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1 1994: ESTABILIZAÇÃO MONETÁRIA BRASILEIRA João Victor Vieira Passon Para se entender como a moeda brasileira ficou estável e forte internacional- mente é preciso conhecer os processos que levaram até sua criação, muitas pessoas acham que foi um “milagre”, não percebendo o processo gradual até a implementação do Real. Desse modo, é função desse estudo esclarecer as fases que levaram até a criação do Real em 1° de julho de 1994, baseando-se em artigos publicados na época e algumas análises posteriores. Busca-se deixar de forma clara como o Plano Real foi implantado e mostrar que outras economias também passaram por casos parecidos, não sendo a inflação inercial1 um caso exclusivo brasileiro. Durante quase três décadas o Brasil passou um longo período de alta inflação, colocando-se os acontecimentos do ano de 1979 como primordial para os aumentos dos índices inflacionários nos períodos posteriores. Como coloca Bresser, até 1979 a inflação brasileira se mantinha em um patamar próximo de 40% ao ano, com a se- gunda crise do petróleo seguido do aumento das taxas de juros no cenário internaci- onal, a inflação, que antes manteve-se na faixa de 40% ao ano, em 1980 saltou para 100% e em 1983 passa para 200% ao ano, ficando evidente a dependência brasileira do dinheiro externo. Diversos planos foram tentados desde 1979 para tentar conter a disparada da inflação brasileira. Bresser situa que entre todos os planos tentados, desde 1979, o melhor concebido até 1994 era o Plano Real. O economista evidencia o fato de muitos planos terem tentado: ou solucionar o caráter fiscal ou solucionar a inflação inercial brasileira, nunca, até o momento, ter sido possível solucionar os dois. Muito pela pres- são política feita pela população, principalmente quando tentado ajustes fiscais. No entanto, em 1994, a população se mostra disposta a agir junto ao governo para solu- cionar o problema inflacionário do país, sendo esse um dos diferenciais do Plano Real. A inflação brasileira da década de 80 e 90 é comparada frequentemente com a inflação da Alemanha pós-primeira guerra. A depreciação da moeda alemã, como mostra Franco, foi de maneira acelerada: um dólar, que no começo de 1922 valia 320 marcos alemães, no final de 1923, passou a valer 4,24 trilhões de marcos. A desvalo- 1 Para entender mais sobre inflação inercial, ver Bresser (2010). 2 rização da moeda alemã se deveu principalmente pelas reparações de guerra. Con- forme apresenta Franco, ao contrário de outros países europeus, como França e In- glaterra, os quais preferiram cobrir os custos da guerra com criação de impostos, a Alemanha optou por empréstimos. Posteriormente o Estado alemão passou a adotar como solução para o pagamento dos empréstimos e da reparação de guerra a simples emissão do marco de papel. O caso alemão muito se assemelha com o brasileiro. Por muitos anos o Brasil adotou como política de pagamento das dívidas - principalmente os empréstimos pe- gados a juros baixos na época militar - a simples emissão de dinheiro. A solução bra- sileira para a inflação teve como inspiração a solução alemã, a diferença principal entre os dois era que o “rentenmark” alemão era uma moeda indexada e o URV do Plano Real era um índice moeda. O plano brasileiro se firmou em três etapas para a retomada da estabilidade. Nogueira comenta que desde antes do Plano Real ser posto em ação até o dia da última etapa, o Brasil tentou ao máximo aumentar suas reservas internacionais de dólares, para assim ganhar a confiança dos investidores internacionais. Desse modo, se tivesse uma fuga de capital os investidores não ficariam amedrontados, seria pos- sível converter a nova moeda em dólares sem problema, devida a grande reserva acumulada. Um dado importante posto por Nogueira é o fato das reservas brasileira em 1994 terem chegado a US$ 40,1 bilhões, sendo mais de US$ 28 bilhões adquiridos desde a posse de FHC, evidência que mostra a importância desse período pré-plano. A primeira fase da implementação seria o ajuste fiscal, a alta inflação brasileira, para muitos economistas, estava atrelada ao déficit público, e como forma de pagar suas contas o governo recorria a impressão