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Herança biológica

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Tratado de fisiologia do trabalho 91
Nossa herança biológica
Para lembrar que a humanidade levou um longo tempopara se desenvolver até a forma atual, deixe-nos iniciareste livro pela apresentação de um breve esboço de nos-
sa história evolutiva. Perto de 100% da existência biológica de
nossa espécie caracteriza-se pela atividade ao ar livre. A caça
e a procura por alimentos e outras necessidades na selva de-
terminaram a condição da vida humana por milhões de anos.
Estamos adaptados a esse estilo de vida; essa característica se
aplica às nossas vidas sociais e emocionais e às nossas habili-
dades intelectuais. Após um breve período de tempo na cul-
tura agrária, terminamos em sociedades urbanizadas,
altamente tecnológicas. Obviamente, não há maneira de re-
tornarmos à forma de vida natural, a qual, a propósito, tam-
bém apresentava problemas. Compreendendo claramente nossa
herança biológica, podemos modificar o estilo de vida atual. O
conhecimento das funções do corpo em repouso, assim como
durante o exercício, sob diversas condições, serve de importan-
te base para otimizar nossa existência. Muitos dos processos
biológicos que formam as bases de nossas atuais habilidades
físicas são tratados em detalhe neste livro e têm, de fato, milha-
res de milhões de anos de idade. Assim, um abrangente livro-
texto de bioquímica escrito em torno de 1,5 bilhão de anos atrás
ainda seria, sem dúvida, atualizado no que se refere à célula.
PARA LEITURA ADICIONAL
Para uma interessante revisão das conseqüências do conflito
entre os estilos de vida moderno sedentário e nossa herança
biológica, veja Booth et al. (2000).
Presume-se que o sistema solar remonte há aproximada-
mente 4,6 bilhões de anos. Nessa época, a atmosfera que cir-
cundava nosso planeta não continha oxigênio. Esse elemento
químico foi o pré-requisito para a evolução da vida a partir da
matéria orgânica não-viva; sem oxigênio atmosférico e, por
conseqüência, sem o ozônio a grande altitude, a radiação ul-
travioleta do sol atingia a superfície da Terra. Essa radiação
pôde então proporcionar energia para a fotossíntese de com-
postos orgânicos a partir de moléculas como água, dióxido de
carbono e amônia. O processo fotossintético que tornou os
organismos vivos capazes de capturar energia solar para a sín-
tese de moléculas orgânicas como a glicose poderia ser clara-
mente traçado em fósseis datados em torno de 3,5 bilhões de
anos. A glicólise anaeróbia provavelmente é a via de extração
de energia mais antiga encontrada na vida sobre a Terra.
Organismos ancestrais dividiam a água por fotossíntese
e gradualmente liberavam oxigênio livre para a atmosfera.
Estima-se que foram necessários 2 bilhões de anos para a cria-
ção de uma atmosfera em que uma de cada cinco moléculas
fosse oxigênio. O oxigênio gerado tornou-se tóxico para mui-
tos de seus produtores originais. Com isso, novos padrões
metabólicos se desenvolveram — produção de energia aeró-
bia —, os quais usam o oxigênio comum como aceptor de hi-
drogênio. Outro resultado da produção do oxigênio foi a
formação da camada de ozônio na atmosfera superior. A sín-
tese não-biológica de matéria orgânica cessou, uma vez que a
radiação ultravioleta passou a ser absorvida pela camada de
ozônio. Essa nova relação entre os raios ultravioleta e a su-
perfície do nosso planeta reduziu a síntese não-biológica de
oxigênio. No entanto, a energia solar ainda consegue atingir a
Terra em comprimentos de onda visíveis e é usada para pro-
mover a fotossíntese biológica.
Desenvolvimento de organismos primitivos
Um novo marco na evolução biológica ocorreu ao redor de
1,5 bilhão de anos atrás. Nessa época, o organismo unicelular
com núcleo (eucarioto) desenvolveu-se (Vidal, 1984). Tal or-
ganismo primitivo, representando a forma mais simples de
vida aeróbia, incorporou funções fundamentais: metabolismo,
excitabilidade, locomoção e reprodução. Baseava-se em um
fenômeno biológico muito elaborado e complicado. Por esse
ponto de vista, é muito difícil chamá-lo de primitivo. Assim,
os processos de absorção e liberação de energia típicos da ati-
vidade celular atual — os sistemas trifosfato de adenosina e
difosfato de adenosina, a forma primária de transporte de
energia química em cada reação celular — são meramente
repetições de eventos ocorridos há anos (Schopf, 1978).
