê-Ia. Naprática,aprimeiraconsequênciaquedaquidecorreé acompreensãoclaradequeafunçãodaescolaéensinaràs criançaso queomundoéenãoiniciá-Iasnaartedeviver. Umavezqueo mundoévelho,sempremaisvelhodoque nós,aprenderimplica,inevitavelmente,voltar-separao passado,semteremcontaquantodanossavidaserácon- sagradaaopresente.Em segundolugar,háqueperceber queo significadodalinhatraçadaentrecriançaseadultos équenãoépossíveleducaradultosequenãosedevemtra- tarascriançascomosefossemadultos.Porém,emcir- cunstânciaalgumasedevepermitirqueestalinhasetrans- formenummuroqueisoleascriançasdacomunidadedos adultos,comoseelasnãovivessemnomesmomundoeco- moseainfânciafosseumestadohumanoautónomo,capaz deviversegundoassuasprópriasleis.Nãoháumaregra geralque,emcadacaso,permitadeterminaro momento emquedesaparecealinhadedemarcaçãoentreainfância e a adultez.Essalinhavariamuitasvezesemfunçãoda i .:1 .\! ;!'lfir " 52 HannahÁrendt .. idade,depaísparapaís,deumacivilizaçãoparaoutrae mesmodeumparaoutroindivíduo.Mas,diversamentedo queacontececomaaprendizagem,aeducaçãodevepoder terumtennoprevisível.Na nossacivilização,essemo- mentofinalcoincide,namaiorpartedoscasos,comaaqui- siçãodeumprimeiro.diplomadegrausupeoot(maisdo quecomumdiplomadefimdosestudossecundários),uma vezqueapreparaçãoparaayidaprofissionalnasuniversi- dadese institutostécnicos,aindaquetendoa vercoma educação,énoentantoumaespéciedeespecialização.En- quantotal,elanãoaspirajá a intr:"0duzirojovemnomun- docomoumtodo,masapenasnumsectorparticulare"li- mitadodomundo.Nãoé possíveleducarsemaomesmo tempoensinar:umaeducaçãosemensinoévaziaedege- .~:" neracomgrandefacilidadenumaretóricaemocionalemo- .?! raloMaspodemosfacilmenteensinarsemeducarepode-.-s~ moscontinuaraaprenderatéaofimdosnossosdiassem :~ que,poressarazão,nostomemosmaiseducados.Tudois- tosãodetalhesquedevemserdeixadosàatençãodoses- pecialistasedospedagogos. O quenosdizrespeitoatodose,consequentemente,não podeserconfiadoàpedagogiaenquantociênciaespeciali- zada,éarelaçãoentreadultosecriançasemgeralou,em termosaindamaisgeraiseexactos,anossarelaçãocomo factodanatalidade:o factodequetodoschegamosao mundopelonas~imentoequeépelonascimentoqueeste mundoconstantementeserenova.A educaçãoé assimo pontoemquesedecideseseamasuficientementeo mun- doparaassumirresponsabilidadeporelee,maisainda,pa- raosalvardaruínaqueseriainevitávelsemarenovação,'.,..... semachegadadosnovosedosjovens.A educaçãoétam- .,'E; bémo lugaremquesedecideseseamamsuficientemente asnossascriançasparanãoasexpulsardonossomundo ';';-. r '.:~ .~. i. A CrisenaEducação 53 deixando-asentreguesasipróprias,paranãolhesretirara possibilidadederealizarqualquercoisadenovo,qualquer coisaquenãotínhamosprevisto,para,aoinvés,antecipa- damenteas.prepararparaa tarefade renovaçãodeum mundocomum. ~-.".- . . .. '" II~ :"
Compartilhar