de mais dinheiro. Assim sendo, a primeira fase do Plano Real seria estabilizar as contas do Estado, para isso começou uma série de privatizações e cortes no governo. Essa fase já era em si inovadora, os planos anteriores não faziam ou nem tinham apoio para realiza-la, como escreveu Bresser (1994): Sabemos que os doze planos de estabilização que foram tentados desde que esta crise começou em 1979 fracassaram devido a uma combinação de dois motivos: falta de apoio político para o ajuste fiscal e incompetência na imple- mentação do plano. [...] O apoio para o ajuste fiscal é hoje muito maior do que há alguns anos atrás. O populismo econômico continua enraizado na socie- dade e na política brasileiras, mas perdeu muito força dada e gravidade da crise fiscal. 3 Passado um tempo da primeira fase começou a implementação da segunda, qual consistia na introdução da Unidade Real de Valor (URV). Essa etapa nada mais era do que uma “dolarização” da economia, criando uma paridade com o dólar e o Cruzeiro Real. O URV nasceu valendo US$1,00 e CR$ 647,50, assim, para se ter o valor em URV bastava pegar o valor correspondente em Cruzeiro Real e dividi-lo por CR$ 647,50. Aos poucos todos os contratos e salários foram sendo transformados em URV, acabando gradualmente com a memória inflacionária brasileira. Finalmente, no dia 1° de julho de 1994, o Plano Real chegava a sua terceira e última fase. No dia final, o URV valia CR$2750, tendo, portanto, que todos os valores serem passados para o URV. Bastava pegar o valor em Cruzeiro Real e dividi-lo por CR$2750, tendo assim o valor em URV. Todos os contratos, contas bancarias, apli- cações passariam agora ser contada em URV, nascia assim o Real. A estabilização monetária brasileira foi um processo lento e gradual, mesmo assim não se pode afirmar que não teve grandes consequências econômicas para o Brasil. O professor Grasel mostra que, junto com o Plano Real, veio uma abertura econômica brasileira. Mediante um câmbio valorizado, as exportações se tornavam caras e favoreciam as importações, fazendo com que as empresas brasileiras perdes- sem mercado interno. Grasel salienta que através de taxas de juros altas, para conter a instabilidade econômica, o governo desestimulou o consumo e o investimento, mas estimulou a poupança. Dessa forma, o Plano Real cumpriu seu objetivo de estabili- dade monetária para a economia brasileira, não sendo seu intuito uma estabilidade econômica (mesmo a estabilidade econômica dependente da estabilidade monetária), conclui Grasel. O Brasil passou, portanto, por longos períodos de alta inflação, a solução só viria com o Plano Real, que se sustentou em três etapas feitas gradualmente: ajuste fiscal, implantação do URV e criação do Real. De fato, o plano conseguiu cumprir com seu objetivo de estabilização monetária, contendo a inflação brasileira, no entanto não é o plano que garantiria uma estabilização econômica para o país. Estabilização essa que requer mais estudos, não sendo objetivo desse trabalho saber se a estabilização econômica foi alcançada, mas fica claro que para se alcançar uma estabilização na economia é preciso antes ter uma moeda estabilizada e forte. REFERÊNCIAS: 4 BATISTA JR., Paulo Nogueira. O Plano Real à luz da experiência mexicana e argen- tina. Estudos Avançados, São Paulo, v. 10, n. 28, p. 127-197, dec. 1996. FRANCO, Gustavo H. B. O milagre do Rentenmark:uma experiência bem-sucedida com moeda indexada. Revista Brasileira de Economia, v. 43, n. 3, p. 431-450, jul./set. 1988. GRASEL, Dirceu. Brasil: Plano Real e a estabilização econômica inacabada. Dis- ponível em: <http://www.e-revista.unioeste.br/index.php/gepec/article/down- load/225/158 >. Acesso em: 02 dez. 2017. PEREIRA, Luiz C. B. A descoberta da inflação inercial. Revista de Economia Con- temporânea, v. 14, n. 1, p. 167-192, jan./abr. 2010. PEREIRA, Luiz C. B. A economia e a política do Plano Real. Revista de Economia Política, v. 14, n. 4, p. 129-149, out./dez. 1994. SOUSA, Leon L. A. O rentenmark na Alemanha e o Plano Real no Brasil. 2014. 36 p. Projeto de Monografia (Bacharel em Ciências Econômicas)- Faculdade de Econo- mia e Administração, São Paulo, 2014.
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