De fato, o triftriftriftriftrifosfosfosfosfosfatatatatato de adenosina (Ao de adenosina (Ao de adenosina (Ao de adenosina (Ao de adenosina (ATP)TP)TP)TP)TP) é o principal
meio de armazenamento e transferência de energia em qua-
se todos os organismos vivos. Grande quantidade de energia
é liberada quando o ATP é hidrolizado em difdifdifdifdifosfosfosfosfosfatatatatato de ade-o de ade-o de ade-o de ade-o de ade-
nosina (ADP)nosina (ADP)nosina (ADP)nosina (ADP)nosina (ADP), além de um íon fosfato. Na medida em que
consiste em um combustível pesado, o suprimento de ATP é
muito limitado. Dependendo do quanto fisicamente ativo seja
determinado indivíduo, em 24 horas ela ou ele pode gastar uma
quantidade de energia equivalente a 50 a 100% mais que seu
próprio peso corporal em ATP. Conseqüentemente, a ressínte-
se muito rápida de ATP torna-se essencial; o processo anaeró-
bio, com vários milhões de anos, é suplementado pela liberação
de energia aeróbia processada no interior da mitocôndria.
Os íons cálcio desempenham papel-chave na regulação
de muitos processos no corpo, incluindo a ativação dos mús-
culos cardíaco e esquelético. Uma proteína especial (calmo-
dulina) serve como receptor de cálcio intracelular e medeia a
função regulatória do cálcio. Essa proteína é estruturalmente
conservada e funcionalmente preservada nos reinos vegetal
e animal. Eis outro exemplo de como um mecanismo que se
desenvolveu há bilhões de anos demonstra eficiência, tendo
sobrevivido ao teste do tempo.
A célula — microscópica em tamanho, desde poucos mi-
crômetros até alguns milímetros — é capaz de transportar
nutrientes, produtos de excreção, eletrólitos e gases dissolvi-
dos intra e extracelularmente. Ela aplica forças físicas sim-
ples. A difusão e a osmose (diferenças nas concentrações
celulares) são as principais forças de impulsão. Além disso,
os processos biológicos que consomem energia fornecem as-
sistência para essa troca de matéria e moléculas.
Em resumo, durante bilhões de anos, o organismo vivo
unicelular evoluiu. Por meio do método de tentativa e erro,
os princípios biológicos fundamentais para a manutenção da
vida foram desenvolvidos; esses processos ainda operam efi-
cientemente.
O aparecimento dos mamíferos
Depois de garantir a eficiência da função das células, a evo-
lução estava pronta para o próximo grande passo: desenvol-
ver animais maiores. Estimativas apontam para 700 milhões
de anos (Valentine, 1978). Na evolução dos organismo maio-
res, foi impossível para as células simplesmente aumentar
de tamanho, o que poderia colocar em risco seu suprimento
de oxigênio e combustível. Sabe-se que a célula viva neces-
sita de oxigênio para seu metabolismo. Uma vez que havia
oxigênio disponível no meio ambiente, ele se difundiria em
direção ao local em que o metabolismo se processa: a mito-
côndria. A distância que as moléculas de oxigênio tinham
que atravessar e a diferença na tensão de oxigênio entre as
soluções extra e intracelular determinam a taxa de difusão.
Calcula-se que uma célula hipotética com raio de 10 mm e
taxa metabólica razoável necessite de uma pressão externa
de oxigênio 25 vezes maior que a pressão barométrica ao
nível do mar. Tal valor asseguraria o suprimento de oxigênio
para o centro da célula somente por difusão (Krogh, 1941).
Isso, é claro, está fora de questão, uma vez que a pressão de
oxigênio disponível no ambiente é somente em torno de um
quinto da pressão barométrica.
Da mesma forma, o transporte de combustível por difu-
são limita o tamanho individual da célula. Suponha que 1
milhãode moléculas de açúcar sejam colocadas na parte infe-
rior de um cilindro cheio de água. Após uma hora, metade
delas teria atravessado 1 mm ou mais por difusão. Porém, so-
mente 20 moléculas poderiam ter coberto a distância de 7 mm.
Levaria em torno de 100 anos para se obter a mesma concentra-
ção de moléculas de açúcar acima do nível de 1 m. Em outras
palavras, a difusão é um mecanismo de transporte eficiente
para curtas distâncias, mas ineficiente em longas.
Conseqüentemente, na evolução dos animais maiores,
a célula individual manteve seu tamanho original — o mes-
mo tamanho do organismo unicelular que vivia há mais de 1
bilhão de anos. No entanto, um número maior dessas célu-
las foi agrupado para aumentar o tamanho do organismo. A
célula especializou-se, formando, por exemplo, os genes. Es-
tes foram codificados com instruções detalhadas sobre a pro-
liferação da massa celular, fornecendo informações sobre
forma, estrutura e função. Os seres humanos têm em torno
de 200 tipos de células diferentes. Certas células agregam-se
para formar tecidos e órgãos de composição relativamente
homogênea. Alguns tecidos desenvolveram-se para desem-
penhar funções de sustentação (ossos, cartilagens, tecido con-
juntivo); outros desenvolveram o potencial para o movimento
(músculos). Outros, ainda, passaram a realizar funções de
excitabilidade e condução de informações (células sensori-
ais, células nervosas). Todas as células vivas têm certa capa-
cidade metabólica, mas certos grupos realizaram tarefas
metabólicas específicas, como a célula hepática e as células
do trato gastrintestinal. Para que o organismo sobreviva como
um todo, é essencial que as células individuais colaborem
de acordo com o princípio de um por todos e todos por um.
Como conseqüência inevitável do agrupamento de bilhões
de 200 tipos diferentes de células em um organismo, a célu-
la individual perde o contato com o ambiente externo. Além
do mais, ao longo do curso da evolução, para alguns organis-
mos esse ambiente mudou da água para o ar. O transporte de
suprimentos adequados de materiais de construção, combustí-
vel e oxigênio para cada célula e a remoção de produtos de
excreção são dois dos maiores desafios enfrentados por um or-
ganismo à medida que o número de células aumenta. Ambos
os problemas são resolvidos mergulhando cada célula em água,
ou seja, o fluido intersticial. Como a ameba, cada célula em
nosso corpo (com algumas exceções) é circundada por fluido,
basicamente similar à composição dos antigos oceanos.
O organismo traz a água do mar consigo, digamos, em
um saco feito de pele. A distância entre o interior da célula e
o ambiente externo é tão pequena que gases e substâncias
são facilmente transferidos. Para uma função ideal, a célula
necessita de um ambiente tão estável quanto possível. Assim,
a composição do fluido que banha as células deve ser manti-
da razoavelmente constante e ao abrigo de grandes flutua-
ções. Seu conteúdo de compostos orgânicos como ácidos
graxos, glicose, hormônios e enzimas e de substâncias inorgâ-
nicas como sódio, potássio e cálcio exerce influência vital so-
bre a célula. O suprimento contínuo de oxigênio e a remoção
de dióxido de carbono são cruciais. A tolerância para o au-
mento de íons hidrogênio, ou seja, para a diminuição do pH,
durante exercício pesado (pH menor que 7,0 no sangue arte-
rial) é notável, mas existe um limite. A tolerância para modi-
ficações na temperatura corporal é também limitada. Todos
os animais de sangue aquecido vivem somente poucos graus
acima ou abaixo de suas temperaturas letais.
Diferenciação da vida
Ao longo da diversificação dos organismos multicelulares,
transcorrida nos últimos 700 milhões de anos, novos tipos de
organismo apareceram, e divergências ocorreram dentro de
grupos já estabelecidos. Os mais primitivos traços fósseis de
vida animal referem o surgimento de tocas em rochas há
menos de 700 milhões de anos (Valentine, 1978). A Figura 1.1
apresenta os principais eventos na evolução dos organismos
multicelulares. Deve-se notar que a história dos mamíferos
cobre os últimos 220 milhões de anos ou mais. Os primeiros
primatas (a ordem inclui os seres humanos) podem ser ras-
treados até há 60 e 70 milhões de anos. Nesse período, os
dinossauros ainda dominavam a cena. Com a extinção dos
dinossauros, os mamíferos propagaram-se para nichos nova-
mente disponíveis. Há 60 a 70 milhões de anos, registra-se
uma explosão evolutiva a partir da propagação de plantas flo-
rescentes, pássaros e mamíferos.
Quais, portanto, são os mecanismos que marcam as ori-
gens das espécies e as relações evolutivas entre elas, isto é, o
Darwinismo? Lewin (1980) resumiu as visões sustentadas por
diferentes pesquisadores nesse campo. De acordo com a sín-
tese moderna, a evolução é a conseqüência do acúmulo gra-
dual de diferenças genéticas devidas a pontos de mutação e
de rearranjos dos cromossomos. A direção que determinada
modificação evolutiva toma é, então, determinada por sele-
ção natural, promovendo aquelas variantes que são mais bem-
adaptadas ao seu meio ambiente. No entanto, os fatos definem
que, de um modo geral, os fósseis não documentam transi-
ções delicadas de velhas morfologias para novas; essa pers-
pectiva também foi discutida por Darwin. Por milhões de anos,
as espécies permanecem sem modificação no registro fóssil,
sendo subitamente substituídas por algo substancialmente
diferente, porém claramente relacionado (Lewin, 1980). No
entanto, é, sem dúvida, concebível que futuras descobertas
de fósseis preencham muitas das lacunas e proporcionem al-
guns dos elos perdidos.
O aparecimento dos primatas
Talvez há apenas 10 ou 20 milhões de anos a árvore da família
dos primatas tenha desenvolvido um ramo chamado hominí-
deos. Foi esse ramo que deu origem ao Homo sapiens, o único
hominídeo sobrevivente. O outro ramo levou ao desenvolvi-
mento dos macacos antropóides: o orangotango, o gorila e o
chimpanzé. De acordo com a teoria evolucionista, as varian-
tes que sobreviveram são aquelas mais bem-adaptadas ao seu
meio ambiente particular. Esses indivíduos atingiram a matu-
ridade e produziram proles viáveis. As variantes mais fracas
falharam em sobreviver. Nos últimos milhões de anos, houve
períodos de clima tropical em grandes áreas, assim como qua-
tro períodos glaciais.
Em algum lugar ao longo do caminho, um macaco antro-
póide prototípico abandonou a vida nas árvores e começou a
buscar alimento e a caçar no solo. As espécies relacionadas a
essas criaturas podem ser os Ramapithecus. De acordo com os
peritos, essa transição se processou em torno de 14 milhões
de anos atrás; há quem acredite na ocorrência dessa transi-
ção há vários milhões de anos. A humanidade, dessa forma,
iniciou a sua adaptação bípede à vida terrestre, primeiro às
margens das florestas e, então, gradualmente em direção à
savana, formando bandos de caçadores e catadores. Valentine
(1978) sugeriu que a ascensão final da espécie humana foi
Figura 1.1 Principais eventos na evolução dos organismos
multicelulares.
Adaptada de Valentine, 1978.
E S T U D O C L Á S S I C O
Charles Darwin (1809-1882) estabeleceu o Darwinismo, a teo-
ria da origem e da perpetuação de novas espécies de animais
e plantas. Tal teoria sustenta que os organismos tendem a pro-
duzir descendentes variando levemente de seus pais. Essa teo-
ria sugere que o processo de seleção natural tende a favorecer
a sobrevivência de indivíduos cujas peculiaridades melhor se
adaptem ao seu ambiente. Nesse caso, não somente novas
espécies teriam sido, e ainda são, produzidas sobretudo pela
operação permanente desses fatores, mas organismos de gru-
pos bastante diferentes surgiram de ancestrais comuns.
associada com um direcionamento adicional à caça de ani-
mais de grande porte, aumentando o valor da habilidade, da
inteligência e da cooperação.
Existe uma intrigante falta de hominídeosfósseis por lon-
go período de tempo após o Ramapithecus. Há não menos de 4
milhões de anos os fósseis africanos revelaram a presença do
gênero hominídeo Australopithecus. A pelve permitiu a postu-
ra ereta com marcha bípede e braços livres. Seu tamanho ce-
rebral era de 450 a 550 cm3, o mesmo tamanho do cérebro do
gorila. A estatura era de 110 a 120 cm. Registros arqueológicos
de ferramentas — “machados” de cascalho e pequenas pedras
— têm provavelmente mais de 3 milhões de anos (Lewin,
1981). Assim, a fabricação de ferramentas foi estabelecida antes
da marcada expansão do cérebro na linhagem dos hominíde-
os. Apesar de poucas espécies do Australopithecus terem sido
identificadas, ele foi um gênero relativamente homogêneo que
sobreviveu por mais de 2 milhões de anos. Os últimos repre-
sentantes dos Australopithecus foram extintos há menos de 2
milhões de anos. Há poucos anos, um esqueleto completo de
3,6 milhões de anos de um hominídeo de 1,2 m de estatura, o
Australopithecus africanus, foi encontrado nas imediações de
Johannesburgo, na África do Sul.
Outro membro da família dos hominídeos foi denomina-
do Homo habilis por algumas autoridades e viveu entre 2,3 e
1,5 milhões de anos atrás, com volume cerebral na faixa de
600 a 800 cm3. O primeiro registro bem documentado de um
fóssil humano verdadeiro é o Homo erectus. Nessa época, o
cérebro já havia aproximadamente dobrado de tamanho, para
média de 1.050 cm3. “Na luta pela sobrevivência por meio da
tecnologia, a seleção para cérebros maiores e mais eficientes
parece ter ocorrido. Para que as ferramentas fossem enorme-
mente melhoradas e diversificadas, uma capacidade cerebral
apropriada teve de se desenvolver” (Wiener, 1971). O Homo
erectus tinha pelve verdadeiramente moderna e movia-se sob
marcha ereta. Esses hominídeos viveram como caçadores e
catadores em uma grande faixa geográfica. Seus corpos me-
diam provavelmente entre 150 a 160 cm. Eles faziam uso do
fogo, como evidenciado por uma região de ocupação de ho-
minídeos de 1,4 milhão de anos de idade (Gowlett et al., 1980).
Provavelmente o público em geral esteja mais familiari-
zado com o Neanderthal (Homo sapiens neanderthalensis), o
qual, a partir de achados arqueológicos, parece ter-se estabe-
lecido em torno de 200 mil anos atrás (Stringer, 1990). Os
Neanderthal foram caçadores habilidosos de pequenas e de
grandes áreas, formando bandos similares àqueles dos caça-
dores mais recentes. Provavelmente estiveram ligados a agru-
pamentos tribais ou, no mínimo, a grupos com linguagem
comum. Eles formaram uma população humana complexa que
se estendia de Gibraltar através da Europa em direção ao les-
te da Ásia. A população Neanderthal era homogênea, assim
como a população humana atual. O cérebro encerrado no crâ-
nio do Neanderthal, entretanto, era, em média, levemente
maior que o cérebro dos humanos modernos. De acordo com
Trinkhaus e Howells (1979), esse perfil anatômico está indu-
bitavelmente relacionado à característica da musculatura dos
Neanderthal. Ela era mais substancial que a dos humanos
modernos. Os Neanderthal tinham aparentemente as mesmas
habilidades posturais, destrezas manuais e amplitudes e ca-
racterísticas dos movimentos típicos dos humanos modernos.
No entanto, possuíam ossos dos membros mais maciços e
maior massa e potência musculares. Eles tinham grandes
ombros, um frontal protuso, achatado, e o nariz largo. Grande
número de cavernas ocupadas pelos Neanderthal foram esca-
vadas em Gibraltar. Até agora em torno de 30 esqueletos de
Neanderthal foram encontrados. O desaparecimento dos
Neanderthal remonta há aproximadamente 35 mil anos. Quan-
do eles desapareceram, os humanos anatomicamente moder-
nos, Homo sapiens sapiens, já existiam. Ninguém sabe por que
os humanos do tipo moderno tomaram a frente e os Neander-
thal desapareceram (Stringer, 1990). Uma hipótese é que os
humanos modernos evoluíram na África e então se espalha-
ram pelo mundo, desenvolvendo perfis raciais ao longo do
processo. Supõe-se que os humanos modernos e os Neander-
thal sejam de linhas distintas que divergiram de um ancestral
comum há mais de 200 mil anos na África e na Europa, res-
pectivamente. No último estágio, eles se separaram. As duas
espécies teriam, por fim, dividido o ambiente em algumas
partes do mundo.
Uma hipótese alternativa é o modelo de “fluxo genético”:
a contribuição genética variou de região para região, assim
como a taxa de intermisturas gradualmente aumentou de acor-
do com a evolução dos humanos modernos. Stringer (1990)
aponta que, no modelo de fluxo genético, perfis raciais prece-
deram o aparecimento dos humanos modernos, enquanto o
modelo africano inverte a ordem. Ele sustenta o modelo afri-
cano com a dispersão dos primeiros humanos modernos a
partir da África nos últimos 100 mil anos. No entanto, a data
de nossa origem como humanos modernos é controversa.
Evolução humana moderna
É muito provável que os seres humanos que viviam há 50 mil
anos tinham o mesmo potencial para o desempenho físico e
intelectual, como tocar piano ou construir um computador,
que qualquer um que viva hoje. Como mencionado, os Nean-
derthal tinham cérebros maiores e massa muscular maior que
os humanos modernos. Esses achados não sugerem qualquer
diferença nas capacidades intelectuais ou comportamentais
(Trinkhaus e Howells, 1979). De todas as indicações, o Homo
sapiens sapiens permaneceu biologicamente imutável duran-
te pelo menos os últimos 50 mil anos. Há cerca de 30 mil
anos, os humanos modernos espalharam-se para quase todas
as partes do mundo. Foi somente em torno de 10 mil anos
atrás que a transição de caçador e catador nômade para fazen-
deiro fixo constituiu-se.
Para ilustrar a escala de tempo da evolução, compare-
mos 4,6 bilhões de anos de existência de nosso planeta com
uma viagem de 460 quilômetros (Figura 1.2). A vida começou
após os primeiros 100 quilômetros da viagem terem sido per-
corridos. Ela levou outros 200 quilômetros antes que o orga-
nismo unicelular com núcleo nascesse. Os animais multice-
lulares começaram a viver em torno da marca dos 400 quilô-
metros. A disseminação evolutiva do gênero dos mamíferos
começou em torno de 453 quilômetros. O primeiro hominí-
deo provavelmente apareceu cerca de 6 quilômetros adiante.
O Australopithecus juntou-se à viagem em torno de 400 a 200 m
do final; os Neanderthal desapareceram aproximadamente a 3,5
m da linha de chegada, onde foram substituídos pelos huma-
nos modernos. O cultivo da terra e a criação de animais domés-
ticos está a 1 m de nossa posição atual. Uma pessoa com 100
anos de idade hoje cobriu a distância de meros 10 mm de toda
a viagem de 460 quilômetros.
O propósito desse resumo do processo evolutivo é pro-
porcionar o esboço de nossa base genética. Muitas estruturas
e fundações são comuns a diferentes espécies no reino ani-
mal. Por exemplo, parece não haver diferenças fundamentais
na estrutura, na química ou na função entre os neurônios e
as sinapses de humanos e os de uma lula, de um caracol ou
de uma sanguessuga (Kandel, 1979). Podemos, assim, apren-
der muitas coisas estudando diferentes espécies. É aparente
que todos os organismos vivos possuem um código baseado
nos mesmos princípios. Dados indicam, por exemplo, que
humanos e chimpanzés compartilham mais de 98% do mate-
rial genético (Washburn, 1978). No entanto, mudanças gené-
ticas mínimas podem gerar enormes modificações morfoló-
gicas. Conseqüentemente, deve-se ter cuidado ao extrapolar
achados de uma espécie para outra, incluindo humanos. Ao
longo de milhões de anos, muitas espécies sofreram peque-
nas ou grandes modificações em características físicas e ou-
tras. Em geral, entretanto, a evolução é um processo muito
conservador. Todos os vertebrados, incluindo os hominídeos,
apresentam colunas vertebrais. As vértebras têm um dese-
nho complicado, mas são muito similares nas espécies em
que aparecem. Essesachados sustentam a hipótese de que as
vértebras evoluíram apenas uma vez. Em outras palavras, pa-
rece que todos os vertebrados dividem um ancestral comum
com uma coluna vertebral. Em estágio inicial, o embrião hu-
mano começa a desenvolver guelras, mesmo que vá respirar
com pulmões.
Outros exemplos de estruturas e funções compartilha-
das por muitas espécies podem ser extraídos dos mamíferos:
todos os mamíferos têm três ossos separados no ouvido mé-
dio; as fêmeas apresentam glândulas produtoras de leite,
apesar de a composição do leite variar marcadamente entre
as espécies.
Entre os vertebrados, a locomoção costuma ser progra-
mada geneticamente. Os peixes nadam assim que nascem; os
pássaros caminham tão logo saem da casca do ovo. Muitas
espécies de mamíferos estão bem-desenvolvidas ao nascer.
Algumas são até mesmo capazes de correr assim que nas-
cem; outras atingem a velocidade de 35 km por hora com
apenas poucos dias de vida. Isso porque sua sobrevivência
pode depender de sua capacidade de fugir. No caso dos seres
humanos — completamente desamparados ao nascer e intei-
ramente dependentes dos cuidados dos pais —, não serem
capazes de se locomover para muito longe de seus pais até
que sejam maduros o suficiente para permanecer sobre seus
próprios pés pode representar uma vantagem.
O processo evolutivo continua, e a história dos mamífe-
ros mais recentes tem referido uma onda de extinção, parti-
cularmente grave para os grandes mamíferos, incluindo os
hominídeos. A extinção é uma medida do sucesso da evolu-
ção em adaptar organismos a condições ambientais específi-
cos. Novas formas de vida têm chance quando as adaptações
proporcionam o ingresso em determinado nicho relativamen-
te vazio. No balanço entre existência e extinção, a disputa
não é muito favorável: estima-se que bilhões de espécies
desapareceram da Terra durante os últimos 700 milhões de
anos, mas o número de espécies multicelulares que vivem
hoje é da ordem de 2 milhões; isto é, somente 0,1% sobrevi-
veu.
O córtex cerebral humano reflete o sucesso da evolução
da nossa espécie. Assim como as proporções da mão humana
— com seu grande e musculoso polegar opositor — refletem a
bem-sucedida adaptação arbórea e posteriormente utilizado-
ra de ferramentas, a anatomia do cérebro humano reflete uma
bem-sucedida adaptação às habilidades manuais e intelectu-
ais. Os adultos da maior parte das espécies vertebradas alo-
cam de 2 a 8% de seu metabolismo basal para a manutenção
do sistema nervoso central (SNC; Mink, Blumenschine e Ada-
ms, 1981). Esses autores pressupõem que “uma relação de
funcionamento ótimo entre a demanda energética de um sis-
tema executor de determinado animal (metabolismo muscu-
lar) e seu sistema de controle (metabolismo do SNC) foi a
primeira coisa estabelecida na evolução dos vertebrados”. Uma
importante exceção é o Homo sapiens, cujo SNC consome 20%
de seu metabolismo basal.
Assim como a caminhada ereta e a fabricação de ferra-
mentas foram as únicas adaptações da fase inicial da evolu-
ção humana, a capacidade fisiológica da fala configurou a base
biológica para os estágios posteriores. Sem dúvida, é por meio
da linguagem que os sistemas sociais humanos são mediados.
A fala é a forma de comportamento que diferencia os huma-
nos de outros animais mais do que qualquer outro comporta-
mento. É a passagem adiante do conhecimento e da expe-
riência de uma geração para a próxima por intermédio da
linguagem que capacitou os humanos, não-modificados bio-
logicamente por dezenas de milhares de anos, a acelerar o
progresso tão dramaticamente e a utilizar seus recursos inte-
lectuais privilegiados em uma revolução técnica que levou a
novas e complexas ferramentas, armas, abrigos, barcos, auto-
móveis, viagens exploratórias e à realização de algo aparente-
NOSSA EVOLUÇÃO BIOLÓGICA
Início
0 km A Terra é criada 4.600.000.000 de anos atrás
110 km Processos bioquímicos capazes de armazenar energia solar são desenvolvidos 3.500.000.000 de anos atrás
310 km Organismos unicelulares com núcleo aparecem 1.500.000.000 de anos atrás
390 km Organismos multicelulares aparecem 700.000.000 de anos atrás
453 km Surge o mamífero moderno 70.000.000 de anos atrás
459 km O ramo hominídeo é desenvolvido 10.000.000 de anos atrás
459,6 km Aparece o Australopithecus 4.000.000 de anos atrás
459,99 km Surge o homem de Neanderthal 100.000 anos atrás
459,999 km É introduzida a agricultura 10.000 anos atrás
459,99999 km O atual homem com 100 anos de idade nasce 100 anos atrás
Figura 1.2 Podemos comparar os 4,6 bilhões de anos de existência de nosso planeta com uma viagem de 460 quilômetros. A vida começa
após os primeiros 100 quilômetros da viagem terem sido percorridos. Uma pessoa com 100 anos de idade hoje percorreu a distância de
somente 10 mm.
mente impossível: a aterrissagem na Lua. E ainda mais: no
meio dessas esplêndidas realizações, existem aquelas que
buscam saber onde a evolução do cérebro humano pode che-
gar. Enquanto sua habilidade para conceituar, inventar, criar
e construir é espantosa, ainda se espera compreender quanto
o cérebro humano reteve ou desenvolveu igualmente bem
sua capacidade para a condução ética ou para a aplicação res-
ponsável do potencial dotado. Na época em que nossos ances-
trais vagavam em pequenos bandos, qualquer conseqüência
destrutiva de suas atividades era muito limitada. Mas hoje,
graças às inovações técnicas e ao desenvolvimento social, ba-
sicamente o mesmo cérebro é capaz de transformar o ser hu-
mano em um monstro autodestrutivo.
A mobilidade humana
Os humanos, assim como todos os animais superiores, são
essencialmente desenhados para o movimento. Por conseguin-
te, nosso aparelho locomotor e órgãos auxiliares constituem a
maior parte de nossa massa corporal total. Essa relação entre
as formas e as dimensões do esqueleto e a musculatura im-
possibilita o corpo humano de competir com uma gazela em
velocidade ou com um elefante em força. Na diversidade,
porém, os seres humanos são, sem dúvida, surpreendentes.
O instrumento básico da mobilidade é o músculo. Trata-
se de um tecido muito antigo. Como já mencionado, os fós-
seis animais mais antigos foram os cavadores de tocas, que
viveram em torno de 700 milhões de anos atrás. Evidente-
mente, usando a força muscular, esses animais podiam cavar
nos leitos dos mares. Os músculos mantiveram as vias meta-
bólicas desenvolvidas quando o ar não continha oxigênio, isto
é, as fontes energéticas anaeróbias. O ácido pirúvico formado
em nossos músculos sob condições anaeróbias é removido
pela formação de ácido lático. Uma antiga alternativa preco-
nizava a transformação de piruvato em álcool etílico. Devem
existir aqueles entre nós que lamentam o fato de os músculos
esqueléticos não terem selecionado essa rota alternativa. Se
assim fosse, a produção de piruvato pelo exercício até a exaus-
tão ou corridas em subida poderiam ter-se tornado um esfor-
ço muito popular!
O músculo esquelético é o único capaz de variar sua taxa
metabólica para um nível maior que qualquer outro tecido. De
fato, o músculo esquelético ativo pode aumentar seus proces-
sos oxidativos para mais de 50 vezes em relação ao nível de
repouso. Essa enorme variação na taxa metabólica deve neces-
sariamente criar sérios problemas para a célula muscular, uma
vez que o consumo de combustível e oxigênio aumenta 50 ve-
zes, o que leva a taxa de remoção de calor, de dióxido de carbo-
no, de água e de produtos de excreção a aumentar similarmente.
Para manter o equilíbrio químico e físico da célula, deve haver
também um tremendo aumento na troca de moléculas entre
os fluidos intra e extracelulares. Líquidos frescos devem ser
continuamente bombeados para a célula em exercício. Quan-
do os músculos são submetidos a atividade vigorosa, a habili-
dade para manter o equilíbrio interno necessário para continuar
o exercício depende inteiramente dos órgãos queauxiliam os
músculos. Tal dependência é especialmente verdadeira no caso
da respiração e da circulação. Por outro lado, a ingesta de ali-
mentos, a digestão e o manejo de substratos, a função renal e o
balanço hídrico são também afetados por variações da taxa
metabólica.
Resumo
O propósito desta breve revisão de nossa herança biológica é
proporcionar alguns dados fundamentais que podem ser úteis
no entendimento das complicadas inter-relações entre todos
os processos biológicos que formam as bases da nossa exis-
tência e desempenho.
Os humanos são feitos para serem fisicamente ativos.
Quase toda a existência biológica de nossa espécie baseia-se
na atividade ao ar livre, porém acabamos por viver em uma
sociedade urbanizada, altamente tecnológica. Com mais cla-
reza sobre nossa herança biológica, podemos ainda modificar
nosso atual estilo de vida. O conhecimento das funções do
corpo é importante para a otimização de nossa existência.
PARA LEITURA ADICIONAL
Para revisão da evolução humana, recomendamos a publicação
do British Museum, Man’s Place in Evolution (1980).
PARA ESTUDOS ADICIONAIS
Uma excelente revisão da evolução dos primatas é apresentada
no vídeo Evolution: Primates (1997). Um fascinante retrato do
papel genético no desenvolvimento orgânico é apresentado no
vídeo The Hopeful Monsters (1997).

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